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O voo do Jika

   O Jika era o mais novo da minha rua. Assim: o Tibas
era o mais velho, depois havia o Bruno Ferraz, eu e o Ji-
ka. Nós até às vezes lhe protegíamos doutros mais-
-velhos que vinham fazer confusão na nossa rua.
   O almoço na minha casa era perto do meio-dia. Às
vezes quase à uma. Ao meio-dia e quinze, o Jika tocava
à campainha.
   – O Ndalu tá? – perguntava à minha irmã ou ao ca-
marada António.
   – Sim, tá.
   – Chama só, faz favor.
   Eu interrompia o que estivesse a fazer, descia.
   – Mó Jika, comé?
   – Ndalu, vinha te perguntar uma coisa.
   – Diz.
   – Hoje num queres me convidar pra almoçar na tua
casa?
   – Deixinda ir perguntar à minha mãe.
   Entrei. O Jika ficou ansioso na porta, aguardando a
resposta. Quase sempre a minha mãe dizia sim. Só se
fosse mesmo maka de pouca comida, ou muita gente
que já estava combinada para o almoço. Se a avó Chica
viesse, ia trazer também a Helda, e assim já não ia dar.

                                                      11
Mas normalmente a minha mãe dizia mesmo «sim».
E ficava a rir.
   – A minha mãe disse que podes.
   – Ah é? – ele pareceu surpreendido. – E a que horas
é que vocês vão almoçar?
   – Ao meio-dia e meia, Jika.
   – Então vou pedir na minha mãe.
   Deixei a porta aberta. O Jika devia voltar sem demo-
ra quase nenhuma. Gritou contente, cá de baixo, na di-
recção da janela do quarto da mãe dele:
   – Maaaaãe, a tia Sita me convidou pra almoçar na ca-
sa dela. Posso?
   – Podes. Mas vem mudar essa camisa suada.
   O Jika deu uma esquindiva, fingiu que já tinha mu-
dado, veio a correr numa transpiração respirada. Con-
tente. Olhos do miúdo que ele era. Fosse o melhor pro-
grama da semana dele. E eu, mesmo miúdo candengue,
fiquei a pensar nas razões do Jika não gostar nada de al-
moçar na própria casa dele.
   O Jika estava habituado a muita gasosa. Nesse tem-
po, se houvesse gasosa na minha casa era para dividir.
Como nós éramos três, eu e duas irmãs, quando o Jika
vinha almoçar, até a divisão corria melhor. Ele por vezes
queria fugir desse ritual:
   – Tia Sita, posso beber uma gasosa sozinho?
   – Sozinho, bebes na tua casa – a minha mãe respon-
deu. – Aqui divide-se.
   Depois do almoço, o Jika disse que ia à casa dele
buscar «uma coisa». Eu fiquei à espera, no portão aber-
to. Prometeu não demorar. Voltou com a tal coisa es-
condida debaixo do braço, e entrámos rapidamente na
minha casa. Subimos ao primeiro andar, fomos até ao
quarto da minha irmã Tchi, e saltámos da varanda para
uma espécie de telhado. Aproximámo-nos da berma. Lá
em baixo estava a relva verde do jardim. O Jika abriu
um muito, muito pequenino guarda-chuva azul.

12
– Põe a mão aqui – ensinou-me. – Agora podemos
saltar.
    – Tens a certeza? – olhei para baixo.
    – Vamos só.
    Saltámos.
    A infância é uma coisa assim bonita: caímos juntos
na relva, magoamo-nos um bocadinho, mas sobretudo
rimos. O Jika teve outra ideia.
    – Calma só, mô Ndalu. Vou na minha casa buscar
um maior.
    – Não, Jika, desculpa lá. Vais saltar sozinho, eu já
num vou saltar mais de guarda-chuva.
    – Nem num bem grande que tenho, daqueles da
praia, anti-sol e tudo, colorido tipo arco-íris?
    – Nem esse!
    O Jika ficou desanimado. Sem outras propostas para
brincadeiras perigosas, decidiu ir para casa. Ao cruzar
o portão, falou ainda:
    – Posso te perguntar uma coisa?
    – Diz, Jika.
    – Amanhã num queres me convidar pra almoçar na
tua casa?




