O documento relata sobre três histórias curtas publicadas na revista "O Bandeirante" de março de 2014. A primeira história "A guerrilheira" descreve a jornada de uma guerrilheira da América Central relembrando seus tempos de luta armada. A segunda história "Naufrágio" fala sobre um povo yorubá e seu protetor Xangô. A terceira história "O papai noel ladrão" apresenta o encontro de um ladrão com um velhinho de cadeira de rodas em
1. O Bandeirante
256
MARÇO
2014
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional S.Paulo
A guerrilheira
“De repente, o que se ouve de sua voz não é um hino
revolucionário, como, a princípio, se esperava, mas, sim, um
cântico de exaltação da natureza, uma esperança silvestre
resgatando o amor desgarrado, quase perdido, quase sequestrado,
compondo um coro de ternura, à primeira vista incompatível com o
matraquear cracracante e seco da luta armada, por uma liberdade
apenas divisada, ceifando cabeças e membros ao redor e a esmo.
Um cântico de entrega e desprendimento que transforma em causa
a justiça social, muito além da própria morte”
Leia a crônica de SÉRGIO PERAZZO na p.
3
Naufrágio
“O povo yorubá era protegido e abençoado, Xangô era o único
que tinha todos os poderes para protegê-los e às crianças que
cresceriam fortes e guerreiras como ele. Só ele tinha trânsito livre
pelos dois mundos que faziam a terra e que separavam-se entre
mortos e vivos.”
O conto de ROBERTO ANTONIO ANICHE está na p.
5
O papai noel ladrão
“- Sou médico aposentado, já com os pés na eternidade. Por
força da minha profissão, fiz da minha vida um rosário, um
cordão de contas, alegrias e sofrimentos mesclados, sem
explicação. Enquanto isso, ela, a morte, sempre à espreita... Você
entende bem isso: é coveiro. Afinal, por que está desempregado?”
O conto de RODOLPHO CIVILE na p.
4
5
6
6
DIA DE SOL
CAFÉ
DIVAGAÇÃO
Anienne Nascimento
Hildette Rangel
Enger
Josef Tock
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2. 2
O Bandeirante - Março 2014
Jornal O Bandeirante
ANO XXIII - nº. 256
Março 2014
Publicação mensal da Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP. Sede:
Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 278 - 7º. Andar - Sala 1 (Prédio
da Associação Paulista de Medicin a) - São Paulo - SP
Editores: Josyanne Rita de Arruda Franco e Marcos Gimenes
Salun (MTb 20.405-SP)
Jornalista Responsável e Revisora: Ligia Terezinha Pezzuto
(MTb 17.671-SP).
Redação e Correspondência: Rua Francisco Pereira
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Colaboradores desta edição: (Textos literários): Anienne
Nascimento, Hildette Rangel Enger, Josef Tock, Roberto
Antonio Aniche, Rodolpho Civile e Sérgio Perazzo. (Fatos &
Olhares): Márcia Etelli Coelho.
Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de
1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.
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Gimenes Salun. Conselho Fiscal Suplentes: José Jucovsky,
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Flerts Nebó e Walter Whitton Harris - 1993-1994
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Flerts Nebó e Walter Whitton Harris - 1996-2000
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun - 2001 a abril de 2009
Helio Begliomini - maio a dezembro de 2009
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10º. Flerts Nebó (out/2005 a dez/2006)
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Produções e Edições Ltda. E-mail: rumoeditorial@uol.com.br
Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica
Editora - São Paulo
A Sobrames-SP tem se destacado com seus talentosos escritores em diversas
agremiações e entidades literárias, variadas mídias e nas especiais e
acolhedoras noites de festivos saraus que são as Pizzas Literárias. Os
visitantes encantam-se com o convívio alegre e fraterno reinante, onde têm
oportunidade de ouvir a voz do próprio autor na apresentação do seu trabalho
e conhecer bem de perto autores premiados e profissionais destacados em
seus ofícios. Uma experiência intimista única que remete aos tempos de uma
cidade um pouco mais silenciosa, um pouco menos movimentada, mas
sempre pujante e com vocação para se tornar grandiosa, sem perder seu
encanto no acolhimento de todos os estilos, todas as vertentes, todas as
propostas. Um jeito São Paulo de ser! Um jeito regional paulista de receber!
