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Comissão Pastoral da Terra      Janeiro a Março de 2010         Ano 35 – Nº 199




                       III Congresso Nacional: rumos da
                               CPT em discussão Páginas 8 e 9
Foto: Marina Moreira




                                Foto: João Laet




                                                  Libertar para uma                       A memória e a
                                                  vida melhor: a luta                     resistência presentes
                                                  dos agentes da CPT                      nos mártires da luta
                                                              Página 7                                   Página 11
PASTORAL DA TERRA                                                                                         2                                                                        janeiro a março de 2010



                                         EDITORIAL

                    Em tempos de crises e abalos
    Estamos nos aproximando do III Congresso da CPT, no próximo mês de
maio, de 17 a 21, e Montes Claros já está de braços abertos para acolher este                                     Aprendendo a construir cisterna de placas: Uma
momento tão significativo para a CPT. O III Congresso se realiza num contex-
to global em que o mundo vive grandes crises e passa por grandes mudanças.                                          alternativa de captação de água de chuva
Como diz um dos textos de preparação: “Viver em determinadas épocas é um
privilégio... Nossa época parece ser diferente de todas as anteriores. Antigas ideias



                                                                                                               A
desmoronaram e novas referências estão sendo construídas. Ficou mais difícil e                                         partir de uma primeira                            nativas de desenvolvimento sus-
mais contraditório imaginar o futuro da Terra e dos povos que a habitam. Os pa-
radoxos se avolumam: não é mais possível condenar ou acatar em bloco... A crise                                        experiência com constru-                          tentável, não somente no sentido
civilizatória está derrubando velhas referências e vai construindo novas”.                                             ção de cisterna de placas                         de repassar a técnica, mas de en-
    Os debates do Congresso vão se realizar em tendas que lembram os biomas                                    em 2006, no Rio Grande do Sul,                            volver as pessoas no processo só-
brasileiros. Os participantes irão levar suas experiências que apresentam o clamor                             surge a proposta de elaboração                            cio-político, educativo e cultural,
da natureza e dos camponeses, a resistência das comunidades em defesa da vida e
a ação da CPT. O Congresso vai ser um grande momento de reabastecimento de                                     conjunta de uma cartilha da CPT,                          construindo autonomia em face à
energias, de fortalecimento da mística que move a CPT.                                                         Cáritas Brasileira Regional RS e                          problemática da água.
   O Congresso vai se realizar numa região onde o Cerrado e a Caatinga se en-                                  Pastoral Ope-
contram, por isso apresentamos a importância do Cerrado, a vegetação mais                                      rária. O obje-
antiga do planeta, para o equilíbrio do planeta. E neste clima a experiência de
beneficiamento de frutas no semiárido baiano aponta para algumas saídas para a                                 tivo da publi-
melhora da qualidade de vida das comunidades.                                                                  cação é ser um
   Na contramão de uma vivência harmoniosa com a natureza, surgem os gran-                                     instrumento de
des projetos faraônicos do governo federal com recursos do PAC. Um deles é a po-                               orientação para
lêmica obra da Usina de Belo Monte, que pode afogar comunidades, povos e cul-
turas tradicionais. Como diz Dom Erwin Kräutler, bispo de Altamira e presidente                                a construção
do CIMI, “as condicionantes que a Licença Prévia elenca para serem observadas                                  de uma cister-
pela empresa que sairá vitoriosa no leilão, não mais são que uma confissão pública
do governo de que o projeto, se for executado, terá consequências desastrosas.”                                na de placas
                                                                                                               com capacida-
    O mundo todo, no início de 2009, foi sacudido pelo violento terremoto que
destruiu boa parte do Haiti. A catástrofe provocou também uma onda de solida-                                  de para 16 mil
riedade. Solidariedade que já era praticada por uma Brigada da Via Campesina e                                 litros de água.
que está sendo ampliada e reforçada. Em entrevista, Paulo Almeida, desta Briga-
da, conversa com nossos leitores.                                                                              Na cont ra-
                                                                                                               mão da lógica
   A partir desta edição, o Pastoral da Terra vai ter duas novas páginas, uma de-
dicada a Reflexões Bíblicas, para ajudar nossas comunidades a confrontarem os                                  do capital que
conflitos que vivem com situações similares dos tempos bíblicos, e uma página                                  visa privatizar
dedicada a manter viva a memória dos mártires.
                                                                                                               e mercantili-
   Esta edição ainda registra as Homenagens recebidas por agentes da CPT, ao                                   zar a água, esse
findar 2009, e os desafios e as perspectivas para uma nova comunicação no Brasil,
a partir da I Conferência Nacional de Comunicação.                                                             pequeno livro
   A última página traz a bela oração feita por Dom Pedro Casaldáliga para o III                               visa contribuir
Congresso da CPT.
                                                                                                               na discussão e
                                                                                        Boa leitura.           busca de alter-

                                                               Presidente                       Redação                                   APOIO                                          ASSINATURAS
                                                               Dom Ladislau Biernaski           Cristiane Passos                                          eeD
                                                               Vice-presidente                  Antônio Canuto                              Evangelischer Entwicklungsdienst                 Anual R$ 10,00.
                                                               Dom Enemésio Lazzaris            Hugo Paiva - estagiário
                                                                                                Rede de comunicadores da CPT                       Brot Für Die Welt                Pagamento pode ser feito através de
  É uma publicação da Comissão Pastoral da Terra – ligada à    Coordenadores Nacionais                                                             Pão para o Mundo
                                                               Padre Flávio Lazzarin            Jornalista responsável                                                             depósito no Banco do Brasil, Comissão
      Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
                                                               Edmundo Rodrigues                Cristiane Passos (Reg. Prof. 002005/GO)        Fundação eugen Luther                  Pastoral da Terra, conta corrente
 Secretaria Nacional: Rua 19, nº 35, ed. Dom Abel, 1º andar,   Lucimere Leão                                                                                                            116.855-X, agência 1610-1.
            Centro, Goiânia, Goiás. CEP 74030-090.                                              Diagramação / Impressão
                                                               Isolete Wichinieski                                                                        MZF
           Fone: 62 4008-6466. Fax: 62 4008-6405.                                               Gráfica e Editora América Ltda.
                                                               Padre Hermínio Canova            (62) 3253-1307                            Missionzentrale der Franziskaner e. V.   Informações canuto@cptnacional.org.br
 www.cptnacional.org.br comunicacao@cptnacional.org.br         Padre Dirceu Fumagalli           www.graficaeeditoraamerica.com.br
PASTORAL DA TERRA                                                                            3                                                          janeiro a março de 2010




                               Incra instala assentamento na                                        MPF apura demarcação de terras quilombolas
                                      Bordolândia (MT)                                               O Grupo de Trabalho de Quilom-            Agenda Social do Plano Plurianual
                                                                                                 bos e Populações Tradicionais da 6ª           2007/2011. Desde 1988, ano em que


O
        Incra no Mato Grosso (Incra/          rurais. Essa é quinta vez que o Incra              Câmara de Coordenação e Revisão (6ª           a constituição passa a prever o direi-
        MT) iniciou no dia 1º de feve-        é imitido na posse da fazenda. A pri-              CCR) do Ministério Público Federal            to à propriedade das terras ocupadas
        reiro o assentamento de cente-        meira foi em setembro de 2005, a se-               instaurou inquérito                                Foto: Marina Moreira tradicionalmente
nas de famílias na fazenda Bordolân-          gunda em junho de 2007 e a terceira                civil público para                                                      por comunidades
dia, nos municípios de Bom Jesus              em setembro do mesmo ano. Em                       apurar a situação                                                       remanescentes de
do Araguaia e Serra Nova Dourada,             2009, o Judiciário concedeu ao pro-                das políticas pú-                                                       quilombo, só foram
nordeste do estado. O imóvel, de mais         prietário a prorrogação do prazo para              blicas destinadas à                                                     expedidos 105 títu-
de 50 mil hectares, está localizado no        retirada dos bens móveis da fazenda.               garantia do direito                                                     los de propriedade
bioma amazônico e foi desapropriado           O prazo expirou em 21 de janeiro de                à terra das comuni-                                                     em um universo de
por improdutividade. No local, será           2010. Ainda em 2009, no dia 17 de                  dades quilombolas                                                       3 mil comunidades.
criado um Projeto de Desenvolvimen-           junho, dois trabalhadores sem terra                no Brasil. De acor-                                                     Para o GT, esse fato
to Sustentável (PDS), com capacidade          foram assassinados durante manifes-                do com a 6ª CCR,                                                        denota grave viola-
para assentamento de aproximada-              tação que reivindicava o assentamento              não há número de servidores do Incra          ção a direitos fundamentais positiva-
mente 560 famílias de trabalhadores           na área.                                           suficientes para atender a elaboração         dos na Constituição Federal e em tra-
                                                                                                 dos 710 relatórios técnicos de identi-        tados internacionais de que o Brasil é
 Biocombustível contribui com o desmatamento                                                     ficação e delimitação, estabelecido na        parte.
                                    Foto: Fian Bélgica
                                                             Em reportagem publica-              Afetados pela Vale realizam encontro mundial no RJ
                                                         da pela Folha de São Paulo, o               Representantes sociais e sindicais do     Vale. Entre os pontos de pauta estão a
                                                         ecólogo paulista David Lapo-            Canadá, Chile, Argentina, Guatemala,          saúde, a violação de direitos, demissões
                                                         la, da Universidade de Kassel           Peru e Moçambique realizam de 12 a 15         arbitrárias e danos ao meio ambiente, já
                                                         (Alemanha) alerta que o au-             de abril, no Rio de Janeiro, o I Encontro     que a mineração promovida pela Vale
                                                         mento da produção de bio-               de Populações, Comunidades, Trabalha-         é uma atividade que fomenta impactos
                                                         combustíveis cria uma ten-              dores e Trabalhadoras afetados pela polí-     ambientais e sociais nas comunidades
                                                         dência de mudanças no uso               tica agressiva e predatória da companhia      onde os projetos são instalados.
                                                         da terra, em que plantações de
                                                         cana-de-açúcar e soja tomam
                                                         o lugar das pastagens. Segun-                Zilda Arns deixa legado de luta e esperança
                                                         do ele, se o Brasil cumprir sua             A doutora Zilda Arns, vítima do trá-      ária na defesa e na construção da vida.
                                                         meta para 2020 de aumentar              gico terremoto que devastou a capital do      Em rincões longínquos do Brasil, CPT e
                                                         em 35 bilhões de litros a pro-          Haiti em janeiro último foi uma batalha-      Pastoral da Criança andam de mãos da-
                                                         dução de álcool e em 4 bilhões          dora pela vida. Milhares e milhares de        das em ações complementares que bus-
                                                         de litros a de biodiesel de soja,       crianças sobreviveram e tiveram um de-        cam a defesa dos direitos fundamentais
                                                         essas duas culturas empurra-            senvolvimento saudável graças às inter-       da pessoa humana e a construção de sua
                                                         riam as pastagens para cer-             venções da Pastoral da Criança. As cen-       dignidade. Em Nota, a CPT Nacional re-
                                                         ca de 60 mil km2 de floresta,           tenas de milhares de agentes voluntárias      sumiu o legado da doutora Arns, “ela é
                                                         desmatando uma área maior               da Pastoral encontraram em dona Zilda         uma das figuras humanas que dignifica a
                                                         do que a Paraíba.                       um estímulo permanente nesta luta di-         história recente do Brasil”.


     Pequenos Agricultores debatem soberania                                                         Lula recebe MAB para discutir reivindicações
         alimentar em Encontro Nacional
     O III Encontro Nacional do Mo-            necessidade urgente de se pensar uma                 Em 04 de fevereiro desse ano, o Mo-        indenizações e implantação de projetos de
vimento dos Pequenos Agricultores              nova proposta de produção para o                  vimento de Atingidos por Barragens            desenvolvimento regional que visem a so-
(MPA) cujo tema é “Plano Camponês:             campo brasileiro, que priorize a agro-            (MAB) foi, pela primeira vez, recebido por    lução dos problemas sociais e ambientais
Por soberania alimentar e poder po-            ecologia e não o agronegócio. É funda-            um presidente da república, em audiência      criados pela construção de hidrelétricas.
pular” reunirá de 12 a 16 de abril, em         mental garantir um plano que priorize             para discutir sua pauta de reivindicações.    Os representantes do MAB levaram tam-
Vitória da Conquista, na Bahia, mais           a agricultura camponesa como pro-                 Segundo Marco Antônio Trierveiler, da         bém questionamentos sobre os projetos
de 1000 camponeses e camponesas de             posta política não apenas para o cam-             coordenação nacional do MAB, o Movi-          de barragens do Plano Decenal de Expan-
todo o país, a fim de discutir e apro-         po, mas também para a cidade, já que              mento quer do presidente Lula avanços         são de Energia Elétrica do governo, prin-
fundar o plano camponês para o Bra-            70% da comida que chega à mesa dos                em políticas que garantam os direitos bási-   cipalmente os situados na Amazônia, em
sil. O tema a ser debatido traz à tona a       brasileiros vem do pequeno agricultor.            cos dos atingidos, como reassentamentos,      especial o de Belo Monte, no Pará.
PASTORAL DA TERRA                                                                            4                                                              janeiro a março de 2010


                                                                                    ARTIGO



    CONFECOM: desafios e perspectivas para
       uma nova comunicação no Brasil
                                                                                                                                                    CRISTIANE PASSOS E PAULO VICTOR MELO*


       O artigo 5º da Constituição Federal Brasileira afirma, dentre outras coisas, que é livre a manifestação do
                         pensamento e assegurado a todos e todas o direito à informação.

