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Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha
Apostila de Direito Processual Penal
Assunto:
APOSTILA DE
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Autor:
GUILHERME TOCHA
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Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha
SUMÁRIO
1º MÓDULO INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL PENAL
2º MÓDULO PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL
3º MÓDULO INQUÉRITO POLICIAL
4º MÓDULO AÇÃO PENAL
5º MÓDULO COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL EM MATÉRIA CRIMINAL
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1º Módulo
INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL PENAL
1. Litígio, Jus puniendi & Processo Penal
Com a prática do delito, surge para o Estado a pretensão punitiva, o que
doutrinariamente se denomina jus puniendi (direito penal subjetivo). Assim é que,
tendo o Estado o dever de proteger os direitos mais essenciais da sociedade, ele
apreende para si o monopólio daquele direito, ou seja, somente o poder estatal
encontra-se legitimado a exercer o direito de punir, em substituição à antiga “vingança
de sangue”.
Mesmo no caso dos crimes apurados mediante ação penal privada, cuja titularidade fica
subordinada ao alvedrio do ofendido ou de quem tem legitimamente a qualidade para
representá-lo, cabe à vítima (ou seu representante), tão-somente, o jus accusationis, o
direito de acusar, mas não o de punir, o que consistiria em sério retrocesso do processo
penal ao tempo em que se fazia “justiça com as próprias mãos”, hoje em dia
comportamento tipificado à luz do art. 345 do CP.
Tem-se, pois, de um lado, o sujeito ativo do crime (agente), que pugna, por todos os
meios de defesa em direito admitidos, preservar seu direito de liberdade, o jus
libertatis.
Assim, tem-se a seguinte situação:
o Estado apreende alguns valores como essenciais ao convívio de seus cidadãos, e
protege esses valores por meio de normas jurídicas de Direito Penal, notadamente as
normas penais incriminadoras, a cuja transgressão ou ameaça é cominada uma
conseqüência, a sanção penal, a mais séria de todas as sanções jurídicas;
o indivíduo pratica uma conduta, comissiva ou omissiva, descrita no tipo penal
incriminador e não acobertada por uma excludente de ilicitude, praticando, assim, um
injusto penal;
o Estado, então, que enxerga uma norma sua ser ofendida, passa a ter o interesse
de punir o ofensor, interesse este que é consubstanciado pelo jus puniendi, o direito de
punir aquele que lesa um valor defendido pelo ente estatal;
4
o acusado, por seu turno, vê ameaçado seu direito de liberdade (lembremos que a
liberdade, direito fundamental constitucionalmente protegido, é a regra; a sua privação,
a exceção), o jus libertatis, tendo interesse em se ver livre das conseqüências previstas
abstratamente pelo tipo penal incriminador que se supõe ter sido por ele violado;
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assim, surge entre o réu e o Estado um conflito de interesses qualificado por uma
pretensão (exercer o Estado sua pretensão punitiva) resistida (conferida pelo réu em
defesa de seu jus libertatis), conflito este que se denomina de lide ou litígio;
para solucionar o conflito, caberá ao Estado-juiz determinar a quem cabe razão,
vale dizer, decidir se é o Estado, para exercer sua pretensão punitiva, ou o réu, que
deseja continuar em seu jus libertatis.
A lide ou litígio que se instaura entre Estado e acusado deve se desenrolar por uma série
de atos coordenados entre si que tendem para um fim, a solução ou composição do
conflito, determinando o Estado-juiz, de uma vez por todas, qual direito (de punir ou de
liberdade) deve, ao final, imperar. A esse conjunto de atos coordenados chama-se
processo.
Na verdade, o conceito de lide e de processo é único, haja vista que a jurisdição é una
(quanto a isso os processualistas civis e penalistas não parecem discordar), mas, para
efeitos de organização judiciária e para melhor da prossecução da justiça é que se divide
o litígio em cível e penal, e o processo, por conseguinte, em cível e penal. O processo
penal é a fórmula encontrada pelos Estados para comporem lides de natureza criminal.
2. Direito Processual Penal
2.1. Conceito
Tomando por base as informações até aqui levantadas, poder-se-á definir lapidarmente o
Direito Processual Penal como o ramo jurídico que estuda o conjunto de princípios e
normas acerca da aplicação jurisdicional do Direito Penal material.
Autonomia: Não se discute a autonomia do Direito Processual Penal, porquanto possui
objeto, normas e princípios próprios, características mestras que fazem um ramo possuir
a própria identidade dentro da dogmática jurídica.
Com efeito, se bem que só se fala em Direito Processual Penal se, quando e por conta da
existência do Direito Penal, não menos certo é que este último não teria qualquer
aspecto de funcionalidade enquanto não pudesse ser efetivamente aplicado aos casos
concretos levados a composição pelo Estado-juiz.
Instrumentalidade: O Direito Processual Penal é instrumental, à medida que ele é o
meio de que se utiliza o Estado para tirar da inércia o Direito Penal, fazendo-o atuar
efetivamente, e aplicá-lo na prática.
5
Finalidade: A finalidade a que se propõe o Direito Processual Penal, tendo-se em conta
notadamente seu caráter eminentemente prático, é o de tornar efetivo, real, atuante,
perceptível empiricamente, o Direito Penal, a fim de compor a lide penal que se instaura
e que deve ser solucionada.
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2º Módulo
PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL
1. Generalidades
Este é um tema da mais alta relevância dentro do Direito Processual Penal, sem o qual
nada em nossa matéria tem sentido ou aplicação, ou, se o tiver, com toda a certeza o
processo não se coadunará com todo o espírito do ordenamento jurídico de um Estado
Democrático de Direito. Somente com a obediência a todos os princípios abaixo
assinalados é que se poderá falar em “devido processo legal”, cuja transgressão a
qualquer um deles poderá ensejar, como quotidianamente enseja, a aplicação de regras
das quais, p. ex., confere-se a liberdade do cidadão (ainda que provisória, como no caso
de quem é injustamente preso, por coação ilegal ou violência infundamentada de quem
quer que seja, mormente quando se trata de abuso de autoridade ou coação ilícita contra
a liberdade de ir, vir e ficar, o que poderá acarretar no ajuizamento de habeas corpus),
ou a nulidade de certos atos.
Sem o estudo aprofundado e acurado dos princípios que regem o processo penal de nada
adiantará estudar os demais assuntos que se alastram no transcorrer do curso, por um
simples motivo: todo o processo penal respalda-se, de uma maneira direta ou indireta,
no conhecimento dos princípios que o regem, e isso é facilmente corroborado à medida
que em cada assunto os doutrinadores fazem amiúde referência a algum princípio do
processo penal.
Ver-se-á, entretanto, que os princípios não são absolutos — como quase nada em
Direito, por sinal —, de forma que vez ou outra, por força de mandamento constitucional
ou mesmo infraconstitucional (mas com o aval da Carta Magna), admitem-se exceções,
consoante veremos.
2. Dos Princípios em Espécie
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Seria deveras errôneo concluir-se que, em vista dos inúmeros princípios de que se deve
valer o aplicador da lei, ele poderá, a seu talante, escolher este ou aquele. Com efeito, os
princípios que regem o Direito Processual Penal não se contradizem, antes,
complementam-se, a não ser, é claro, no que pertine aos princípios peculiares de
institutos que, pela sua própria natureza e finalidade, não podem de maneira alguma
seguir a todo o tempo a integralidade dos princípios. Alguns institutos processuais
penais, aliás, nem sequer podem seguir todos os princípios, mas apenas aqueles que lhe
conferem validade e praticidade, como ocorre, e. g., com a ação penal pública, em que
regem os princípio da obrigatoriedade e da indisponibilidade, em contraposição aos da
conveniência e da disponibilidade da ação penal privada.
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Afora casos como de tais, então, o operador do Direito Processual Penal deverá modelar
sua atividade de acordo com o conjunto de todos os princípios que se seguem.
2.1. Verdade Real
Pelo princípio da verdade real o processo penal, ao contrário do cível, não deve encontrar
artificialismos ou formalismos capazes de criar óbices ao conhecimento cabal e
verdadeiro do fato, da autoria e de todas as circunstâncias, tais quais eles realmente
ocorreram. Donde porque, com a verdade real, o Direito Processual Penal tende a
preferir o primado da justiça sobre qualquer elemento ou dado que, pela sua
superficialidade formal, possa obstruir a consecução da justiça. Procura-se, pois,
averiguar cada caso concreto por meio da apuração da verdade, não da presunção dela.
Veja-se, p. ex., que, no processo cível, o réu que deixar de contestar a exordial ou
admiti-la em todos os seus termos sucumbirá, visto que tudo o que fora alegado na
petição será considerado, por presunção, verdadeiro. O mesmo não ocorre no processo
penal, em que, p. ex., o fato de uma pessoa entregar-se à autoridade policial, dizendo-se
autora de determinado delito cuja autoria era até então desconhecida não significará
que, com certeza, ela será condenada por aquele crime, pois que pode ser que ela esteja
faltando com a verdade (para acobertar alguém, por exemplo). Sua “confissão” não gera
presunção de verdade (como ocorreria no processo cível), mas apenas, quando muito,
uma suspeita de que fora ela mesma quem praticou a infração penal.
Veja-se, p. ex., o princípio da verdade real sendo aplicado quando o juiz,
independentemente da iniciativa de qualquer das partes, de ofício ordena a execução de
determinada diligência, a fim de que ele consiga obter a verdade, nada mais que a
verdade. Mesmo diante dos fatos incontroversos pelas partes (isto é, as partes da lide
penal não divergem a respeito de um fato) o juiz poderá, não satisfeito com o que tem
diante do processo (ausência de contestação por qualquer das partes), ordenar
diligências. Mesmo quando o Ministério Público pede a absolvição é possível que o Juiz,
analisando que, in casu, cabe legitimidade ao Estado de fazer valer sua pretensão
punitiva, poderá condenar o réu (art. 385 do Código de Processo Penal).
O princípio da verdade real não é absoluto. Tenha-se em mira, e. g., a sentença
absolutória transitada em julgado, que não pode ser mais “desfeita” (tecnicamente,
rescindida, modificada) mesmo que sejam apresentadas as mais irrefutáveis provas
contra o réu. Quer dizer, a regra processual penal de caráter formal de que a sentença
absolutória transitada em julgado não pode ser rescindida, aqui, constitui uma das
exceções ao princípio em tela. Diga-se o mesmo, também, na causa extintiva de
punibilidade da perempção, que se faz presente mesmo quando há provas conclusivas
acerca da materialidade do fato e da sua respectiva autoria: por melhor que seja a
redação da queixa-crime, por melhores e mais incontestáveis que sejam as provas nela
acostadas, a ausência de pedido de condenação ou de citação do réu gera extinção da
punibilidade, nos termos dos arts. 107, IV, in fine, do CP, e 60 do Código de Processo
Penal.
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2.2. Oralidade
Por ele, a validade das declarações de ambas as partes (acusação e defesa) depende
sobremaneira de seu pronunciamento feito oralmente. Tal princípio encontra seu cume
durante o decorrer das sessões do Tribunal do Júri, em que a defesa, acusação e
julgamento são realizados oralmente (salvo algumas fórmulas procedimentais, em que se
faz por escrito, mas em sua essência as sessões do Tribunal do Júri são orais). No
entanto, observa-se que de ordinário o processo penal brasileiro, tal qual o cível,
apresenta-se muito mais escrito do que oral, e apenas em um ou outro caso é que se
consagra a primazia da palavra oral, verbalizada, não-gráfica, como acontece no rito
sumaríssimo nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 81 da Lei n.º
9.099/95).
Atualmente vem ocorrendo uma tendência doutrinária em se “oralizar” mais o processo
penal brasileiro, até porque assim se procuraria desburocratizá-lo mais.
2.3 Imparcialidade do Juiz
Não haveria, decerto, justiça (ou ao menos sempre se desconfiaria que ela se fizesse
realmente presente) caso o magistrado, ao qual é dado o poder-dever de dirimir o
conflito intersubjetivo qualificado por uma pretensão (jus puniendi) resistida
(resistência do jus libertatis), fosse parcial, isto é, se o Estado-juiz não se colocasse em
situação de eqüidistância entre as partes, e ainda o mais se fosse movido por paixões as
mais diversas que tendessem a sempre favorecer, sem respaldo jurídico, uns, e
prejudicasse outros.
Pelo princípio da imparcialidade, exige-se que o juiz, na demanda que lhe vem à tona,
não julgue apaixonadamente, no sentido de, movido por sentimentos que obnubilam o
caráter e os valores da finalidade última do Direito, a justiça, deixe de aplicá-la segundo
as normas que se exprimem na ordem jurídica, e que necessitam de ser postas em
prática.
Assim é que o magistrado não deverá subsumir a sua opinião à própria conveniência, i.
e., aos próprios interesses que por ventura haja, direta ou indiretamente, ligação com a
forma e/ou com o pronunciamento jurisdicional que ele realizará. Não se permite,
igualmente e talvez com muito maior razão, que o convencimento do juiz esteja como
que coligado às conveniências de terceiros, sob pena de nulidade do decisum.
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Daí porque a Carta Magna, desejando afastar, ou ao menos dirimir, as ingerências
metajurídicas capazes de criar óbices à aplicação das leis penal e processual penal,
confere garantias aos magistrados: vitaliciedade, pelo qual, durante os primeiros dois
anos de judicatura, o juiz somente perderá o cargo por deliberação do Tribunal a que
estiver vinculado e, após o período probatório, apenas por sentença judicial transitada
em julgado; inamovibilidade, segundo a qual o juiz só será afastado ou removido de sua
comarca em razão de manifesto interesse público, evitando-se, com isso, que o juiz
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julgue desta ou daquela forma, conforme interesses individuais amiúde financeiros e
políticos.
Assim, ele não terá receio de julgar segundo lhe aprouver, mas sempre de acordo com
os mandamentos da lei e os princípios da ordem jurídica, nunca das pressões e
influências negativas);
Irredutibilidade de vencimentos, ou seja, os magistrados poderão ter a certeza de que
seus vencimentos não serão atingidos pelos poderosos ainda que contrarie seus
interesses. Logo, decida o juiz como decidir, as garantias assegurarão que ele continue
no cargo.
A doutrina defende que o juiz deve ser objetiva e subjetivamente capaz de exercer a
jurisdição diante do caso concreto.
Objetivamente, ele deve ser competente para julgar a demanda (no entanto, a preclusão
do direito de alegação de incompetência relativa implica a prorrogação da competência,
isto é, de incompetente passa o magistrado a competente). A capacidade subjetiva é, em
termos do princípio em epígrafe, a que nos interessa. A imparcialidade ficará afetada
com o impedimento ou com a mera suspeição do juiz. Tanto o juiz impedido quanto o
suspeito não podem atuar no processo.
O impedimento está capitulado no art. 252 do Código de Processo Penal, e se refere aos
casos em que o juiz: tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em
linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão
do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito (inciso I);
ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha
(inciso II); tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de
direito, sobre a questão (inciso III); ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo
ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente
interessado no feito (inciso IV).
Dá-se a suspeição do magistrado: se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer
deles (inciso I); se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a
processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia (inciso II); se
ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive,
sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das
partes (inciso III); se tiver aconselhado qualquer das partes (inciso IV); se for credor ou
devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes (inciso V); se for sócio, acionista ou
administrador de sociedade interessada no processo (inciso VI).
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Não haveria seriedade e imparcialidade e, portanto, tranqüilidade de uma das partes, se
se soubesse que o juiz é impedido ou suspeito por qualquer um daqueles motivos, que,
aliás, devem como tais ser declarados de ofício, e se o juiz não o fizer, qualquer das
partes poderá alegá-la por meio de exceção.
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2.4 Igualdade das Partes (CF/88, art. 5º, LV)
Por este princípio, decorrente diretamente do contraditório, as partes encontram-se, em
juízo, em pé de igualdade, de forma que elas exercem e suportam idênticos direitos,
ônus, obrigações e faculdades.
As partes são, pois, iguais, de forma que nenhuma é mais importante que a outra, ou
merecedora de mais ou menos direitos que a outra. No entanto, esse princípio não é
absoluto, e deve ficar em posição hierárquica inferior ao princípio do favor rei, pelo qual
no conflito entre o jus puniendi e o jus libertatis, a balança da justiça deve inclinar-se
em favor deste último. Daí porque em excepcionais ocasiões o Direito Processual Penal
prevê ao réu prerrogativas processuais não concedidas à acusação, como se vê, p. ex.,
no instituto do recurso do protesto por novo júri, dos embargos infringentes, dos
embargos de nulidade e da revisão criminal, todos exclusivos da defesa, e o princípio do
non reformatio in pejus, pelo qual não se pode reformar uma decisão em desvantagem
ao que foi postulado, em sede recursal, pela defesa (a não ser, evidentemente, que a
nova decisão se lastreie em recurso da acusação, o que não significa de modo algum
uma exceção ao princípio, senão uma decisão que nega provimento ao recurso da defesa
e o dá ao da acusação).
2.5 Livre Convencimento (CPP, art. 157)
Partindo da premissa de que o processo, e o que nele consta, é o mundo para o juiz,
impede-se, pelo princípio do livre convencimento, que ele possa julgar extra-autos, isto
é, não pode julgar baseado naquilo que ele tomou conhecimento fora do processo: Quod
non est in actis est in hoc mundo (o que não estiver dentro do processo é como se não
existisse). Diz-se, que, assim, evita-se de se tomarem decisões parciais.
Pelo mesmo princípio advém a norma (art. 157 do Código de Processo Penal) de que “o
juiz formará sua convicção pela livre convicção da prova”, quer dizer, ele não está
atrelado, em sua decisão, a julgar desta ou daquela forma, segundo esta ou aquela
prova, tanto sendo assim que ele pode, até, não considerar todas as provas, ou
considerá-las todas mas de forma que algumas tenham maior peso de convicção da
verdade real que as demais. Aliás, observe-se o disposto no art. 182 do diploma
processual penal.
Atente-se, por derradeiro, que o princípio do livre convencimento ⎯ ou livre
convencimento motivado, ou ainda, da persuasão racional do juiz ⎯ não é absoluto ⎯
embora seja a regra geral nas provas do processo penal ⎯, sendo que há incidentes de
convicção íntima (em que o julgador não precisa fundamentar sua decisão), como sói
ocorrer nas decisões do Júri (os jurados são juízes de fato), nas quais, a propósito, os
jurados não apenas não precisam como mesmo não podem juridicamente fundamentá-
las.
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Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha
Outra exceção ao princípio do livre convencimento é o sistema das provas legais, em que
o legislador já determinou, em normas de processo penal, quais provas prevalecem: é o
que ocorre nos crimes que deixam vestígios (delicta non transeunctis), nos quais se
exige exame de corpo de delito direto (perícias), não podendo supri-lo a prova
testemunhal, nem sequer a própria confissão do acusado.
2.6 Publicidade (CF/88, arts. 5º, LV, 93, IX; CPP, art. 792)
A regra ⎯ aliás, com força imperativa constitucional ⎯ é a de que todos os atos
processuais são públicos, não devendo sofrer qualquer espécie de restrição ou censura.
Isso tem a sua razão de ser: como o sistema processual penal brasileiro é o acusatório,
em que os direitos humanos (ao menos em tese...) são salvaguardados, razão não há ⎯
ao contrário do que ocorre no sistema inquisitivo, repudiado nas legislações dos povos
civilizados ⎯ para que o processo penal e o seu desenrolar fiquem às escondidas, longe
dos olhos da sociedade (exatamente quem tem mais interesse na fiscalização do
andamento de seus interesses, entre eles o da correta e justa aplicação da lei penal à
espécie fática). Logo, o processo não é nem deve ser, via de regra, sigiloso.