Sejam bem-vindos.
Josyanne Rita de Arruda Franco
Médica Pediatra Presidente da Sobrames-SP
Diretoria recebe anuidades 2014
É de R$ 330,00 o valor da anuidade para 2014, que poderá ser pago em
duas parcelas de R$ 165,00, com cheques para março e abril. Para os
pagamentos efetuados a partir de maio, o valor será de R$ 360,00. A
diretoria espera e agradece a contribuição de todos, pois esta é a única
fonte de recursos para manter as atividades da SOBRAMES-SP. O pagamento
em dia também garante a publicação de seus textos literários. Contatos
com a tesouraria: aidapdsb@terra.com.br
Adesões para Coletânea 2014
As regras e condições para mais uma edição da tradicional
coletânea bianual da SOBRAMES-SP, “A Pizza Literária décima terceira fornada”, já estão disponíveis. Elas foram
publicadas num BLOG exclusivo, que foi ao ar no final de
janeiro e que poderá ser acompanhado no endereço abaixo.
Foram enviados e-mails a nossos autores e logo mais estará
sendo enviada também por correio convencional. No
encerramento desta edição, oito autores já haviam feito
sua inscrição.
As adesões vão até 31 de março e poderão ser inscritos
textos em prosa e verso sobre qualquer tema. Cada autor
poderá contratar um mínimo de 5 (cinco páginas) da obra,
não havendo limite máximo de participação. Para cada
página contratada, o autor receberá 5 (cinco) volumes do
livro. O custo por página contratada é de R$ 70,00 (setenta
reais) e o total da quota do autor poderá ser parcelado em
até 7 (sete) vezes. Não perca mais tempo: prepare seus
melhores textos e inscreva-se hoje mesmo!
http://coletanea2014.blogspot.com.br/
21/03 – Helio Begliomini
21/03 – Maria da Glória Civile
As Pizzas Literárias da SOBRAMES-SP acontecem
na terceira quinta-feira de cada mês, a partir
das 19h00 na PIZZARIA BONDE PAULISTA
Rua Oscar Freire, 1.597 - Pinheiros - S.Paulo
3. O Bandeirante - Março 2014
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A guerrilheira
Sérgio Perazzo
Para as guerrilheiras
da América Central,
sempre e para sempre
guerrilheiras
Os ossos não são mais os mesmos. Gemem o
passar dos anos. Tempos de rastejar colinas. Desbravar
o mato. Comer gafanhotos. Pensar ferimentos das longas
marchas. Secar frieiras. Digitais em passaportes falsos,
como em filmes de espionagem passados na peneira de
suspeitas de oficiais das SS ou de sentinelas imberbes
de bochechas rosadas da Europa Central no auge da
Guerra Fria.
Tempo clandestino. Tempo de fuga. Tempo das
redes de informações que cobriam o mapa das fronteiras
da Guatemala e que se estendiam pelas estradas de terra
de El Salvador, Nicarágua e Costa Rica.
No descanso da varanda sombreada de
trepadeiras, algo desfiadas, no ângulo certo, num rápido
momento, quase imperceptível, o sorriso de pedra de
lábios cerrados, como que reconhecendo a reprise do
mundo em sua monótona sucessão de atrocidades jamais
superadas, em mais uma passeata de protesto e palavras
de ordem massacrada pelo implacável poder constituído,
algum dia destituído pelo apodrecimento dos anos.
No mais, o sorriso sempre se suaviza, sempre é
adoçado pela página do reverso da mesma história que
transforma tragédia em anedota. Tempos heroicos.