                                                                                                                           Ilustração da Internet




A
        inda é possível encontrar na Car-                                                                                                           minhamento importante da Conferência
        ta Magna um capítulo dedicado                                                                                                               foi a revisão da Lei 9612/98, que regula o
        exclusivamente à Comunicação                                                                                                                setor de radiodifusão comunitária no país.
Social, que fala das atribuições e respon-                                                                                                          A Plenária Final aprovou que a nova lei
sabilidades das emissoras de TV e rádio.                                                                                                            deve contemplar o aumento da potência
No entanto, historicamente, a sociedade                                                                                                             e da área de abrangência, a permissão de
brasileira foi privada do debate sobre                                                                                                              formação de redes de emissoras comuni-
Comunicação e políticas para o setor,                                                                                                               tárias e a criação de um fundo público de
principalmente pela inserção que as mí-                                                                                                             financiamento, além da descriminalização
dias têm na população e pelo poder que                                                                                                              dos comunicadores comunitários.
as informações veiculadas exercem. Para
se ter uma idéia, 90% dos lares brasilei-                                                                                                               Mas, nem tudo foram conquistas para
ros possui, pelo menos, um aparelho te-                                                                                                             a sociedade civil. Algumas das pautas his-
levisor.                                                                                                                                            tóricas não obtiveram aprovação, devido à
                                                                                                                                                    articulação do setor empresarial – que es-
    No ano passado, esse cenário come-                                                                                                              tava representado no mesmo número que
çou a ganhar outra moldura, com a con-                                                                                                              a sociedade civil. A “não aprovação” de al-
vocação da I Conferência Nacional de                                                                                                                gumas propostas – que eventualmente po-
Comunicação (CONFECOM), que teve                                                                                                                    deriam se transformar em projetos de lei
etapas preparatórias em todos os estados                                                                                                            a serem enviados ao Congresso Nacional
da Federação. A realização da I CON-                                                                                                                – revela a verdadeira correlação de forças
FECOM significa a possibilidade real da       nham o único objetivo de censurar os               que grandes empresas são as únicas res-            que prevaleceu durante toda a CONFE-
sociedade civil debater as pautas relativas   meios de comunicação.                              ponsáveis pela comunicação, e que a parti-         COM.
à Comunicação Social – até então um                                                              cipação da população nesse processo se li-
tema tratado por poucos grupos da elite          Ainda assim, cerca de 1600 pessoas              mita à sua posição de espectadora, estática            É certo que ainda há uma longa ca-
brasileira. Desde a convocação, em janei-     – entre representantes da sociedade civil,         e sem participação.                                minhada pela real democratização dos
ro de 2009, até o dia 17 de dezembro –        do setor empresarial e do poder público,                                                              meios de comunicação no nosso país. De
último dia de plenárias em Brasília – as      além de profissionais do ramo – se fize-               Outro ganho significativo foi a aprova-        qualquer modo, a realização do evento
organizações e entidades da sociedade         ram presentes e debateram a concentra-             ção da criação de um Conselho Nacional             proporcionou, para a sociedade civil, um
civil enfrentaram diversas dificuldades,      ção dos meios de comunicação que temos             de Comunicação Social, que acompanhará             importante espaço para a interação de
principalmente pelas seguidas tentativas      no país, as possibilidades e necessidade de        e pressionará pela implementação das pro-          pautas, com a possibilidade de ações e de
de boicote dos empresários.                   democratização do setor e os novos ru-             postas que foram discutidas no âmbito da           articulações. Agora, cabe às entidades so-
                                              mos para ele.                                      Conferência e apontará para um novo mar-           ciais ampliar o debate para toda a popula-
    Primeiro, as associações das gran-                                                           co regulatório para as comunicações. Da            ção, denunciando os ataques e a crimina-
des emissoras de TV e jornais impressos                                                          mesma forma, foi aprovada outra propos-            lização que organizações e movimentos
(ABERT – Associação Brasileira de Rá-            Propostas e debates                             ta bastante avançada no que diz respeito à         sociais, além dos próprios trabalhadores e
dio e TV e ANJ – Associação Nacional                                                             implementação, por parte dos estados e do          trabalhadoras, sofrem diariamente, e bus-
de Jornais) se retiraram do processo.             A realização da Conferência, de fato,          Governo Federal (Ministério das Comu-              car a construção de um sistema popular de
Depois, numa clara tentativa de deslegi-      significou um grande avanço no que diz             nicações), de uma política de apoio a pro-         comunicação, em sintonia com as demais
timar a Conferência, durante os dias da       respeito à comunicação no Brasil, pois             gramas e projetos de formação, produção,           necessidades do povo brasileiro.
etapa nacional, diversos editoriais foram     trouxe à tona a necessidade de se discutir o       difusão e distribuição em comunicação e
                                              tema com a participação de todos e todas,                                                                       * Setor de Comunicação da Secretaria
lançados ao público, através de redes de                                                         direitos humanos desenvolvidos por orga-              Nacional da CPT. Assessor de comunicação da
televisão e grandes jornais, afirmando        entendendo-a como um direito humano.               nizações não-governamentais e movimen-                     CPT Juazeiro. Ambos participaram como
que os presentes na CONFECOM ti-              Um grande passo foi a quebra do tabu de            tos sociais de direitos humanos. Um enca-                              delegados da I CONFECOM.
PASTORAL DA TERRA                                                                    5                                                  janeiro a março de 2010


                                                                  REFLEXÕES BÍBLICAS




                           Uma memória de exploração
                                                                                                                                                ALESSANDRO GALLAzzI*

  A partir desta edição, o Pastoral da Terra publicará uma página com reflexões bíblicas, para aprofundar os
conflitos vividos pelas nossas comunidades, em confronto com situações similares nos tempos da Bíblia. Sandro,
                          da CPT Amapá, é que vai nos acompanhar nesta caminhada.
 Hoje as comunidades vivem um crescente processo de espoliação. Sandro, neste primeiro texto, nos coloca em
contato com a narrativa bíblica de José, que, diante da seca que trouxe fome ao Egito, promove um processo de
        espoliação dos trabalhadores a favor do Estado. Vale a pena acompanhar as reflexões de Sandro.


O
                                                                                                                                                          Ilustração FERAESP
        texto de Gênesis 47,13-26 é        vender sua terra e foram alimenta-
        um texto simbólico. A história     dos pelo Faraó, foram os sacerdotes.
        simbólica ali narrada é todo       Por que? Os sacerdotes praticam o
um processo de empobrecimento do           último roubo: o da cabeça. Inter-
campo. É o resumo de um processo           mediários entre Deus e o povo, eles
de exploração, fundamental para en-        são os que levam os explorados a
tender, depois, quem é nosso Deus.         dizer a José: “Graças a Deus, tu nos
O armazém, que era o lugar de vida         salvaste a vida. Nós seremos escra-
para os camponeses, converte-se no         vos de Faraó.” É o nível máximo da
instrumento da opressão. José tem as       exploração: um escravo é realmente
chaves do armazém e o abre como e          um escravo quando pensa que o me-
quando ele quer e ao preço que quer.       lhor para si é o ser escravo. Já não há
O trigo que está no armazém é vendi-       nenhuma possibilidade de mudan-
do e não dado por José. José não criou     ça no momento em que se chega ao
uma grande fraternidade na distri-         convencimento de que ser escravo é
buição do trigo durante os sete anos       uma graça de Deus. Esse era o papel
das vacas magras. Os trabalhadores         dos sacerdotes.
perderam tudo: o trigo, o gado, as
terras e a liberdade. É importante ter        A fé do povo no Deus mantene-
em conta que isto produzirá a mudan-       dor da vida é facilmente utilizada            é imporante. A leitura da Bíblia não    esse mesmo Deus parece incapaz de
ça da estrutura tribal, à estatal com o    pela cidade. Está fé, nas mãos do             pode ser feita em chave nacionalista,   responder aos novos problemas, aos
surgimento do Estado, não como o           templo e do sacerdote, a serviço do           interpretando que Deus privilegiou      novos desafios postos pela organi-
atual, mas para regular o comércio en-     palácio e do armazém, converte-se             os hebreus e não aos demais povos.      zação do Estado. Enquanto o grupo
tre as diferentes cidades. A cidade é o    no elemento de submissão do pobre.            A chave correta para ler a Bíblia é o   não precisou conviver com a cidade,
instrumento de exploração global de        O pobre continua pobre e continua             conflito campo/cidade. É um confli-     o Deus da árvore, o deus do poço
tudo o que o trabalhador tem.              dizendo “graças a Deus, tu nos sal-           to entre os que produzem e os que       era suficiente para garantir a vida
                                           vaste a vida”. O Deus, mantenedor da          comercializam. Hebreu, em sua ori-      do grupo. Mas quando o grupo en-
   É interessante ver o desenvolvi-        vida, que era o mantenedor do gru-            gem, não era nome indicativo de um      tra em conflito com a cidade que ex-
mento do processo de expropriação.         po da periferia, converte-se no man-          povo ou de uma nação. Hebreu era        propria os produtos do campo, esse
No primeiro ano de carestia, os cam-       tenedor do centro. É usado. Deus é            indicativo de um grupo social: os       mesmo Deus já não é capaz de res-
poneses entregam o dinheiro em troca       expropriado. Deus passa a ser usado           excluídos, os marginalizados. São as    ponder. A este novo sistema corres-
do trigo armazenado. No segundo ano        como o legitimador de um sistema              vítimas do sistema, os que sobrevi-     ponde melhor o Deus On, do Estado
vão entregar as ovelhas e as vacas, ali-   de opressão que é apresentado pelo            vem à margem, assaltando, rouban-       egípcio. Por isso José se casa com
mento do camponês, e os burros e ca-       templo como a graça de Deus ou a              do ou oferecendo seu serviço como       a filha de Poti Fera, sacerdote do
valos, seus instrumentos de produção.      vontade de Deus.                              soldados a um ou outro proprietário     Deus On. O Deus On é uma ideolo-
Por não terem mais nada, no terceiro                                                     de terra.                               gia muito mais capaz de legitimar o
ano, os camponeses são obrigados a            Esta página é simbólica, é o re-                                                   sistema, melhor que o Deus de um
entregar a terra e a vida (sinônimos       sumo da história. E não foram ex-                 Este conflito não é só econô-       nômade, de um pastor, de pequeno
para o camponês). Por fim, o Faraó vai     plorados só os israelitas, também             mico, mas ideológico e teológico.       agricultor, que não sabe como en-
expropriar a consciência e a liberdade.    os egípcios perderam tudo. Alguns             Neste conflito, o Deus de Abraão, o     frentar o conflito.
                                           egípcios, que estavam na cidade,              Deus de Isaac, o Deus popular que
  Neste contexto se diz, duas vezes,       exploravam os hebreus e os outros             foi capaz de responder às exigências
                                                                                                                                                  * Agente da CPT Amapá.
que os únicos que não tiveram que          egípcios que estavam no campo. Isto           do grupo quando vivia na periferia,
PASTORAL DA TERRA                                                                           6                                                        janeiro a março de 2010


                                                                                   ARTIGO


       A reforma agrária e o Plano Nacional de
                 Direitos Humanos                                                                                                                        JOSÉ BATISTA AFONSO*



                                                                                                                                                                             Foto: João Ripper




A
       pós a publicação oficial do 3º Pla-    das formas de violação de direitos dos
       no Nacional de Direitos Humanos,       camponeses no Brasil. De acordo com
       militares, latifundiários e donos de   os dados divulgados pela Comissão Pas-
empresas de comunicação levantaram-se         toral da Terra (CPT), na última década,
contra alguns pontos constantes do Pla-       ocorreram no Brasil 5.335 conflitos no
no, dentre eles, o que pontua a necessi-      campo e 352 trabalhadores rurais foram
dade da reforma agrária e a realização de     assassinados. Registrou-se também, no
audiência pública antes da concessão das      mesmo período, a escravização de 63.757
liminares nas ações de reintegração de        trabalhadores no Brasil, desse total, o Mi-
posse. Mais do que expressar o reaciona-      nistério do Trabalho conseguiu libertar
rismo desses setores em relação à política    apenas 38.003.
de direitos humanos, a reação em relação
a esses pontos tem como objetivo atingir          Se por um lado a violência no campo
a organização dos movimentos sociais          assusta, a impunidade choca muito mais.
que atuam no campo, e a combalida Re-         No Pará, onde se concentra praticamen-
forma Agrária. Essa ofensiva conserva-        te 2/3 dos assassinatos no campo, 62%
dora nos interpela a refletirmos sobre a      sequer são investigados. Um exemplo
situação dos direitos humanos no campo        de impunidade é o Massacre de Eldora-
brasileiro na atualidade.                     do de Carajás. Passados 14 anos, os dois
                                              únicos comandantes condenados conti-              do Congresso projetos que tem como           de produtividade para as grandes pro-
    O Brasil é considerado um dos paí-        nuam livres, beneficiados pelos intermi-          objetivo aumentar o controle e a concen-     priedades; não potencializou a desapro-
ses que mais avançou na codificação de        náveis recursos nos tribunais superiores.         tração da terra, se apropriando das rique-   priação por descumprimento da função
normas relativas aos Direitos Humanos.        Como o Estado brasileiro tem se negado            zas do solo e subsolo. Entre as principais   social da propriedade conforme prevê a
Além da legislação constitucional e in-       a garantir o direito à terra àqueles que o        medidas já aprovadas ou em processo de       Constituição; não priorizou a aprovação
fraconstitucional, o país é signatário dos    reclamam, a estratégia dos trabalhado-            aprovação estão: a MP 458, convertida na     da Proposta de Emenda Constitucional
principais pactos e convenções interna-       res tem sido a ocupação de imóveis que            Lei 11.952/09 que permite a legalização      (PEC) 438 que autoriza o confisco das
cionais que versam sobre o assunto. No        não cumprem a função social e exigir a            das terras griladas na Amazônia; os Pro-     propriedades onde for flagrado crime de
entanto, a sociedade brasileira, princi-      demarcação de terras indígenas, de qui-           jetos de Lei que visam: reduzir a reserva    trabalho escravo; não avançou na demar-
palmente os camponeses, não tem muito         lombolas, de ribeirinhos, áreas de pro-           legal na Amazônia de 80 para 50%; per-       cação e homologação de terras indígenas
que comemorar. Saímos de uma situação         teção ambiental, reservas extrativistas           mitir o reflorestamento, na Amazônia,        e de territórios quilombolas; não viabi-
de violações sistemáticas e generalizadas     etc, como forma legítima de defesa de             com espécies exóticas; regulamentar o        lizou a agricultura familiar/camponesa
dos direitos humanos dirigidas direta-        seus territórios e de pressão, para forçar        art. 231 da Constituição permitindo a ex-    como alternativa de produção de alimen-
mente pelo Estado, durante o regime           o governo a cumprir o que determina a             ploração minerária em terras indígenas       tos para o país etc.
militar, e entramos numa situação mais        Constituição Federal. Esse processo tem           etc.
recente de violação dos direitos, em con-     provocado uma reação violenta de velhos                                                            Mesmo que o conteúdo do PNDH-3
sequência da ofensiva de várias frentes       e de novos atores que concentram terras,             Como o governo aderiu a esse mo-          traga reflexões importantes ao reconhe-
do capital no campo, que promove uma          poder econômico e têm fortes influências          delo econômico e se aliou politicamente      cer que o modelo do agronegócio é um
crescente exclusão social, da mesma for-      sobre os poderes Legislativo, Executivo,          a esses setores, o dinheiro público para     sistema potencialmente responsável por
ma, violenta e desumana.                      Judiciário e o Ministério Público.                o investimento em grandes obras tem          violações de direitos humanos dos pe-
                                                                                                procurado responder aos interesses do        quenos e médios agricultores, comuni-
    Passaram-se os anos, mudaram-se               No atual governo, os setores que co-          agronegócio, em detrimento do direito        dades locais e povos tradicionais, o Pro-
formas de governo, superaram-se os pe-        mandam a expansão das frentes do capi-            dos camponeses. Para garantir os acor-       grama não contém nenhuma proposta
ríodos ditatoriais, mas a concentração da     tal no meio rural e sustentam o atual mo-         dos políticos com esses setores, o gover-    de mudança legislativa ou constitucional
terra nas mãos de poucos continuou qua-       delo de desenvolvimento para o campo,             no trata ainda de engavetar projetos e       que possa alterar as causas geradoras das
se que intocável. Nem as históricas lutas     estão cada vez mais fortalecidos. Além de         políticas de interesse dos camponeses e      violações dos Direitos Humanos no Bra-
dos trabalhadores em defesa da reforma        manter em curso a política de descons-            dos indígenas. Excluiu a reforma agrária     sil e potencializar os direitos dos traba-
agrária conseguiram acabar com o lati-        trução de direitos já conquistados, de            das prioridades de governo; não assu-        lhadores rurais.
fúndio e democratizar o acesso à terra no     perseguição e criminalização dos movi-            miu compromisso com a Campanha do
país. Esse processo tem sido a causa prin-    mentos sociais e das populações campo-            Limite da Propriedade da Terra; engave-          * Advogado da CPT no Pará e integrante da
cipal dos conflitos no campo e das varia-     nesas, estão conseguindo impor na pauta           tou a proposta de mudanças nos índices                                 equipe de Marabá.
PASTORAL DA TERRA                                                                       7                                                   janeiro a março de 2010


                                                                          HOMENAGENS



                       “Libertar para uma vida melhor”                                                                                                        CRISTIANE PASSOS*


    Como parte das comemorações do Ano da França no Brasil, a Embaixada da França em Brasília prestou uma
    homenagem aos frades dominicanos franceses Henri Burin des Roziers, Xavier Plassat e Jean Raguénès, todos
  agentes da CPT, pela sua ação social no Brasil e luta admiráveis contra o trabalho escravo e as violências agrárias