O princípio da publicidade não é absoluto, e de fato nem poderia, pois a publicidade sem
limites, e sem exceções acarretaria, decerto, sérios problemas à pessoa do acusado ou
da vítima, a depender do caso concreto (imagine-se, e. g., dar-se a mais ampla
publicidade a uma vítima de estupro).
Daí porque, tendo em vista determinados valores, que devem reinar sobre a publicidade,
a Carta Política traçou genericamente os seus limites, determinando que a lei deverá
restringir a publicidade dos atos processuais “quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem” (art. 5º, LV). Também se fazem ressalvas à publicidade,
secundando-a quando estiver em jogo o interesse público e a segurança da sociedade e
do Estado. Vejam-se outras exceções nos arts. 217, 792, § 2º, 476, 481 e 482, todos do
Código de Processo Penal brasileiro.
O inquérito policial, como teremos ainda oportunidade de observar, é inquisitório, e como
tal é intrinsecamente sigiloso. No entanto, afirmemos desde já, o inquérito policial,
primeira fase da persecução criminal, não é e nem faz parte processo penal
(tecnicamente falando), de modo que não faltamos com a verdade quando dizemos que
o processo penal brasileiro é eminentemente (embora não absolutamente) público.
2.7. Obrigatoriedade (CPP, arts. 5º e 24)
11
Mediante tal princípio, nos crimes que se apurem por meio de ação penal pública ⎯
condicionada ou incondicionada ⎯ a autoridade policial, tomando deles conhecimento,
deve instaurar inquérito policial de ofício (art. 5º do Código de Processo Penal); e o
órgão do Ministério Público, tomando deles conhecimento, deverá promover, pela
denúncia, a ação penal (art. 24 do mesmo diploma).
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Em síntese: os crimes, quanto à ação penal a ser promovida, ou são de ação penal
pública, ou de ação penal privada (é a lei penal quem determina isso, seja silenciando,
seja fazendo expressiva alusão à necessidade de queixa-crime ou de representação). Os
segundos, porque são da alçada privada, são de titularidade exclusiva do ofendido ou de
seu representante legal, e eles oferecem a queixa-crime se lhe convierem, vale dizer, o
titular da ação penal privada oferece a queixa-crime (peça inicial desta espécie de ação
penal) se quiser, não tendo obrigatoriedade para tal, porque o interesse na persecução
penal pertencerá, tão-somente, a ele, e não à sociedade.
Os crimes de ação penal pública, no entanto, ensejam o interesse público de que sejam
devidamente apurados, de modo que não pode a autoridade policial, ao deles tomar
conhecimento, deixar de instaurar inquérito policial (embora se alegue, vez ou outra, que
não seja bem isso o que ocorre na prática); e ao representante do Ministério Público não
cabe “querer ou não querer” oferecer a denúncia (peça em que se consubstancia a ação
penal pública), sendo que, antes, ele simplesmente tem de oferecê-la.
E se a autoridade policial deixar de instaurar o inquérito policial, ou o representante do
Ministério Público deixar de oferecer a denúncia? A depender do caso concreto, poderão
eventualmente responder por crime de concussão (art. 316, caput, do CP), de corrupção
passiva (art. 317 do CP) ou de prevaricação (art. 319 do CP).
Doutrinadores da estirpe de Fernando da Costa Tourinho Filho e Julio Fabbrini Mirabete
têm dito que o princípio da obrigatoriedade não oferece exceção alguma, mas uma
“mitigação” (abrandamento), nos termos do que dispõem os arts. 74 e 76 da Lei n.º
9.099/95, permitindo-se a composição e a transação penais anteriores ao oferecimento
da denúncia. Fala-se, então, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, em
discricionariedade regrada: o Ministério Público pode, desde que atendidas certas
condições, deixar de oferecer a denúncia.
2.8 Indisponibilidade (CPP, arts. 17, 42 e 576)
Esse princípio muito se assemelha ao que acabamos de tratar, mas com ele não se
confunde. Pelo princípio da obrigatoriedade, vimos, a autoridade policial, ao tomar
conhecimento do cometimento de fato delituoso que se apura mediante ação penal
pública, deverá instaurar o respectivo inquérito policial (art. 5º do CPP), e o órgão do
Ministério Público, na mesma hipótese, deverá oferecer a denúncia, a peça inicial da ação
penal pública (art. 24 do CPP). Assim, o princípio da obrigatoriedade diz respeito a
momento anterior ao inquérito e à denúncia, impondo que sejam levados a cabo pela
autoridade a quem cabe cada um desses atos.
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Pelo princípio da indisponibilidade, em seu turno, o inquérito policial já instaurado não
poderá ser arquivado de ofício pela autoridade policial (art. 17 do CPP), e o órgão do
Ministério Público, por sua vez, não poderá desistir da denúncia já oferecida (art. 42 do
CPP), nem do recurso já interposto (art. 576 do CPP).
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Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha
Logo, enquanto o princípio da obrigatoriedade, diante de um delito de ação penal pública,
diz “instaure o inquérito policial!” à autoridade policial, e “ofereça a denúncia!” ao
representante do Ministério Público, o da indisponibilidade diz, à primeira autoridade,
“não arquive, de ofício, inquérito policial!”, e à segunda, “não desista da ação penal já
intentada!” e “não desista do recurso que já haja interposto!”.
2.8 Contraditório (CF/88, art. 5º, LV; CPP, arts. 261 e 263)
Por esse princípio, também denominado “bilateralidade da audiência”, garante-se
constitucionalmente a ampla defesa do acusado (art. 5º, LV). Mediante o princípio, o
acusado goza do direito de defesa sem qualquer restrição, assim como à acusação cabe
contraditar os argumentos esposados pelo réu.
O contraditório envolve a isonomia processual, pela qual as partes podem atuar no
processo em igualdade de condições (ciência bilateral dos atos e termos do processo e a
possibilidade de contrariá-los, nas formas e condições estabelecidas em lei). Dele
também advêm a igualdade processual (igualdade de direitos e deveres dentro da
demanda) e a liberdade processual do acusado (a ele é concedido o direito de nomear,
para a sua defesa, o advogado que desejar). O contraditório é princípio tão elementar
que, lembra Mirabete, atua até quando o réu encontra-se foragido, porquanto não
poderá ser julgado sem um defensor (o que não significa que ele não possa ser julgado à
revelia).
O não acatamento de direitos decorrentes do contraditório pode acarretar nulidade do
processo (art. 564, III, c, e, f, g, h, l e o, do CPP).
O contraditório, no entanto, só tem fundamento no processo criminal, ou seja, a partir do
momento em que é proposta a ação penal, de forma que na fase pré-processual
(inquérito policial) não se exige (e nem mesmo se admite) o contraditório. Para espancar
qualquer dúvida, a Carta Magna dispõe, em seu art. 5º, LV, que é assegurado o
contraditório “em processo judicial ou administrativo”, e inquérito, como salientamos,
não é processo, mas mero procedimento informativo de caráter administrativo para
colheita de provas na busca da apuração da materialidade do fato e de sua autoria.
Há, entretanto, quem entenda dever haver contraditório ficar na fase do inquérito (tal
opinião, no entanto, é minoritária).
2.10 Iniciativa das Partes (CF/88, art. 129, I; CPP, arts. 24 e 30)
13
A ação penal é o direito instrumental de fazer invocar a tutela jurisdicional com vistas à
composição de uma lide penal. A titularidade da ação penal é exclusiva da parte
interessada: Ministério Público, nos crimes de ação penal pública; ofendido ou seu
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Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha
representante legal, nos de ação privada. De forma que, se quer o titular da ação penal
que o autor de um crime seja processado e julgado, necessitará de promover a ação
penal respectiva; em última instância, terá de tomar a iniciativa de conclamar aquela
tutela.
Daí dizer-se que paralelamente ao princípio da iniciativa das partes está o da inércia do
juiz, ou seja, ele só pode tomar a primeira providência jurisdicional se e quando for
“chamado” a tal, por meio da instauração da ação penal (denúncia ou queixa-crime).
O princípio em comento é ratificado por duas expressões latinas: nulla jurisdictio sine
actione (não há jurisdição sem ação); ne procedat judex ex officio (não procede a
jurisdição de ofício). Ou, como dizem os alemães, Wo kein Ankläger ist, Da ist auch kein
Richter (onde não há acusador não há juiz).
Não há exceções a esse princípio: ao Ministério Público (MP), e somente a ele, cabe a
iniciativa da ação penal pública (art. 129, I, da CF/88), sendo que nem sequer a
autoridade policial ou o juiz podem propor ação penal; ao ofendido ou seu representante
legal, e somente a eles, a ação penal privada (CPP, arts. 29 e 30). Mesmo quando o
Ministério Público não intenta a denúncia no prazo legal, quando então cabe à parte
ofendida a ação privada subsidiária, o MP não perde a sua titularidade, e tanto é assim
que, malgrada a propositura tempestiva da queixa-crime, o MP volta a poder apresentar
a denúncia. Nada obsta, também, que, no prazo de oferecimento de queixa-crime, seja
oferecida denúncia.
No que toca à prisão preventiva, o juiz pode declará-la de ofício, mesmo sem
requerimento do Ministério Público, mas isso não significa exceção ao princípio que
estamos estudando, já que este trata de impossibilidade de instauração de processo de
ofício pelo juiz, e decretação de prisão cautelar preventiva não é instauração de
processo.
2.11 Impulso Oficial (CPP, arts. 156, 168, 176, 196 e 251)
Saído de sua inércia, porque proposta a ação penal, o magistrado investido da jurisdição
penal poderá, de ofício, proceder no sentido de dar continuidade ao processo, sem que,
de agora em diante, ele necessite ser toda vez invocado para praticar os atos cabíveis.
Com efeito, não seria plausível que o magistrado, já instaurada a demanda penal, ficasse
à mercê da iniciativa das partes, de molde que ele poderá e mesmo deverá diligenciar no
sentido de que o processo não seja paralisado, a fim de buscar a verdade real. Para
ratificar o princípio do impulso oficial, vejam-se os arts. 156, 168, 176, 196 e 251, todos
do Código de Processo Penal.
14
Ne et Judex Ultra Petita Partium: Significa, lapidarmente, que o juiz, quer no cível,
quer no penal, deve limitar-se ao que foi pedido, e nos limites que lhe foi pedido, pelo
autor da ação penal, circunscrevendo-se pelo que e quanto lhe foi solicitado. Em outras
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palavras, o juiz não pode julgar extra petitum (objeto estranho ao que lhe foi pedido) ou
ultra petitum (a mais do que se o pediu daquele objeto). O ne eat judex ultra petita
partium decorre do ne procedat judex ex officio.
Por sinal, aquele princípio está muito bem explicitado nos arts. 128 e 460 do Código de
Processo Civil.
No entanto, nada obsta que o magistrado, a quem se confere o poder de dizer o direito
(narra mihi factum dabo tibi jus – dai-me o fato que lhe darei o direito), possa
desclassificar a infração para outra, ainda que mais grave que a que consta da peça
acusatória, desde que tenha se constatado que o delito ao qual ele dá nova classificação
ele julgar ter realmente ocorrido.
Isso pode dar-se de duas formas: ou a acusação narra um fato na peça vestibular
(denúncia ou queixa) que realmente tenha ocorrido (segundo entendimento do juiz,
lembremos), mas, no pedido de condenação, tenha-o imputado com nomen juris diverso
(ex.: ocorrera um roubo, e o Promotor de Justiça descreve que o fato dera-se com
subtração mediante grave ameaça, mas vem a pedir a condenação por furto); ou,
somente após o oferecimento da peça acusatória, no transcorrer da instrução criminal, é
que se apurou ter ocorrido outro delito diverso daquele ao qual o réu fora imputado de
ter cometido (ex.: tudo levava a crer, até o momento da denúncia, ter havido realmente
um simples furto, mas, por meio de diligências posteriores, o juiz descobre que o réu
utilizou-se de grave ameaça). No primeiro caso, aplica-se a regra do art. 383 do Código
de Processo Penal (emendatio libelli); no segundo, a do art. 384, caput, do mesmo
diploma (mutatio libelli).
O que o juiz não pode, sob pena de estar julgando extra petitum é, p. ex., condenar por
estupro quando na denúncia pede-se a condenação por furto que não ocorrera (até
porque a titularidade da ação penal do estupro é do ofendido ou de seu representante
legal).
Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho, a única exceção do Código de Processo Penal
brasileiro ao princípio do ne et judex ultra petita partium está no art. 408, § 4º (“o juiz
não ficará adstrito à classificação do crime feita na denúncia ou queixa, embora fique o
réu sujeito à pena mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no art. 410 e seu
parágrafo”).
2.12 Juiz Natural (CF/88, art. 5º, XXXVII e LIII)
15
Este princípio tem fundamento constitucional no art. 5º, XXXVII (“não haverá juízo ou
tribunal de exceção”). Significa que nenhuma lei poderá sob hipótese alguma criar órgão
jurisdicional ou designar magistrados especiais para julgarem um caso isolado. Quer
dizer, dado um fato, o órgão ou o juiz incumbido de o julgar já deve estar previamente
previsto para aquele desiderato. É constitucionalmente vedado, portanto, criação ou
designação de órgão ou tribunal após o fato. Além do mais, “ninguém será processado
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nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, da CF/88), o que
quer dizer que a cada espécie de fatos cabem processo e julgamento a um órgão
competente. Lembram os autores que não ofendem o princípio do juiz natural as
modificações de competência, as substituições, o desaforamento e a prorrogação de
competência previstas em lei.
Identidade Física do Juiz: Inobstante o temos citado no rol dos princípios do processo
penal, em verdade e de fato ele não subsiste, ao menos no processo brasileiro. Segundo
o princípio, num mesmo processo só poderia atuar um único e só juiz, não se permitindo
a sua substituição por outro: o juiz que pratica um ato de um processo necessariamente
deverá ser o mesmo para todo o desenrolar do mesmo, nos limites de sua competência.
Não é princípio do Direito Processual Penal brasileiro, e não foi consagrado, sequer, pelo
art. 538, § 2º, do Código de Processo Penal brasileiro, tendo em vista que o dispositivo
trata do juiz como “órgão jurisdicional”, em caráter impessoal, portanto, pouco
importando a pessoa física do juiz.
2.13 Devido Processo Legal (CF/88, art. 5º, LIV)
A CF/88, seguinte a esteira da Emenda V da Constituição norte-americana (no person
shall be... deprived of life, liberty or property without due process of law), dispõe, em
seu art. 5º, LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”. Segundo Eduardo Couture, “em última análise, o due process of law
consiste no direito de não ser privado da liberdade e de seus bens, sem a garantia que
supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”.
Desse princípio decorrem vários outros, como o do contraditório, igualdade das partes,
imparcialidade do juiz, juiz natural, iniciativa das partes, oficialidade e da
inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente.
A afronta ao princípio pode acarretar nulidade do processo (conseqüência mais comum) e
até mesmo constituir-se em fundamento para impetração de habeas corpus, por
exemplo.
Não há exceções ao princípio, e nem mesmo a prisão provisória, cautelar, processual,
constitui exceção ou ofensa a ele, contanto que sejam observadas as formas tais quais
devem ser obedecidas para a consecução da prisão.
2.14 Oficialidade (CF/88, arts. 128, I e II, 129, I, e 144; CPP, arts. 4º e ss.)
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Pelo princípio da oficialidade, os órgão encarregados de empreender a persecutio criminis
são oficiais com autoridade para deduzirem a pretensão punitiva in abstracto. Assim é
que a apuração das infrações penais cabe à Polícia (art. 144 da CF/88; arts. 4º a 23 do
Código de Processo Penal), e a ação penal é oferecida pelo Ministério Público (arts. 128, I
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e II, e 129, I, da CF/88; arts. 24 e ss. do CP). Logo, cabem a órgãos oficiais estatais
promoverem a persecutio criminis in judictio. A chamada “ação penal popular”, que
possibilita a iniciativa de qualquer do povo para oferecer ação penal por crime de
responsabilidade do Presidente da República e do Procurador-Geral da República,
insculpida no art. 41 da Lei n.º 1.079/50, não tem mais sua razão de ser (o dispositivo
está tacitamente revogado pelo art. 129, I, da CF/88).
A exceção ao princípio está na ação penal privada (daí porque dizer-se que, com relação
à ação penal, o princípio da oficialidade somente é absoluto quanto à ação pública). Na
ação privada, a titularidade não é do Ministério Público, mas muito pelo contrário: cabe
ao ofendido ou ao seu representante legal promover a ação penal privada, particulares e
não autoridades, por conseguinte.
2.15 Inadmissibilidade das Provas Obtidas Ilicitamente (CF/88, art. 5º, LVI)
No processo penal, são proibidas as chamadas provas proibidas. As provas proibidas são
de suas espécies: ilegítimas e ilícitas. Entre ambas há nítida distinção: as primeiras,
provas ilegítimas, são aquelas obtidas com afronta a preceito de legislação processual,
isto é, violação do Direito Penal formal; as provas ilícitas, por sua vez, são as que são
conseguidas com violação a norma de Direito Penal material, ou seja, são obtidas por
meio criminoso ou contravencional.
Em todo o mundo, a única Constituição que proíbe taxativamente a obtenção ilícita de
provas é a brasileira (art. 5º, VI). Assim, mesmo que o que se conseguiu apurar seja
prova cabal da existência de uma infração penal e da autoria da mesma, se tal se deu
ilicitamente, como por meio de tortura (violação a disposições da Lei n.º 9.455/97),
microgravadores dissimulados, interceptação telefônica desautorizada (afronta à Lei n.º
9.296/96), fotografias da vida íntima da pessoa, detector de mentiras sem que a pessoa
permita, etc., não é admissível em juízo, vale dizer, não pode ser usado pela acusação,
ainda que isso enseje (e realmente ensejará) a impunidade do indiciado ou do réu.
Também são consideradas ilícitas aquelas obtidas por derivação (teoria norte-americana
das fruits of the poisonous tree), quando, por exemplo, a Polícia obtém do acusado,
mediante tortura, a confissão de onde está depositada a droga, e até lá se dirige e,
preenchendo todas as formalidades legais, apreende o entorpecente — embora a
apreensão seja em si lícita, ela decorreu de origem ilícita, e ilícita também, pois, deve ser
a primeira considerada, e rechaçada em juízo.
Isso porque, entre o desrespeito à Constituição Federal e a impunidade, preferir-se-á
esta.
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Todavia, arrimada no princípio do favor rei, existe forte corrente doutrinária e
jurisprudencial no sentido de admitir as provas ilícitas desde que favoráveis à defesa.
Isso tem sua razão de ser, muito lógica e plausível: se a prova, ainda que insofismável,
da existência do crime e da sua autoria, é inadmissível, absolvendo-se o réu, com muito
maior razão não se punirá quem, sendo inocente, prova-a, ainda que com o emprego de
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recursos afrontantes da lei penal. Assim, p. ex., se alguém, querendo provar a sua
inocência, penetra na calada da noite em domicílio alheio, e de lá subtrai documentos
capazes de provar sua inocência, tais provas devem ser admitidas. Talvez mesmo não
seja melhor falar-se, aí, em prova obtida “ilicitamente”, senão licitamente (embora o fato
seja típico à luz da legislação penal), porque então se pode alegar estado de
necessidade, cujos bens em conflito seriam, em derradeira análise, o jus libertatis e a
tranqüilidade doméstica e patrimônio do morador do domicílio.
Assim, tem-se que: a acusação não pode utilizar-se de provas obtidas ilicitamente
(sejam originárias ou por derivação), mas a defesa, em tese, pode (vide, no Informativo
STF n.º 30, de 15/05/96, o HC 73.351-SP).