Tempos esquecidos. Tempos de alguma forma revividos.
Por isso mesmo, é capaz de ser deixada só na
periferia de um subúrbio qualquer de uma cidade
desconhecida sem se perder, apesar da falta de bússola,
guia, sextante ou GPS. Sempre encontra, sem medo e
sem pânico, o caminho de volta. Sem senha. Sem
codinome. Sem facão de mato abrindo picadas. Sem
bandana prendendo o cabelo e contendo o suor da testa.
Sem fieira de munição de metralhadora cruzando o peito
à sombra de bananeiras.
Ninguém diria, sentindo a luz que emana do seu
rosto, que apagar qualquer brilho era o segredo de
sobrevivência da sombra clandestina. Ninguém diria que
a palma rude esculpida de calosidades rompendo as
cordas de alpinista, fosse capaz do calor das chacras,
da suavidade reparadora e da brisa etérea que emana
de seus dedos de lavadeira.
De repente, o que se ouve de sua voz não é um
hino revolucionário, como, a princípio, se esperava, mas,
sim, um cântico de exaltação da natureza, uma esperança
silvestre resgatando o amor desgarrado, quase perdido,
quase sequestrado, compondo um coro de ternura, à
primeira vista incompatível com o matraquear cracracante
e seco da luta armada, por uma liberdade apenas
divisada, ceifando cabeças e membros ao redor e a esmo.
Um cântico de entrega e desprendimento que transforma
em causa a justiça social, muito além da própria morte.
O impulso muito perto da loucura. Tal entrega muito perto
da divindade. O ideal muito perto da determinação, da
escolha e do acaso, juntando os retalhos de vida pessoal,
de caminhos outros que a pudessem situar, por exemplo,
numa faixa de areia à beira do mar ou num pico de neve
no alto de uma montanha mais europeia que asiática ou,
quem sabe, na folha de uma tamareira na miragem de
um deserto.
Guerrilhas passam. Outras guerrilhas se fundam e
se organizam. Planos de batalha são traçados na mesa
mapeada de comandos, bandeirinhas coloridas
espetando as posições do inimigo.
Um dia vem que, pelo gemido dos ossos, o sorriso
se suaviza com a reunião dos filhos deixados para trás e
novamente recolhidos, aposentando a guerrilheira que,
num vislumbre da claridade, reaparece entre as sombras
da varanda. Entre as flores das trepadeiras, numa ciranda
sazonal fertilizada pela chuva benfazeja do tempo e da
história. Cochilar diante da violência recorrente dos
homens? Nunca. Recostar-se entre tréguas do fogo das
batalhas sem delas se tornar refém? Talvez. Deixar-se
morrer? Jamais.
4. 4
O Bandeirante - Março 2014
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Prê
O papai noel ladrão
Rodolpho Civile
Na calada da noite, um vulto, sorrateiramente, pisa na
relva ressequida da imponente mansão do Morro dos Ingleses,
no Bexiga. Em seguida, o som agudo do estilhaçar de uma
janela. A luz bruxuleante de uma lanterna de mão, percorrendo
o ambiente. Até que... O encontro com uma cadeira de rodas.
Nela, um velhinho de cabelos brancos como a neve.
- Opa! O que o senhor está fazendo aqui?
- Eu é que pergunto, afinal a casa é minha! Qual o motivo
da sua presença, vestido de Papai Noel, quebrando a vidraça
e interrompendo o meu sono? Ainda faltam cinco dias para o
Natal!
- Peço desculpas! Não é minha intenção...
- Então, qual é? Entrar na casa dos outros é crime!
- O senhor tem razão, mas, eu não sou ladrão. Estou
procurando...
- Procurando o que?
- Uma boneca que vira os olhos e fala “papai e mamãe”
e também um trenzinho elétrico para dar aos meus filhos.
- Então, por que não foi procurar numa loja de
brinquedos?