N
                                                                                                                                                       Foto: Cristiane Passos/CPT Nacional
        a noite do dia 14 dezembro, na       “O povo quando busca a
        Embaixada da França em Bra-
        sília, foi realizada a última ati-   terra, busca a libertação”
vidade do ano da França no Brasil. Para
esse momento, a Embaixada da França             Dom Tomás chamou a todos e to-
realizou uma homenagem a três gran-          das a atentar para isso. Segundo ele,
des guerreiros franceses, ou melhor,         desprezar essa perspectiva é pôr sobre
guerreiros do mundo, que entregaram          nossa terra uma função retrógrada
as suas vidas aos trabalhadores e traba-     agroexportadora e é ter raiva da nos-
lhadoras rurais da Amazônia brasileira.      sa pátria. Luzia Canuto, representante
                                             do Comitê Rio Maria e filha de João
   Frei Henri des Roziers, Frei Jean         Canuto, sindicalista assassinado em
Raguénès e Frei Xavier Plassat recebe-       1985, destacou o fato da grilagem de
ram tal homenagem em meio a amigos,          terras dominar muitas regiões do nos-
amigas, companheiros, companheiras,          so país. “Não há diferença nem para o
compatriotas e irmãos e irmãs brasilei-      governo entre terra pública e terra pri-
ros. Representantes de órgãos do go-         vada”, completou ela.                          muito queridos, que passaram pela      “Não é momento de só
verno, militantes, e companheiros de                                                        diocese de Goiás, mas essa era mui-
longa data de luta, como Dom Tomás              Amigos de longa data, Dom Tomás             to pequena para a grandiosidade de-
                                                                                                                                   ficar triste, por isso vou
Balduíno, compuseram uma mesa que            sentiu-se muito a vontade para falar           les. Vejam o tamanho de Henri! Jean              cantar!”
lembrou fatos importantes da vida des-       sobre os três companheiros. Todos              para mim é um herói naquele Tucumã
ses três lutadores, e as consequências       eles passaram pela diocese de Goiás            (PA). Xavier é o articulador do mun-       Xavier Plassat agradeceu a home-
de suas atuações na luta pela defesa dos     enquanto essa era a morada do bispo.           do! Todos eles enriquecem a nossa      nagem e expressou sentir que ela é um
direitos humanos no nosso país.              De acordo com ele, “são os três amigos         luta”.                                 laço forte unindo todos na construção
                                                                                                                                   de um caminho melhor. Frei Henri tam-
    2009: um ano de reconhecimento das lutas de                                              Homenagem a agente                    bém agradeceu e disse ainda que recebê-
                                                                                                                                   la significa agraciar também a CPT, já
               frei Henri des Roziers                                                       da CPT Goiás por sua luta              que sua vida no Brasil mistura-se à sua
                                                                                                                                   história na CPT. Ele lembrou também
    Frei Henri Burin des Roziers, co-        sempre concedido nos anos ímpares a            pelos Direitos Humanos                 que uma homenagem como essa é um
ordenador da CPT de Xinguara foi             pessoas que se destacam por seu tra-              No dia 14 de dezembro, na As-       incentivo a continuar a luta pela ter-
triplamente homenageado em 2009,             balho pela promoção e respeito aos di-         sembleia Legislativa de Goiás, em      ra e em defesa dos direitos humanos.
ao ser escolhido para receber três prê-      reitos humanos. Frei Henri foi também          ocasião das comemorações dos 61        Já Jean, com seu jeito cativante, iniciou
mios em reconhecimento ao seu traba-         agraciado, no dia 11 de dezembro, com          anos da Declaração Universal dos       seus agradecimentos dizendo que não
lho em prol dos direitos humanos no          o Prêmio “José Carlos Castro de Direi-         Direitos Humanos, foram home-          há desenvolvimento se não há direitos
Brasil: o combate ao trabalho escravo,       tos Humanos”, concedido pela Ordem             nageados integrantes da socieda-       humanos e vice-versa. Pois o desenvol-
à violência no campo e pela realização       dos Advogados do Brasil, Seção Pará,           de civil e de instituições públicas    vimento é a libertação das pessoas. Ele
da reforma agrária e justiça no campo.       por ocasião do aniversário da Declara-         que se dedicam na defesa e na          concluiu sua fala dizendo, “a vida não é
Além da homenagem da Embaixada da            ção Universal dos Direitos Humanos,            promoção dos Direitos Humanos          só na defesa, é muito mais na afirmação
França, foi concedido a ele pelo Centro      em reconhecimento à sua luta pelo              no estado de Goiás. Entre os ho-       do povo, na afirmação das pessoas. Não
Alceu Amoroso Lima para a Liberdade          povo do Pará. Frei Henri observa que           menageados estava o integrante         é momento de só ficar triste. Por isso
(CAALL), unidade da Universidade             esse tipo de homenagem serve como              da coordenação da CPT Goiás,           vou cantar!”. E assim, terminou a sole-
Cândido Mendes, em Petrópolis (RJ),          “incentivo muito forte para continuar a        Aderson Gouvêa, pelo seu empe-         nidade com uma bela canção francesa,
no dia 16 de dezembro, o Prêmio “Al-         luta junto com os brasileiros por mui-         nho na luta pela Reforma Agrária       emocionando a todos e todas presentes.
ceu Amoroso Lima Direitos Humano”,           tos anos”.                                     no estado.                               * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional
                                                                                                                                                                           da CPT.
PASTORAL DA TERRA                                                                   8                                                          janeiro a março de 2010


                                                      III CONGRESSO NACIONAL DA CPT



  Montes Claros espera de braços abertos o
             Congresso da CPT                                                                                                                               ANTôNIO CANUTO*


                                                                                                                   Foto: João Zinclar

                                                                                                                                             Os biomas e suas
                                                                                                                                                  tendas

                                                                                                                                        E
                                                                                                                                              m torno de mil pessoas es-
                                                                                                                                              tão sendo esperadas para o III
                                                                                                                                              Congresso, que terá como um
                                                                                                                                        dos seus principais focos, os Biomas.
                                                                                                                                        A centralidade do Congresso vai se
                                                                                                                                        dar em quatro tendas: a do bioma
                                                                                                                                        Amazônico, a do Bioma do Cerrado,
                                                                                                                                        junto com o Pantanal, a do bioma da
                                                                                                                                        Caatinga e a do bioma Mata Atlânti-
                                                                                                                                        ca, junto com o Pampa. Os congres-
                                                                                                                                        sistas serão divididos nestas quatro
                                                                                                                                        tendas para as quais cada regional vai
                                                                                                                                        levar suas experiências. Na apresen-
                                                                                                                                        tação das experiências serão consi-
                                                                                                                                        derados o clamor da natureza e dos


M
          ontes Claros, às margens do     rado e da Caatinga está sendo posto           da lona preta, por novos assentamen-            camponeses, a resistência das comu-
          rio Verde Grande, afluente      ao chão e transformado em carvão              tos. As Comunidades Quilombolas                 nidades na luta contra a destruição e
          do São Francisco, na região     ou pastagens. A expansão dos mono-            de Brejo dos Crioulos e dos Goru-               em defesa da vida, e como a CPT e
Norte de Minas Gerais, cidade com         cultivos e do uso intensivo de maqui-         tubanos conquistaram, com muito                 seus aliados e parceiros tem atuado
uns 400.000 habitantes, vai acolher       naria pesada, de agrotóxicos e fertili-       esforço, o reconhecimento de suas               nesta realidade.
o III Congresso da CPT. Situa-se na       zantes, degradam os solos, contami-           áreas. A resistência se reforça com o
região conhecida como Área Mineira        nam os trabalhadores e destroem o             resgate da cultura camponesa.                       Para ajudar a situar os participan-
do Nordeste. A região compõe o se-        equilíbrio hidrológico, fundamental                                                           tes, no primeiro momento será feita
miárido e é formada pelos ecossiste-      para a sobrevivência das populações.             É neste contexto que Montes Cla-             uma análise da conjuntura atual. O
mas de Cerrado e Caatinga. A região       Nascentes e rios estão secando e mi-          ros está acolhendo o III Congresso da           Pe. Inácio Neutzling, da Universi-
é marcada por carvoarias e pela mo-       lhares de famílias de camponeses es-          CPT. As atividades do Congresso vão             dade do Rio dos Sinos, Unisinos, de
nocultura do eucalipto, com o obje-       tão sendo expulsas da terra.                  se realizar no Colégio São José, dos            São Leopoldo (RS), vai apresentar a
tivo de atender à crescente demanda                                                     Irmãos Maristas, que acolheram com
                                                                                                                                        Conjuntura Política de nosso país. O
por carvão vegetal para o pólo si-           Outro fator que está encurralando          entusiasmo a CPT e ofereceram todas
derúrgico do Estado, e por madeira                                                                                                      Professor Carlos Walter Porto-Gon-
                                          os camponeses geraizeiros na região           as condições para que o Congresso
para as indústrias de papel e celulose.   é a descoberta de jazidas de minério                                                          çalves, da Universidade Federal Flu-
                                                                                        tenha êxito. Também Dom José Al-
As empresas de reflorestamento têm        de ferro na região, maiores do que                                                            minense (UFF), vai apresentar a con-
                                                                                        berto Moura, arcebispo de Montes
destruído o Cerrado e se apropriado       as do Quadrilátero Ferrífero em tor-          Claros, tem se mostrado extrema-                juntura ecológica no Brasil, e o pro-
das terras, antes usadas coletivamen-     no de Belo Horizonte. Esta realidade          mente receptivo. Neste ano a arqui-             fessor Benedito Ferraro, da Pontifícia
te pelas comunidades dos geraizeiros      provoca graves conflitos agrários e           diocese completa 100 anos de exis-              Universidade Católica de Campinas,
em suas estratégias de reprodução e       violência contra lideranças das co-           tência. Eles se colocam, na realidade,          vai falar sobre a conjuntura eclesiás-
que preservavam a agrobiodiversida-       munidades, e membros de entidades             na condição de parceiros, não me-               tica. No confronto entre a realidade
de local.                                 comunitárias e sociais. Mas aí tam-           ros cededores de espaço. O regional             que hoje se vive no Brasil, com as ex-
                                          bém cresce e se fortalece a resistên-         Minas Gerais agarrou a proposta do              periências das comunidades e grupos
   A expansão da monocultura do           cia. Já se contam no Norte de Minas           Congresso com muita vontade e está              acompanhados pela CPT, o Congres-
eucalipto e a criação do gado bovino      74 assentamentos de reforma agrária           empenhado em oferecer uma acolhi-               so vai detectar os grandes desafios de
afetam a forma de vida das comuni-        e 58 acampamentos com cerca de 4,5            da calorosa a todos os delegados e              hoje para a CPT e apontar possíveis
dades da região. O que sobra do Cer-      mil sem-terra que aguardam, debaixo           delegadas da CPT e aos convidados.              indicativos de solução.
PASTORAL DA TERRA                                                               9                                                          janeiro a março de 2010



   A vida camponesa
       celebrada
                                          O Contexto Global em que vai
 O
         III Congresso, antes de
         mais nada, pretende ser
         um grande momento de
                                            acontecer o III Congresso                                                                                            Foto: Marina Moreira
 reabastecimento de energias, e          O III Congresso vai acontecer num          culturas e as filo-
 de fortalecimento da mística que     momento em que o mundo vive gran-             sofias de matriz
 move a CPT. Para isso estão pro-     des crises e passa por grandes mudan-         ocidental – li-
 gramados para todos os dias, mo-     ças. Transcrevemos abaixo a intro-            berais, marxis-
 mentos celebrativos que buscarão     dução do texto “A CPT em época de             tas, positivistas,
 unir a temática discutida, com a     desmontes e reconstruções”, publicado         cristãs -, partem
 Missão da CPT, à luz da Palavra      no Texto-Base de preparação ao Con-           do princípio que
 de Deus. Além disso, três grandes    gresso, escrito por Roberto Malvezzi,         a humanidade
 celebrações estão programadas.       o Gogó, Alessandro Gallazzi e Frei Lu-        está sempre em
 A primeira, na noite do dia 17 de    ciano Bernardi:                               ascensão; que a
 maio, Celebração de Abertura e                                                     Terra, inanima-
 Acolhida. Os camponeses e cam-           “Viver em determinadas épocas é           da, é fonte de
 ponesas, e os e as agentes da CPT,   um privilégio. Se olharmos do ponto           recursos ines-
 vindos de todo o país, serão apre-   de vista das ‘vocações’, numa perspec-        gotáveis e que,
 sentados e acolhidos para o gran-    tiva de fé, é um chamado de Deus. A           de uma forma
 de acontecimento do Congresso.       CPT é um carisma, é uma vocação,              ou de outra, en-
                                      complexa e desafiadora.                       contraremos os                                  téria prima’ e tinham serventia apenas
    Na noite da quarta-feira, dia                                                   caminhos da plenitude e da felicidade.          como suporte para o bem estar huma-
 19 de maio, os congressistas tra-        Nossa época parece ser diferente          Marx falava do ‘paraíso na Terra’.              no, acaba de desabar. A Terra passou a
 rão ao III Congresso, as irmãs e     de todas as anteriores. Antigas ideias                                                        exigir o seu próprio quinhão e entrou
 os irmãos que, na luta em defesa     desmoronaram e novas referências                  Hoje somos obrigados a acei-                em guerra com o vírus humano que a
 da terra e dos direitos do povo do   estão sendo construídas. Ficou mais           tar que o planeta no qual vivemos se            habita. A reação é o aquecimento glo-
 campo, derramaram seu sangue.        difícil e mais contraditório imaginar         comporta como um ser vivo, tem sua              bal. Qual será o futuro da temperatura
 Será a grande Celebração dos         o futuro da Terra e dos povos que a           alteridade em relação ao ser humano,            da Terra e como será a vida humana
 Mártires.                            habitam. Os paradoxos se avolumam:            precisa de sua própria cobertura vege-          em um planeta aquecido? Não há cer-
                                      não é mais possível condenar ou aca-          tal para respirar, de uma determinada           tezas: só é possível construir cenários.
     Por fim, na sexta-feira 21, o    tar em bloco. É necessário o discerni-        média de temperatura para abrigar a             Este é um novo desafio, um novo fator
 Congresso será encerrado com         mento, seja ele o fruto de um bom tra-        atual comunidade da vida, de seu ci-            que deve ser levado em consideração
 uma solene Celebração. Uma           balho filosófico (bonus philosophus           clo de águas, enfim, tem seu próprio            e do qual uma Pastoral da Terra não
 celebração que vai se juntar à       distinguit), seja o dom teológico do          metabolismo, e que o ser humano é               tem como se esquivar.
 comemoração dos 100 anos da          ‘discernimento’ de que fala São Paulo         parte deste metabolismo, como tudo
 arquidiocese de Montes Claros.       (ICor 12,1).                                  que existe. Pensar que temos o con-                 O aquecimento global está mu-
 Será o momento em que serão                                                        trole sobre a Terra é uma ilusão da             dando a temperatura da Terra, está
 apresentados os compromissos            A crise civilizatória está derru-          arrogância humana. Nós dependemos               alterando o ciclo das águas e dos ven-
 assumidos no Congresso, em que       bando velhas referências e vai cons-          da Terra, e das condições que ela nos           tos, está reduzindo as áreas agricul-
 se proclamará a mensagem que a       truindo novas. É difícil saber o que          oferece para viver. Somos parte inte-           táveis, está provocando fenômenos
 CPT vai dirigir à sociedade bra-     subsistirá das conquistas atuais, o que       grante desta imensa vida e temos que            climáticos extremos, cada vez mais
 sileira, e o momento em que os       será superado, o que virá de novo. As         aprender que nosso existir é fruto do           prejudiciais a uma agricultura que
 Congressistas vão ser enviados                                                         Foto: Marina Moreira gigantesco milagre
                                                                                                                                    exige estabilidade climática. Parece
 às suas comunidades e áreas de                                                                              da evolução e da in-   ser inevitável a multiplicação de pra-
 trabalho para continuarem cada                                                                              teração de todos os    gas, de doenças, de perdas de safra,
 vez mais comprometidos com as                                                                               elementos que vêm      de escasseamento dos alimentos e da
 causas dos camponeses e campo-                                                                              acontecendo há bi-     água. Atualmente 1 bilhão de pessoas
 nesas do Brasil.                                                                                            lhões de anos.         está passando fome e 1,2 bilhão está
                                                                                                                                    sofrendo pela sede. Em breve tempo,
    Além disso, no dia 20 de maio,                                                                         A construção de          essas cifras poderão subir em uma ve-
 acontecerá a Noite Cultural.                                                                           uma sociedade in-           locidade vertiginosa. O que já é ruim
                                                                                                        tra-humana, onde a          pode ficar bem pior”.
     O Congresso será uma grande                                                                        Terra e suas riquezas
 festa!!!                                                                                               eram consideradas
                                                                                                                                             * Setor de Comunicação da Secretaria
                                                                                                        somente como ‘ma-                                        Nacional da CPT
PASTORAL DA TERRA                                                                  10                                                           janeiro a março de 2010