2.16 Presunção de Inocência (CF/88, art. 5º, LVII)
O princípio da presunção ou estado de inocência declara que o indiciado e o acusado são
considerados inocentes até o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Passou-se, então, a questionar se, respeitado em absoluto o princípio, se não seria
inconstitucional a prisão provisória ou cautelar (prisão em flagrante, prisão preventiva,
prisão temporária, prisão derivada de pronúncia, prisão civil, prisão disciplinar por
transgressão militar e prisão decorrente de sentença condenatória recorrível). Esse
questionamento, no entanto, não tem sua razão de ser, pois a própria CF/88 excepciona-
se, ao admitir a prisão processual em seu art. 5º, LXI e LXVI. Entretanto, não restam
dúvidas de que os arts. 393, II e 408, § 1º do Código de Processo Penal estão todos
revogados. Porém, divergência há entre doutrinadores e jurisprudência quanto aos arts.
594 do Código de Processo Penal e 35 da Lei n.º 6.368/76 (necessidade de recolhimento
à prisão para apelar). Autores como Fernando da Costa Tourinho Filho e Mirabete alegam
que eles se encontram revogados, mas a Súmula 9 do STJ diz justamente o contrário, e
é o entendimento jurisprudencialmente dominante.
A doutrina, ainda, costuma afirmar que em decorrência do princípio do estado de
inocência:
A restrição da liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a
título de medida cautelar, de necessidade ou de conveniência, segundo estabelece a lei
processual; O réu não tem o dever de provar a sua inocência; cabe ao acusador provar
a sua culpa; Para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele
responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito de sua culpa (in
dubio pro reo).
2.17 Favor Rei (CPP, arts. 386, VI, 609, parágrafo único, 615, § 1º, 617 e 621)
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Por meio deste princípio, quando houver dúvida insuperável entre o jus puniendi e o
jus libertatis, deve o ordenamento jurídico inclinar-se em fazer deste último. É o
famoso aforismo in dubio pro reo. O princípio está consagrado, no Código de Processo
Penal, nos arts. 386, VI (absolvição por insuficiência de provas), 609, parágrafo único
(embargos infringentes e de nulidade), 615, § 1º, e 617 (proibição da non reformatio in
pejus) e 621 (revisão criminal).
Também é decorrência do princípio do favor rei, a aplicação do art. 10 do CP em
detrimento do art. 798, § 1º, do Código de Processo Penal, na questão dos prazos sobre
matéria mista (penal e processual penal).
2.18 Duplo Grau de Jurisdição (CF/88, arts. 92, 93, III, e 108, II)
Mais por questões de ordem ética e psicológica (falibilidade humana, possibilidade de
corrupção ou peita do juiz, inconformismo humano com uma opinião desfavorável ao seu
interesse, maior experiência dos magistrados de jurisdição mais elevada) que técnica,
consagrou-se há muito o princípio do duplo grau de jurisdição, por meio do qual prevê-se
a possibilidade de uma decisão ser reexaminada, agora por uma instância superior. O
duplo grau de jurisdição é, pois, a possibilidade de ser mais uma vez examinada e
julgada a demanda, em grau recursal. Em geral, portanto, todas as decisões comportam
recurso. Exceções à regra existem com relação à competência originária dos Tribunais,
em que não se prevê possibilidade de recurso, ao menos o ordinário.
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3º Módulo
INQUÉRITO POLICIAL
Código de Processo Penal, arts. 4º até 23:
“Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades
administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a
requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§ 1º. O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de
convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de
impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e
residência.
§ 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá
recurso para o chefe de Polícia.
§ 3º. Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração
penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à
autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará
instaurar inquérito .
§ 4º. O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação,
não poderá sem ela ser iniciado.
§ 5º. Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a
inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial
deverá:
I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e
conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos
peritos criminais;
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III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstâncias;
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IV - ouvir o ofendido;
V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo
III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas)
testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a
quaisquer outras perícias;
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e
fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar
e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do
crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a
apreciação do seu temperamento e caráter.
Art. 7º. Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado
modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que
esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.
Art. 8º. Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX
deste Livro.
Art. 9º. Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito
ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.
Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido
preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a
partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando
estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
§ 1º. A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará
autos ao juiz competente.
§ 2º. No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido
inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.
§ 3º. Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade
poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão
realizadas no prazo marcado pelo juiz.
Art. 11. Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova,
acompanharão os autos do inquérito.
Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base
a uma ou outra.
Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e
julgamento dos processos;
II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;
III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias;
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IV - representar acerca da prisão preventiva.
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Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer
diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial.
Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade
policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por
falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se
de outras provas tiver notícia.
Art. 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do inquérito serão remetidos
ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante
legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado.
Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que Ihe forem solicitados, a
autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a
instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação
anterior.
Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e
somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação
o exigir.
Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será
decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade
policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o
disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº
4.215, de 27 de abril de 1963).
Art. 22. No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição
policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja
procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de
precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade
competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição.
Art. 23. Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial
oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o
juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do
indiciado.”
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1. Persecução Penal (Persecutio Criminis)
O Estado tem interesse em manter a paz e a harmonia entre seus cidadãos. Quando se
comete uma infração penal, põe-se em risco aqueles bens jurídicos, e surge para o
Estado o jus puniendi, o direito de punir.
Todavia, para que o Estado possa punir, é preciso, de antemão, recolher elementos
probatórios necessários que indiquem a prática de uma infração penal, e apontem a
autoria do mesmo. Surge, assim, a necessidade de “ir atrás da infração penal”,
“persegui-la”, investigando-a e denunciando-a, atividade a que se dá o nome de
persecução penal (persecutio criminis). A persecução penal, literalmente “perseguição à
infração penal” (sua materialidade e autoria), constitui-se da soma da atividade
investigatória (inquérito policial), que é a sua primeira fase, com a ação penal, que é a
sua segunda fase. Esta última fase é chamada também de persecutio criminis in judictio,
porque a persecução criminal está já em juízo, não apenas em sua fase meramente
administrativa, como o é a primeira.
Nos itens que se seguem, restringir-nos-emos à primeira fase da persecução penal, a do
inquérito policial.
2. Polícia
Como estamos aqui tratando de inquérito policial, faz-se mister que atentemos ao que se
entende por polícia.
2.1 Conceito
Polícia é uma instituição de Direito Público destinada a assegurar a segurança, a paz, a
incolumidade e a ordem públicas.
2.2 Divisão
A polícia é comumente dividida em: polícia administrativa (de caráter preventivo das
infrações penais) e polícia judiciária (com o fito de reprimir as infrações penais). A
primeira visa a prevenir a prática de delitos e contravenções; a segunda, que surge após
o cometimento do ilícito penal, tem por fim investigá-lo, apurá-lo, para recolherem-se
seus elementos de materialidade e autoria, a fim de que seja deduzida, pelo titular da
ação penal cabível, a pretensão punitiva.
Pode ainda ser dividida a polícia em civil, federal e militar. Esta última tem caráter
ostensivo, e o inquérito policial militar (IPM) serve para apurar as infrações militares, não
todas as infrações. Tanto é assim que, ainda quando um não-militar é preso por policiais
militares, será levado à presença da Polícia Civil e o que se instaurará é um inquérito
policial presidido por Delegado de carreira, não um inquérito policial militar.
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A polícia federal tem suas atribuições genericamente traçadas no art. 144, caput, e seus
§§ 1º, 2º e 3º, da Constituição Federal, e tem por finalidade:
“apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de
bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas
públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual
ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei” (art. 144,
§ 1º, I);
“prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando
e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas
respectivas áreas de competência” (art. 144, § 1º, II);
“exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” (art. 144, §
1º, III);
“exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União” (art. 144, §
1º, IV).
3. Conceito de Inquérito Policial, Natureza & Finalidade
3.1 Conceito
Inquérito policial é um procedimento administrativo pré-processual, de caráter
facultativo, destinado a apurar infrações penais e sua respectiva autoria.
3.2 Natureza Jurídica
O inquérito policial não é ato ou procedimento processual, mas meramente
administrativo, pré-processual, daí porque não se rege pelos princípios norteadores da
ação penal e do processo penal, como o contraditório e a ampla defesa.
3.3 Finalidade
A finalidade do inquérito policial é apurar as infrações penais (investigando-as e
descobrindo-as) e a autoria de quem as cometeu, com o fito de levar ao conhecimento
do titular da ação penal as informações colhidas.
4. Inquéritos Extrapoliciais
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Nem todo inquérito é “policial”, havendo outros que são se regem por esta denominação,
porque não são presididos por autoridades policiais, além do que se norteiam pelos
princípios do contraditório e da ampla defesa:
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4.1. Inquérito Administrativo
Este inquérito visa a apurar a conveniência, ou não, da expulsão de estrangeiro do
território nacional, segundo regulamentam os arts. 70 e 71 da Lei n.º 6.815/80.
4.2. Inquérito Judicial
O inquérito judicial é presidido pelo Juiz da Vara de Falências, como dispõe a Lei de
Falências (Decreto-lei n.º 7.661/45), art. 103 e ss., para colhimento de informações
acerca de crimes falimentares.
4.3. Inquérito Civil
O inquérito civil é presidido pelo órgão do Ministério Público destinado à propositura da
ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens de direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico (Lei n.º 7.347/85).
4.4. Inquérito Parlamentar
Este trata do poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito, que
presidem os inquéritos parlamentares (Lei n.º 1.579/52).
5. Características do Inquérito Policial
No sistema processual penal brasileiro, o inquérito policial obedece ao sistema
inquisitório, de molde que, além de não obedecer aos princípios do contraditório e da
ampla defesa, apresenta-se com os seguintes caracteres:
5.1. Sigiloso (art. 20 do CPP)
O inquérito policial é sigiloso, para impedir que empecilhos ou óbices se ponham em seu
regular caminho, pois do contrário frustradas muitas vezes ficariam as investigações.
P. ex., o indiciado já tivesse, de antemão, conhecimento dos próximos movimentos e
diligências realizadas pela polícia. O sigilo, porém, não é absoluto, pois não se estende
ao Ministério Público (art. 15, III, da Lei Orgânica do Ministério Público) e ao Juiz. Na
prática, igualmente, pouco sigilo existe em relação aos advogados, haja vista suas
prerrogativas (art. 7º do Estatuto da OAB).
5.2. Escrito (art. 9º do CPP)
Todas as conclusões e informações a que chegou o inquérito policial devem ser
deduzidos por escrito, e remetidos ao Judiciário (no caso de ação penal pública) ou ao
ofendido ou seu representante legal (no caso de ação penal privada).
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5.3. Obrigatório (art. 5º, I, do CPP)
Tomando conhecimento da prática de crime de ação penal pública incondicionada, deverá
a autoridade policial (Delegado de polícia), de ofício, instaurar inquérito policial, sob pena
de responder por prevaricação (art. 319 do CP), corrupção passiva (art. 317 do CP) ou
concussão (art. 316, caput, do CP)1, a depender do caso concreto. Não existe, e nem é
possível, a obrigatoriedade nos casos de ação penal pública condicionada à
representação (porque dependerá desta para ser instaurado o inquérito) ou ação penal
privada (em que será necessário o requerimento da parte ofendida ou de seu
representante legal).
5.4. Indisponível (art. 17 do CPP)
Instaurado o inquérito, a autoridade policial não poderá arquivá-lo de ofício, mas tão-
somente quando assim requisitado pelo Ministério Público. Pode até se alegar que tal
procedimento, o arquivamento de ofício do inquérito, é “praxe” comum, mas isso
constitui um atentado grave à lei, à justiça, e configura ilícito penal (prevaricação,
corrupção passiva ou concussão, a depender do caso concreto).
1
Código Penal, arts. 316, 317 e 319:
“Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º. Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando
devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:
Pena — reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 2º. Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher
aos cofres públicos:
Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena — reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º. A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário
retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º. Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional,
cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição
expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
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Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”
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6. Competência
O termo “competência” refere-se, tecnicamente, no campo processual, apenas aos
órgãos jurisdicionais, não à polícia. Para esta melhor seria a expressão “atribuições”,
muito mais precisa e técnica2. Essa atribuição, de regra, é atribuída de acordo com o
lugar da ocorrência do ilícito penal, mas também pode se referir à natureza da infração e
à pessoa da vítima.
6.1. Atribuição em Razão do Lugar da Infração (Ratione Loci)
Esta é a regra geral. Os Distritos Policiais de Recife ocupam-se com as infrações penais
cometidas em Recife; os Distritos Policiais de Camaragibe ocupam-se com as infrações
penais cometidas nesta cidade, e assim por diante.
Também é muito comum, principalmente em cidades maiores, que cada Distrito se ocupe
com infrações penais ocorridas em uma delimitada área de atuação, denominada
circunscrição. A cidade, ou a Comarca, é dividida em diversas circunscrições, e, pela
regra da atribuição ratione loci, numa mesma Comarca poderá haver diversas
circunscrições, e para cada qual existe um Distrito Policial ao qual incumbe a apuração
das infrações penais cometidas dentro desta área.
Assim, p. ex., em regra uma Delegacia de Polícia do bairro do Espinheiro não se ocupa
de crimes cometidos em Casa Amarela.
Isso, contudo, não impede que a Autoridade Policial responsável por uma circunscrição
investigue, em outra, fatos de repercussão na primeira, ou mesmo que um Delegado de
uma circunscrição X apure uma infração cometida na de Y. A divisão em razão do lugar
da infração é uma questão apenas de conveniência, não havendo o que se falar, p. ex.,
em vício ou irregularidade na prisão em flagrante ocorrida em uma circunscrição sob os
auspícios da Autoridade Policial de outra.
6.2. Atribuição em Razão da Natureza da Infração (Ratione Materiæ)
As atribuições da Polícia também podem ser conferidas de acordo com a natureza da
infração penal cometida. É muito comum, p. ex., Delegacias especializadas em roubos,
ou em homicídios, ou em entorpecentes, em furtos e roubos de veículos, etc. Quando
acontece essa divisão, não importa em que circunscrição ocorreu um delito. Exemplo:
Numa Comarca existem dez circunscrições, havendo uma Delegacia de Polícia para cada
uma. Na circunscrição X ocorreu um roubo, não havendo nela Delegacia Especializada
para esta espécie de delito.
27
2
Porém, levando em conta que o inquérito policial é procedimento administrativo, podemos, em princípio,
concordar com a expressão “competência”, de que versa o próprio Código de Processo Penal, é correta do
ponto de vista administrativo.
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Tanto pode investigar o fato a Delegacia de X quanto a Delegacia de Furtos e Roubos da
circunscrição Y, por exemplo.
6.3 Atribuição em Razão da Pessoa da Vítima (Ratione Personæ)
Leva-se em conta, aqui, a pessoa da vítima da infração, independentemente do lugar ou
da natureza do delito cometido. Dessa forma, existem Delegacias da Mulher, Delegacias
do Turista, Delegacias do Idoso, etc.
7. Dispensabilidade
O inquérito policial é um procedimento indispensável para a propositura da ação penal?
Só se fala em processo penal se, quando e porque houve, antes, um inquérito policial
instaurado? A resposta é negativa. O inquérito é peça absolutamente dispensável,
podendo ser intentada a ação penal cabível, pública ou privada, mesmo sem o
procedimento inquisitório, se o seu titular achar estar em mãos com elementos
suficientes da materialidade e da autoria do fato. Isso é fácil de concluir pelas disposições
dos arts. 39, § 5º, e 46, § 1º, do Código de Processo Penal. O inquérito policial, destarte,
não é condição alguma de procedibilidade processual.
8. Valor Probatório
O inquérito policial tem valor como prova no processo penal? Sim, o inquérito policial
tem valor probatório, servindo como prova tanto pela acusação (principalmente) quanto
pela defesa, mormente quando a Autoridade Policial procedeu ao requerimento de
perícias e exames, muito preciosas para a elucidação do fato, para a vinculação da
autoria e para a formação da culpa. Todavia, como é pacífico na jurisprudência, é nula a
sentença que se respalda exclusivamente em peças do inquérito policial, visto que o
decisum estaria se adstrindo a um procedimento no qual o indiciado não teve
oportunidade de defesa, ante a ausência dos princípios do contraditório e da ampla
defesa.
9. Vícios
Suponha-se que o inquérito apresente vícios e mesmo irregularidades graves, como a
confissão do indiciado obtida mediante tortura, a colheita ilícita de provas ou a ausência
de curador ao indiciado menor de 21 anos. Esses vícios teriam o condão de prejudicar,
ou mesmo anular, a ação penal ou os atos processuais vindouros?
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O inquérito policial é peça meramente administrativa e informativa, de molde que
eventuais erros, equívocos, irregularidades e vícios, por mais graves que sejam, não
podem prejudicar a ação penal e o processo penal a ser instaurado. A razão é evidente:
procedimento administrativo não pode anular processo judicial.
Ambas são esferas completamente distintas, embora ligadas uma à outra como uma
relação (dispensável, como já se viu) de causa e efeito.
Do exposto, não se fala, de ordinário, em nulidade de ato inquisitorial, mas em mera
irregularidade, e mesmo assim não pode ela prejudicar a relação processual
subseqüente. Evidentemente que, na fase processual, veda-se, sob pena de nulidade,
decisão respaldada em atos viciados realizados durante o inquisitório policial. Uma prova
obtida ilicitamente não pode, sequer, ser apresentada em prejuízo do réu.
10. Notitia Criminis ou Delatio Criminis
No tema referente a inquérito policial assume uma fundamental importância o conceito
de notitia criminis, vulgarmente conhecida como “prestar queixa na Delegacia”.
Tecnicamente, a “queixa” nada tem a ver com a notitia criminis, senão apenas com a
ação penal privada. Logo, daqui por diante torna-se imperioso desmistificar algo que é
popularmente falado mas tecnicamente inaceitável: “queixa” é um instituto da ação
penal privada, e não do inquérito policial; a notitia criminis, esta sim configura a ciência
às autoridades da prática de uma infração penal.
10.1. Conceito
Notitia criminis é o ato pelo qual se leva à autoridade policial o conhecimento da prática
de uma infração penal.
Vulgarmente é chamada de “queixa”, sendo que tal expressão é tecnicamente incorreta,
devendo ser evitada pelo operador jurídico, e só utilizada quanto se mencionar seu real
significado, o de peça inaugural da ação penal privada. Logo, o que popularmente se diz
“prestar queixa” é, na verdade, a notitia criminis.
10.2. Espécies
A notitia criminis pode ser espontânea ou provocada.
Notitia criminis espontânea é aquela por meio da qual a autoridade pública toma
conhecimento direto do fato delituoso no exercício de sua atividade funcional. Dá-se
quando, portanto, a autoridade policial toma conhecimento de ofício do fato. Exemplo:
Policiais tomam conhecimento de um assalto e avisam-no ao Delegado.
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Notitia criminis provocada, que é a mais comum, é aquela transmitida a autoridade
policial pelas formas registradas na lei processual penal — Juiz, Ministério Público,
ofendido ou seu representante legal, ou por qualquer do povo.
Exemplo:
Uma pessoa (não necessariamente a vítima do crime) vai à Delegacia e narra ao
Delegado um furto cometido nos arredores da vizinhança onde mora.
10.3. Autores & Destinatários
Qualquer pessoa do povo — e não apenas a vítima, seu representante legal, as
autoridades judiciárias e ministeriais — pode noticiar à autoridade policial a existência de
uma infração penal. Qualquer pessoa física é, portanto, autora em potencial de notitia
criminis.
Destinatários da notitia criminis são: a Autoridade Policial (art. 5º, II, §§ 3º e 5º, do
CPP), o Ministério Público (arts. 27, 39 e 40 do CPP) e o Juiz (art. 39 do CPP)3.