- Aí é que está o problema... Não tenho dinheiro, estou
desempregado.
- Qual é a sua profissão?
- Coveiro.
- Puxa que bela profissão!
- A minha mulher quer que eu mude... Por falar nela, eu
gostaria de presenteá-la com um relógio de pulso, mas, é tudo
tão caro... O senhor pode me ajudar, mesmo que seja um
empréstimo? Um dia, eu prometo pagar.
- Que piada! Como posso acreditar em você? Entra em
minha casa, quebra uma vidraça, vestido de Papai Noel... Afinal,
por que escolheu esta casa?
- Nesta região, só dá gente muito rica. Escolhi a sua
casa por ser muito bonita!
- Demonstra bom gosto!
- Que adianta ter bom gosto sem dinheiro?
Desempregado como estou... Não encontro outro emprego...
- Isto é verdade... O grande escritor italiano Giovanni
Papini disse que “o dinheiro é o estrume do diabo”. Ninguém
vive sem ele...
- Por favor, o que quer dizer estrume? Eu só tenho o
primário.
- Ah! Estrume significa bosta, merda.
- Agora, sim entendi! O senhor fala muito difícil...
- Bem...Vamos pular esta parte. Qual é o seu nome?
- Dimas.
- Que coincidência! O mesmo nome do bom ladrão que
foi crucificado com Jesus Cristo, de acordo com os evangelhos.
- Ele deve estar no Paraíso! Enquanto eu estou na Terra,
ou melhor, no Bexiga, tentando conseguir uns brinquedos...
- De qualquer maneira, é melhor do que ser crucificado.
Mudando de assunto: você está com fome?
- Muita!
- Então vamos até a cozinha. Apague a sua lanterna.
Na cozinha.
- Olhando o seu rosto ...Você é jovem. Precisa fazer a
barba!
- Mas, Papai Noel tem barba branca e comprida!
- Onde conseguiu esta roupa?
- Num brechó. O senhor está sozinho?
- A minha filha e o meu genro foram a um baile. São moços.
Devem aproveitar a vida, enquanto ela sorri.
- Isto é verdade... Velho só fala em doenças, remédios e
morte. Não sei se é o seu caso...
- Sou médico aposentado, já com os pés na eternidade.
Por força da minha profissão, fiz da minha vida um rosário, um
cordão de contas, alegrias e sofrimentos mesclados, sem
explicação. Enquanto isso, ela, a morte, sempre à espreita... Você
entende bem isso: é coveiro. Afinal, porque está desempregado?
- Sorte sua que é médico! É duro suportar um coveiro
chefe, briguento, implicante e mandão. Um chato! Tão chato,
que até os mortos perdem a vontade de serem enterrados!
- Nossa! Gostei de sua explicação. Bem original! De
qualquer forma, cada Ser tem neste mundo um destino...
- É verdade! O meu é de ser um Papai Noel de saco vazio.
- O extraordinário, meu amigo, é saber que num saco
pequeno e vazio podem morar os sonhos, as ilusões, a felicidade...
- Principalmente para os meus filhos! Por este motivo,
não posso decepcioná-los e estou aqui, conversando com o
doutor.
- Não é necessário o título, só o nome: Jorge. A partir de
hoje, somos amigos. Você conseguiu afastar de mim a minha
inimiga, a solidão. Velho só vive assoprando as cinzas do passado.
E elas só trazem sofrimento.
- Mas isto não leva a nada... Tudo acaba na terra... Nisto
tenho bastante experiência.
- Você tem medo da morte?
- Não! Ela me ajuda a ganhar o pão.
- Bem, visto deste ângulo, você tem razão! Você é um
verdadeiro sábio!
- Que exagero! Eu sou um simples coveiro, atualmente
desempregado, com o firme propósito de levar sonhos,
naturalmente, dependendo de sua colaboração! Não vai lhe fazer
falta alguns brinquedos...