                                                                      BIOMA CERRADO



               O Cerrado e o equilíbrio do planeta
                                                                                                                                                                ANTôNIO CANUTO*


     O III Congresso Nacional da CPT vai acontecer em Montes Claros, MG, região onde o Cerrado e a Caatinga
     se encontram. O Cerrado é um bioma pouco conhecido, por isso, nesta página, vamos socializar algumas
   informações sobre o mesmo, apresentadas no 21º Curso de Verão de Goiânia, realizado na primeira semana
  de janeiro de 2010, pelo professor Altair Sales Barbosa, antropólogo e arqueólogo da Universidade Católica de
                        Goiás, um dos maiores conhecedores deste sistema biogeográfico.
                                                                                                                   Foto: João Zinclar

   Biomas ou sistemas                                                                                                                   te uma floresta de cabeça para baixo.
                                                                                                                                        Duas terças partes de diversas espécies
     biogeográficos?                                                                                                                    de árvores são subterrâneas. Algumas
                                                                                                                                        raízes atingem até 30 metros de pro-
    O professor Altair tem trabalhado                                                                                                   fundidade. E algumas espécies esten-
a conceituação de sistemas biogeográ-                                                                                                   dem suas raízes por quilômetros de
ficos ao invés do conceito de biomas.                                                                                                   distância. Este complexo sistema de
Segundo ele, o conceito de bioma se                                                                                                     raízes sobre um solo de arenito é o res-
atém muito à configuração da flora, en-                                                                                                 ponsável pela existência de alguns dos
quanto o sistema biogeográfico é uma                                                                                                    mais importantes aquíferos do mundo,
leitura incorporando o conjunto dos                                                                                                     de onde brotam as nascentes de muitos
elementos como solo, subsolo, clima,                                                                                                    rios das principais bacias brasileiras. É
fauna, flora etc. Dentro desta nova vi-                                                                                                 no Cerrado que nascem o São Francis-
são são sete os sistemas biogeográficos.                                                                                                co e seus afluentes do lado direito. No
O Amazônico, que coincide quase que                                                                                                     Cerrado nascem o Araguaia e o Tocan-
integralmente com o que se define por                                                                                                   tins, o Teles Pires, o Madeira, da bacia
bioma amazônico. Mas, ao norte de                                                                                                       Amazônica. No Cerrado estão as nas-
Roraima aparece o sistema biogeográfi-                                                                                                  centes de rios que formam a bacia Pa-
co Roraimo-guianiense, formado pe-                                                                                                      raná/Prata. A alimentação destes aqüí-
los campos que se situam na fronteira      Lobo Guará no cerrado de Minas Gerais
                                                                                                                                        feros se deve à absorção pelo solo das
entre Roraima, Venezuela e as Guianas.     as de planaltos subtropicais, cobertos      do planeta Terra. Estima-se em 67 mi-            águas das chuvas graças ao sistema de
Com a mesma configuração e limites         por araucárias.                             lhões de anos sua existência. (A idade           raízes desenvolvido.
dos estabelecidos nos biomas estão os                                                  da Floresta Amazônica é calculada em
sistemas biogeográficos da Caatinga,                                                   torno a dois milhões de anos). O Cer-                A vegetação do Cerrado atingiu
no Nordeste e do Pampa, no sul. Já o
                                            Cerrado, a vegetação                       rado tem uma vegetação que se de-                seu ápice, sua plena maturidade. Isso
Cerrado e o Pantanal fazem parte de        mais antiga do planeta                      senvolveu e adaptou perfeitamente ao             significa que é um sistema que, se
um único sistema biogeográfico, sendo                                                  tipo de solos pobres da região e tem             destruído, não se regenera, não se re-
o Pantanal, um subsistema do próprio           O Cerrado pela posição geográfica       sido de fundamental importância para             compõe. Diferente da Mata Atlântica
Cerrado, caracterizado pela área alaga-    que ocupa, pelo caráter de sua fauna e      a recuperação das condições de vida              ou da Floresta Amazônica que ainda
da. Isto porque o tipo de solo e subsolo   flora e pela sua geomorfologia, constitui   no planeta após o grande cataclismo,             estão em processo de formação e que,
do Pantanal e do Cerrado são os mes-       um ponto de equilíbrio entre os dife-       ocorrido a 65 milhões de anos, res-              por isso, facilmente se reconstituem.
mos. As espécies vegetais do Pantanal      rentes sistemas, com os quais se conecta    ponsável pela destruição de inúmeras             Daí ser descabida a afirmação de que a
se encontram em outras áreas alagadas      por corredores hidrográficos. É com-        formas de vida existentes, inclusive a           Floresta Amazônica poderá tornar-se
do Cerrado, a fauna também é igual. O      posto por diversos sub-sistemas intima-     dos dinossauros. Após este cataclisma,           um Cerrado. O Cerrado é fundamen-
clima também é o mesmo. Outra novi-        mente inter-atuantes e inter-dependen-      o Cerrado desempenhou a função de                tal para o equilíbrio da vida do plane-
dade desta nova divisão é em relação       tes, que variam de campos até áreas flo-    sequestrador do dióxido de carbono               ta. A progressiva e rápida destruição
à Mata Atlântica, denominada sistema       restadas (matas, campos, o cerradão, o      da atmosfera que foi se concentrando             que sofre pelo avanço do agronegócio
biogeográfico Tropical Atlântico. Este     cerrado propriamente dito, as veredas,      nas raízes das suas plantas, recriando           já se faz sentir no secamento de diver-
vai desde o Rio Grande do Norte, até o     os ambientes ciliares, as várzeas.)         condições para o desenvolvimento de              sas fontes de água, riachos e córregos
trópico de Capricórnio, ao Sul, esten-                                                 novas formas de vida.                            que anos atrás eram permanentes. E
dendo-se para áreas do oeste paulista e       O que distingue e caracteriza o                                                           esse processo avança rapidamente.
norte do Paraná. E aí se configura um      Cerrado, além dos elementos exter-             O Cerrado também tem uma ca-
novo sistema biogeográfico, o dos Pla-     nos visíveis, é sua história evolutiva.     racterística única em relação às demais           * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional
naltos sul-brasileiros, situado em áre-    O Cerrado é a vegetação mais antiga         formas de vegetação. É praticamen-                                                      da CPT.
PASTORAL DA TERRA                                                                    11                                                   janeiro a março de 2010


                                                                                 MÁRTIRES



              A memória e a resistência presentes
                    nos mártires da luta                                                                                                                        CRISTIANE PASSOS*


  Irmã Dorothy, Sepé Tiaraju, padre Francisco Jentel, Expedito ... a memória de seus martírios mantêm acesa a
 chama da resistência e da continuidade da luta do povo. Durante esse ano de 2010, o Pastoral da Terra trará a
cada edição um pouco da história dos mártires, lembrados no trimestre correspondente a cada edição do jornal.

  2 de janeiro de 1979                             2 de fevereiro de 1991                   e espanholas. Em 2009, foi publicada        No dia 14 de março de 1998, cerca
                                                                                            uma Lei para que seu nome fosse ins-        de quinhentas famílias ocuparam
                     Foto: Arquivo CPT Nacional                                             crito no Livro dos Heróis da Pátria.        a fazenda Goiás II, em Parauape-
                                                     Expedito de Souza. Ainda no go-
                                                                                                                                        bas. No dia 26 de março resolveram
                                                  verno militar, na década de 70, tra-
                                                                                                                                        transferir o acampamento para uma
                                                  balhava em Goiás quando ouviu no
                                                  rádio a promessa de reforma agrária           12 de fevereiro de 2005                 área próxima ao assentamento Cara-
                                                                                                                      Foto: Ary Souza   jás e, durante a mudança, foram em-
                                                  na Amazônia. Várias pessoas se des-
                                                                                                                                        boscados por pistoleiros e policiais
                                                  locaram para o sudeste do Pará. Ex-
                                                                                                                                        militares. O grupo abordou Valen-
                                                  pedito foi, com parte da família, ten-
                                                                                                                                        tin disparando dois tiros contra ele.
                                                  tar a vida lá. Poesia, trabalho e luta
                                                                                                                                        Onalício correu em direção á pista,
                                                  social eram o motor da vida desse
                                                                                                                                        mas também foi atingido. Os pis-
                                                  trabalhador, que chegou a presiden-
                                                                                                                                        toleiros ainda levaram Valentin em
                                                  te do Sindicato de Trabalhadores
                                                                                                                                        um dos veículos em que estavam. O
                                                  Rurais de Rio Maria, substituindo
                                                                                                                                        corpo só foi encontrado, um tempo
                                                  João Canuto, que fora assassinado
                                                                                                                                        depois, à margem de um rio, semi-
                                                  em 1985. Em outubro de 1990, du-
                                                                                                                                        enterrado, e com sinais de espanca-
                                                  rante o Congresso de fundação do              Irmã Dorothy Stang chegou               mento.
                                                  Departamento Nacional de Traba-           ao Brasil em 1966. Foi para o Pará
                                                  lhadores Rurais da CUT, Expedito          em 1974 onde ajudou a estabelecer
                                                  denunciou as ameaças que vinha so-        a CPT na diocese de Marabá. Em               31 de março de 1987
    Padre Francisco Jentel, missioná-             frendo. Foi assassinado em 2 de fe-       1982, foi para Anapu, onde qua-
rio francês, foi um dos precursores da            vereiro de 1991.                          se 90% do município são formados
CPT. Viveu com os índios Tapirapé e                                                         por terras pertencentes à União. Em            Roseli Nunes nasceu em 1954 e
com os posseiros de Santa Terezinha                                                         1999, em uma assembléia dos movi-           teve sua vida encerrada com apenas
(MT). Seu apoio aos posseiros que                  7 de fevereiro de 1756                   mentos, o Incra apresentou um novo          33 anos. Rose, como era conhecida,
sofriam as pressões de uma grande                                                           modelo de reforma agrária: os proje-        nos últimos dias de gravidez, parti-
empresa que se instalou na região foi                 Sepé Tiaraju foi um índio guer-       tos de Desenvolvimento Sustentável          cipou da ocupação da fazenda Ano-
ostensivo, e por causa disso foi ta-              reiro guarani. Nasceu em um dos al-       (PDSs). Denúncias de violência co-          ni, em 1985. Foi a maior ocupação
chado de subversivo. Depois de um                 deamentos jesuíticos dos Sete Povos       metida por fazendeiros e madeirei-          realizada no Rio Grande do Sul. Em
confronto entre a empresa, apoiada                das Missões. Bom combatente e es-         ros contra agricultores eram cons-          31 de março de 1987, durante um
por policiais, e os posseiros, em 3 de            trategista, tornou-se líder das briga-    tantemente feitas por Irmã Dorothy.         protesto contra as altas taxas de ju-
março de 1972, Jentel teve a prisão de-           das indígenas que atuaram contra as       Em 12 de fevereiro de 2005, ela foi         ros e a indefinição do governo em
cretada. Libertado depois de um ano,              tropas luso-brasileira e espanhola na     brutalmente assassinada com seis            relação à política agrária, um cami-
viajou para a França. Ao retornar ao              chamada Guerra Guaranítica. Foi as-       tiros a queima roupa, no PDS Espe-          nhão desgovernado investiu contra
Brasil, em 1975, foi preso e expulso              sassinado em combate contra o exér-       rança, em Anapu.                            uma barreira humana formada na
do país. Morreu na França em 2 de                 cito espanhol na batalha de Caiboaté,                                                 BR-386, em Sarandi, RS. O cami-
janeiro de 1979, sonhando retornar                às margens da Sanga da Bica, na en-                                                   nhão feriu 14 agricultores e matou
ao Brasil. Sua luta não foi em vão. Os            trada da cidade de São Gabriel (RS),          26 de março de 1998                     três: Iari Grosseli; Vitalino Antonio
direitos dos posseiros de Santa Terezi-           durante a invasão das forças inimigas                                                 Mori, e Roseli Nunes, mãe de três fi-
nha foram reconhecidos: 120 famílias              às aldeias dos Sete Povos. Após sua          Onalicio Barros e Valentin Ser-          lhos.
receberam, cada uma, 100 hectares de              morte outros 1.500 guaranis tomba-        ra. Ambos eram dirigentes do MST             * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional
terra.                                            ram diante das armas luso-brasileiras     na região de Parauapebas, no Pará.                                                 da CPT.
PASTORAL DA TERRA                                                                    12                                                          janeiro a março de 2010




                                        Brigada da Via Campesina leva
                                        conhecimento e esperança aos
                                            camponeses haitianos                                                                                                  CRISTIANE PASSOS*
                                                                                                                                                           Foto: Natália Paulino/Via Campesina




D
        esde janeiro de 2009, quatro mili-   PAULO ALMEIDA - Nós chegamos                 presença e como a população haitiana          que vamos fazer agora, pós-terremoto,
        tantes do Movimento dos Traba-       ao Haiti com a proposta/tarefa de co-        lidava com isso?                              é reforçar a Brigada com mais gente (40
        lhadores Rurais Sem Terra (MST)      nhecer o país, geográfica e politica-        PAULO - Os haitianos são resistente à         a mais) e acelerar as frentes de captação
e do Movimento dos Pequenos Agriculto-       mente, e o seu funcionamento. Entre os       presença das tropas da ONU. Eles não          de água e produção de alimentos.
res (MPA) trabalham no Haiti, compondo       aprendizados iniciais estava aprender o      falam diretamente para gente, por ser-
a Brigada Dessalines, da Via Campesina       Kreyol, idioma falado pelos haitianos.       mos brasileiros. Mas quando instigáva-        PASTORAL DA TERRA: De que for-
Brasil. Em janeiro desse ano, eles passa-    Precisávamos, também, saber como o           mos o assunto, após conhecerem nossa          ma, no seu entendimento, a organização
vam alguns dias em suas cidades no Brasil,   país funcionava, como as organizações        posição, eles falavam e podíamos perce-       dos camponeses e camponesas haitianos
junto às famílias, quando ocorreu o ter-     camponesas se organizavam, a dinâmica        ber que no meio popular há grande re-         e a valorização do campo e da sua pro-
remoto na ilha centro-americana. Agora,      e os métodos de trabalho. Esse período       jeição aos militares. Todos sabem que os      dução, podem contribuir na recupera-
irão retornar aos seus trabalhos, com mais   inicial nós chamamos de diagnóstico da       militares nunca vão para ajudar a resol-      ção desse povo e na retomada da auto-
companheiros e companheiras, e com um        realidade. Enquanto íamos conhecen-          ver os verdadeiros problemas que tem          nomia do seu país?
aparato maior, para continuarem a con-       do tudo isso, também íamos propondo          o Haiti, (escolas, hospitais, estradas,...)   PAULO - Todo o nosso trabalho é vol-
tribuir na organização dos camponeses e      possíveis projetos a serem desenvol-         é uma ocupação militar, mesmo legiti-         tado para a soberania alimentar dos
camponesas desse país.                       vidos entre a Via Campesina Haiti e a        mada pela ONU, mas é militar e usam a         camponeses haitianos. Preservamos
                                             Brasil. Os camponeses haitianos são          força sempre quando acham necessário          também a autonomia do Movimento
    Paulo Almeida, do MST do Rio             a maioria da população (em torno de          para qualquer coisa, manifestação, mar-       Social do Haiti. Os camponeses podem
Grande do Sul, é um dos militantes que       65%), e, também, são os mais pobres          chas etc.                                     e devem ajudar na reconstrução do país
atuam no Haiti desde 2009. Em entre-         do país. Quase não há escolas públicas                                                     de forma mais direta, já que são a maio-
vista ao Pastoral da Terra, ele conta um     no interior, as escolas que existem são      PASTORAL DA TERRA: O que a Via                ria dos habitantes. Isso quer dizer, o es-
pouco das ações da Brigada Dessalines        privadas e possuem péssima estrutura.        Campesina e a Brigada esperam encon-          tado haitiano precisa ouvir os campone-
e quais serão as tarefas e os desafios que   No campo, 70% das pessoas nunca fre-         trar agora, após esse terremoto, e de que     ses. Eles são importantes na produção
eles encontrarão nesse novo Haiti que se     quentaram a escola. A produção de ali-       forma vocês estão planejando suas ações       de alimentos para o seu povo. Mas não
configura após o terremoto, sobretudo        mentos se baseia na agricultura familiar.    para contribuir com o povo haitiano?          é só isso. Os camponeses são a maior
quando se configura uma nova domina-         As terras são muito escassas. Pequenas       PAULO - Os demais companheiros,               força do País e precisam ser ouvidos.
ção sobre o país que conquistou a glória     parcelas apenas, e em muitos casos é         com os quais já trabalhava, já retorna-       Agora puderam mostrar que são soli-
de se tornar a primeira república negra e    necessário pagar arrendo aos adminis-        ram ao Haiti. Nosso trabalho lá é direto      dários com os que perderam suas casas,
livre das Américas.                          tradores. Produz muita fruta, legumes e      com os camponeses. O campo acolheu            familiares e seus trabalhos. Talvez o país
                                             verduras, quando é época de chuva. Essa      muitas pessoas após o terremoto, sem          deva passar por um amplo processo de
PASTORAL DA TERRA: Paulo, como               produção é vendida nos “maches”, feiras      ter condições de receber tanta gente.         reforma agrária, para que essas pessoas
você conheceu o país antes do terremo-       livres espalhadas por todo o país.           A situação no interior, que já era gra-       possam ter terra e trabalho, pois a situ-
to? Nós gostaríamos de saber como era                                                     ve, se agravou mais ainda. Tínhamos           ação na capital vai levar ainda muitos
a situação real dos camponeses e cam-        PASTORAL DA TERRA: Você deve ter             quatro frentes de trabalho: captação de       anos para se resolver.
ponesas haitianos, a produção, organi-       tido a oportunidade de acompanhar a          água da chuva; produção de sementes
zação deles e sua vivência com a terra e     presença da ONU e das forças armadas         de legumes; reflorestamento de ávores           * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional
com a produção de alimentos?                 estrangeiras no Haiti. Como se dava essa     frutíferas e escola de agroecologia. O                                                da CPT.
PASTORAL DA TERRA                                                                  13                                                       janeiro a março de 2010