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  • 1. O voo do Jika O Jika era o mais novo da minha rua. Assim: o Tibas era o mais velho, depois havia o Bruno Ferraz, eu e o Ji- ka. Nós até às vezes lhe protegíamos doutros mais- -velhos que vinham fazer confusão na nossa rua. O almoço na minha casa era perto do meio-dia. Às vezes quase à uma. Ao meio-dia e quinze, o Jika tocava à campainha. – O Ndalu tá? – perguntava à minha irmã ou ao ca- marada António. – Sim, tá. – Chama só, faz favor. Eu interrompia o que estivesse a fazer, descia. – Mó Jika, comé? – Ndalu, vinha te perguntar uma coisa. – Diz. – Hoje num queres me convidar pra almoçar na tua casa? – Deixinda ir perguntar à minha mãe. Entrei. O Jika ficou ansioso na porta, aguardando a resposta. Quase sempre a minha mãe dizia sim. Só se fosse mesmo maka de pouca comida, ou muita gente que já estava combinada para o almoço. Se a avó Chica viesse, ia trazer também a Helda, e assim já não ia dar. 11
  • 2. Mas normalmente a minha mãe dizia mesmo «sim». E ficava a rir. – A minha mãe disse que podes. – Ah é? – ele pareceu surpreendido. – E a que horas é que vocês vão almoçar? – Ao meio-dia e meia, Jika. – Então vou pedir na minha mãe. Deixei a porta aberta. O Jika devia voltar sem demo- ra quase nenhuma. Gritou contente, cá de baixo, na di- recção da janela do quarto da mãe dele: – Maaaaãe, a tia Sita me convidou pra almoçar na ca- sa dela. Posso? – Podes. Mas vem mudar essa camisa suada. O Jika deu uma esquindiva, fingiu que já tinha mu- dado, veio a correr numa transpiração respirada. Con- tente. Olhos do miúdo que ele era. Fosse o melhor pro- grama da semana dele. E eu, mesmo miúdo candengue, fiquei a pensar nas razões do Jika não gostar nada de al- moçar na própria casa dele. O Jika estava habituado a muita gasosa. Nesse tem- po, se houvesse gasosa na minha casa era para dividir. Como nós éramos três, eu e duas irmãs, quando o Jika vinha almoçar, até a divisão corria melhor. Ele por vezes queria fugir desse ritual: – Tia Sita, posso beber uma gasosa sozinho? – Sozinho, bebes na tua casa – a minha mãe respon- deu. – Aqui divide-se. Depois do almoço, o Jika disse que ia à casa dele buscar «uma coisa». Eu fiquei à espera, no portão aber- to. Prometeu não demorar. Voltou com a tal coisa es- condida debaixo do braço, e entrámos rapidamente na minha casa. Subimos ao primeiro andar, fomos até ao quarto da minha irmã Tchi, e saltámos da varanda para uma espécie de telhado. Aproximámo-nos da berma. Lá em baixo estava a relva verde do jardim. O Jika abriu um muito, muito pequenino guarda-chuva azul. 12
  • 3. – Põe a mão aqui – ensinou-me. – Agora podemos saltar. – Tens a certeza? – olhei para baixo. – Vamos só. Saltámos. A infância é uma coisa assim bonita: caímos juntos na relva, magoamo-nos um bocadinho, mas sobretudo rimos. O Jika teve outra ideia. – Calma só, mô Ndalu. Vou na minha casa buscar um maior. – Não, Jika, desculpa lá. Vais saltar sozinho, eu já num vou saltar mais de guarda-chuva. – Nem num bem grande que tenho, daqueles da praia, anti-sol e tudo, colorido tipo arco-íris? – Nem esse! O Jika ficou desanimado. Sem outras propostas para brincadeiras perigosas, decidiu ir para casa. Ao cruzar o portão, falou ainda: – Posso te perguntar uma coisa? – Diz, Jika. – Amanhã num queres me convidar pra almoçar na tua casa? 13