- Um dia, no futuro bem distante, sem pressa, quando eu
bater os “borzeguins” e, por acaso, você for o coveiro...
- Ah, eu o enterrarei, com muito prazer! Considerando a
nossa amizade...
- Gostei da sua franqueza e solidariedade! Estou
profundamente impressionado!
- E disposto a me ajudar?
- Sim! O que lhe falta, eu tenho aqui encaixotado, sem
uso, mofando.
- Então, eu vou lhe fazer um favor...
- Exatamente! Que faça proveito! E, para completar, darei
um relógio de pulso que pertenceu à minha falecida esposa.
Estará melhor no pulso de sua amada. Por favor saia pela porta
da frente, para não quebrar outra vidraça. Apareça sempre! Só
não quero vê-lo no cemitério!
Lá fora, uma intensa neblina cobria o Morro dos Ingleses.
O passo cadenciado do guarda da rua... Ao vê-lo
- Boa noite, Papai Noel!
- Boa noite! Feliz Natal para você sua família!
Com um ligeiro aceno, Papai Noel sumiu na densa bruma.
5. O Bandeirante - Março 2014
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Prê
Naufrágio
Roberto Antonio Aniche
As crianças corriam nuas
pelas matas, pelas praias e rios
espalhando o riso alegre como
borboletas voando entre plantas.
Cada criança, cada par de mãos
eram como uma nova esperança de
alegria, fartura e progresso para
todo o reino de Oyo (hoje Nigéria).
Xangô, grande guerreiro se
tornava bondoso e não conseguia
impedir um sorriso largo que se
derramava em cada criança, parava
os trovões, descansava seu
machado, tornava-se no coração
irmão daquelas crianças que corriam, brincavam. O olhar de
Xangô era o sol escaldante, mas a pele negra já era íntima do
calor extremo, e mesmo assim, era a luz protetora daquelas
crianças que se multiplicavam como pássaros para tornar a
nação cada vez mais forte.
A pele era o orgulho, resistia ao sol e se banhava na
água morna dos rios embaixo da proteção do seu olhar. Somente
elas conseguiam dominar a valentia e a violência de que Xangô
era detentor, o destemido governante que se enternecia com o
riso e as brincadeiras dos filhos de sua nação.
O povo yorubá era protegido e abençoado, Xangô era
o único que tinha todos os poderes para protegê-los e às
crianças que cresceriam fortes e guerreiras como ele. Só ele
tinha trânsito livre pelos dois mundos que faziam a terra e que
separavam-se entre mortos e vivos.
Numa tarde quente, Xangô foi traído. A nação foi pega
desprevenida, seus guerreiros foram emboscados, mortos,
capturados, mutilados. As mulheres, amarradas às crianças,
violentadas, agredidas. Capturados como animais. Tratados
Café
Hildette Rangel Enger
O cheiro de café
Pelas manhãs
Me leva a viajar
Pelos caminhos
Da infância...
Caboré de barro,
Coador de pano
Fogão de lenha,
abano de palha
E o pai abanando rápido
pro fogo ficar mais forte
E ferver depressa a água do café...
5
como animais. Presos, colocados
aos montes em porões de navios.
Crianças chorando, mulheres
gemendo. Os mutilados foram
deixados para trás, muitos se
jogaram ao mar preferindo morrer
a viver em cativeiro.
Não havia mais a luz do
olhar de Xangô para iluminar suas
existências reduzidas a simples
destroços humanos amontoados,
misturados a fezes e excrementos,
a cadáveres que jamais seriam
enterrados.
Xangô encontrou a Nação
queimada, filhos e irmãos mortos,
e gritou. Gritou muito com a força do trovão que ecoou pela
terra e pelo mar. Chorou com as lágrimas furiosas da tempestade.
Toda a sua valentia converteu-se em ódio vingativo. Xangô
nunca suportou a traição e foi buscar a justiça para quem
traiçoeiramente desafiara sua força.