                                                                          BELO MONTE


     Obra polêmica pode “afogar”
comunidades, povos e culturas tradicionais                                                                                                                  CRISTIANE PASSOS*

                                                                                                                                                             Foto: Marcelo Salazar (ISA)




E
       nvolto em polêmicas, o projeto da    janeiro, Dom Erwin mostrou sua preo-
       Usina Hidrelétrica de Belo Monte     cupação com os atingidos pela obra da
       traz consigo um histórico nefasto    Usina, “Altamira tem hoje 100 mil ha-
de desrespeito aos povos do Xingu, aos      bitantes. Um terço da cidade vai para o
estudiosos e ambientalistas, e aos luta-    fundo do lago da usina. O que vai ser
dores que protegem e zelam pela con-        desse povo? Dizem que eles serão reas-
servação desse pequeno santuário na-        sentados, mas onde? Ninguém sabe!”.
tural do nosso país. A Usina é o maior      E ainda completou, “Estou convicto de
projeto do Programa de Aceleração do        que essa hidrelétrica como foi planejada
Crescimento (PAC), do governo federal.      não será um bem para a própria nação.
Empreiteiras e políticos estão sedentos     Eu não sou contra por ser contra, mas
pela sua construção. O ministro de Mi-      nós temos todos os estudos, nós temos
nas e Energia, Edison Lobão, já deixou      o pessoal de universidade que advertiu”.
claro por diversas vezes que as decisões
sobre a obra não ficarão à mercê do que
ele chama de “humores dos ambientalis-      A Amazônia defendida
tas”. Esquece ele, porém, que o projeto       por Dorothy sofre
pode sim acabar com o humor de muita
gente, não apenas dos ambientalistas. O          novo golpe
impacto sobre o Xingu e sobre o próprio                                                área inundada e 1006 km2 de área dete-      solo será danificado, a floresta devastada
estado do Pará será devastador. Em con-                                                riorada porque faltará água!                e das águas turvas e mortas emergirão
trapartida, a obra mantém um modelo             Durante as celebrações que mar-                                                    apenas os esqueletos esbranquiçados
retrógrado e faraônico, que custará cer-    caram os cinco anos do assassinato de          Todas as 40 condicionantes que a Li-    das outrora frondosas árvores. É a po-
ca de 20 bilhões de reais, e que manterá    irmã Dorothy Stang, completados no         cença Prévia elenca para serem observa-     lítica do rolo compressor, é a tática do
alto o valor do megawatt-hora pago pela     dia 12 de fevereiro, Dom Erwin, em sua     das pela empresa que sairá vitoriosa no     fato consumado, é o método do autori-
população.                                  homilia, ressaltou que o projeto Belo      leilão, nada mais são que uma confissão     tarismo que não aceita contestação!
    Dom Erwin Kräutler, bispo da prela-     Monte será mais um grande golpe que a      pública do Governo que o projeto, se for
zia do Xingu, uma das vozes que gritam      Amazônia sofrerá. Região essa pela qual    executado, terá consequências desastro-        E Dorothy, no seu túmulo, chora a
contra o projeto, fez vários apelos ao      irmã Dorothy pagou com a vida o seu        sas. Ao exigir um bilhão e meio de re-      desgraça anunciada!
governo federal e ao próprio presidente     “atrevimento” em proteger e defender       ais em projetos para mitigar os efeitos,
Lula. “Todos queremos que o governo         suas riquezas e, principalmente, o seu     o próprio Governo admite de antemão             Mas não deixa de encorajar-nos na
Lula não entre para a história como o       povo amazônida. Confira abaixo parte       que Belo Monte causará um terrível e        luta em favor da vida contra projetos de
governo que exterminou as etnias do         da homilia do bispo do Xingu:              irreversível impacto sobre a Amazônia.      morte. Nosso caminho é aquele traçado
Xingu”, disse ele. Segundo o bispo, o                                                  Onde já se viu tanto esmero para atenu-     pelo Evangelho. Somos enviados por
governo coloca o projeto da Belo Mon-           “Neste ano de 2010, o mês de feve-     ar sequelas antes de iniciar a obra? É a    Jesus para anunciar a Boa Nova aos po-
te como única alternativa para garantir     reiro, em que Irmã Dorothy foi assassi-    prova cabal de que o próprio Governo        bres e denunciar o que se opõe ao Evan-
a segurança energética de nosso país, o     nada, ganha mais uma razão para tor-       sabe que está dando um tiro no escuro.      gelho da Vida, para quebrar as algemas
que não é verdade, há outras alternativas   nar-se histórico. A Amazônia que Doro-     Até esta data, o Ibama nem sequer con-      da opressão e tirania, para defender o lar
que podem ser usadas com muito suces-       thy tanto defendeu e pela qual doou sua    seguiu identificar a abrangência e inten-   que Deus criou para todos nós e as fu-
so em um país tão rico naturalmente, e      vida, recebe mais um golpe, desta vez      sidade dos impactos. Como esse órgão        turas gerações, e proclamar um ano de
com tanta abundância de águas, ventos       de proporções que ainda nem sequer         então pode realmente atestar a viabili-     graça do Senhor (cf. Lc 4,18-19).
e sol o ano inteiro. E, principalmente,     podemos vislumbrar. O Presidente da        dade de Belo Monte?
há diversas alternativas que não causam     República me prometeu pessoalmente a                                                      Amém! Maránathá! Vem Senhor Je-
impactos tão devastadores contra po-        continuação do diálogo sobre o projeto         Lamentavelmente, quem sofrerá os        sus!”
vos indígenas e populações tradicionais,    Belo Monte. No dia primeiro deste mês      trágicos efeitos não serão os tecnocra-
como esse irá causar às comunidades         o Ibama tornou pública a licença prévia    tas em Brasília e políticos míopes, mas
do Xingu. Em entrevista durante reu-        para que o Xingu fosse barrado. 1522       os povos desta região da Amazônia.            * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional
nião em São Paulo, no final do mês de       km2 de destruição à vista: 516 km2 de      O Xingu nunca mais será o mesmo. O                                                  da CPT.
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  • 1. Comissão Pastoral da Terra Janeiro a Março de 2010 Ano 35 – Nº 199 III Congresso Nacional: rumos da CPT em discussão Páginas 8 e 9 Foto: Marina Moreira Foto: João Laet Libertar para uma A memória e a vida melhor: a luta resistência presentes dos agentes da CPT nos mártires da luta Página 7 Página 11
  • 2. PASTORAL DA TERRA 2 janeiro a março de 2010 EDITORIAL Em tempos de crises e abalos Estamos nos aproximando do III Congresso da CPT, no próximo mês de maio, de 17 a 21, e Montes Claros já está de braços abertos para acolher este Aprendendo a construir cisterna de placas: Uma momento tão significativo para a CPT. O III Congresso se realiza num contex- to global em que o mundo vive grandes crises e passa por grandes mudanças. alternativa de captação de água de chuva Como diz um dos textos de preparação: “Viver em determinadas épocas é um privilégio... Nossa época parece ser diferente de todas as anteriores. Antigas ideias A desmoronaram e novas referências estão sendo construídas. Ficou mais difícil e partir de uma primeira nativas de desenvolvimento sus- mais contraditório imaginar o futuro da Terra e dos povos que a habitam. Os pa- radoxos se avolumam: não é mais possível condenar ou acatar em bloco... A crise experiência com constru- tentável, não somente no sentido civilizatória está derrubando velhas referências e vai construindo novas”. ção de cisterna de placas de repassar a técnica, mas de en- Os debates do Congresso vão se realizar em tendas que lembram os biomas em 2006, no Rio Grande do Sul, volver as pessoas no processo só- brasileiros. Os participantes irão levar suas experiências que apresentam o clamor surge a proposta de elaboração cio-político, educativo e cultural, da natureza e dos camponeses, a resistência das comunidades em defesa da vida e a ação da CPT. O Congresso vai ser um grande momento de reabastecimento de conjunta de uma cartilha da CPT, construindo autonomia em face à energias, de fortalecimento da mística que move a CPT. Cáritas Brasileira Regional RS e problemática da água. O Congresso vai se realizar numa região onde o Cerrado e a Caatinga se en- Pastoral Ope- contram, por isso apresentamos a importância do Cerrado, a vegetação mais rária. O obje- antiga do planeta, para o equilíbrio do planeta. E neste clima a experiência de beneficiamento de frutas no semiárido baiano aponta para algumas saídas para a tivo da publi- melhora da qualidade de vida das comunidades. cação é ser um Na contramão de uma vivência harmoniosa com a natureza, surgem os gran- instrumento de des projetos faraônicos do governo federal com recursos do PAC. Um deles é a po- orientação para lêmica obra da Usina de Belo Monte, que pode afogar comunidades, povos e cul- turas tradicionais. Como diz Dom Erwin Kräutler, bispo de Altamira e presidente a construção do CIMI, “as condicionantes que a Licença Prévia elenca para serem observadas de uma cister- pela empresa que sairá vitoriosa no leilão, não mais são que uma confissão pública do governo de que o projeto, se for executado, terá consequências desastrosas.” na de placas com capacida- O mundo todo, no início de 2009, foi sacudido pelo violento terremoto que destruiu boa parte do Haiti. A catástrofe provocou também uma onda de solida- de para 16 mil riedade. Solidariedade que já era praticada por uma Brigada da Via Campesina e litros de água. que está sendo ampliada e reforçada. Em entrevista, Paulo Almeida, desta Briga- da, conversa com nossos leitores. Na cont ra- mão da lógica A partir desta edição, o Pastoral da Terra vai ter duas novas páginas, uma de- dicada a Reflexões Bíblicas, para ajudar nossas comunidades a confrontarem os do capital que conflitos que vivem com situações similares dos tempos bíblicos, e uma página visa privatizar dedicada a manter viva a memória dos mártires. e mercantili- Esta edição ainda registra as Homenagens recebidas por agentes da CPT, ao zar a água, esse findar 2009, e os desafios e as perspectivas para uma nova comunicação no Brasil, a partir da I Conferência Nacional de Comunicação. pequeno livro A última página traz a bela oração feita por Dom Pedro Casaldáliga para o III visa contribuir Congresso da CPT. na discussão e Boa leitura. busca de alter- Presidente Redação APOIO ASSINATURAS Dom Ladislau Biernaski Cristiane Passos eeD Vice-presidente Antônio Canuto Evangelischer Entwicklungsdienst Anual R$ 10,00. Dom Enemésio Lazzaris Hugo Paiva - estagiário Rede de comunicadores da CPT Brot Für Die Welt Pagamento pode ser feito através de É uma publicação da Comissão Pastoral da Terra – ligada à Coordenadores Nacionais Pão para o Mundo Padre Flávio Lazzarin Jornalista responsável depósito no Banco do Brasil, Comissão Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Edmundo Rodrigues Cristiane Passos (Reg. Prof. 002005/GO) Fundação eugen Luther Pastoral da Terra, conta corrente Secretaria Nacional: Rua 19, nº 35, ed. Dom Abel, 1º andar, Lucimere Leão 116.855-X, agência 1610-1. Centro, Goiânia, Goiás. CEP 74030-090. Diagramação / Impressão Isolete Wichinieski MZF Fone: 62 4008-6466. Fax: 62 4008-6405. Gráfica e Editora América Ltda. Padre Hermínio Canova (62) 3253-1307 Missionzentrale der Franziskaner e. V. Informações canuto@cptnacional.org.br www.cptnacional.org.br comunicacao@cptnacional.org.br Padre Dirceu Fumagalli www.graficaeeditoraamerica.com.br
  • 3. PASTORAL DA TERRA 3 janeiro a março de 2010 Incra instala assentamento na MPF apura demarcação de terras quilombolas Bordolândia (MT) O Grupo de Trabalho de Quilom- Agenda Social do Plano Plurianual bos e Populações Tradicionais da 6ª 2007/2011. Desde 1988, ano em que O Incra no Mato Grosso (Incra/ rurais. Essa é quinta vez que o Incra Câmara de Coordenação e Revisão (6ª a constituição passa a prever o direi- MT) iniciou no dia 1º de feve- é imitido na posse da fazenda. A pri- CCR) do Ministério Público Federal to à propriedade das terras ocupadas reiro o assentamento de cente- meira foi em setembro de 2005, a se- instaurou inquérito Foto: Marina Moreira tradicionalmente nas de famílias na fazenda Bordolân- gunda em junho de 2007 e a terceira civil público para por comunidades dia, nos municípios de Bom Jesus em setembro do mesmo ano. Em apurar a situação remanescentes de do Araguaia e Serra Nova Dourada, 2009, o Judiciário concedeu ao pro- das políticas pú- quilombo, só foram nordeste do estado. O imóvel, de mais prietário a prorrogação do prazo para blicas destinadas à expedidos 105 títu- de 50 mil hectares, está localizado no retirada dos bens móveis da fazenda. garantia do direito los de propriedade bioma amazônico e foi desapropriado O prazo expirou em 21 de janeiro de à terra das comuni- em um universo de por improdutividade. No local, será 2010. Ainda em 2009, no dia 17 de dades quilombolas 3 mil comunidades. criado um Projeto de Desenvolvimen- junho, dois trabalhadores sem terra no Brasil. De acor- Para o GT, esse fato to Sustentável (PDS), com capacidade foram assassinados durante manifes- do com a 6ª CCR, denota grave viola- para assentamento de aproximada- tação que reivindicava o assentamento não há número de servidores do Incra ção a direitos fundamentais positiva- mente 560 famílias de trabalhadores na área. suficientes para atender a elaboração dos na Constituição Federal e em tra- dos 710 relatórios técnicos de identi- tados internacionais de que o Brasil é Biocombustível contribui com o desmatamento ficação e delimitação, estabelecido na parte. Foto: Fian Bélgica Em reportagem publica- Afetados pela Vale realizam encontro mundial no RJ da pela Folha de São Paulo, o Representantes sociais e sindicais do Vale. Entre os pontos de pauta estão a ecólogo paulista David Lapo- Canadá, Chile, Argentina, Guatemala, saúde, a violação de direitos, demissões la, da Universidade de Kassel Peru e Moçambique realizam de 12 a 15 arbitrárias e danos ao meio ambiente, já (Alemanha) alerta que o au- de abril, no Rio de Janeiro, o I Encontro que a mineração promovida pela Vale mento da produção de bio- de Populações, Comunidades, Trabalha- é uma atividade que fomenta impactos combustíveis cria uma ten- dores e Trabalhadoras afetados pela polí- ambientais e sociais nas comunidades dência de mudanças no uso tica agressiva e predatória da companhia onde os projetos são instalados. da terra, em que plantações de cana-de-açúcar e soja tomam o lugar das pastagens. Segun- Zilda Arns deixa legado de luta e esperança do ele, se o Brasil cumprir sua A doutora Zilda Arns, vítima do trá- ária na defesa e na construção da vida. meta para 2020 de aumentar gico terremoto que devastou a capital do Em rincões longínquos do Brasil, CPT e em 35 bilhões de litros a pro- Haiti em janeiro último