10.4. Faculdade & Obrigatoriedade
Regra geral, ou seja, no que se refere aos particulares, a notitia criminis constitui mera
faculdade, e não um dever. Logo, de ordinário, ninguém tem a obrigação de comunicar
coisa alguma a Autoridade Policial, ainda que nada a impeça de tal.
Há quem, entretanto, tenha o dever legal de noticiar o fato, sob pena de incorrer em
contravenção penal. Com efeito, reza o art. 66 da LCP que:
Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:
I - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função
pública, desde que a ação penal não dependa de representação;
Il - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina
ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de
representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento
criminal:
Pena — multa.
No inciso I temos os funcionários públicos que, no exercício de sua função (e não fora
dela), tomou conhecimento de crime de ação penal pública incondicionada. É o caso, p.
ex., dos Policiais e dos funcionários que trabalham na área de segurança pública (exs.:
agentes penitenciários e policiais).
30
3
Tratando-se de crime militar, a notitia criminis deverá ser encaminhada à autoridade militar competente (art.
7º do Código de Processo Penal Militar). Na hipótese de crimes de responsabilidade de Governador de
Estado a notitia criminis pode ser dirigida à Assembléia Legislativa, e no caso de crime de responsabilidade
do Presidente da República, à Câmara dos Deputados ou Senado Federal.
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No inciso II estão os profissionais da área de Medicina ou outra atividade sanitária (ex.:
enfermeiros) que, no exercício de sua profissão (e não fora dela), tomaram
conhecimento da prática de crime de ação penal pública incondicionada, desde que a
comunicação do fato não exponha o cliente ou paciente a procedimento criminal, sob
pena de o profissional vir a responder por crime de violação do segredo profissional (art.
154 do CP)4. Seria o caso, por exemplo, do médico que recebe uma paciente com grave
hemorragia, vindo ela a morrer, descobrindo o médico que a causa mortis fora o fato de
há poucas horas ter ela sofrido manobras abortivas em clínica clandestina.
No entanto, se ela não morre e se recupera, o médico não pode comunicar o fato à
Polícia, pois se o fizer estará forçosamente expondo sua paciente a procedimento
criminal, haja vista que, em tendo ela dado seu consentimento para a prática abortiva,
será enquadrada no art. 124 do CP. Sob determinação judicial, porém, o médico é
obrigado a comunicar detalhes do delito perpetrado pelo seu paciente, sob pena de
responder por crime de desobediência (art. 330 do CP).
11. Instauração do Inquérito
Não existe uma única forma de instauração do inquérito policial, mas várias, a depender
da ação penal cabível para a infração que está sendo apurada, se pública ou privada.
11.1 Ação Penal Pública
A ação penal pública pode ser incondicionada ou condicionada. Para cada uma delas a
instauração do inquérito se dá de forma distinta5.
11.1.1. Incondicionada (Art. 5º, I e II, do CPP): Nos casos de crimes apurados
mediante ação penal pública incondicionada (exs.: crimes contra a vida, a maioria dos
crimes contra o patrimônio, crimes contra a organização do trabalho, a maioria dos
crimes contra a família, crimes contra a fé pública, crimes contra a administração
pública), o inquérito policial é instaurado:
4
Código Penal, art. 154:
“Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.”
31
5
Ainda há a possibilidade de instauração de inquérito policial via auto de prisão em flagrante, o qual
analisaremos no item 16, infra.
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a) De Ofício (art. 5º, I, do CPP): A Autoridade Policial, tomando ciência do delito,
deverá instaurá-lo de ofício, mediante uma peça singela e sem muita solenidade
chamada portaria.
b) Mediante Requisição do Ministério Público ou de Juiz (art. 5º, II, 1ª parte,
do CPP): Requisição é uma ordem, um imperativo.
Quem requisita determina algo, ordena que algo seja feito ou realizado.
Nesse caso, o Delegado, sendo requisitado pelo Ministério Público ou pelo Juiz,
deverá instaurar inquérito policial, sob pena de responder por prevaricação, delito
tipificado no art. 319 do CP (alguns autores admitem que, na hipótese, haverá
crime de desobediência – art. 330 do CP)6.
c) Mediante Requerimento do Ofendido ou de seu Representante Legal (art.
5º, II, 2ª parte, do CPP): Requerer é pedir, pleitear algo, e não exigir ou
determinar, como no caso da requisição.
O requerimento deverá conter, sempre que possível for, “a narração do fato, com
todas as circunstâncias; a individualização do indiciado ou seus sinais
característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da
infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; e a nomeação das
testemunhas, com indicação de sua profissão e residência” (art. 5º, § 1º, do CPP).
Tratando-se de requerimento, pode o Delegado deixar de atendê-lo nos seguintes
casos:
1) quando já estiver extinta a punibilidade;
2) se o requerimento não mencionar o mínimo indispensável para a abertura
do inquérito;
3) se a autoridade policial a quem foi dirigido o requerimento não for a
“competente”;
4) se o fato narrado for atípico;
5) se o requerente for incapaz.
Contra eventual indeferimento do requerimento de instauração do inquérito policial
cabe recurso administrativo para o Secretário de Segurança Pública (“chefe de
Polícia”, no dizer do art. 5º, § 2º, do CPP).
11.1.2. Condicionada (Art. 5º, II, do CPP): A ação penal pública condicionada
exige como condição ora a representação do ofendido ou de seu representante legal, ora
6
Código Penal, art. 330, verbis:
“Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
32
Pena — detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.”
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a requisição do Ministro da Justiça. Sem a condição de procedibilidade a ação penal é
inepta, e nulo é o processo penal instaurado sem a condição exigida por lei.
a) Ação Penal Pública Condicionada à Representação: Quando o crime é
apurado mediante ação penal pública condicionada à representação, o inquérito só
poderá ser instaurado se, quando e porque o ofendido (vítima) ou seu
representante legal oferecer a representação ao Delegado. A representação de
uma dessas pessoas é essencial, sem o qual o Delegado nada poderá fazer (e nem
deverá!), a não ser, quando muito, indagar à vítima ou ao seu representante legal
se deseja oferecer a representação, mas jamais, repita-se, instaurar de ofício o
inquérito policial.
Nem mesmo quando tiver havido prisão em flagrante poderá a autoridade policial
instaurar o inquérito sem a representação.Se o ofendido e seu representante legal
forem falecidos, a legitimidade para a representação dar-se-á aos moldes do art.
31 do Código de Processo Penal: cônjuge, ascendente, descendente e irmão,
lembrando-nos, sempre, que, no caso de eventual conflito, prevalece o interesse
de quem deseja a instauração do inquérito policial.
A representação pode ser escrita ou oral (mais comum), sendo que neste último
caso deverá o Delegado ordenar ao escrivão que reduza a escrito tudo o quanto foi
dito pelo ofendido ou seu representante legal. Lembremos que no inquérito policial
tudo tem de constar por escrito.
Suponhamos que o ofendido queira oferecer a representação, mas não o queira
seu representante legal, ou vice-versa, deseja o representante legal ver o
inquérito instaurado mas não o quer a vítima.
Havendo, portanto, conflito de interesses, qual deverá prevalecer? Pela leitura do
art. 50, parágrafo único, do Código de Processo Penal, vê-se claramente que
prevalece sempre o interesse de quem quer a instauração do inquérito.
A representação deverá conter (art. 5º, § 1º):
1) a narração do fato, com todas as circunstâncias, isto é, o que ocorreu,
quando, onde, como, porque, quem o cometeu, com que arma ou
instrumento, o comportamento do agente e da vítima antes, durante e
depois do acontecimento delituoso e tudo o mais que possa ser útil na
descrição do fato;
33
2) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de
convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de
impossibilidade de o fazer: aqui requer-se que na representação conste o
nome do indiciado, caso se saiba, e se não o souber (o que é muito comum,
aliás), ao menos aludir-se aos sinais característicos (descrição física,
principalmente do rosto, do indivíduo) e se nem isso for possível, quem
oferece a representação deverá dizer porque não foi possível identificá-lo
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(ex.: o ladrão estava com um capuz; o local do crime estava extremamente
escuro, não sendo possível reconhecer o rosto do sujeito, etc.);
3) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência:
evidentemente que só será possível falar-se em testemunhas se realmente
tiver havido testemunhas, não podendo a ausência delas impedir a
instauração do inquérito.
b) Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça:
Como a ação penal pública está forçosamente condicionada à existência de
requisição do Ministro da Justiça, o inquérito policial, igualmente, só poderá ser
instaurado quando e porque assim ele o determinar, ainda que a autoridade
policial tenha pleno conhecimento do fato criminoso.
11.2. Ação Penal Privada
Denomina-se “requerimento” o meio através do qual é instaurado o inquérito policial nos
crimes de ação penal privada (exs.: crimes contra a honra e crimes sexuais). Sem o
requerimento não pode de modo algum ser instaurado o inquérito, nem mesmo quando
tiver havido prisão em flagrante.
Exatamente como ocorre na instauração do inquérito nos crimes de ação penal pública
condicionada à representação, apenas o ofendido e seu representante legal têm a
legitimidade para oferecer o requerimento, que pode ser por escrito (mais raro) ou
verbal (mais comum), sendo que neste último caso tudo o que for narrado será reduzido
a escrito pela autoridade policial. Exemplo: a vítima de estupro imediatamente dirige-se
a uma Delegacia de Polícia e narra ao Delegado o ocorrido, mandando este que o
escrivão reduza tudo a escrito (até porque, lembremos, uma característica do inquérito é
que tudo nele seja ou esteja escrito).
No requerimento deverão conter todos os requisitos exigíveis para a representação (art.
5º, § 1º, do CPP).
Tudo o mais quanto dissemos acerca da representação pode e deve ser aplicado ao
requerimento, como a eventual possibilidade de conflito entre o interesse da vítima e de
seu representante legal em oferecer o requerimento (que se resolve pelo art. 50,
parágrafo único, do CPP), ou de falecimento de ambos, quando então a legitimidade
passa para aquelas pessoas enumeradas no art. 31 do Código de Processo Penal.
12. Procedimento (Art. 6º, I, II e III, do CPP)
Tomando conhecimento da prática de infração penal, deverá a autoridade policial (art. 6º
do CPP):
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12.1. Dirigir-se ao Local da Infração (inciso I)
A autoridade policial se dirigirá ao local onde supostamente foi praticada uma infração
penal, para verificar a procedência da notitia criminis que lhe foi formulada e tomar as
medidas legais cabíveis.
12.2. Apreensão de Objetos e Instrumentos da Infração (inciso II)
Isola o Delegado a área do lugar do crime, para que nada seja modificado, retirado ou
acrescido, a fim de que se tenha um exato “retrato” do ilícito talqualmente ocorrera.
12.3. Colheita de Provas (inciso III)
O Delegado deverá isolar o local e mandar que se recolha tudo o quanto for encontrado
no lugar do crime, para ser posteriormente periciado e enviado ao autor da ação penal.
13. Instrução Probatória (Art. 6º, IV, V, VI e VII)
13.1. Ouvida do Ofendido (inciso IV)
O ofendido é a vítima da infração penal, o titular do bem jurídico violado ou ameaçado.
Suas informações são muito importantes para a apuração do fato e de sua autoria,
devendo ser a primeira ou uma das primeiras pessoas a serem ouvidas pela autoridade
policial.
A autoridade policial, então, notificará a vítima para que compareça em determinados
dia, hora e local para prestar esclarecimentos que elucidem o fato. Se injustificadamente
não comparecer, será conduzida à presença da autoridade (art. 201, parágrafo único, do
Código de Processo Penal), que determinará, se for o caso, a sua busca e apreensão (art.
240, § 1º, g, do diploma processual).
13.2. Ouvida do Indiciado (inciso V)
O indiciado é, na fase do inquérito policial, a pessoa a quem foi imputada a prática de
uma infração penal. É chamada de “indiciado” justamente porque os indícios (pistas,
testemunhas, perícias, provas, instrumentos, objetos pessoais, impressões deixadas na
arma ou no local do crime etc.) levam a crer pela sua responsabilidade penal no caso
concreto.
35
Os indícios têm de ser veementes, e não frágeis, não se tratando de mera suposição, de
mera suspeita, mas de um conjunto de fatos e objetos que levam muito a crer que a
pessoa ⎯ e não outra ⎯ é autora de uma infração penal.
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13.3. Reconhecimento de Pessoas e Coisas e Acareações (inciso VI)
Não raro, imprescinde-se de reconhecimento de pessoas (testemunhas, vítimas,
agentes) e de coisas (objetos, instrumentos, armas, papéis, documentos, material
deixado no local do crime, pistas etc.) para que o relatório final do inquérito policial
alicerce seus fundamentos em sólidas conclusões, sem as quais o titular da ação penal
não terá em mãos elementos indiciários suficientes para a propositura da denúncia ou da
queixa.
Outrossim, pode o Delegado proceder, de ofício, a acareações, ou o Ministério Público as
requisitar, ou mesmo serem requeridas pela vítima ou pelo agente. O que seriam as
acareações? Acareação é o ato pelo qual se põem, cara a cara, pessoas cujos
depoimentos ou declarações são conflitantes.
Elas podem se dar entre acusados, entre vítimas, entre testemunhas, entre acusado e
vítima, entre acusado e testemunha ou entre vítima e testemunha. É errôneo, portanto,
como muitos imaginam, concluir-se que a acareação presta-se exclusivamente à
presença, face a face, entre acusados.
Quaisquer pessoas que tenham ligação com o crime, quando suas declarações são
conflitantes, contraditórias, paradoxais, podem ser acareadas.
13.4. Exames Periciais (inciso VII)
O Delegado, sem que para isso seja requisitado pelo Juiz ou pelo Ministério Público, pode
proceder, de ofício, a requisição de exames periciais relativos ao crime que se apura. É
muito comum, p. ex., o Delegado, em crimes de homicídio, requisitar o exame de corpo
de delito direto (exame tanatológico). Outras perícias podem ser requisitadas (balística,
grafoscópica, documentoscópica, datiloscópica, sexológica, toxicológica, traumatológica
etc.). Evidentemente que o Ministério Público pode ainda requisitar, em sede de
diligências, outras perícias, podendo requerê-las, também, o titular da ação penal
privada.
13.5. Outras Diligências (Arts. 13, 14 e 16 do CPP)
O art. 13 do Código de Processo Penal cita os deveres da Autoridade Policial, cujo
descumprimento pode acarretar sua responsabilidade criminal a título de prevaricação ou
desobediência. Quanto ao assunto, veja o item 17, infra.
36
O art. 14 do Código de Processo Penal esclarece que “o ofendido, ou seu representante
legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a
juízo da autoridade”. Veja-se que as diligências de que trata o art. 13 constituem um
imperativo (um dever) a ser cumprido pela Autoridade Policial. Já as que são aduzidas
pelo art. 14 refere-se à mera faculdade de a Autoridade Policial proceder a diligências,
quando requeridas (observe-se: requeridas, e não requisitadas!) pelo ofendido (vítima do
crime), seu representante legal ou mesmo pelo indiciado. Evidentemente que realizar ou
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não diligências requeridas não pode ser produto de uma arbitrariedade, devendo o
Delegado refletir acerca de sua real necessidade no inquérito policial e na busca da
verdade real.
O art. 16 do Código de Processo Penal, por fim, esclarece que “o Ministério Público não
poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas
diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia”.
Tendo elementos suficientes em mãos para a propositura da denúncia, o Parquet terá o
dever de promovê-la (princípio da obrigatoriedade), só não o fazendo se e quando de
fato os indícios forem precários para o oferecimento da ação penal pública, quando então
devolverá o inquérito policial e requisitará à Autoridade Policial diligências
(comportamentos, atos, ações de elucidação e investigação mais apurada, mais
detalhada, como oitivas de pessoas, perícias etc.).
14. Indiciamento (Art. 6º, VIII e IX, do CPP)
14.1. Conceito
É a imputação a alguém, na fase do inquérito policial, da prática de uma infração penal.
A pessoa a quem foi atribuído o indiciamento é chamada de indiciada, e não se confunde
com a figura do réu. Aliás, “indiciado” está para o inquérito policial assim como o “réu”
está para o processo penal já instaurado. Enquanto não há ação penal, fala-se, quando
muito, em indiciado; quando já proposta a ação penal, o indiciado transmuda-se para
réu.
14.2. Identificação (Art. 6º, VIII)
O art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal, afirma dever a Autoridade Policial “ordenar
a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos
autos sua folha de antecedentes”.
A identificação é o meio pelo qual se estabelece a identidade ou o conjunto de caracteres
que individualizam uma pessoa, destacando-a das demais, citando-se-lhe o nome, a
filiação, a naturalidade, os caracteres físicos (se necessários, principalmente quando não
se sabe ao certo seu nome), sua alcunha (apelido), profissão e endereço.
Atualmente, a identificação do acusado faz-se mediante o processo datiloscópico
(impressões digitais), dada a certeza científica de que não existem duas pessoas com as
mesmas impressões digitais.
O indiciado deve se submeter à identificação criminal em toda e qualquer hipótese? Em
vista do art. 5º, LVIII, da CF/88, tem-se que:
37
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“Art. 5º. (...)
(...)
LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo
nas hipóteses previstas em lei.”
De ordem que serão criminalmente identificados, aplicando-se-lhes o art. 6º, VIII, do
Código de Processo Penal, apenas aqueles que não estiverem civilmente identificados e
nos casos previstos em legislação infraconstitucional.
Como a própria Carta Política ressalva casos nos quais a lei permite a identificação
criminal, temos que podem ocorrer hipóteses em que serão criminalmente identificados
mesmo aqueles indivíduos civilmente identificados. É que consta, p. ex., do art. 5º da Lei
do Crime Organizado (Lei n.º 9.034/95), que determina que:
“Art. 5º. A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por
organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil.”
Se o indivíduo se recusar a se submeter à identificação criminal nos casos previstos em
lei, pode a Autoridade Policial conduzi-lo coercitivamente para o ato; e se ele se recusar
ainda assim, poderá o Delegado dar-lhe voz de prisão em flagrante pelo crime de
desobediência (art. 330 do CP).
A CF/88 não veda a fotografia do indiciado de frente e de perfil, pois tal procedimento
não constitui identificação criminal, senão apenas peça de instrução dos autos do
inquérito. Acresça-se que o que a CF/88 proíbe fora dos casos previstos em lei é a
identificação criminal, de molde que mesmo em sua ausência nada impede que o sujeito
venha a ser indiciado. O indiciamento pode se dar independentemente de qualquer
identificação criminal.
14.3. Folha de Antecedentes (Art. 6º, IX)
A folha de antecedentes criminais é documento de muita importância, pois é através dela
que se toma conhecimento de se o indiciado é primário ou reincidente, devendo esse
dado ter influência para a aplicação dos arts. 61, I (a reincidência é circunstância legal
genérica agravante), e 77, I (a primariedade em regra é requisito essencial para a
concessão do sursis), ambos do Código Penal.
Ademais, caso o indiciado tenha antecedentes criminais, o Juiz ou o Ministério Público
poderá solicitar do juízo onde ele, no passado, fora processado e sentenciado a certidão
da decisão com a nota do seu trânsito em julgado (inexiste reincidência sem o trânsito
em julgado de sentença condenatória nos últimos 5 anos, passados os quais a
reincidência prescreve)7.
7
Código Penal, arts. 63 e 64, in litteris:
38
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14.4. Indiciado Menor (Art. 15 do CPP)
O art. 15 do Código de Processo Penal reza que “se o indiciado for menor, ser-lhe-á
nomeado curador pela autoridade policial”. A menoridade de que trata o dispositivo é a
que vai dos 18 aos 21 anos incompletos (indiciados dos 18 até a véspera do aniversário
de 21 anos), já que os menores de 18 anos não se submetem ao Código de Processo
Penal, mas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90).