A tempestade fustigava o navio negreiro com uma fúria
sem igual. O capitão e os marinheiros jamais haviam visto
situação tão violenta, um mar tão revolto que balançava o barco
como um brinquedo na lagoa. O medo se apossara de todos.
Xangô se aproximou e com seu machado rompeu o navio
ao meio, enquanto todos imploravam pela proteção divina. O
terror se estampava em cada tripulante com a certeza da morte
certa. A carga do porão, apinhada, amontoada, ferida de morte
em sua alma sorriu com a presença de Xangô, que de um só
golpe libertou todos os seus filhos e irmãos, enquanto Yemanjá
recolhia a todos embaixo de seu manto de luz e bondade.
Estavam todos novamente livres para correr pelas matas
do outro mundo...
Barulho de panelas
a mãe sonolenta fazendo cuscuz
Eu acordando contente
Com sons e cheiros da cozinha
Anunciando um novo dia
Para descobertas.
Agora basta apertar um botão
Para o cheiro aparecer...
Silenciosamente...
Não mais o pai
Nem a mãe na labuta
Não mais alegrias
Ao amanhecer
Restaram lembranças
Que saltitantes chegam
Para me salvar...
De entristecer
6. 6
O Bandeirante - Março 2014
Dia de sol, dia de tempestade
Anienne Nascimento
Experimente ler este texto
assim: primeiro leia-o
completo; depois leia apenas
as frases em negrito;
finalmente, leia apenas as
frases em itálico.
Lindo domingo de sol. Chove torrencialmente
em mim. O dia está brilhante e vivo. Os relâmpagos
e trovões de minh’alma parecem querer acordar a
mulher morta.
Abro a janela do quarto e o intenso azul do
céu me deixa tonta. Por dentro noite e ventos fortes.
Um céu sem nuvens entremeado pelo colorido das
pipas a sorrir para mim, a zombar de mim?
O que fazer? Minha casa fica a poucos
metros da praia, por que não sair para olhar o mar?
Olhar para fora de mim. Quem olhar através das
janelas de meus olhos chamuscados de chuva verá
escuridão e medo, desolação e choro.
Visto o maiô, o vestido de praia, coloco os
óculos escuros, as sandálias e o chapéu de palha. A
ventania interna continua intensa. Vou caminhando
e olho ao redor. A chuva de granizo começa a cair e
machucar o espírito. Caras sorridentes passam por
mim. Turbulência na mente. Cangas esvoaçantes
parecem andar sozinhas. Desequilíbrio no peito.
Ao chegar à praia aprecio a paisagem,
minha velha conhecida. O mar de um belo azul
esverdeado tira meu fôlego. O fôlego escasso pela
desordem que me habita.
Na praia de areias brancas e finas, baldinhos
com cores vibrantes falam por si. Perturbação me
domina. Crianças brincando. Instabilidade do eu.
Famílias felizes.
Dirijo-me ao mar. De perto a água é tão clara
que é transparente. Peixes pequeninos vêm beijar
meus pés. A tempestade devastadora arranca
árvores sem deixar raízes, mas destruição em mim. A
minha pele sente a carícia dos peixinhos tingidos
de cor e brilho colossais. Sinto os carros revirados,
as casas derrubadas, as barreiras desabadas...
Retiro o vestido. Deixo os óculos, as sandálias
e o chapéu na areia. Mereço um mergulho. E esse
mar de possibilidades? Infinito mar... Infinitas
possibilidades...
Braçadas enérgicas na vastidão da água me
levam em direção ao horizonte. Tornados e tufões
agitam minha essência e a natação transforma meus
sentimentos em atos vigorosos. Repentinamente o
temporal torna-se longínquo, distante, fantasioso, como
numa tela pintada a óleo. A água salgada lambe meu
corpo. As trevas me invadem bruscamente. O oceano
me envolve e me abraça. Eu estou em trevas. Um
abraço morno e aconchegante no corpo inteiro. Eu
sou trevas e incompetência para suportar a borrasca
em seu clímax. O organismo canta com um desmedido
prazer. Sou trevas e incompetência para sentir a
tormenta em seu auge. Meu corpo sente o júbilo e o
bem-estar de “estar”. Trevas e incompetência de “ser”
um sofrer infinito. Mulher em gozo e o clamor por
misericórdia.