foi uma batalha- Pastoral da Criança andam de mãos da- dução de álcool e em 4 bilhões dora pela vida. Milhares e milhares de das em ações complementares que bus- de litros a de biodiesel de soja, crianças sobreviveram e tiveram um de- cam a defesa dos direitos fundamentais essas duas culturas empurra- senvolvimento saudável graças às inter- da pessoa humana e a construção de sua riam as pastagens para cer- venções da Pastoral da Criança. As cen- dignidade. Em Nota, a CPT Nacional re- ca de 60 mil km2 de floresta, tenas de milhares de agentes voluntárias sumiu o legado da doutora Arns, “ela é desmatando uma área maior da Pastoral encontraram em dona Zilda uma das figuras humanas que dignifica a do que a Paraíba. um estímulo permanente nesta luta di- história recente do Brasil”. Pequenos Agricultores debatem soberania Lula recebe MAB para discutir reivindicações alimentar em Encontro Nacional O III Encontro Nacional do Mo- necessidade urgente de se pensar uma Em 04 de fevereiro desse ano, o Mo- indenizações e implantação de projetos de vimento dos Pequenos Agricultores nova proposta de produção para o vimento de Atingidos por Barragens desenvolvimento regional que visem a so- (MPA) cujo tema é “Plano Camponês: campo brasileiro, que priorize a agro- (MAB) foi, pela primeira vez, recebido por lução dos problemas sociais e ambientais Por soberania alimentar e poder po- ecologia e não o agronegócio. É funda- um presidente da república, em audiência criados pela construção de hidrelétricas. pular” reunirá de 12 a 16 de abril, em mental garantir um plano que priorize para discutir sua pauta de reivindicações. Os representantes do MAB levaram tam- Vitória da Conquista, na Bahia, mais a agricultura camponesa como pro- Segundo Marco Antônio Trierveiler, da bém questionamentos sobre os projetos de 1000 camponeses e camponesas de posta política não apenas para o cam- coordenação nacional do MAB, o Movi- de barragens do Plano Decenal de Expan- todo o país, a fim de discutir e apro- po, mas também para a cidade, já que mento quer do presidente Lula avanços são de Energia Elétrica do governo, prin- fundar o plano camponês para o Bra- 70% da comida que chega à mesa dos em políticas que garantam os direitos bási- cipalmente os situados na Amazônia, em sil. O tema a ser debatido traz à tona a brasileiros vem do pequeno agricultor. cos dos atingidos, como reassentamentos, especial o de Belo Monte, no Pará.
  • 4. PASTORAL DA TERRA 4 janeiro a março de 2010 ARTIGO CONFECOM: desafios e perspectivas para uma nova comunicação no Brasil CRISTIANE PASSOS E PAULO VICTOR MELO* O artigo 5º da Constituição Federal Brasileira afirma, dentre outras coisas, que é livre a manifestação do pensamento e assegurado a todos e todas o direito à informação. Ilustração da Internet A inda é possível encontrar na Car- minhamento importante da Conferência ta Magna um capítulo dedicado foi a revisão da Lei 9612/98, que regula o exclusivamente à Comunicação setor de radiodifusão comunitária no país. Social, que fala das atribuições e respon- A Plenária Final aprovou que a nova lei sabilidades das emissoras de TV e rádio. deve contemplar o aumento da potência No entanto, historicamente, a sociedade e da área de abrangência, a permissão de brasileira foi privada do debate sobre formação de redes de emissoras comuni- Comunicação e políticas para o setor, tárias e a criação de um fundo público de principalmente pela inserção que as mí- financiamento, além da descriminalização dias têm na população e pelo poder que dos comunicadores comunitários. as informações veiculadas exercem. Para se ter uma idéia, 90% dos lares brasilei- Mas, nem tudo foram conquistas para ros possui, pelo menos, um aparelho te- a sociedade civil. Algumas das pautas his- levisor. tóricas não obtiveram aprovação, devido à articulação do setor empresarial – que es- No ano passado, esse cenário come- tava representado no mesmo número que çou a ganhar outra moldura, com a con- a sociedade civil. A “não aprovação” de al- vocação da I Conferência Nacional de gumas propostas – que eventualmente po- Comunicação (CONFECOM), que teve deriam se transformar em projetos de lei etapas preparatórias em todos os estados a serem enviados ao Congresso Nacional da Federação. A realização da I CON- – revela a verdadeira correlação de forças FECOM significa a possibilidade real da nham o único objetivo de censurar os que grandes empresas são as únicas res- que prevaleceu durante toda a CONFE- sociedade civil debater as pautas relativas meios de comunicação. ponsáveis pela comunicação, e que a parti- COM. à Comunicação Social – até então um cipação da população nesse processo se li- tema tratado por poucos grupos da elite Ainda assim, cerca de 1600 pessoas mita à sua posição de espectadora, estática É certo que ainda há uma longa ca- brasileira. Desde a convocação, em janei- – entre representantes da sociedade civil, e sem participação. minhada pela real democratização dos ro de 2009, até o dia 17 de dezembro – do setor empresarial e do poder público, meios de comunicação no nosso país. De último dia de plenárias em Brasília – as além de profissionais do ramo – se fize- Outro ganho significativo foi a aprova- qualquer modo, a realização do evento organizações e entidades da sociedade ram presentes e debateram a concentra- ção da criação de um Conselho Nacional proporcionou, para a sociedade civil, um civil enfrentaram diversas dificuldades, ção dos meios de comunicação que temos de Comunicação Social, que acompanhará importante espaço para a interação de principalmente pelas seguidas tentativas no país, as possibilidades e necessidade de e pressionará pela implementação das pro- pautas, com a possibilidade de ações e de de boicote dos empresários. democratização do setor e os novos ru- postas que foram discutidas no âmbito da articulações. Agora, cabe às entidades so- mos para ele. Conferência e apontará para um novo mar- ciais ampliar o debate para toda a popula- Primeiro, as associações das gran- co regulatório para as comunicações. Da ção, denunciando os ataques e a crimina- des emissoras de TV e jornais impressos mesma forma, foi aprovada outra propos- lização que organizações e movimentos (ABERT – Associação Brasileira de Rá- Propostas e debates ta bastante avançada no que diz respeito à sociais, além dos próprios trabalhadores e dio e TV e ANJ – Associação Nacional implementação, por parte dos estados e do trabalhadoras, sofrem diariamente, e bus- de Jornais) se retiraram do processo. A realização da Conferência, de fato, Governo Federal (Ministério das Comu- car a construção de um sistema popular de Depois, numa clara tentativa de deslegi- significou um grande avanço no que diz nicações), de uma política de apoio a pro- comunicação, em sintonia com as demais timar a Conferência, durante os dias da respeito à comunicação no Brasil, pois gramas e projetos de formação, produção, necessidades do povo brasileiro. etapa nacional, diversos editoriais foram trouxe à tona a necessidade de se discutir o difusão e distribuição em comunicação e tema com a participação de todos e todas, * Setor de Comunicação da Secretaria lançados ao público, através de redes de direitos humanos desenvolvidos por orga- Nacional da CPT. Assessor de comunicação da televisão e grandes jornais, afirmando entendendo-a como um direito humano. nizações não-governamentais e movimen- CPT Juazeiro. Ambos participaram como que os presentes na CONFECOM ti- Um grande passo foi a quebra do tabu de tos sociais de direitos humanos. Um enca- delegados da I CONFECOM.
  • 5. PASTORAL DA TERRA 5 janeiro a março de 2010 REFLEXÕES BÍBLICAS Uma memória de exploração ALESSANDRO GALLAzzI* A partir desta edição, o Pastoral da Terra publicará uma página com reflexões bíblicas, para aprofundar os conflitos vividos pelas nossas comunidades, em confronto com situações similares nos tempos da Bíblia. Sandro, da CPT Amapá, é que vai nos acompanhar nesta caminhada. Hoje as comunidades vivem um crescente processo de espoliação. Sandro, neste primeiro texto, nos coloca em contato com a narrativa bíblica de José, que, diante da seca que trouxe fome ao Egito, promove um processo de espoliação dos trabalhadores a favor do Estado. Vale a pena acompanhar as reflexões de Sandro. O Ilustração FERAESP texto de Gênesis 47,13-26 é vender sua terra e foram alimenta- um texto simbólico. A história dos pelo Faraó, foram os sacerdotes. simbólica ali narrada é todo Por que? Os sacerdotes praticam o um processo de empobrecimento do último roubo: o da cabeça. Inter- campo. É o resumo de um processo mediários entre Deus e o povo, eles de exploração, fundamental para en- são os que levam os explorados a tender, depois, quem é nosso Deus. dizer a José: “Graças a Deus, tu nos O armazém, que era o lugar de vida salvaste a vida. Nós seremos escra- para os camponeses, converte-se no vos de Faraó.” É o nível máximo da instrumento da opressão. José tem as exploração: um escravo é realmente chaves do armazém e o abre como e um escravo quando pensa que o me- quando ele quer e ao preço que quer. lhor para si é o ser escravo. Já não há O trigo que está no armazém é vendi- nenhuma possibilidade de mudan- do e não dado por José. José não criou ça no momento em que se chega ao uma grande fraternidade na distri- convencimento de que ser escravo é buição do trigo durante os sete anos uma graça de Deus. Esse era o papel das vacas magras. Os trabalhadores dos sacerdotes. perderam tudo: o trigo, o gado, as terras e a liberdade. É importante ter A fé do povo no Deus mantene- em conta que isto produzirá a mudan- dor da vida é facilmente utilizada é imporante. A leitura da Bíblia não esse mesmo Deus parece incapaz de ça da estrutura tribal, à estatal com o pela cidade. Está fé, nas mãos do pode ser feita em chave nacionalista, responder aos novos problemas, aos surgimento do Estado, não como o templo e do sacerdote, a serviço do interpretando que Deus privilegiou novos desafios postos pela organi- atual, mas para regular o comércio en- palácio e do armazém, converte-se os hebreus e não aos demais povos. zação do Estado. Enquanto o grupo tre as diferentes cidades. A cidade é o no elemento de submissão do pobre. A chave correta para ler a Bíblia é o não precisou conviver com a cidade, instrumento de exploração global de O pobre continua pobre e continua conflito campo/cidade. É um confli- o Deus da árvore, o deus do poço tudo o que o trabalhador tem. dizendo “graças a Deus, tu nos sal- to entre os que produzem e os que era suficiente para garantir a vida vaste a vida”. O Deus, mantenedor da comercializam. Hebreu, em sua ori- do grupo. Mas quando o grupo en- É interessante ver o desenvolvi- vida, que era o mantenedor do gru- gem, não era nome indicativo de um tra em conflito com a cidade que ex- mento do processo de expropriação. po da periferia, converte-se no man- povo ou de uma nação. Hebreu era propria os produtos do campo, esse No primeiro ano de carestia, os cam- tenedor do centro. É usado. Deus é indicativo de um grupo social: os mesmo Deus já não é capaz de res- poneses entregam o dinheiro em troca expropriado. Deus passa a ser usado excluídos, os marginalizados. São as ponder. A este novo sistema corres- do trigo armazenado. No segundo ano como o legitimador de um sistema vítimas do sistema, os que sobrevi- ponde melhor o Deus On, do Estado vão entregar as ovelhas e as vacas, ali- de opressão que é apresentado pelo vem à margem, assaltando, rouban- egípcio. Por isso José se casa com mento do camponês, e os burros e ca- templo como a graça de Deus ou a do ou oferecendo seu serviço como a filha de Poti Fera, sacerdote do valos, seus instrumentos de produção. vontade de Deus. soldados a um ou outro proprietário Deus On. O Deus On é uma ideolo- Por não terem mais nada, no terceiro de terra. gia muito mais capaz de legitimar o ano, os camponeses são obrigados a Esta página é simbólica, é o re- sistema, melhor que o Deus de um entregar a terra e a vida (sinônimos sumo da história. E não foram ex- Este conflito não é só econô- nômade, de um pastor, de pequeno para o camponês). Por fim, o Faraó vai plorados só os israelitas, também mico, mas ideológico e teológico. agricultor, que não sabe como en- expropriar a consciência e a liberdade. os egípcios perderam tudo. Alguns Neste conflito, o Deus de Abraão, o frentar o conflito. egípcios, que estavam na cidade, Deus de Isaac, o Deus popular que Neste contexto se diz, duas vezes, exploravam os hebreus e os outros foi capaz de responder às exigências * Agente da CPT Amapá. que os únicos que não tiveram que egípcios que estavam no campo. Isto do grupo quando vivia na periferia,
  • 6. PASTORAL DA TERRA 6 janeiro a março de 2010 ARTIGO A reforma agrária e o Plano Nacional de Direitos Humanos JOSÉ BATISTA AFONSO* Foto: João Ripper A pós a publicação oficial do 3º Pla- das formas de violação de direitos dos no Nacional de Direitos Humanos, camponeses no Brasil. De acordo com militares, latifundiários e donos de os dados divulgados pela Comissão Pas- empresas de comunicação levantaram-se toral da Terra (CPT), na última década, contra alguns pontos constantes do Pla- ocorreram no Brasil 5.335 conflitos no no, dentre eles, o que pontua a necessi- campo e 352 trabalhadores rurais foram dade da reforma agrária e a realização de assassinados. Registrou-se também, no audiência pública antes da concessão das mesmo período, a escravização de 63.757 liminares nas ações de reintegração de trabalhadores no Brasil, desse total, o Mi- posse. Mais do que expressar o reaciona- nistério do Trabalho conseguiu libertar rismo desses setores em relação à política apenas 38.003. de direitos humanos, a reação em relação a esses pontos tem como objetivo atingir Se por um lado a violência no campo a organização dos movimentos sociais assusta, a impunidade choca muito mais. que atuam no campo, e a combalida Re- No Pará, onde se concentra praticamen- forma Agrária. Essa ofensiva conserva- te 2/3 dos assassinatos no campo, 62% dora nos interpela a refletirmos sobre a sequer são investigados. Um exemplo situação dos direitos humanos no campo de impunidade é o Massacre de Eldora- brasileiro na atualidade. do de Carajás. Passados 14 anos, os dois únicos comandantes condenados conti- do Congresso projetos que tem como de produtividade para as grandes pro- O Brasil é considerado um dos paí- nuam livres, beneficiados pelos intermi- objetivo aumentar o controle e a concen- priedades; não potencializou a desapro- ses que mais avançou na codificação de náveis recursos nos tribunais superiores. tração da terra, se apropriando das rique- priação por descumprimento da função normas relativas aos Direitos Humanos. Como o Estado brasileiro tem se negado zas do solo e subsolo. Entre as principais social da propriedade conforme prevê a Além da legislação constitucional e in- a garantir o direito à terra àqueles que o medidas já aprovadas ou em processo de Constituição; não priorizou a aprovação fraconstitucional, o país é signatário dos reclamam, a estratégia dos trabalhado- aprovação estão: a MP 458, convertida na da Proposta de Emenda Constitucional principais pactos e convenções interna- res tem sido a ocupação de imóveis que Lei 11.952/09 que permite a legalização (PEC) 438 que autoriza o confisco das cionais que versam sobre o assunto. No não cumprem a função social e exigir a das terras griladas na Amazônia; os Pro- propriedades onde for flagrado crime de entanto, a sociedade brasileira, princi- demarcação de terras indígenas, de qui- jetos de Lei que visam: reduzir a reserva trabalho escravo; não avançou na demar- palmente os camponeses, não tem muito lombolas, de ribeirinhos, áreas de pro- legal na Amazônia de 80 para 50%; per- cação e homologação de terras indígenas que comemorar. Saímos de uma situação teção ambiental, reservas extrativistas mitir o reflorestamento, na Amazônia, e de territórios quilombolas; não viabi- de violações sistemáticas e generalizadas etc, como forma legítima de defesa de com espécies exóticas; regulamentar o lizou a agricultura familiar/camponesa dos direitos humanos dirigidas direta- seus territórios e de pressão, para forçar art. 231 da Constituição permitindo a ex- como alternativa de produção de alimen- mente pelo Estado, durante o regime o governo a cumprir o que determina a ploração minerária em terras indígenas tos para o país etc. militar, e entramos numa situação mais Constituição Federal. Esse processo tem etc. recente de violação dos direitos, em con- provocado uma reação violenta de velhos Mesmo que o conteúdo do PNDH-3 sequência da ofensiva de várias frentes e de novos atores que concentram terras, Como o governo aderiu a esse mo- traga reflexões importantes ao reconhe- do capital no campo, que promove uma poder econômico e têm fortes influências delo econômico e se aliou politicamente cer que o modelo do agronegócio é um crescente exclusão social, da mesma for- sobre os poderes Legislativo, Executivo, a esses setores, o dinheiro público para sistema potencialmente responsável por ma, violenta e desumana. Judiciário e o Ministério Público. o investimento em grandes obras tem violações de direitos humanos dos pe- procurado responder aos interesses do quenos e médios agricultores, comuni- Passaram-se os anos, mudaram-se No atual governo, os setores que co- agronegócio, em detrimento do direito dades locais e povos tradicionais, o Pro- formas de governo, superaram-se os pe- mandam a expansão das frentes do capi- dos camponeses. Para garantir os acor- grama não contém nenhuma proposta ríodos ditatoriais, mas a concentração da tal no meio rural e sustentam o atual mo- dos políticos com esses setores, o gover- de mudança legislativa ou constitucional terra nas mãos de poucos continuou qua- delo de desenvolvimento para o campo, no trata ainda de engavetar projetos e que possa alterar as causas geradoras das se que intocável. Nem as históricas lutas estão cada vez mais fortalecidos. Além de políticas de interesse dos camponeses e violações dos Direitos Humanos no Bra- dos trabalhadores em defesa da reforma manter em curso a política de descons- dos indígenas. Excluiu a reforma agrária sil e potencializar os direitos dos traba- agrária conseguiram acabar com o lati- trução de direitos já conquistados, de das prioridades de governo; não assu- lhadores rurais. fúndio e democratizar o acesso à terra no perseguição e criminalização dos movi- miu compromisso com a Campanha do país. Esse processo tem sido a causa prin- mentos sociais e das populações campo- Limite da Propriedade da Terra; engave- * Advogado da CPT no Pará e integrante da cipal dos conflitos no campo e das varia- nesas, estão conseguindo impor na pauta tou a proposta de mudanças nos índices equipe de Marabá.
  • 7. PASTORAL DA TERRA 7 janeiro a março de 2010 HOMENAGENS “Libertar para uma vida melhor” CRISTIANE PASSOS* Como parte das comemorações do Ano da França no Brasil, a Embaixada da França em Brasília prestou uma homenagem aos frades dominicanos franceses Henri Burin des Roziers, Xavier Plassat e Jean Raguénès, todos agentes da CPT, pela sua ação social no Brasil e luta admiráveis contra o trabalho escravo e as violências agrárias N Foto: Cristiane Passos/CPT Nacional a noite do dia 14 dezembro, na “O povo quando busca a Embaixada da França em Bra- sília, foi realizada a última ati- terra, busca a libertação” vidade do ano da França no Brasil. Para esse momento, a Embaixada da França Dom Tomás chamou a todos e to- realizou uma homenagem a três gran- das a atentar para isso. Segundo ele, des guerreiros franceses, ou melhor, desprezar essa perspectiva é pôr sobre guerreiros do mundo, que entregaram nossa terra uma função retrógrada as suas vidas aos trabalhadores e traba- agroexportadora e é ter raiva da nos- lhadoras rurais da Amazônia brasileira. sa pátria. Luzia Canuto, representante do Comitê Rio Maria e filha de João Frei Henri des Roziers, Frei Jean Canuto, sindicalista assassinado em Raguénès e Frei Xavier Plassat recebe- 1985, destacou o fato da grilagem de ram tal homenagem em meio a amigos, terras dominar muitas regiões do nos- amigas, companheiros, companheiras, so país. “Não há diferença nem para o compatriotas e irmãos e irmãs brasilei- governo entre terra pública e terra pri- ros. Representantes de órgãos do go- vada”, completou ela. muito queridos, que passaram pela “Não é momento de só verno, militantes, e companheiros de diocese de Goiás, mas essa era mui- longa data de luta, como Dom Tomás Amigos de longa data, Dom Tomás to pequena para a grandiosidade de- ficar triste, por isso vou Balduíno, compuseram uma mesa que sentiu-se muito a vontade para falar les. Vejam o tamanho de Henri! Jean cantar!” lembrou fatos importantes da vida des- sobre os três companheiros. Todos para mim é um herói naquele Tucumã ses três lutadores, e as consequências eles passaram pela diocese de Goiás (PA). Xavier é o articulador do mun- Xavier Plassat agradeceu a home- de suas atuações na luta pela defesa dos enquanto essa era a morada do bispo. do! Todos eles enriquecem a nossa nagem e expressou sentir que ela é um direitos humanos no nosso país. De acordo com ele, “são os três amigos luta”. laço forte unindo todos na construção de um caminho melhor. Frei Henri tam- 2009: um ano de reconhecimento das lutas de Homenagem a agente bém agradeceu e disse ainda que recebê- la significa agraciar também a CPT, já frei Henri des Roziers da CPT Goiás por sua luta que sua vida no Brasil mistura-se à sua história na CPT. Ele lembrou também Frei Henri Burin des Roziers, co- sempre concedido nos anos ímpares a pelos Direitos Humanos que uma homenagem como essa é um ordenador da CPT de Xinguara foi pessoas que se destacam por seu tra- No dia 14 de dezembro, na As- incentivo a continuar a luta pela ter- triplamente homenageado em 2009, balho pela promoção e respeito aos di- sembleia Legislativa de Goiás, em ra e em defesa dos direitos humanos. ao ser escolhido para receber três prê- reitos humanos. Frei Henri foi também ocasião das comemorações dos 61 Já Jean, com seu jeito cativante, iniciou mios em reconhecimento ao seu traba- agraciado, no dia 11 de dezembro, com anos da Declaração Universal dos seus agradecimentos dizendo que não lho em prol dos direitos humanos no o Prêmio “José Carlos Castro de Direi- Direitos Humanos, foram home- há desenvolvimento se não há direitos Brasil: o combate ao trabalho escravo, tos Humanos”, concedido pela Ordem nageados integrantes da socieda- humanos e vice-versa. Pois o desenvol- à violência no campo e pela realização dos Advogados do Brasil, Seção Pará, de civil e de instituições públicas vimento é a libertação das pessoas. Ele da reforma agrária e justiça no campo. por ocasião do aniversário da Declara- que se dedicam na defesa e na concluiu sua fala dizendo, “a vida não é Além da homenagem da Embaixada da ção Universal dos Direitos Humanos, promoção dos Direitos Humanos só na defesa, é muito mais na afirmação França, foi concedido a ele pelo Centro em reconhecimento à sua luta pelo no estado de Goiás. Entre os ho- do povo, na afirmação das pessoas. Não Alceu Amoroso Lima para a Liberdade povo do Pará. Frei Henri observa que menageados estava o integrante é momento de só ficar triste. Por isso (CAALL), unidade da Universidade esse tipo de homenagem serve como da coordenação da CPT Goiás, vou cantar!”. E assim, terminou a sole- Cândido Mendes, em Petrópolis (RJ), “incentivo muito forte para continuar a Aderson Gouvêa, pelo seu empe- nidade com uma bela canção francesa, no dia 16 de dezembro, o Prêmio “Al- luta junto com os brasileiros por mui- nho na luta pela Reforma Agrária emocionando a todos e todas presentes. ceu Amoroso Lima Direitos Humano”, tos anos”. no estado. * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.
  • 8. PASTORAL DA TERRA 8 janeiro a março de 2010 III CONGRESSO NACIONAL DA CPT Montes Claros espera de braços abertos o Congresso da CPT ANTôNIO CANUTO* Foto: João Zinclar Os biomas e suas tendas E m torno de mil pessoas es- tão sendo esperadas para o III Congresso, que terá como um dos seus principais focos, os Biomas. A centralidade do Congresso vai se dar em quatro tendas: a do bioma Amazônico, a do Bioma do Cerrado, junto com o Pantanal, a do bioma da Caatinga e a do bioma Mata Atlânti- ca, junto com o Pampa. Os congres- sistas serão divididos nestas quatro tendas para as quais cada regional vai levar suas experiências. Na apresen- tação das experiências serão consi- derados o clamor da natureza e dos M ontes Claros, às margens do rado e da Caatinga está sendo posto da lona preta, por novos assentamen- camponeses, a resistência das comu- rio Verde Grande, afluente ao chão e transformado em carvão tos. As Comunidades Quilombolas nidades na luta contra a destruição e do São Francisco, na região ou pastagens. A expansão dos mono- de Brejo dos Crioulos e dos Goru- em defesa da vida, e como a CPT e Norte de Minas Gerais, cidade com cultivos e do uso intensivo de maqui- tubanos conquistaram, com muito seus aliados e parceiros tem atuado uns 400.000 habitantes, vai acolher naria pesada, de agrotóxicos e fertili- esforço, o reconhecimento de suas nesta realidade. o III Congresso da CPT. Situa-se na zantes, degradam os solos, contami- áreas. A resistência se reforça com o região conhecida como Área Mineira nam os trabalhadores e destroem o resgate da cultura camponesa. Para ajudar a situar os participan- do Nordeste. A região compõe o se- equilíbrio hidrológico, fundamental tes, no primeiro momento será feita miárido e é formada pelos ecossiste- para a sobrevivência das populações. É neste contexto que Montes Cla- uma análise da conjuntura atual. O mas de Cerrado e Caatinga. A região Nascentes e rios estão secando e mi- ros está acolhendo o III Congresso da Pe. Inácio Neutzling, da Universi- é marcada por carvoarias e pela mo- lhares de famílias de camponeses es- CPT. As atividades do Congresso vão dade do Rio dos Sinos, Unisinos, de nocultura do eucalipto, com o obje- tão sendo expulsas da terra. se realizar no Colégio São José, dos São Leopoldo (RS), vai apresentar a tivo de atender à crescente demanda Irmãos Maristas, que acolheram com Conjuntura Política de nosso país. O por carvão vegetal para o pólo si- Outro fator que está encurralando entusiasmo a CPT e ofereceram todas derúrgico do Estado, e por madeira Professor Carlos Walter Porto-Gon- os camponeses geraizeiros na região as condições para que o Congresso para as indústrias de papel e celulose. é a descoberta de jazidas de minério çalves, da Universidade Federal Flu- tenha êxito. Também Dom José Al- As empresas de reflorestamento têm de ferro na região, maiores do que minense (UFF), vai apresentar a con- berto Moura, arcebispo de Montes destruído o Cerrado e se apropriado as do Quadrilátero Ferrífero em tor- Claros, tem se mostrado extrema- juntura ecológica no Brasil, e o pro- das terras, antes usadas coletivamen- no de Belo Horizonte. Esta realidade mente receptivo. Neste ano a arqui- fessor Benedito Ferraro, da Pontifícia te pelas comunidades dos geraizeiros provoca graves conflitos agrários e diocese completa 100 anos de exis- Universidade Católica de Campinas, em suas estratégias de reprodução e violência contra lideranças das co- tência. Eles se colocam, na realidade, vai falar sobre a conjuntura eclesiás- que preservavam a agrobiodiversida- munidades, e membros de entidades na condição de parceiros, não me- tica. No confronto entre a realidade de local. comunitárias e sociais. Mas aí tam- ros cededores de espaço. O regional que hoje se vive no Brasil, com as ex- bém cresce e se fortalece a resistên- Minas Gerais agarrou a proposta do periências das comunidades e grupos A expansão da monocultura do cia. Já se contam no Norte de Minas Congresso com muita vontade e está acompanhados pela CPT, o Congres- eucalipto e a criação do gado bovino 74 assentamentos de reforma agrária empenhado em oferecer uma acolhi- so vai detectar os grandes desafios de afetam a forma de vida das comuni- e 58 acampamentos com cerca de 4,5 da calorosa a todos os delegados e hoje para a CPT e apontar possíveis dades da região. O que sobra do Cer- mil sem-terra que aguardam, debaixo delegadas da CPT e aos convidados. indicativos de solução.