Os menores, nos termos do art. 15 do Código de Processo Penal, são imputáveis,
submetem-se normalmente às disposições constantes do Código Penal e do Código de
Processo Penal, porém presume a lei que, em vista de sua relativa incapacidade civil, o
indiciado naquela idade necessita de melhores esclarecimentos, por não estar ainda
totalmente formado o seu discernimento acerca dos atos de natureza inquisitorial e
processual, devendo um terceiro absolutamente capaz prestar-lhe as informações
pertinentes à sua situação. Este terceiro é o curador.
A ausência de curador aos menores não acarreta nulidade no inquérito policial (até
porque o instituto da nulidade só tem seu lugar no processo penal, não na fase
inquisitória da persecutio criminis), não sendo, portanto, de se aplicar o art. 564, III, c,
do Código de Processo Penal, que se refere à falta de curador ao réu, figura que só
aparece quando da instauração da ação penal, não antes dela, como assim é o inquérito
policial, em que quando muito só existem indiciados (vide item 9).
A ausência de curador na lavratura do auto de prisão em flagrante do menor também
não é causa de nulidade absoluta (art. 564, IV, do Código de Processo Penal), mas
acarreta a perda de eventual confissão e a ilegalidade da prisão, que deverá ser
relaxada, sob pena de abuso de autoridade passível de ser corrigida pela via do habeas
corpus.
A falta de curador, no inquérito policial, é mera irregularidade, suprimível quando da fase
processual, na qual doravante será sempre necessário curador, sob pena de inquinação
de nulidade absoluta (art. 564, III, c, do Código de Processo Penal). Todavia, a ausência
do curador no inquérito policial esvazia todo o valor probatório de eventual confissão que
o menor haja feito8.
“Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a
sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Art. 64. Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração
posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da
suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.”
39
8
Quanto aos indígenas, há quem reclame para eles curador, ou mais precisamente representante da FUNAI,
tendo-se em mira que são relativamente incapazes, nos termos da lei civil (art. 6º, III, do Código Civil).
Todavia, objeta-se que a exigência de curador, em tais casos, só é cabível quando o indígena for dotado de
desenvolvimento mental incompleto, haja vista que o Código de Processo Penal não trata de curador aos
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  • 3. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha SUMÁRIO 1º MÓDULO INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL PENAL 2º MÓDULO PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3º MÓDULO INQUÉRITO POLICIAL 4º MÓDULO AÇÃO PENAL 5º MÓDULO COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL EM MATÉRIA CRIMINAL 3
  • 4. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 1º Módulo INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL PENAL 1. Litígio, Jus puniendi & Processo Penal Com a prática do delito, surge para o Estado a pretensão punitiva, o que doutrinariamente se denomina jus puniendi (direito penal subjetivo). Assim é que, tendo o Estado o dever de proteger os direitos mais essenciais da sociedade, ele apreende para si o monopólio daquele direito, ou seja, somente o poder estatal encontra-se legitimado a exercer o direito de punir, em substituição à antiga “vingança de sangue”. Mesmo no caso dos crimes apurados mediante ação penal privada, cuja titularidade fica subordinada ao alvedrio do ofendido ou de quem tem legitimamente a qualidade para representá-lo, cabe à vítima (ou seu representante), tão-somente, o jus accusationis, o direito de acusar, mas não o de punir, o que consistiria em sério retrocesso do processo penal ao tempo em que se fazia “justiça com as próprias mãos”, hoje em dia comportamento tipificado à luz do art. 345 do CP. Tem-se, pois, de um lado, o sujeito ativo do crime (agente), que pugna, por todos os meios de defesa em direito admitidos, preservar seu direito de liberdade, o jus libertatis. Assim, tem-se a seguinte situação: o Estado apreende alguns valores como essenciais ao convívio de seus cidadãos, e protege esses valores por meio de normas jurídicas de Direito Penal, notadamente as normas penais incriminadoras, a cuja transgressão ou ameaça é cominada uma conseqüência, a sanção penal, a mais séria de todas as sanções jurídicas; o indivíduo pratica uma conduta, comissiva ou omissiva, descrita no tipo penal incriminador e não acobertada por uma excludente de ilicitude, praticando, assim, um injusto penal; o Estado, então, que enxerga uma norma sua ser ofendida, passa a ter o interesse de punir o ofensor, interesse este que é consubstanciado pelo jus puniendi, o direito de punir aquele que lesa um valor defendido pelo ente estatal; 4 o acusado, por seu turno, vê ameaçado seu direito de liberdade (lembremos que a liberdade, direito fundamental constitucionalmente protegido, é a regra; a sua privação, a exceção), o jus libertatis, tendo interesse em se ver livre das conseqüências previstas abstratamente pelo tipo penal incriminador que se supõe ter sido por ele violado;
  • 5. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha assim, surge entre o réu e o Estado um conflito de interesses qualificado por uma pretensão (exercer o Estado sua pretensão punitiva) resistida (conferida pelo réu em defesa de seu jus libertatis), conflito este que se denomina de lide ou litígio; para solucionar o conflito, caberá ao Estado-juiz determinar a quem cabe razão, vale dizer, decidir se é o Estado, para exercer sua pretensão punitiva, ou o réu, que deseja continuar em seu jus libertatis. A lide ou litígio que se instaura entre Estado e acusado deve se desenrolar por uma série de atos coordenados entre si que tendem para um fim, a solução ou composição do conflito, determinando o Estado-juiz, de uma vez por todas, qual direito (de punir ou de liberdade) deve, ao final, imperar. A esse conjunto de atos coordenados chama-se processo. Na verdade, o conceito de lide e de processo é único, haja vista que a jurisdição é una (quanto a isso os processualistas civis e penalistas não parecem discordar), mas, para efeitos de organização judiciária e para melhor da prossecução da justiça é que se divide o litígio em cível e penal, e o processo, por conseguinte, em cível e penal. O processo penal é a fórmula encontrada pelos Estados para comporem lides de natureza criminal. 2. Direito Processual Penal 2.1. Conceito Tomando por base as informações até aqui levantadas, poder-se-á definir lapidarmente o Direito Processual Penal como o ramo jurídico que estuda o conjunto de princípios e normas acerca da aplicação jurisdicional do Direito Penal material. Autonomia: Não se discute a autonomia do Direito Processual Penal, porquanto possui objeto, normas e princípios próprios, características mestras que fazem um ramo possuir a própria identidade dentro da dogmática jurídica. Com efeito, se bem que só se fala em Direito Processual Penal se, quando e por conta da existência do Direito Penal, não menos certo é que este último não teria qualquer aspecto de funcionalidade enquanto não pudesse ser efetivamente aplicado aos casos concretos levados a composição pelo Estado-juiz. Instrumentalidade: O Direito Processual Penal é instrumental, à medida que ele é o meio de que se utiliza o Estado para tirar da inércia o Direito Penal, fazendo-o atuar efetivamente, e aplicá-lo na prática. 5 Finalidade: A finalidade a que se propõe o Direito Processual Penal, tendo-se em conta notadamente seu caráter eminentemente prático, é o de tornar efetivo, real, atuante, perceptível empiricamente, o Direito Penal, a fim de compor a lide penal que se instaura e que deve ser solucionada.
  • 6. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 2º Módulo PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL 1. Generalidades Este é um tema da mais alta relevância dentro do Direito Processual Penal, sem o qual nada em nossa matéria tem sentido ou aplicação, ou, se o tiver, com toda a certeza o processo não se coadunará com todo o espírito do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. Somente com a obediência a todos os princípios abaixo assinalados é que se poderá falar em “devido processo legal”, cuja transgressão a qualquer um deles poderá ensejar, como quotidianamente enseja, a aplicação de regras das quais, p. ex., confere-se a liberdade do cidadão (ainda que provisória, como no caso de quem é injustamente preso, por coação ilegal ou violência infundamentada de quem quer que seja, mormente quando se trata de abuso de autoridade ou coação ilícita contra a liberdade de ir, vir e ficar, o que poderá acarretar no ajuizamento de habeas corpus), ou a nulidade de certos atos. Sem o estudo aprofundado e acurado dos princípios que regem o processo penal de nada adiantará estudar os demais assuntos que se alastram no transcorrer do curso, por um simples motivo: todo o processo penal respalda-se, de uma maneira direta ou indireta, no conhecimento dos princípios que o regem, e isso é facilmente corroborado à medida que em cada assunto os doutrinadores fazem amiúde referência a algum princípio do processo penal. Ver-se-á, entretanto, que os princípios não são absolutos — como quase nada em Direito, por sinal —, de forma que vez ou outra, por força de mandamento constitucional ou mesmo infraconstitucional (mas com o aval da Carta Magna), admitem-se exceções, consoante veremos. 2. Dos Princípios em Espécie 6 Seria deveras errôneo concluir-se que, em vista dos inúmeros princípios de que se deve valer o aplicador da lei, ele poderá, a seu talante, escolher este ou aquele. Com efeito, os princípios que regem o Direito Processual Penal não se contradizem, antes, complementam-se, a não ser, é claro, no que pertine aos princípios peculiares de institutos que, pela sua própria natureza e finalidade, não podem de maneira alguma seguir a todo o tempo a integralidade dos princípios. Alguns institutos processuais penais, aliás, nem sequer podem seguir todos os princípios, mas apenas aqueles que lhe conferem validade e praticidade, como ocorre, e. g., com a ação penal pública, em que regem os princípio da obrigatoriedade e da indisponibilidade, em contraposição aos da conveniência e da disponibilidade da ação penal privada.
  • 7. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Afora casos como de tais, então, o operador do Direito Processual Penal deverá modelar sua atividade de acordo com o conjunto de todos os princípios que se seguem. 2.1. Verdade Real Pelo princípio da verdade real o processo penal, ao contrário do cível, não deve encontrar artificialismos ou formalismos capazes de criar óbices ao conhecimento cabal e verdadeiro do fato, da autoria e de todas as circunstâncias, tais quais eles realmente ocorreram. Donde porque, com a verdade real, o Direito Processual Penal tende a preferir o primado da justiça sobre qualquer elemento ou dado que, pela sua superficialidade formal, possa obstruir a consecução da justiça. Procura-se, pois, averiguar cada caso concreto por meio da apuração da verdade, não da presunção dela. Veja-se, p. ex., que, no processo cível, o réu que deixar de contestar a exordial ou admiti-la em todos os seus termos sucumbirá, visto que tudo o que fora alegado na petição será considerado, por presunção, verdadeiro. O mesmo não ocorre no processo penal, em que, p. ex., o fato de uma pessoa entregar-se à autoridade policial, dizendo-se autora de determinado delito cuja autoria era até então desconhecida não significará que, com certeza, ela será condenada por aquele crime, pois que pode ser que ela esteja faltando com a verdade (para acobertar alguém, por exemplo). Sua “confissão” não gera presunção de verdade (como ocorreria no processo cível), mas apenas, quando muito, uma suspeita de que fora ela mesma quem praticou a infração penal. Veja-se, p. ex., o princípio da verdade real sendo aplicado quando o juiz, independentemente da iniciativa de qualquer das partes, de ofício ordena a execução de determinada diligência, a fim de que ele consiga obter a verdade, nada mais que a verdade. Mesmo diante dos fatos incontroversos pelas partes (isto é, as partes da lide penal não divergem a respeito de um fato) o juiz poderá, não satisfeito com o que tem diante do processo (ausência de contestação por qualquer das partes), ordenar diligências. Mesmo quando o Ministério Público pede a absolvição é possível que o Juiz, analisando que, in casu, cabe legitimidade ao Estado de fazer valer sua pretensão punitiva, poderá condenar o réu (art. 385 do Código de Processo Penal). O princípio da verdade real não é absoluto. Tenha-se em mira, e. g., a sentença absolutória transitada em julgado, que não pode ser mais “desfeita” (tecnicamente, rescindida, modificada) mesmo que sejam apresentadas as mais irrefutáveis provas contra o réu. Quer dizer, a regra processual penal de caráter formal de que a sentença absolutória transitada em julgado não pode ser rescindida, aqui, constitui uma das exceções ao princípio em tela. Diga-se o mesmo, também, na causa extintiva de punibilidade da perempção, que se faz presente mesmo quando há provas conclusivas acerca da materialidade do fato e da sua respectiva autoria: por melhor que seja a redação da queixa-crime, por melhores e mais incontestáveis que sejam as provas nela acostadas, a ausência de pedido de condenação ou de citação do réu gera extinção da punibilidade, nos termos dos arts. 107, IV, in fine, do CP, e 60 do Código de Processo Penal. 7
  • 8. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 2.2. Oralidade Por ele, a validade das declarações de ambas as partes (acusação e defesa) depende sobremaneira de seu pronunciamento feito oralmente. Tal princípio encontra seu cume durante o decorrer das sessões do Tribunal do Júri, em que a defesa, acusação e julgamento são realizados oralmente (salvo algumas fórmulas procedimentais, em que se faz por escrito, mas em sua essência as sessões do Tribunal do Júri são orais). No entanto, observa-se que de ordinário o processo penal brasileiro, tal qual o cível, apresenta-se muito mais escrito do que oral, e apenas em um ou outro caso é que se consagra a primazia da palavra oral, verbalizada, não-gráfica, como acontece no rito sumaríssimo nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 81 da Lei n.º 9.099/95). Atualmente vem ocorrendo uma tendência doutrinária em se “oralizar” mais o processo penal brasileiro, até porque assim se procuraria desburocratizá-lo mais. 2.3 Imparcialidade do Juiz Não haveria, decerto, justiça (ou ao menos sempre se desconfiaria que ela se fizesse realmente presente) caso o magistrado, ao qual é dado o poder-dever de dirimir o conflito intersubjetivo qualificado por uma pretensão (jus puniendi) resistida (resistência do jus libertatis), fosse parcial, isto é, se o Estado-juiz não se colocasse em situação de eqüidistância entre as partes, e ainda o mais se fosse movido por paixões as mais diversas que tendessem a sempre favorecer, sem respaldo jurídico, uns, e prejudicasse outros. Pelo princípio da imparcialidade, exige-se que o juiz, na demanda que lhe vem à tona, não julgue apaixonadamente, no sentido de, movido por sentimentos que obnubilam o caráter e os valores da finalidade última do Direito, a justiça, deixe de aplicá-la segundo as normas que se exprimem na ordem jurídica, e que necessitam de ser postas em prática. Assim é que o magistrado não deverá subsumir a sua opinião à própria conveniência, i. e., aos próprios interesses que por ventura haja, direta ou indiretamente, ligação com a forma e/ou com o pronunciamento jurisdicional que ele realizará. Não se permite, igualmente e talvez com muito maior razão, que o convencimento do juiz esteja como que coligado às conveniências de terceiros, sob pena de nulidade do decisum. 8 Daí porque a Carta Magna, desejando afastar, ou ao menos dirimir, as ingerências metajurídicas capazes de criar óbices à aplicação das leis penal e processual penal, confere garantias aos magistrados: vitaliciedade, pelo qual, durante os primeiros dois anos de judicatura, o juiz somente perderá o cargo por deliberação do Tribunal a que estiver vinculado e, após o período probatório, apenas por sentença judicial transitada em julgado; inamovibilidade, segundo a qual o juiz só será afastado ou removido de sua comarca em razão de manifesto interesse público, evitando-se, com isso, que o juiz
  • 9. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha julgue desta ou daquela forma, conforme interesses individuais amiúde financeiros e políticos. Assim, ele não terá receio de julgar segundo lhe aprouver, mas sempre de acordo com os mandamentos da lei e os princípios da ordem jurídica, nunca das pressões e influências negativas); Irredutibilidade de vencimentos, ou seja, os magistrados poderão ter a certeza de que seus vencimentos não serão atingidos pelos poderosos ainda que contrarie seus interesses. Logo, decida o juiz como decidir, as garantias assegurarão que ele continue no cargo. A doutrina defende que o juiz deve ser objetiva e subjetivamente capaz de exercer a jurisdição diante do caso concreto. Objetivamente, ele deve ser competente para julgar a demanda (no entanto, a preclusão do direito de alegação de incompetência relativa implica a prorrogação da competência, isto é, de incompetente passa o magistrado a competente). A capacidade subjetiva é, em termos do princípio em epígrafe, a que nos interessa. A imparcialidade ficará afetada com o impedimento ou com a mera suspeição do juiz. Tanto o juiz impedido quanto o suspeito não podem atuar no processo. O impedimento está capitulado no art. 252 do Código de Processo Penal, e se refere aos casos em que o juiz: tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito (inciso I); ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha (inciso II); tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão (inciso III); ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito (inciso IV). Dá-se a suspeição do magistrado: se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles (inciso I); se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia (inciso II); se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes (inciso III); se tiver aconselhado qualquer das partes (inciso IV); se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes (inciso V); se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo (inciso VI). 9 Não haveria seriedade e imparcialidade e, portanto, tranqüilidade de uma das partes, se se soubesse que o juiz é impedido ou suspeito por qualquer um daqueles motivos, que, aliás, devem como tais ser declarados de ofício, e se o juiz não o fizer, qualquer das partes poderá alegá-la por meio de exceção.