Paro cansada e me ponho a flutuar. Corpo em
regozijo. Nasce em mim a luz dourada da aurora.
Permito-me ficar assim por alguns minutos. Deságua
em mim calmaria. Longos e infinitos minutos a boiar.
Interior em ruínas. Volto a nadar em completa
devastação. Olhos no céu sem nuvens. Sou escombros.
Estou de volta à beira do mar com o olhar no horizonte
e o amanhecer renasce com um arco-íris de sonhos em
mim.
O mundo continua igual. Eu, em
(re)construção.
Divagação
Eu queria ter quatro braços,
para poder te abraçar.
Eu queria ter duas bocas
para poder te beijar.
Tua alma artista,
gostaria de pintar
num quadro bem grande,
para com quatro mãos segurar.
Josef Tock
Tua bondade infinita
gostaria de proclamar,
e teria duas bocas
para mais poder falar.
O meu amor infinito
gostaria de perpetuar
e queria ter dois corações
para um poder te doar.
7. O Bandeirante - Março 2014
7
Livros em destaque
ANIENNE NASCIMENTO
“Memórias de uma cortesã”
Edição da autora - AL
Romance que conta as aventuras e
desventuras de uma prostituta
francesa que viveu no período de
transição do século XIX para o século
XX. Com maestria, a autora conduz
sua personagem pelos meandros da
Bele Èpoque, numa narrativa plena de
erotismo que mantém a atenção do
leitor desde a primeira página. Saiba
mais sobre a obra e a autora na
página do facebook https://
www.facebook.com/
MemoriasDeUmaCortesa.
Aquisições e contatos:
SÉRGIO PERAZZO
“Psicodrama - o forro e o avesso”
Editora Ágora - SP
Com ideias originais e inovadoras,
Perazzo subverte os conceitos já
consagrados do psicodrama e os
renova. O resultado dessa "costura"
de teoria e prática é um rico
mosaico do psicodrama brasileiro
contemporâneo. A leitura permite
que o psicodramatista se atualize,
sistematize sua prática e entre em
contato com um novo olhar sobre o
pensamento moreniano e pósmoreniano. Maiores informações
com o autor: serzzo@uol.com.br.
Aquisições:
anienne.petrus@gmail.com
www.livrariasaraiva.com.br
Relendo
O trecho abaixo é parte de uma poesia de um dos autores da
SOBRAMES-SP, já publicado anteriormente numa de nossas
COLETÂNEAS. Você consegue identificar o autor?
Resposta na próxima edição.
O trecho da edição anterior pertence ao conto
“PERFUME DE ESTREBARIA”, de Carlos José
Benatti, que foi publicado na página 49 da coletânea “A
Pizza Literária – nona fornada”. Que tal reler esse conto
na íntegra, além de outros textos de Benatti e dos
talentosos autores da SOBRAMES daquela edição?
...Tu
...Tu eras a joia viva
Em corpo esguio engastada,
De imaginação ativa,
companheiro
Bom companheiro de estrada,
Pura alma abençoada!...
“...Era mesmo muito hábil
essa menina. Como, aliás,
toda menina estuprada. E
tinha plena consciência de
que a manipulação era a
semente da desonestidade e
da falta de ética...”