  • 10. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 2.4 Igualdade das Partes (CF/88, art. 5º, LV) Por este princípio, decorrente diretamente do contraditório, as partes encontram-se, em juízo, em pé de igualdade, de forma que elas exercem e suportam idênticos direitos, ônus, obrigações e faculdades. As partes são, pois, iguais, de forma que nenhuma é mais importante que a outra, ou merecedora de mais ou menos direitos que a outra. No entanto, esse princípio não é absoluto, e deve ficar em posição hierárquica inferior ao princípio do favor rei, pelo qual no conflito entre o jus puniendi e o jus libertatis, a balança da justiça deve inclinar-se em favor deste último. Daí porque em excepcionais ocasiões o Direito Processual Penal prevê ao réu prerrogativas processuais não concedidas à acusação, como se vê, p. ex., no instituto do recurso do protesto por novo júri, dos embargos infringentes, dos embargos de nulidade e da revisão criminal, todos exclusivos da defesa, e o princípio do non reformatio in pejus, pelo qual não se pode reformar uma decisão em desvantagem ao que foi postulado, em sede recursal, pela defesa (a não ser, evidentemente, que a nova decisão se lastreie em recurso da acusação, o que não significa de modo algum uma exceção ao princípio, senão uma decisão que nega provimento ao recurso da defesa e o dá ao da acusação). 2.5 Livre Convencimento (CPP, art. 157) Partindo da premissa de que o processo, e o que nele consta, é o mundo para o juiz, impede-se, pelo princípio do livre convencimento, que ele possa julgar extra-autos, isto é, não pode julgar baseado naquilo que ele tomou conhecimento fora do processo: Quod non est in actis est in hoc mundo (o que não estiver dentro do processo é como se não existisse). Diz-se, que, assim, evita-se de se tomarem decisões parciais. Pelo mesmo princípio advém a norma (art. 157 do Código de Processo Penal) de que “o juiz formará sua convicção pela livre convicção da prova”, quer dizer, ele não está atrelado, em sua decisão, a julgar desta ou daquela forma, segundo esta ou aquela prova, tanto sendo assim que ele pode, até, não considerar todas as provas, ou considerá-las todas mas de forma que algumas tenham maior peso de convicção da verdade real que as demais. Aliás, observe-se o disposto no art. 182 do diploma processual penal. Atente-se, por derradeiro, que o princípio do livre convencimento ⎯ ou livre convencimento motivado, ou ainda, da persuasão racional do juiz ⎯ não é absoluto ⎯ embora seja a regra geral nas provas do processo penal ⎯, sendo que há incidentes de convicção íntima (em que o julgador não precisa fundamentar sua decisão), como sói ocorrer nas decisões do Júri (os jurados são juízes de fato), nas quais, a propósito, os jurados não apenas não precisam como mesmo não podem juridicamente fundamentá- las. 10
  • 11. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Outra exceção ao princípio do livre convencimento é o sistema das provas legais, em que o legislador já determinou, em normas de processo penal, quais provas prevalecem: é o que ocorre nos crimes que deixam vestígios (delicta non transeunctis), nos quais se exige exame de corpo de delito direto (perícias), não podendo supri-lo a prova testemunhal, nem sequer a própria confissão do acusado. 2.6 Publicidade (CF/88, arts. 5º, LV, 93, IX; CPP, art. 792) A regra ⎯ aliás, com força imperativa constitucional ⎯ é a de que todos os atos processuais são públicos, não devendo sofrer qualquer espécie de restrição ou censura. Isso tem a sua razão de ser: como o sistema processual penal brasileiro é o acusatório, em que os direitos humanos (ao menos em tese...) são salvaguardados, razão não há ⎯ ao contrário do que ocorre no sistema inquisitivo, repudiado nas legislações dos povos civilizados ⎯ para que o processo penal e o seu desenrolar fiquem às escondidas, longe dos olhos da sociedade (exatamente quem tem mais interesse na fiscalização do andamento de seus interesses, entre eles o da correta e justa aplicação da lei penal à espécie fática). Logo, o processo não é nem deve ser, via de regra, sigiloso. O princípio da publicidade não é absoluto, e de fato nem poderia, pois a publicidade sem limites, e sem exceções acarretaria, decerto, sérios problemas à pessoa do acusado ou da vítima, a depender do caso concreto (imagine-se, e. g., dar-se a mais ampla publicidade a uma vítima de estupro). Daí porque, tendo em vista determinados valores, que devem reinar sobre a publicidade, a Carta Política traçou genericamente os seus limites, determinando que a lei deverá restringir a publicidade dos atos processuais “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LV). Também se fazem ressalvas à publicidade, secundando-a quando estiver em jogo o interesse público e a segurança da sociedade e do Estado. Vejam-se outras exceções nos arts. 217, 792, § 2º, 476, 481 e 482, todos do Código de Processo Penal brasileiro. O inquérito policial, como teremos ainda oportunidade de observar, é inquisitório, e como tal é intrinsecamente sigiloso. No entanto, afirmemos desde já, o inquérito policial, primeira fase da persecução criminal, não é e nem faz parte processo penal (tecnicamente falando), de modo que não faltamos com a verdade quando dizemos que o processo penal brasileiro é eminentemente (embora não absolutamente) público. 2.7. Obrigatoriedade (CPP, arts. 5º e 24) 11 Mediante tal princípio, nos crimes que se apurem por meio de ação penal pública ⎯ condicionada ou incondicionada ⎯ a autoridade policial, tomando deles conhecimento, deve instaurar inquérito policial de ofício (art. 5º do Código de Processo Penal); e o órgão do Ministério Público, tomando deles conhecimento, deverá promover, pela denúncia, a ação penal (art. 24 do mesmo diploma).
  • 12. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Em síntese: os crimes, quanto à ação penal a ser promovida, ou são de ação penal pública, ou de ação penal privada (é a lei penal quem determina isso, seja silenciando, seja fazendo expressiva alusão à necessidade de queixa-crime ou de representação). Os segundos, porque são da alçada privada, são de titularidade exclusiva do ofendido ou de seu representante legal, e eles oferecem a queixa-crime se lhe convierem, vale dizer, o titular da ação penal privada oferece a queixa-crime (peça inicial desta espécie de ação penal) se quiser, não tendo obrigatoriedade para tal, porque o interesse na persecução penal pertencerá, tão-somente, a ele, e não à sociedade. Os crimes de ação penal pública, no entanto, ensejam o interesse público de que sejam devidamente apurados, de modo que não pode a autoridade policial, ao deles tomar conhecimento, deixar de instaurar inquérito policial (embora se alegue, vez ou outra, que não seja bem isso o que ocorre na prática); e ao representante do Ministério Público não cabe “querer ou não querer” oferecer a denúncia (peça em que se consubstancia a ação penal pública), sendo que, antes, ele simplesmente tem de oferecê-la. E se a autoridade policial deixar de instaurar o inquérito policial, ou o representante do Ministério Público deixar de oferecer a denúncia? A depender do caso concreto, poderão eventualmente responder por crime de concussão (art. 316, caput, do CP), de corrupção passiva (art. 317 do CP) ou de prevaricação (art. 319 do CP). Doutrinadores da estirpe de Fernando da Costa Tourinho Filho e Julio Fabbrini Mirabete têm dito que o princípio da obrigatoriedade não oferece exceção alguma, mas uma “mitigação” (abrandamento), nos termos do que dispõem os arts. 74 e 76 da Lei n.º 9.099/95, permitindo-se a composição e a transação penais anteriores ao oferecimento da denúncia. Fala-se, então, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, em discricionariedade regrada: o Ministério Público pode, desde que atendidas certas condições, deixar de oferecer a denúncia. 2.8 Indisponibilidade (CPP, arts. 17, 42 e 576) Esse princípio muito se assemelha ao que acabamos de tratar, mas com ele não se confunde. Pelo princípio da obrigatoriedade, vimos, a autoridade policial, ao tomar conhecimento do cometimento de fato delituoso que se apura mediante ação penal pública, deverá instaurar o respectivo inquérito policial (art. 5º do CPP), e o órgão do Ministério Público, na mesma hipótese, deverá oferecer a denúncia, a peça inicial da ação penal pública (art. 24 do CPP). Assim, o princípio da obrigatoriedade diz respeito a momento anterior ao inquérito e à denúncia, impondo que sejam levados a cabo pela autoridade a quem cabe cada um desses atos. 12 Pelo princípio da indisponibilidade, em seu turno, o inquérito policial já instaurado não poderá ser arquivado de ofício pela autoridade policial (art. 17 do CPP), e o órgão do Ministério Público, por sua vez, não poderá desistir da denúncia já oferecida (art. 42 do CPP), nem do recurso já interposto (art. 576 do CPP).
  • 13. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Logo, enquanto o princípio da obrigatoriedade, diante de um delito de ação penal pública, diz “instaure o inquérito policial!” à autoridade policial, e “ofereça a denúncia!” ao representante do Ministério Público, o da indisponibilidade diz, à primeira autoridade, “não arquive, de ofício, inquérito policial!”, e à segunda, “não desista da ação penal já intentada!” e “não desista do recurso que já haja interposto!”. 2.8 Contraditório (CF/88, art. 5º, LV; CPP, arts. 261 e 263) Por esse princípio, também denominado “bilateralidade da audiência”, garante-se constitucionalmente a ampla defesa do acusado (art. 5º, LV). Mediante o princípio, o acusado goza do direito de defesa sem qualquer restrição, assim como à acusação cabe contraditar os argumentos esposados pelo réu. O contraditório envolve a isonomia processual, pela qual as partes podem atuar no processo em igualdade de condições (ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-los, nas formas e condições estabelecidas em lei). Dele também advêm a igualdade processual (igualdade de direitos e deveres dentro da demanda) e a liberdade processual do acusado (a ele é concedido o direito de nomear, para a sua defesa, o advogado que desejar). O contraditório é princípio tão elementar que, lembra Mirabete, atua até quando o réu encontra-se foragido, porquanto não poderá ser julgado sem um defensor (o que não significa que ele não possa ser julgado à revelia). O não acatamento de direitos decorrentes do contraditório pode acarretar nulidade do processo (art. 564, III, c, e, f, g, h, l e o, do CPP). O contraditório, no entanto, só tem fundamento no processo criminal, ou seja, a partir do momento em que é proposta a ação penal, de forma que na fase pré-processual (inquérito policial) não se exige (e nem mesmo se admite) o contraditório. Para espancar qualquer dúvida, a Carta Magna dispõe, em seu art. 5º, LV, que é assegurado o contraditório “em processo judicial ou administrativo”, e inquérito, como salientamos, não é processo, mas mero procedimento informativo de caráter administrativo para colheita de provas na busca da apuração da materialidade do fato e de sua autoria. Há, entretanto, quem entenda dever haver contraditório ficar na fase do inquérito (tal opinião, no entanto, é minoritária). 2.10 Iniciativa das Partes (CF/88, art. 129, I; CPP, arts. 24 e 30) 13 A ação penal é o direito instrumental de fazer invocar a tutela jurisdicional com vistas à composição de uma lide penal. A titularidade da ação penal é exclusiva da parte interessada: Ministério Público, nos crimes de ação penal pública; ofendido ou seu
  • 14. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha representante legal, nos de ação privada. De forma que, se quer o titular da ação penal que o autor de um crime seja processado e julgado, necessitará de promover a ação penal respectiva; em última instância, terá de tomar a iniciativa de conclamar aquela tutela. Daí dizer-se que paralelamente ao princípio da iniciativa das partes está o da inércia do juiz, ou seja, ele só pode tomar a primeira providência jurisdicional se e quando for “chamado” a tal, por meio da instauração da ação penal (denúncia ou queixa-crime). O princípio em comento é ratificado por duas expressões latinas: nulla jurisdictio sine actione (não há jurisdição sem ação); ne procedat judex ex officio (não procede a jurisdição de ofício). Ou, como dizem os alemães, Wo kein Ankläger ist, Da ist auch kein Richter (onde não há acusador não há juiz). Não há exceções a esse princípio: ao Ministério Público (MP), e somente a ele, cabe a iniciativa da ação penal pública (art. 129, I, da CF/88), sendo que nem sequer a autoridade policial ou o juiz podem propor ação penal; ao ofendido ou seu representante legal, e somente a eles, a ação penal privada (CPP, arts. 29 e 30). Mesmo quando o Ministério Público não intenta a denúncia no prazo legal, quando então cabe à parte ofendida a ação privada subsidiária, o MP não perde a sua titularidade, e tanto é assim que, malgrada a propositura tempestiva da queixa-crime, o MP volta a poder apresentar a denúncia. Nada obsta, também, que, no prazo de oferecimento de queixa-crime, seja oferecida denúncia. No que toca à prisão preventiva, o juiz pode declará-la de ofício, mesmo sem requerimento do Ministério Público, mas isso não significa exceção ao princípio que estamos estudando, já que este trata de impossibilidade de instauração de processo de ofício pelo juiz, e decretação de prisão cautelar preventiva não é instauração de processo. 2.11 Impulso Oficial (CPP, arts. 156, 168, 176, 196 e 251) Saído de sua inércia, porque proposta a ação penal, o magistrado investido da jurisdição penal poderá, de ofício, proceder no sentido de dar continuidade ao processo, sem que, de agora em diante, ele necessite ser toda vez invocado para praticar os atos cabíveis. Com efeito, não seria plausível que o magistrado, já instaurada a demanda penal, ficasse à mercê da iniciativa das partes, de molde que ele poderá e mesmo deverá diligenciar no sentido de que o processo não seja paralisado, a fim de buscar a verdade real. Para ratificar o princípio do impulso oficial, vejam-se os arts. 156, 168, 176, 196 e 251, todos do Código de Processo Penal. 14 Ne et Judex Ultra Petita Partium: Significa, lapidarmente, que o juiz, quer no cível, quer no penal, deve limitar-se ao que foi pedido, e nos limites que lhe foi pedido, pelo autor da ação penal, circunscrevendo-se pelo que e quanto lhe foi solicitado. Em outras
  • 15. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha palavras, o juiz não pode julgar extra petitum (objeto estranho ao que lhe foi pedido) ou ultra petitum (a mais do que se o pediu daquele objeto). O ne eat judex ultra petita partium decorre do ne procedat judex ex officio. Por sinal, aquele princípio está muito bem explicitado nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil. No entanto, nada obsta que o magistrado, a quem se confere o poder de dizer o direito (narra mihi factum dabo tibi jus – dai-me o fato que lhe darei o direito), possa desclassificar a infração para outra, ainda que mais grave que a que consta da peça acusatória, desde que tenha se constatado que o delito ao qual ele dá nova classificação ele julgar ter realmente ocorrido. Isso pode dar-se de duas formas: ou a acusação narra um fato na peça vestibular (denúncia ou queixa) que realmente tenha ocorrido (segundo entendimento do juiz, lembremos), mas, no pedido de condenação, tenha-o imputado com nomen juris diverso (ex.: ocorrera um roubo, e o Promotor de Justiça descreve que o fato dera-se com subtração mediante grave ameaça, mas vem a pedir a condenação por furto); ou, somente após o oferecimento da peça acusatória, no transcorrer da instrução criminal, é que se apurou ter ocorrido outro delito diverso daquele ao qual o réu fora imputado de ter cometido (ex.: tudo levava a crer, até o momento da denúncia, ter havido realmente um simples furto, mas, por meio de diligências posteriores, o juiz descobre que o réu utilizou-se de grave ameaça). No primeiro caso, aplica-se a regra do art. 383 do Código de Processo Penal (emendatio libelli); no segundo, a do art. 384, caput, do mesmo diploma (mutatio libelli). O que o juiz não pode, sob pena de estar julgando extra petitum é, p. ex., condenar por estupro quando na denúncia pede-se a condenação por furto que não ocorrera (até porque a titularidade da ação penal do estupro é do ofendido ou de seu representante legal). Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho, a única exceção do Código de Processo Penal brasileiro ao princípio do ne et judex ultra petita partium está no art. 408, § 4º (“o juiz não ficará adstrito à classificação do crime feita na denúncia ou queixa, embora fique o réu sujeito à pena mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no art. 410 e seu parágrafo”). 2.12 Juiz Natural (CF/88, art. 5º, XXXVII e LIII) 15 Este princípio tem fundamento constitucional no art. 5º, XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”). Significa que nenhuma lei poderá sob hipótese alguma criar órgão jurisdicional ou designar magistrados especiais para julgarem um caso isolado. Quer dizer, dado um fato, o órgão ou o juiz incumbido de o julgar já deve estar previamente previsto para aquele desiderato. É constitucionalmente vedado, portanto, criação ou designação de órgão ou tribunal após o fato. Além do mais, “ninguém será processado
  • 16. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, da CF/88), o que quer dizer que a cada espécie de fatos cabem processo e julgamento a um órgão competente. Lembram os autores que não ofendem o princípio do juiz natural as modificações de competência, as substituições, o desaforamento e a prorrogação de competência previstas em lei. Identidade Física do Juiz: Inobstante o temos citado no rol dos princípios do processo penal, em verdade e de fato ele não subsiste, ao menos no processo brasileiro. Segundo o princípio, num mesmo processo só poderia atuar um único e só juiz, não se permitindo a sua substituição por outro: o juiz que pratica um ato de um processo necessariamente deverá ser o mesmo para todo o desenrolar do mesmo, nos limites de sua competência. Não é princípio do Direito Processual Penal brasileiro, e não foi consagrado, sequer, pelo art. 538, § 2º, do Código de Processo Penal brasileiro, tendo em vista que o dispositivo trata do juiz como “órgão jurisdicional”, em caráter impessoal, portanto, pouco importando a pessoa física do juiz. 2.13 Devido Processo Legal (CF/88, art. 5º, LIV) A CF/88, seguinte a esteira da Emenda V da Constituição norte-americana (no person shall be... deprived of life, liberty or property without due process of law), dispõe, em seu art. 5º, LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Segundo Eduardo Couture, “em última análise, o due process of law consiste no direito de não ser privado da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”. Desse princípio decorrem vários outros, como o do contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do juiz, juiz natural, iniciativa das partes, oficialidade e da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. A afronta ao princípio pode acarretar nulidade do processo (conseqüência mais comum) e até mesmo constituir-se em fundamento para impetração de habeas corpus, por exemplo. Não há exceções ao princípio, e nem mesmo a prisão provisória, cautelar, processual, constitui exceção ou ofensa a ele, contanto que sejam observadas as formas tais quais devem ser obedecidas para a consecução da prisão. 2.14 Oficialidade (CF/88, arts. 128, I e II, 129, I, e 144; CPP, arts. 4º e ss.) 16 Pelo princípio da oficialidade, os órgão encarregados de empreender a persecutio criminis são oficiais com autoridade para deduzirem a pretensão punitiva in abstracto. Assim é que a apuração das infrações penais cabe à Polícia (art. 144 da CF/88; arts. 4º a 23 do Código de Processo Penal), e a ação penal é oferecida pelo Ministério Público (arts. 128, I
  • 17. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha e II, e 129, I, da CF/88; arts. 24 e ss. do CP). Logo, cabem a órgãos oficiais estatais promoverem a persecutio criminis in judictio. A chamada “ação penal popular”, que possibilita a iniciativa de qualquer do povo para oferecer ação penal por crime de responsabilidade do Presidente da República e do Procurador-Geral da República, insculpida no art. 41 da Lei n.º 1.079/50, não tem mais sua razão de ser (o dispositivo está tacitamente revogado pelo art. 129, I, da CF/88). A exceção ao princípio está na ação penal privada (daí porque dizer-se que, com relação à ação penal, o princípio da oficialidade somente é absoluto quanto à ação pública). Na ação privada, a titularidade não é do Ministério Público, mas muito pelo contrário: cabe ao ofendido ou ao seu representante legal promover a ação penal privada, particulares e não autoridades, por conseguinte. 2.15 Inadmissibilidade das Provas Obtidas Ilicitamente (CF/88, art. 5º, LVI) No processo penal, são proibidas as chamadas provas proibidas. As provas proibidas são de suas espécies: ilegítimas e ilícitas. Entre ambas há nítida distinção: as primeiras, provas ilegítimas, são aquelas obtidas com afronta a preceito de legislação processual, isto é, violação do Direito Penal formal; as provas ilícitas, por sua vez, são as que são conseguidas com violação a norma de Direito Penal material, ou seja, são obtidas por meio criminoso ou contravencional. Em todo o mundo, a única Constituição que proíbe taxativamente a obtenção ilícita de provas é a brasileira (art. 5º, VI). Assim, mesmo que o que se conseguiu apurar seja prova cabal da existência de uma infração penal e da autoria da mesma, se tal se deu ilicitamente, como por meio de tortura (violação a disposições da Lei n.º 9.455/97), microgravadores dissimulados, interceptação telefônica desautorizada (afronta à Lei n.º 9.296/96), fotografias da vida íntima da pessoa, detector de mentiras sem que a pessoa permita, etc., não é admissível em juízo, vale dizer, não pode ser usado pela acusação, ainda que isso enseje (e realmente ensejará) a impunidade do indiciado ou do réu. Também são consideradas ilícitas aquelas obtidas por derivação (teoria norte-americana das fruits of the poisonous tree), quando, por exemplo, a Polícia obtém do acusado, mediante tortura, a confissão de onde está depositada a droga, e até lá se dirige e, preenchendo todas as formalidades legais, apreende o entorpecente — embora a apreensão seja em si lícita, ela decorreu de origem ilícita, e ilícita também, pois, deve ser a primeira considerada, e rechaçada em juízo. Isso porque, entre o desrespeito à Constituição Federal e a impunidade, preferir-se-á esta. 17 Todavia, arrimada no princípio do favor rei, existe forte corrente doutrinária e jurisprudencial no sentido de admitir as provas ilícitas desde que favoráveis à defesa. Isso tem sua razão de ser, muito lógica e plausível: se a prova, ainda que insofismável, da existência do crime e da sua autoria, é inadmissível, absolvendo-se o réu, com muito maior razão não se punirá quem, sendo inocente, prova-a, ainda que com o emprego de
  • 18. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha recursos afrontantes da lei penal. Assim, p. ex., se alguém, querendo provar a sua inocência, penetra na calada da noite em domicílio alheio, e de lá subtrai documentos capazes de provar sua inocência, tais provas devem ser admitidas. Talvez mesmo não seja melhor falar-se, aí, em prova obtida “ilicitamente”, senão licitamente (embora o fato seja típico à luz da legislação penal), porque então se pode alegar estado de necessidade, cujos bens em conflito seriam, em derradeira análise, o jus libertatis e a tranqüilidade doméstica e patrimônio do morador do domicílio. Assim, tem-se que: a acusação não pode utilizar-se de provas obtidas ilicitamente (sejam originárias ou por derivação), mas a defesa, em tese, pode (vide, no Informativo STF n.º 30, de 15/05/96, o HC 73.351-SP). 2.16 Presunção de Inocência (CF/88, art. 5º, LVII) O princípio da presunção ou estado de inocência declara que o indiciado e o acusado são considerados inocentes até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Passou-se, então, a questionar se, respeitado em absoluto o princípio, se não seria inconstitucional a prisão provisória ou cautelar (prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária, prisão derivada de pronúncia, prisão civil, prisão disciplinar por transgressão militar e prisão decorrente de sentença condenatória recorrível). Esse questionamento, no entanto, não tem sua razão de ser, pois a própria CF/88 excepciona- se, ao admitir a prisão processual em seu art. 5º, LXI e LXVI. Entretanto, não restam dúvidas de que os arts. 393, II e 408, § 1º do Código de Processo Penal estão todos revogados. Porém, divergência há entre doutrinadores e jurisprudência quanto aos arts. 594 do Código de Processo Penal e 35 da Lei n.º 6.368/76 (necessidade de recolhimento à prisão para apelar). Autores como Fernando da Costa Tourinho Filho e Mirabete alegam que eles se encontram revogados, mas a Súmula 9 do STJ diz justamente o contrário, e é o entendimento jurisprudencialmente dominante. A doutrina, ainda, costuma afirmar que em decorrência do princípio do estado de inocência: A restrição da liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou de conveniência, segundo estabelece a lei processual; O réu não tem o dever de provar a sua inocência; cabe ao acusador provar a sua culpa; Para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito de sua culpa (in dubio pro reo). 2.17 Favor Rei (CPP, arts. 386, VI, 609, parágrafo único, 615, § 1º, 617 e 621) 18
  • 19. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Por meio deste princípio, quando houver dúvida insuperável entre o jus puniendi e o jus libertatis, deve o ordenamento jurídico inclinar-se em fazer deste último. É o famoso aforismo in dubio pro reo. O princípio está consagrado, no Código de Processo Penal, nos arts. 386, VI (absolvição por insuficiência de provas), 609, parágrafo único (embargos infringentes e de nulidade), 615, § 1º, e 617 (proibição da non reformatio in pejus) e 621 (revisão criminal). Também é decorrência do princípio do favor rei, a aplicação do art. 10 do CP em detrimento do art. 798, § 1º, do Código de Processo Penal, na questão dos prazos sobre matéria mista (penal e processual penal). 2.18 Duplo Grau de Jurisdição (CF/88, arts. 92, 93, III, e 108, II) Mais por questões de ordem ética e psicológica (falibilidade humana, possibilidade de corrupção ou peita do juiz, inconformismo humano com uma opinião desfavorável ao seu interesse, maior experiência dos magistrados de jurisdição mais elevada) que técnica, consagrou-se há muito o princípio do duplo grau de jurisdição, por meio do qual prevê-se a possibilidade de uma decisão ser reexaminada, agora por uma instância superior. O duplo grau de jurisdição é, pois, a possibilidade de ser mais uma vez examinada e julgada a demanda, em grau recursal. Em geral, portanto, todas as decisões comportam recurso. Exceções à regra existem com relação à competência originária dos Tribunais, em que não se prevê possibilidade de recurso, ao menos o ordinário. 19
  • 20. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 3º Módulo INQUÉRITO POLICIAL Código de Processo Penal, arts. 4º até 23: “Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 1º. O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. § 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia. § 3º. Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito . § 4º. O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado. § 5º. Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; 20 III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
  • 21. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. Art. 7º. Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública. Art. 8º. Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste Livro. Art. 9º. Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade. Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. § 1º. A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente. § 2º. No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas. § 3º. Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz. Art. 11. Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do inquérito. Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial: I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público; III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias; 21 IV - representar acerca da prisão preventiva.