REALIZADO
PIZZAS LITERÁRIAS
Realizadas na terceira
quinta-feira de cada mês
JAN - 16
FEV - 20
MAR - 2O
ABR - 24*
MAI - 15
JUN - 26*
JUL - 17
AGO - 21
SET - 18
OUT - 16
NOV - 13*
DEZ - 18
*ATENÇÃO Em virtude de
feriados, as datas das reuniões
de Abril, Junho e Novembro
foram modificadas
ELEIÇÕES
JUL - 17 - Prazo final para a
inscrição de chapas concorrentes
SET - 18 - Eleição
BALADA LITERÁRIA
MAI - 30
NOV - 07
COLETÂNEA 2014
FEV Divulgação das regras e
início das adesões de autores
NOV - 07 Lançamento
CONGRESSO NACIONAL
REUNIÕES DE DIRETORIA
OUT - 08 a 12 Recife - PE
Primeira quinta-feira do mês
Endereços e horários
Pizzas Literárias:
Pizzaria Bonde Paulista. Rua Oscar
Freire, 1.597 - a partir de 19h00.
Balada Literária:
APM - Espaço Maracá - Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 - 11º. andar das 18h30 às 22h00
Reuniões de Diretoria:
Sede da SOBRAMES-SP na APM Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 7º. andar - Sala 1 - às 19h00
Esta agenda está sujeita a
alterações em decorrência de
fatores não previstos quando
de sua elaboração
8. PRÊMIO FLERTS NEBÓ 2013
Uma antiga revolucionária, um navio negreiro e
um Papai Noel diferente são temas dos textos
que conquistaram o Prêmio Flerts Nebó entregue
durante a Pizza Literária de fevereiro. Vale
conferir: Primeiro Lugar – “A Guerrilheira”
(Sérgio Perazzo). Primeira Menção Honrosa –
Naufrágio (Roberto Antonio Aniche). Segunda
Menção Honrosa – “Papai Noel Ladrão”
(Rodolpho Civile). Publicados nesta edição.
Comissão julgadora: Gabriel Kwak, Fabiana de
Almeida, Nilva Mariani e Rosa Maria de Brito
Cosenza.
SUPERPIZZA
A reunião literária de fevereiro teve uma expressiva
presença e foi muito festiva. Dentre as muitas atrações
da noite, aconteceu a entrega do mimo pela Superpizza
em homenagem a Vinicius de Moraes, cuja vencedora foi
Josyanne Rita de Arruda Franco. Em poucas palavras,
ela manifesta o amor pelos filhos no embalo dos lindos
versos de “Garota de Ipanema”.
O texto já foi postado no Blog:
sobramespaulista.blogspot.com.br
CONGRESSO
POSSE
Estão abertas as inscrições para o XXV
Congresso Brasileiro de Médicos Escritores que
acontecerá de 8 a 11 de outubro em Recife-PE,
juntamente com o IX Congresso da UMEAL.
Informações no site da regional:
sobrames-pe.webnode.com
Sheila Regina Sarra tomou posse como
membro titular da Sobrames-SP na Pizza Literária do dia 20 de fevereiro. Helio Begliomini fez
a apresentação da nova confreira, que
logo após prestou seu juramento.
Seja bem-vinda!
NOVOS ASSOCIADOS
SHEILA REGINA SARRA
Medicina do Trabalho e
Arquitetura
Reside na capital paulista.
Nascida em 9 de novembro
de 1958. Graduada pela
Faculdade de Medicina da
USP em 1981, vem
diversificando seus estudos e
hoje cursa Arquitetura na
Faculdade de Belas Artes.
E-mail:
sheila_sarra@hotmail.com
ANIENNE BARBOSA GUSMÃO
DO NASCIMENTO
Infectologia
Natural de Rondonópolis-MT,
(18.05.1971) migrou com a família
para Maceió-AL, aos 3 anos, e lá
reside até hoje.Graduou-se pela
Universidade Federal de Alagoas UFA, em 1995. Autora do romance
“Memórias de uma Cortesã”, é
também poeta e prosadora.
E-mail:
anienne.petrus@gmail.com
Às novas confreiras as boas-vindas, na certeza de que o talento literário de ambas
virá engrandecer e muito a nossa regional e a SOBRAMES de todo o Brasil.