  • 22. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade. Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial. Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia. Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito. Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. Art. 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado. Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que Ihe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior. Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir. Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963). Art. 22. No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição. Art. 23. Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.” 22
  • 23. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 1. Persecução Penal (Persecutio Criminis) O Estado tem interesse em manter a paz e a harmonia entre seus cidadãos. Quando se comete uma infração penal, põe-se em risco aqueles bens jurídicos, e surge para o Estado o jus puniendi, o direito de punir. Todavia, para que o Estado possa punir, é preciso, de antemão, recolher elementos probatórios necessários que indiquem a prática de uma infração penal, e apontem a autoria do mesmo. Surge, assim, a necessidade de “ir atrás da infração penal”, “persegui-la”, investigando-a e denunciando-a, atividade a que se dá o nome de persecução penal (persecutio criminis). A persecução penal, literalmente “perseguição à infração penal” (sua materialidade e autoria), constitui-se da soma da atividade investigatória (inquérito policial), que é a sua primeira fase, com a ação penal, que é a sua segunda fase. Esta última fase é chamada também de persecutio criminis in judictio, porque a persecução criminal está já em juízo, não apenas em sua fase meramente administrativa, como o é a primeira. Nos itens que se seguem, restringir-nos-emos à primeira fase da persecução penal, a do inquérito policial. 2. Polícia Como estamos aqui tratando de inquérito policial, faz-se mister que atentemos ao que se entende por polícia. 2.1 Conceito Polícia é uma instituição de Direito Público destinada a assegurar a segurança, a paz, a incolumidade e a ordem públicas. 2.2 Divisão A polícia é comumente dividida em: polícia administrativa (de caráter preventivo das infrações penais) e polícia judiciária (com o fito de reprimir as infrações penais). A primeira visa a prevenir a prática de delitos e contravenções; a segunda, que surge após o cometimento do ilícito penal, tem por fim investigá-lo, apurá-lo, para recolherem-se seus elementos de materialidade e autoria, a fim de que seja deduzida, pelo titular da ação penal cabível, a pretensão punitiva. Pode ainda ser dividida a polícia em civil, federal e militar. Esta última tem caráter ostensivo, e o inquérito policial militar (IPM) serve para apurar as infrações militares, não todas as infrações. Tanto é assim que, ainda quando um não-militar é preso por policiais militares, será levado à presença da Polícia Civil e o que se instaurará é um inquérito policial presidido por Delegado de carreira, não um inquérito policial militar. 23
  • 24. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha A polícia federal tem suas atribuições genericamente traçadas no art. 144, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º, da Constituição Federal, e tem por finalidade: “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei” (art. 144, § 1º, I); “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência” (art. 144, § 1º, II); “exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” (art. 144, § 1º, III); “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União” (art. 144, § 1º, IV). 3. Conceito de Inquérito Policial, Natureza & Finalidade 3.1 Conceito Inquérito policial é um procedimento administrativo pré-processual, de caráter facultativo, destinado a apurar infrações penais e sua respectiva autoria. 3.2 Natureza Jurídica O inquérito policial não é ato ou procedimento processual, mas meramente administrativo, pré-processual, daí porque não se rege pelos princípios norteadores da ação penal e do processo penal, como o contraditório e a ampla defesa. 3.3 Finalidade A finalidade do inquérito policial é apurar as infrações penais (investigando-as e descobrindo-as) e a autoria de quem as cometeu, com o fito de levar ao conhecimento do titular da ação penal as informações colhidas. 4. Inquéritos Extrapoliciais 24 Nem todo inquérito é “policial”, havendo outros que são se regem por esta denominação, porque não são presididos por autoridades policiais, além do que se norteiam pelos princípios do contraditório e da ampla defesa:
  • 25. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 4.1. Inquérito Administrativo Este inquérito visa a apurar a conveniência, ou não, da expulsão de estrangeiro do território nacional, segundo regulamentam os arts. 70 e 71 da Lei n.º 6.815/80. 4.2. Inquérito Judicial O inquérito judicial é presidido pelo Juiz da Vara de Falências, como dispõe a Lei de Falências (Decreto-lei n.º 7.661/45), art. 103 e ss., para colhimento de informações acerca de crimes falimentares. 4.3. Inquérito Civil O inquérito civil é presidido pelo órgão do Ministério Público destinado à propositura da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens de direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (Lei n.º 7.347/85). 4.4. Inquérito Parlamentar Este trata do poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito, que presidem os inquéritos parlamentares (Lei n.º 1.579/52). 5. Características do Inquérito Policial No sistema processual penal brasileiro, o inquérito policial obedece ao sistema inquisitório, de molde que, além de não obedecer aos princípios do contraditório e da ampla defesa, apresenta-se com os seguintes caracteres: 5.1. Sigiloso (art. 20 do CPP) O inquérito policial é sigiloso, para impedir que empecilhos ou óbices se ponham em seu regular caminho, pois do contrário frustradas muitas vezes ficariam as investigações. P. ex., o indiciado já tivesse, de antemão, conhecimento dos próximos movimentos e diligências realizadas pela polícia. O sigilo, porém, não é absoluto, pois não se estende ao Ministério Público (art. 15, III, da Lei Orgânica do Ministério Público) e ao Juiz. Na prática, igualmente, pouco sigilo existe em relação aos advogados, haja vista suas prerrogativas (art. 7º do Estatuto da OAB). 5.2. Escrito (art. 9º do CPP) Todas as conclusões e informações a que chegou o inquérito policial devem ser deduzidos por escrito, e remetidos ao Judiciário (no caso de ação penal pública) ou ao ofendido ou seu representante legal (no caso de ação penal privada). 25
  • 26. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 5.3. Obrigatório (art. 5º, I, do CPP) Tomando conhecimento da prática de crime de ação penal pública incondicionada, deverá a autoridade policial (Delegado de polícia), de ofício, instaurar inquérito policial, sob pena de responder por prevaricação (art. 319 do CP), corrupção passiva (art. 317 do CP) ou concussão (art. 316, caput, do CP)1, a depender do caso concreto. Não existe, e nem é possível, a obrigatoriedade nos casos de ação penal pública condicionada à representação (porque dependerá desta para ser instaurado o inquérito) ou ação penal privada (em que será necessário o requerimento da parte ofendida ou de seu representante legal). 5.4. Indisponível (art. 17 do CPP) Instaurado o inquérito, a autoridade policial não poderá arquivá-lo de ofício, mas tão- somente quando assim requisitado pelo Ministério Público. Pode até se alegar que tal procedimento, o arquivamento de ofício do inquérito, é “praxe” comum, mas isso constitui um atentado grave à lei, à justiça, e configura ilícito penal (prevaricação, corrupção passiva ou concussão, a depender do caso concreto). 1 Código Penal, arts. 316, 317 e 319: “Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º. Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena — reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. § 2º. Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena — reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º. A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º. Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: 26 Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”
  • 27. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 6. Competência O termo “competência” refere-se, tecnicamente, no campo processual, apenas aos órgãos jurisdicionais, não à polícia. Para esta melhor seria a expressão “atribuições”, muito mais precisa e técnica2. Essa atribuição, de regra, é atribuída de acordo com o lugar da ocorrência do ilícito penal, mas também pode se referir à natureza da infração e à pessoa da vítima. 6.1. Atribuição em Razão do Lugar da Infração (Ratione Loci) Esta é a regra geral. Os Distritos Policiais de Recife ocupam-se com as infrações penais cometidas em Recife; os Distritos Policiais de Camaragibe ocupam-se com as infrações penais cometidas nesta cidade, e assim por diante. Também é muito comum, principalmente em cidades maiores, que cada Distrito se ocupe com infrações penais ocorridas em uma delimitada área de atuação, denominada circunscrição. A cidade, ou a Comarca, é dividida em diversas circunscrições, e, pela regra da atribuição ratione loci, numa mesma Comarca poderá haver diversas circunscrições, e para cada qual existe um Distrito Policial ao qual incumbe a apuração das infrações penais cometidas dentro desta área. Assim, p. ex., em regra uma Delegacia de Polícia do bairro do Espinheiro não se ocupa de crimes cometidos em Casa Amarela. Isso, contudo, não impede que a Autoridade Policial responsável por uma circunscrição investigue, em outra, fatos de repercussão na primeira, ou mesmo que um Delegado de uma circunscrição X apure uma infração cometida na de Y. A divisão em razão do lugar da infração é uma questão apenas de conveniência, não havendo o que se falar, p. ex., em vício ou irregularidade na prisão em flagrante ocorrida em uma circunscrição sob os auspícios da Autoridade Policial de outra. 6.2. Atribuição em Razão da Natureza da Infração (Ratione Materiæ) As atribuições da Polícia também podem ser conferidas de acordo com a natureza da infração penal cometida. É muito comum, p. ex., Delegacias especializadas em roubos, ou em homicídios, ou em entorpecentes, em furtos e roubos de veículos, etc. Quando acontece essa divisão, não importa em que circunscrição ocorreu um delito. Exemplo: Numa Comarca existem dez circunscrições, havendo uma Delegacia de Polícia para cada uma. Na circunscrição X ocorreu um roubo, não havendo nela Delegacia Especializada para esta espécie de delito. 27 2 Porém, levando em conta que o inquérito policial é procedimento administrativo, podemos, em princípio, concordar com a expressão “competência”, de que versa o próprio Código de Processo Penal, é correta do ponto de vista administrativo.
  • 28. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Tanto pode investigar o fato a Delegacia de X quanto a Delegacia de Furtos e Roubos da circunscrição Y, por exemplo. 6.3 Atribuição em Razão da Pessoa da Vítima (Ratione Personæ) Leva-se em conta, aqui, a pessoa da vítima da infração, independentemente do lugar ou da natureza do delito cometido. Dessa forma, existem Delegacias da Mulher, Delegacias do Turista, Delegacias do Idoso, etc. 7. Dispensabilidade O inquérito policial é um procedimento indispensável para a propositura da ação penal? Só se fala em processo penal se, quando e porque houve, antes, um inquérito policial instaurado? A resposta é negativa. O inquérito é peça absolutamente dispensável, podendo ser intentada a ação penal cabível, pública ou privada, mesmo sem o procedimento inquisitório, se o seu titular achar estar em mãos com elementos suficientes da materialidade e da autoria do fato. Isso é fácil de concluir pelas disposições dos arts. 39, § 5º, e 46, § 1º, do Código de Processo Penal. O inquérito policial, destarte, não é condição alguma de procedibilidade processual. 8. Valor Probatório O inquérito policial tem valor como prova no processo penal? Sim, o inquérito policial tem valor probatório, servindo como prova tanto pela acusação (principalmente) quanto pela defesa, mormente quando a Autoridade Policial procedeu ao requerimento de perícias e exames, muito preciosas para a elucidação do fato, para a vinculação da autoria e para a formação da culpa. Todavia, como é pacífico na jurisprudência, é nula a sentença que se respalda exclusivamente em peças do inquérito policial, visto que o decisum estaria se adstrindo a um procedimento no qual o indiciado não teve oportunidade de defesa, ante a ausência dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 9. Vícios Suponha-se que o inquérito apresente vícios e mesmo irregularidades graves, como a confissão do indiciado obtida mediante tortura, a colheita ilícita de provas ou a ausência de curador ao indiciado menor de 21 anos. Esses vícios teriam o condão de prejudicar, ou mesmo anular, a ação penal ou os atos processuais vindouros? 28
  • 29. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha O inquérito policial é peça meramente administrativa e informativa, de molde que eventuais erros, equívocos, irregularidades e vícios, por mais graves que sejam, não podem prejudicar a ação penal e o processo penal a ser instaurado. A razão é evidente: procedimento administrativo não pode anular processo judicial. Ambas são esferas completamente distintas, embora ligadas uma à outra como uma relação (dispensável, como já se viu) de causa e efeito. Do exposto, não se fala, de ordinário, em nulidade de ato inquisitorial, mas em mera irregularidade, e mesmo assim não pode ela prejudicar a relação processual subseqüente. Evidentemente que, na fase processual, veda-se, sob pena de nulidade, decisão respaldada em atos viciados realizados durante o inquisitório policial. Uma prova obtida ilicitamente não pode, sequer, ser apresentada em prejuízo do réu. 10. Notitia Criminis ou Delatio Criminis No tema referente a inquérito policial assume uma fundamental importância o conceito de notitia criminis, vulgarmente conhecida como “prestar queixa na Delegacia”. Tecnicamente, a “queixa” nada tem a ver com a notitia criminis, senão apenas com a ação penal privada. Logo, daqui por diante torna-se imperioso desmistificar algo que é popularmente falado mas tecnicamente inaceitável: “queixa” é um instituto da ação penal privada, e não do inquérito policial; a notitia criminis, esta sim configura a ciência às autoridades da prática de uma infração penal. 10.1. Conceito Notitia criminis é o ato pelo qual se leva à autoridade policial o conhecimento da prática de uma infração penal. Vulgarmente é chamada de “queixa”, sendo que tal expressão é tecnicamente incorreta, devendo ser evitada pelo operador jurídico, e só utilizada quanto se mencionar seu real significado, o de peça inaugural da ação penal privada. Logo, o que popularmente se diz “prestar queixa” é, na verdade, a notitia criminis. 10.2. Espécies A notitia criminis pode ser espontânea ou provocada. Notitia criminis espontânea é aquela por meio da qual a autoridade pública toma conhecimento direto do fato delituoso no exercício de sua atividade funcional. Dá-se quando, portanto, a autoridade policial toma conhecimento de ofício do fato. Exemplo: Policiais tomam conhecimento de um assalto e avisam-no ao Delegado. 29
  • 30. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha Notitia criminis provocada, que é a mais comum, é aquela transmitida a autoridade policial pelas formas registradas na lei processual penal — Juiz, Ministério Público, ofendido ou seu representante legal, ou por qualquer do povo. Exemplo: Uma pessoa (não necessariamente a vítima do crime) vai à Delegacia e narra ao Delegado um furto cometido nos arredores da vizinhança onde mora. 10.3. Autores & Destinatários Qualquer pessoa do povo — e não apenas a vítima, seu representante legal, as autoridades judiciárias e ministeriais — pode noticiar à autoridade policial a existência de uma infração penal. Qualquer pessoa física é, portanto, autora em potencial de notitia criminis. Destinatários da notitia criminis são: a Autoridade Policial (art. 5º, II, §§ 3º e 5º, do CPP), o Ministério Público (arts. 27, 39 e 40 do CPP) e o Juiz (art. 39 do CPP)3. 10.4. Faculdade & Obrigatoriedade Regra geral, ou seja, no que se refere aos particulares, a notitia criminis constitui mera faculdade, e não um dever. Logo, de ordinário, ninguém tem a obrigação de comunicar coisa alguma a Autoridade Policial, ainda que nada a impeça de tal. Há quem, entretanto, tenha o dever legal de noticiar o fato, sob pena de incorrer em contravenção penal. Com efeito, reza o art. 66 da LCP que: Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente: I - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação; Il - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal: Pena — multa. No inciso I temos os funcionários públicos que, no exercício de sua função (e não fora dela), tomou conhecimento de crime de ação penal pública incondicionada. É o caso, p. ex., dos Policiais e dos funcionários que trabalham na área de segurança pública (exs.: agentes penitenciários e policiais). 30 3 Tratando-se de crime militar, a notitia criminis deverá ser encaminhada à autoridade militar competente (art. 7º do Código de Processo Penal Militar). Na hipótese de crimes de responsabilidade de Governador de Estado a notitia criminis pode ser dirigida à Assembléia Legislativa, e no caso de crime de responsabilidade do Presidente da República, à Câmara dos Deputados ou Senado Federal.
  • 31. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha No inciso II estão os profissionais da área de Medicina ou outra atividade sanitária (ex.: enfermeiros) que, no exercício de sua profissão (e não fora dela), tomaram conhecimento da prática de crime de ação penal pública incondicionada, desde que a comunicação do fato não exponha o cliente ou paciente a procedimento criminal, sob pena de o profissional vir a responder por crime de violação do segredo profissional (art. 154 do CP)4. Seria o caso, por exemplo, do médico que recebe uma paciente com grave hemorragia, vindo ela a morrer, descobrindo o médico que a causa mortis fora o fato de há poucas horas ter ela sofrido manobras abortivas em clínica clandestina. No entanto, se ela não morre e se recupera, o médico não pode comunicar o fato à Polícia, pois se o fizer estará forçosamente expondo sua paciente a procedimento criminal, haja vista que, em tendo ela dado seu consentimento para a prática abortiva, será enquadrada no art. 124 do CP. Sob determinação judicial, porém, o médico é obrigado a comunicar detalhes do delito perpetrado pelo seu paciente, sob pena de responder por crime de desobediência (art. 330 do CP). 11. Instauração do Inquérito Não existe uma única forma de instauração do inquérito policial, mas várias, a depender da ação penal cabível para a infração que está sendo apurada, se pública ou privada. 11.1 Ação Penal Pública A ação penal pública pode ser incondicionada ou condicionada. Para cada uma delas a instauração do inquérito se dá de forma distinta5. 11.1.1. Incondicionada (Art. 5º, I e II, do CPP): Nos casos de crimes apurados mediante ação penal pública incondicionada (exs.: crimes contra a vida, a maioria dos crimes contra o patrimônio, crimes contra a organização do trabalho, a maioria dos crimes contra a família, crimes contra a fé pública, crimes contra a administração pública), o inquérito policial é instaurado: 4 Código Penal, art. 154: “Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.” 31 5 Ainda há a possibilidade de instauração de inquérito policial via auto de prisão em flagrante, o qual analisaremos no item 16, infra.
  • 32. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha a) De Ofício (art. 5º, I, do CPP): A Autoridade Policial, tomando ciência do delito, deverá instaurá-lo de ofício, mediante uma peça singela e sem muita solenidade chamada portaria. b) Mediante Requisição do Ministério Público ou de Juiz (art. 5º, II, 1ª parte, do CPP): Requisição é uma ordem, um imperativo. Quem requisita determina algo, ordena que algo seja feito ou realizado. Nesse caso, o Delegado, sendo requisitado pelo Ministério Público ou pelo Juiz, deverá instaurar inquérito policial, sob pena de responder por prevaricação, delito tipificado no art. 319 do CP (alguns autores admitem que, na hipótese, haverá crime de desobediência – art. 330 do CP)6. c) Mediante Requerimento do Ofendido ou de seu Representante Legal (art. 5º, II, 2ª parte, do CPP): Requerer é pedir, pleitear algo, e não exigir ou determinar, como no caso da requisição. O requerimento deverá conter, sempre que possível for, “a narração do fato, com todas as circunstâncias; a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; e a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência” (art. 5º, § 1º, do CPP). Tratando-se de requerimento, pode o Delegado deixar de atendê-lo nos seguintes casos: 1) quando já estiver extinta a punibilidade; 2) se o requerimento não mencionar o mínimo indispensável para a abertura do inquérito; 3) se a autoridade policial a quem foi dirigido o requerimento não for a “competente”; 4) se o fato narrado for atípico; 5) se o requerente for incapaz. Contra eventual indeferimento do requerimento de instauração do inquérito policial cabe recurso administrativo para o Secretário de Segurança Pública (“chefe de Polícia”, no dizer do art. 5º, § 2º, do CPP). 11.1.2. Condicionada (Art. 5º, II, do CPP): A ação penal pública condicionada exige como condição ora a representação do ofendido ou de seu representante legal, ora 6 Código Penal, art. 330, verbis: “Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: 32 Pena — detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.”
  • 33. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha a requisição do Ministro da Justiça. Sem a condição de procedibilidade a ação penal é inepta, e nulo é o processo penal instaurado sem a condição exigida por lei. a) Ação Penal Pública Condicionada à Representação: Quando o crime é apurado mediante ação penal pública condicionada à representação, o inquérito só poderá ser instaurado se, quando e porque o ofendido (vítima) ou seu representante legal oferecer a representação ao Delegado. A representação de uma dessas pessoas é essencial, sem o qual o Delegado nada poderá fazer (e nem deverá!), a não ser, quando muito, indagar à vítima ou ao seu representante legal se deseja oferecer a representação, mas jamais, repita-se, instaurar de ofício o inquérito policial. Nem mesmo quando tiver havido prisão em flagrante poderá a autoridade policial instaurar o inquérito sem a representação.Se o ofendido e seu representante legal forem falecidos, a legitimidade para a representação dar-se-á aos moldes do art. 31 do Código de Processo Penal: cônjuge, ascendente, descendente e irmão, lembrando-nos, sempre, que, no caso de eventual conflito, prevalece o interesse de quem deseja a instauração do inquérito policial. A representação pode ser escrita ou oral (mais comum), sendo que neste último caso deverá o Delegado ordenar ao escrivão que reduza a escrito tudo o quanto foi dito pelo ofendido ou seu representante legal. Lembremos que no inquérito policial tudo tem de constar por escrito. Suponhamos que o ofendido queira oferecer a representação, mas não o queira seu representante legal, ou vice-versa, deseja o representante legal ver o inquérito instaurado mas não o quer a vítima. Havendo, portanto, conflito de interesses, qual deverá prevalecer? Pela leitura do art. 50, parágrafo único, do Código de Processo Penal, vê-se claramente que prevalece sempre o interesse de quem quer a instauração do inquérito. A representação deverá conter (art. 5º, § 1º): 1) a narração do fato, com todas as circunstâncias, isto é, o que ocorreu, quando, onde, como, porque, quem o cometeu, com que arma ou instrumento, o comportamento do agente e da vítima antes, durante e depois do acontecimento delituoso e tudo o mais que possa ser útil na descrição do fato; 33 2) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer: aqui requer-se que na representação conste o nome do indiciado, caso se saiba, e se não o souber (o que é muito comum, aliás), ao menos aludir-se aos sinais característicos (descrição física, principalmente do rosto, do indivíduo) e se nem isso for possível, quem oferece a representação deverá dizer porque não foi possível identificá-lo
  • 34. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha (ex.: o ladrão estava com um capuz; o local do crime estava extremamente escuro, não sendo possível reconhecer o rosto do sujeito, etc.); 3) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência: evidentemente que só será possível falar-se em testemunhas se realmente tiver havido testemunhas, não podendo a ausência delas impedir a instauração do inquérito. b) Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça: Como a ação penal pública está forçosamente condicionada à existência de requisição do Ministro da Justiça, o inquérito policial, igualmente, só poderá ser instaurado quando e porque assim ele o determinar, ainda que a autoridade policial tenha pleno conhecimento do fato criminoso. 11.2. Ação Penal Privada Denomina-se “requerimento” o meio através do qual é instaurado o inquérito policial nos crimes de ação penal privada (exs.: crimes contra a honra e crimes sexuais). Sem o requerimento não pode de modo algum ser instaurado o inquérito, nem mesmo quando tiver havido prisão em flagrante. Exatamente como ocorre na instauração do inquérito nos crimes de ação penal pública condicionada à representação, apenas o ofendido e seu representante legal têm a legitimidade para oferecer o requerimento, que pode ser por escrito (mais raro) ou verbal (mais comum), sendo que neste último caso tudo o que for narrado será reduzido a escrito pela autoridade policial. Exemplo: a vítima de estupro imediatamente dirige-se a uma Delegacia de Polícia e narra ao Delegado o ocorrido, mandando este que o escrivão reduza tudo a escrito (até porque, lembremos, uma característica do inquérito é que tudo nele seja ou esteja escrito). No requerimento deverão conter todos os requisitos exigíveis para a representação (art. 5º, § 1º, do CPP). Tudo o mais quanto dissemos acerca da representação pode e deve ser aplicado ao requerimento, como a eventual possibilidade de conflito entre o interesse da vítima e de seu representante legal em oferecer o requerimento (que se resolve pelo art. 50, parágrafo único, do CPP), ou de falecimento de ambos, quando então a legitimidade passa para aquelas pessoas enumeradas no art. 31 do Código de Processo Penal. 12. Procedimento (Art. 6º, I, II e III, do CPP) Tomando conhecimento da prática de infração penal, deverá a autoridade policial (art. 6º do CPP): 34
  • 35. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 12.1. Dirigir-se ao Local da Infração (inciso I) A autoridade policial se dirigirá ao local onde supostamente foi praticada uma infração penal, para verificar a procedência da notitia criminis que lhe foi formulada e tomar as medidas legais cabíveis. 12.2. Apreensão de Objetos e Instrumentos da Infração (inciso II) Isola o Delegado a área do lugar do crime, para que nada seja modificado, retirado ou acrescido, a fim de que se tenha um exato “retrato” do ilícito talqualmente ocorrera. 12.3. Colheita de Provas (inciso III) O Delegado deverá isolar o local e mandar que se recolha tudo o quanto for encontrado no lugar do crime, para ser posteriormente periciado e enviado ao autor da ação penal. 13. Instrução Probatória (Art. 6º, IV, V, VI e VII) 13.1. Ouvida do Ofendido (inciso IV) O ofendido é a vítima da infração penal, o titular do bem jurídico violado ou ameaçado. Suas informações são muito importantes para a apuração do fato e de sua autoria, devendo ser a primeira ou uma das primeiras pessoas a serem ouvidas pela autoridade policial. A autoridade policial, então, notificará a vítima para que compareça em determinados dia, hora e local para prestar esclarecimentos que elucidem o fato. Se injustificadamente não comparecer, será conduzida à presença da autoridade (art. 201, parágrafo único, do Código de Processo Penal), que determinará, se for o caso, a sua busca e apreensão (art. 240, § 1º, g, do diploma processual). 13.2. Ouvida do Indiciado (inciso V) O indiciado é, na fase do inquérito policial, a pessoa a quem foi imputada a prática de uma infração penal. É chamada de “indiciado” justamente porque os indícios (pistas, testemunhas, perícias, provas, instrumentos, objetos pessoais, impressões deixadas na arma ou no local do crime etc.) levam a crer pela sua responsabilidade penal no caso concreto. 35 Os indícios têm de ser veementes, e não frágeis, não se tratando de mera suposição, de mera suspeita, mas de um conjunto de fatos e objetos que levam muito a crer que a pessoa ⎯ e não outra ⎯ é autora de uma infração penal.
  • 36. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 13.3. Reconhecimento de Pessoas e Coisas e Acareações (inciso VI) Não raro, imprescinde-se de reconhecimento de pessoas (testemunhas, vítimas, agentes) e de coisas (objetos, instrumentos, armas, papéis, documentos, material deixado no local do crime, pistas etc.) para que o relatório final do inquérito policial alicerce seus fundamentos em sólidas conclusões, sem as quais o titular da ação penal não terá em mãos elementos indiciários suficientes para a propositura da denúncia ou da queixa. Outrossim, pode o Delegado proceder, de ofício, a acareações, ou o Ministério Público as requisitar, ou mesmo serem requeridas pela vítima ou pelo agente. O que seriam as acareações? Acareação é o ato pelo qual se põem, cara a cara, pessoas cujos depoimentos ou declarações são conflitantes. Elas podem se dar entre acusados, entre vítimas, entre testemunhas, entre acusado e vítima, entre acusado e testemunha ou entre vítima e testemunha. É errôneo, portanto, como muitos imaginam, concluir-se que a acareação presta-se exclusivamente à presença, face a face, entre acusados. Quaisquer pessoas que tenham ligação com o crime, quando suas declarações são conflitantes, contraditórias, paradoxais, podem ser acareadas. 13.4. Exames Periciais (inciso VII) O Delegado, sem que para isso seja requisitado pelo Juiz ou pelo Ministério Público, pode proceder, de ofício, a requisição de exames periciais relativos ao crime que se apura. É muito comum, p. ex., o Delegado, em crimes de homicídio, requisitar o exame de corpo de delito direto (exame tanatológico). Outras perícias podem ser requisitadas (balística, grafoscópica, documentoscópica, datiloscópica, sexológica, toxicológica, traumatológica etc.). Evidentemente que o Ministério Público pode ainda requisitar, em sede de diligências, outras perícias, podendo requerê-las, também, o titular da ação penal privada. 13.5. Outras Diligências (Arts. 13, 14 e 16 do CPP) O art. 13 do Código de Processo Penal cita os deveres da Autoridade Policial, cujo descumprimento pode acarretar sua responsabilidade criminal a título de prevaricação ou desobediência. Quanto ao assunto, veja o item 17, infra. 36 O art. 14 do Código de Processo Penal esclarece que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”. Veja-se que as diligências de que trata o art. 13 constituem um imperativo (um dever) a ser cumprido pela Autoridade Policial. Já as que são aduzidas pelo art. 14 refere-se à mera faculdade de a Autoridade Policial proceder a diligências, quando requeridas (observe-se: requeridas, e não requisitadas!) pelo ofendido (vítima do crime), seu representante legal ou mesmo pelo indiciado. Evidentemente que realizar ou
  • 37. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha não diligências requeridas não pode ser produto de uma arbitrariedade, devendo o Delegado refletir acerca de sua real necessidade no inquérito policial e na busca da verdade real. O art. 16 do Código de Processo Penal, por fim, esclarece que “o Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia”. Tendo elementos suficientes em mãos para a propositura da denúncia, o Parquet terá o dever de promovê-la (princípio da obrigatoriedade), só não o fazendo se e quando de fato os indícios forem precários para o oferecimento da ação penal pública, quando então devolverá o inquérito policial e requisitará à Autoridade Policial diligências (comportamentos, atos, ações de elucidação e investigação mais apurada, mais detalhada, como oitivas de pessoas, perícias etc.). 14. Indiciamento (Art. 6º, VIII e IX, do CPP) 14.1. Conceito É a imputação a alguém, na fase do inquérito policial, da prática de uma infração penal. A pessoa a quem foi atribuído o indiciamento é chamada de indiciada, e não se confunde com a figura do réu. Aliás, “indiciado” está para o inquérito policial assim como o “réu” está para o processo penal já instaurado. Enquanto não há ação penal, fala-se, quando muito, em indiciado; quando já proposta a ação penal, o indiciado transmuda-se para réu. 14.2. Identificação (Art. 6º, VIII) O art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal, afirma dever a Autoridade Policial “ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes”. A identificação é o meio pelo qual se estabelece a identidade ou o conjunto de caracteres que individualizam uma pessoa, destacando-a das demais, citando-se-lhe o nome, a filiação, a naturalidade, os caracteres físicos (se necessários, principalmente quando não se sabe ao certo seu nome), sua alcunha (apelido), profissão e endereço. Atualmente, a identificação do acusado faz-se mediante o processo datiloscópico (impressões digitais), dada a certeza científica de que não existem duas pessoas com as mesmas impressões digitais. O indiciado deve se submeter à identificação criminal em toda e qualquer hipótese? Em vista do art. 5º, LVIII, da CF/88, tem-se que: 37
  • 38. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha “Art. 5º. (...) (...) LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.” De ordem que serão criminalmente identificados, aplicando-se-lhes o art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal, apenas aqueles que não estiverem civilmente identificados e nos casos previstos em legislação infraconstitucional. Como a própria Carta Política ressalva casos nos quais a lei permite a identificação criminal, temos que podem ocorrer hipóteses em que serão criminalmente identificados mesmo aqueles indivíduos civilmente identificados. É que consta, p. ex., do art. 5º da Lei do Crime Organizado (Lei n.º 9.034/95), que determina que: “Art. 5º. A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil.” Se o indivíduo se recusar a se submeter à identificação criminal nos casos previstos em lei, pode a Autoridade Policial conduzi-lo coercitivamente para o ato; e se ele se recusar ainda assim, poderá o Delegado dar-lhe voz de prisão em flagrante pelo crime de desobediência (art. 330 do CP). A CF/88 não veda a fotografia do indiciado de frente e de perfil, pois tal procedimento não constitui identificação criminal, senão apenas peça de instrução dos autos do inquérito. Acresça-se que o que a CF/88 proíbe fora dos casos previstos em lei é a identificação criminal, de molde que mesmo em sua ausência nada impede que o sujeito venha a ser indiciado. O indiciamento pode se dar independentemente de qualquer identificação criminal. 14.3. Folha de Antecedentes (Art. 6º, IX) A folha de antecedentes criminais é documento de muita importância, pois é através dela que se toma conhecimento de se o indiciado é primário ou reincidente, devendo esse dado ter influência para a aplicação dos arts. 61, I (a reincidência é circunstância legal genérica agravante), e 77, I (a primariedade em regra é requisito essencial para a concessão do sursis), ambos do Código Penal. Ademais, caso o indiciado tenha antecedentes criminais, o Juiz ou o Ministério Público poderá solicitar do juízo onde ele, no passado, fora processado e sentenciado a certidão da decisão com a nota do seu trânsito em julgado (inexiste reincidência sem o trânsito em julgado de sentença condenatória nos últimos 5 anos, passados os quais a reincidência prescreve)7. 7 Código Penal, arts. 63 e 64, in litteris: 38
  • 39. www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Processual Penal – por Guilherme Tocha 14.4. Indiciado Menor (Art. 15 do CPP) O art. 15 do Código de Processo Penal reza que “se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial”. A menoridade de que trata o dispositivo é a que vai dos 18 aos 21 anos incompletos (indiciados dos 18 até a véspera do aniversário de 21 anos), já que os menores de 18 anos não se submetem ao Código de Processo Penal, mas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90). Os menores, nos termos do art. 15 do Código de Processo Penal, são imputáveis, submetem-se normalmente às disposições constantes do Código Penal e do Código de Processo Penal, porém presume a lei que, em vista de sua relativa incapacidade civil, o indiciado naquela idade necessita de melhores esclarecimentos, por não estar ainda totalmente formado o seu discernimento acerca dos atos de natureza inquisitorial e processual, devendo um terceiro absolutamente capaz prestar-lhe as informações pertinentes à sua situação. Este terceiro é o curador. A ausência de curador aos menores não acarreta nulidade no inquérito policial (até porque o instituto da nulidade só tem seu lugar no processo penal, não na fase inquisitória da persecutio criminis), não sendo, portanto, de se aplicar o art. 564, III, c, do Código de Processo Penal, que se refere à falta de curador ao réu, figura que só aparece quando da instauração da ação penal, não antes dela, como assim é o inquérito policial, em que quando muito só existem indiciados (vide item 9). A ausência de curador na lavratura do auto de prisão em flagrante do menor também não é causa de nulidade absoluta (art. 564, IV, do Código de Processo Penal), mas acarreta a perda de eventual confissão e a ilegalidade da prisão, que deverá ser relaxada, sob pena de abuso de autoridade passível de ser corrigida pela via do habeas corpus. A falta de curador, no inquérito policial, é mera irregularidade, suprimível quando da fase processual, na qual doravante será sempre necessário curador, sob pena de inquinação de nulidade absoluta (art. 564, III, c, do Código de Processo Penal). Todavia, a ausência do curador no inquérito policial esvazia todo o valor probatório de eventual confissão que o menor haja feito8. “Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Art. 64. Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.” 39 8 Quanto aos indígenas, há quem reclame para eles curador, ou mais precisamente representante da FUNAI, tendo-se em mira que são relativamente incapazes, nos termos da lei civil (art. 6º, III, do Código Civil). Todavia, objeta-se que a exigência de curador, em tais casos, só é cabível quando o indígena for dotado de desenvolvimento mental incompleto, haja vista que o Código de Processo Penal não trata de curador aos