  • 9. PASTORAL DA TERRA 9 janeiro a março de 2010 A vida camponesa celebrada O Contexto Global em que vai O III Congresso, antes de mais nada, pretende ser um grande momento de acontecer o III Congresso Foto: Marina Moreira reabastecimento de energias, e O III Congresso vai acontecer num culturas e as filo- de fortalecimento da mística que momento em que o mundo vive gran- sofias de matriz move a CPT. Para isso estão pro- des crises e passa por grandes mudan- ocidental – li- gramados para todos os dias, mo- ças. Transcrevemos abaixo a intro- berais, marxis- mentos celebrativos que buscarão dução do texto “A CPT em época de tas, positivistas, unir a temática discutida, com a desmontes e reconstruções”, publicado cristãs -, partem Missão da CPT, à luz da Palavra no Texto-Base de preparação ao Con- do princípio que de Deus. Além disso, três grandes gresso, escrito por Roberto Malvezzi, a humanidade celebrações estão programadas. o Gogó, Alessandro Gallazzi e Frei Lu- está sempre em A primeira, na noite do dia 17 de ciano Bernardi: ascensão; que a maio, Celebração de Abertura e Terra, inanima- Acolhida. Os camponeses e cam- “Viver em determinadas épocas é da, é fonte de ponesas, e os e as agentes da CPT, um privilégio. Se olharmos do ponto recursos ines- vindos de todo o país, serão apre- de vista das ‘vocações’, numa perspec- gotáveis e que, sentados e acolhidos para o gran- tiva de fé, é um chamado de Deus. A de uma forma de acontecimento do Congresso. CPT é um carisma, é uma vocação, ou de outra, en- complexa e desafiadora. contraremos os téria prima’ e tinham serventia apenas Na noite da quarta-feira, dia caminhos da plenitude e da felicidade. como suporte para o bem estar huma- 19 de maio, os congressistas tra- Nossa época parece ser diferente Marx falava do ‘paraíso na Terra’. no, acaba de desabar. A Terra passou a rão ao III Congresso, as irmãs e de todas as anteriores. Antigas ideias exigir o seu próprio quinhão e entrou os irmãos que, na luta em defesa desmoronaram e novas referências Hoje somos obrigados a acei- em guerra com o vírus humano que a da terra e dos direitos do povo do estão sendo construídas. Ficou mais tar que o planeta no qual vivemos se habita. A reação é o aquecimento glo- campo, derramaram seu sangue. difícil e mais contraditório imaginar comporta como um ser vivo, tem sua bal. Qual será o futuro da temperatura Será a grande Celebração dos o futuro da Terra e dos povos que a alteridade em relação ao ser humano, da Terra e como será a vida humana Mártires. habitam. Os paradoxos se avolumam: precisa de sua própria cobertura vege- em um planeta aquecido? Não há cer- não é mais possível condenar ou aca- tal para respirar, de uma determinada tezas: só é possível construir cenários. Por fim, na sexta-feira 21, o tar em bloco. É necessário o discerni- média de temperatura para abrigar a Este é um novo desafio, um novo fator Congresso será encerrado com mento, seja ele o fruto de um bom tra- atual comunidade da vida, de seu ci- que deve ser levado em consideração uma solene Celebração. Uma balho filosófico (bonus philosophus clo de águas, enfim, tem seu próprio e do qual uma Pastoral da Terra não celebração que vai se juntar à distinguit), seja o dom teológico do metabolismo, e que o ser humano é tem como se esquivar. comemoração dos 100 anos da ‘discernimento’ de que fala São Paulo parte deste metabolismo, como tudo arquidiocese de Montes Claros. (ICor 12,1). que existe. Pensar que temos o con- O aquecimento global está mu- Será o momento em que serão trole sobre a Terra é uma ilusão da dando a temperatura da Terra, está apresentados os compromissos A crise civilizatória está derru- arrogância humana. Nós dependemos alterando o ciclo das águas e dos ven- assumidos no Congresso, em que bando velhas referências e vai cons- da Terra, e das condições que ela nos tos, está reduzindo as áreas agricul- se proclamará a mensagem que a truindo novas. É difícil saber o que oferece para viver. Somos parte inte- táveis, está provocando fenômenos CPT vai dirigir à sociedade bra- subsistirá das conquistas atuais, o que grante desta imensa vida e temos que climáticos extremos, cada vez mais sileira, e o momento em que os será superado, o que virá de novo. As aprender que nosso existir é fruto do prejudiciais a uma agricultura que Congressistas vão ser enviados Foto: Marina Moreira gigantesco milagre exige estabilidade climática. Parece às suas comunidades e áreas de da evolução e da in- ser inevitável a multiplicação de pra- trabalho para continuarem cada teração de todos os gas, de doenças, de perdas de safra, vez mais comprometidos com as elementos que vêm de escasseamento dos alimentos e da causas dos camponeses e campo- acontecendo há bi- água. Atualmente 1 bilhão de pessoas nesas do Brasil. lhões de anos. está passando fome e 1,2 bilhão está sofrendo pela sede. Em breve tempo, Além disso, no dia 20 de maio, A construção de essas cifras poderão subir em uma ve- acontecerá a Noite Cultural. uma sociedade in- locidade vertiginosa. O que já é ruim tra-humana, onde a pode ficar bem pior”. O Congresso será uma grande Terra e suas riquezas festa!!! eram consideradas * Setor de Comunicação da Secretaria somente como ‘ma- Nacional da CPT
  • 10. PASTORAL DA TERRA 10 janeiro a março de 2010 BIOMA CERRADO O Cerrado e o equilíbrio do planeta ANTôNIO CANUTO* O III Congresso Nacional da CPT vai acontecer em Montes Claros, MG, região onde o Cerrado e a Caatinga se encontram. O Cerrado é um bioma pouco conhecido, por isso, nesta página, vamos socializar algumas informações sobre o mesmo, apresentadas no 21º Curso de Verão de Goiânia, realizado na primeira semana de janeiro de 2010, pelo professor Altair Sales Barbosa, antropólogo e arqueólogo da Universidade Católica de Goiás, um dos maiores conhecedores deste sistema biogeográfico. Foto: João Zinclar Biomas ou sistemas te uma floresta de cabeça para baixo. Duas terças partes de diversas espécies biogeográficos? de árvores são subterrâneas. Algumas raízes atingem até 30 metros de pro- O professor Altair tem trabalhado fundidade. E algumas espécies esten- a conceituação de sistemas biogeográ- dem suas raízes por quilômetros de ficos ao invés do conceito de biomas. distância. Este complexo sistema de Segundo ele, o conceito de bioma se raízes sobre um solo de arenito é o res- atém muito à configuração da flora, en- ponsável pela existência de alguns dos quanto o sistema biogeográfico é uma mais importantes aquíferos do mundo, leitura incorporando o conjunto dos de onde brotam as nascentes de muitos elementos como solo, subsolo, clima, rios das principais bacias brasileiras. É fauna, flora etc. Dentro desta nova vi- no Cerrado que nascem o São Francis- são são sete os sistemas biogeográficos. co e seus afluentes do lado direito. No O Amazônico, que coincide quase que Cerrado nascem o Araguaia e o Tocan- integralmente com o que se define por tins, o Teles Pires, o Madeira, da bacia bioma amazônico. Mas, ao norte de Amazônica. No Cerrado estão as nas- Roraima aparece o sistema biogeográfi- centes de rios que formam a bacia Pa- co Roraimo-guianiense, formado pe- raná/Prata. A alimentação destes aqüí- los campos que se situam na fronteira Lobo Guará no cerrado de Minas Gerais feros se deve à absorção pelo solo das entre Roraima, Venezuela e as Guianas. as de planaltos subtropicais, cobertos do planeta Terra. Estima-se em 67 mi- águas das chuvas graças ao sistema de Com a mesma configuração e limites por araucárias. lhões de anos sua existência. (A idade raízes desenvolvido. dos estabelecidos nos biomas estão os da Floresta Amazônica é calculada em sistemas biogeográficos da Caatinga, torno a dois milhões de anos). O Cer- A vegetação do Cerrado atingiu no Nordeste e do Pampa, no sul. Já o Cerrado, a vegetação rado tem uma vegetação que se de- seu ápice, sua plena maturidade. Isso Cerrado e o Pantanal fazem parte de mais antiga do planeta senvolveu e adaptou perfeitamente ao significa que é um sistema que, se um único sistema biogeográfico, sendo tipo de solos pobres da região e tem destruído, não se regenera, não se re- o Pantanal, um subsistema do próprio O Cerrado pela posição geográfica sido de fundamental importância para compõe. Diferente da Mata Atlântica Cerrado, caracterizado pela área alaga- que ocupa, pelo caráter de sua fauna e a recuperação das condições de vida ou da Floresta Amazônica que ainda da. Isto porque o tipo de solo e subsolo flora e pela sua geomorfologia, constitui no planeta após o grande cataclismo, estão em processo de formação e que, do Pantanal e do Cerrado são os mes- um ponto de equilíbrio entre os dife- ocorrido a 65 milhões de anos, res- por isso, facilmente se reconstituem. mos. As espécies vegetais do Pantanal rentes sistemas, com os quais se conecta ponsável pela destruição de inúmeras Daí ser descabida a afirmação de que a se encontram em outras áreas alagadas por corredores hidrográficos. É com- formas de vida existentes, inclusive a Floresta Amazônica poderá tornar-se do Cerrado, a fauna também é igual. O posto por diversos sub-sistemas intima- dos dinossauros. Após este cataclisma, um Cerrado. O Cerrado é fundamen- clima também é o mesmo. Outra novi- mente inter-atuantes e inter-dependen- o Cerrado desempenhou a função de tal para o equilíbrio da vida do plane- dade desta nova divisão é em relação tes, que variam de campos até áreas flo- sequestrador do dióxido de carbono ta. A progressiva e rápida destruição à Mata Atlântica, denominada sistema restadas (matas, campos, o cerradão, o da atmosfera que foi se concentrando que sofre pelo avanço do agronegócio biogeográfico Tropical Atlântico. Este cerrado propriamente dito, as veredas, nas raízes das suas plantas, recriando já se faz sentir no secamento de diver- vai desde o Rio Grande do Norte, até o os ambientes ciliares, as várzeas.) condições para o desenvolvimento de sas fontes de água, riachos e córregos trópico de Capricórnio, ao Sul, esten- novas formas de vida. que anos atrás eram permanentes. E dendo-se para áreas do oeste paulista e O que distingue e caracteriza o esse processo avança rapidamente. norte do Paraná. E aí se configura um Cerrado, além dos elementos exter- O Cerrado também tem uma ca- novo sistema biogeográfico, o dos Pla- nos visíveis, é sua história evolutiva. racterística única em relação às demais * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional naltos sul-brasileiros, situado em áre- O Cerrado é a vegetação mais antiga formas de vegetação. É praticamen- da CPT.
  • 11. PASTORAL DA TERRA 11 janeiro a março de 2010 MÁRTIRES A memória e a resistência presentes nos mártires da luta CRISTIANE PASSOS* Irmã Dorothy, Sepé Tiaraju, padre Francisco Jentel, Expedito ... a memória de seus martírios mantêm acesa a chama da resistência e da continuidade da luta do povo. Durante esse ano de 2010, o Pastoral da Terra trará a cada edição um pouco da história dos mártires, lembrados no trimestre correspondente a cada edição do jornal. 2 de janeiro de 1979 2 de fevereiro de 1991 e espanholas. Em 2009, foi publicada No dia 14 de março de 1998, cerca uma Lei para que seu nome fosse ins- de quinhentas famílias ocuparam Foto: Arquivo CPT Nacional crito no Livro dos Heróis da Pátria. a fazenda Goiás II, em Parauape- Expedito de Souza. Ainda no go- bas. No dia 26 de março resolveram verno militar, na década de 70, tra- transferir o acampamento para uma balhava em Goiás quando ouviu no rádio a promessa de reforma agrária 12 de fevereiro de 2005 área próxima ao assentamento Cara- Foto: Ary Souza jás e, durante a mudança, foram em- na Amazônia. Várias pessoas se des- boscados por pistoleiros e policiais locaram para o sudeste do Pará. Ex- militares. O grupo abordou Valen- pedito foi, com parte da família, ten- tin disparando dois tiros contra ele. tar a vida lá. Poesia, trabalho e luta Onalício correu em direção á pista, social eram o motor da vida desse mas também foi atingido. Os pis- trabalhador, que chegou a presiden- toleiros ainda levaram Valentin em te do Sindicato de Trabalhadores um dos veículos em que estavam. O Rurais de Rio Maria, substituindo corpo só foi encontrado, um tempo João Canuto, que fora assassinado depois, à margem de um rio, semi- em 1985. Em outubro de 1990, du- enterrado, e com sinais de espanca- rante o Congresso de fundação do Irmã Dorothy Stang chegou mento. Departamento Nacional de Traba- ao Brasil em 1966. Foi para o Pará lhadores Rurais da CUT, Expedito em 1974 onde ajudou a estabelecer denunciou as ameaças que vinha so- a CPT na diocese de Marabá. Em 31 de março de 1987 Padre Francisco Jentel, missioná- frendo. Foi assassinado em 2 de fe- 1982, foi para Anapu, onde qua- rio francês, foi um dos precursores da vereiro de 1991. se 90% do município são formados CPT. Viveu com os índios Tapirapé e por terras pertencentes à União. Em Roseli Nunes nasceu em 1954 e com os posseiros de Santa Terezinha 1999, em uma assembléia dos movi- teve sua vida encerrada com apenas (MT). Seu apoio aos posseiros que 7 de fevereiro de 1756 mentos, o Incra apresentou um novo 33 anos. Rose, como era conhecida, sofriam as pressões de uma grande modelo de reforma agrária: os proje- nos últimos dias de gravidez, parti- empresa que se instalou na região foi Sepé Tiaraju foi um índio guer- tos de Desenvolvimento Sustentável cipou da ocupação da fazenda Ano- ostensivo, e por causa disso foi ta- reiro guarani. Nasceu em um dos al- (PDSs). Denúncias de violência co- ni, em 1985. Foi a maior ocupação chado de subversivo. Depois de um deamentos jesuíticos dos Sete Povos metida por fazendeiros e madeirei- realizada no Rio Grande do Sul. Em confronto entre a empresa, apoiada das Missões. Bom combatente e es- ros contra agricultores eram cons- 31 de março de 1987, durante um por policiais, e os posseiros, em 3 de trategista, tornou-se líder das briga- tantemente feitas por Irmã Dorothy. protesto contra as altas taxas de ju- março de 1972, Jentel teve a prisão de- das indígenas que atuaram contra as Em 12 de fevereiro de 2005, ela foi ros e a indefinição do governo em cretada. Libertado depois de um ano, tropas luso-brasileira e espanhola na brutalmente assassinada com seis relação à política agrária, um cami- viajou para a França. Ao retornar ao chamada Guerra Guaranítica. Foi as- tiros a queima roupa, no PDS Espe- nhão desgovernado investiu contra Brasil, em 1975, foi preso e expulso sassinado em combate contra o exér- rança, em Anapu. uma barreira humana formada na do país. Morreu na França em 2 de cito espanhol na batalha de Caiboaté, BR-386, em Sarandi, RS. O cami- janeiro de 1979, sonhando retornar às margens da Sanga da Bica, na en- nhão feriu 14 agricultores e matou ao Brasil. Sua luta não foi em vão. Os trada da cidade de São Gabriel (RS), 26 de março de 1998 três: Iari Grosseli; Vitalino Antonio direitos dos posseiros de Santa Terezi- durante a invasão das forças inimigas Mori, e Roseli Nunes, mãe de três fi- nha foram reconhecidos: 120 famílias às aldeias dos Sete Povos. Após sua Onalicio Barros e Valentin Ser- lhos. receberam, cada uma, 100 hectares de morte outros 1.500 guaranis tomba- ra. Ambos eram dirigentes do MST * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional terra. ram diante das armas luso-brasileiras na região de Parauapebas, no Pará. da CPT.
  • 12. PASTORAL DA TERRA 12 janeiro a março de 2010 Brigada da Via Campesina leva conhecimento e esperança aos camponeses haitianos CRISTIANE PASSOS* Foto: Natália Paulino/Via Campesina D esde janeiro de 2009, quatro mili- PAULO ALMEIDA - Nós chegamos presença e como a população haitiana que vamos fazer agora, pós-terremoto, tantes do Movimento dos Traba- ao Haiti com a proposta/tarefa de co- lidava com isso? é reforçar a Brigada com mais gente (40 lhadores Rurais Sem Terra (MST) nhecer o país, geográfica e politica- PAULO - Os haitianos são resistente à a mais) e acelerar as frentes de captação e do Movimento dos Pequenos Agriculto- mente, e o seu funcionamento. Entre os presença das tropas da ONU. Eles não de água e produção de alimentos. res (MPA) trabalham no Haiti, compondo aprendizados iniciais estava aprender o falam diretamente para gente, por ser- a Brigada Dessalines, da Via Campesina Kreyol, idioma falado pelos haitianos. mos brasileiros. Mas quando instigáva- PASTORAL DA TERRA: De que for- Brasil. Em janeiro desse ano, eles passa- Precisávamos, também, saber como o mos o assunto, após conhecerem nossa ma, no seu entendimento, a organização vam alguns dias em suas cidades no Brasil, país funcionava, como as organizações posição, eles falavam e podíamos perce- dos camponeses e camponesas haitianos junto às famílias, quando ocorreu o ter- camponesas se organizavam, a dinâmica ber que no meio popular há grande re- e a valorização do campo e da sua pro- remoto na ilha centro-americana. Agora, e os métodos de trabalho. Esse período jeição aos militares. Todos sabem que os dução, podem contribuir na recupera- irão retornar aos seus trabalhos, com mais inicial nós chamamos de diagnóstico da militares nunca vão para ajudar a resol- ção desse povo e na retomada da auto- companheiros e companheiras, e com um realidade. Enquanto íamos conhecen- ver os verdadeiros problemas que tem nomia do seu país? aparato maior, para continuarem a con- do tudo isso, também íamos propondo o Haiti, (escolas, hospitais, estradas,...) PAULO - Todo o nosso trabalho é vol- tribuir na organização dos camponeses e possíveis projetos a serem desenvol- é uma ocupação militar, mesmo legiti- tado para a soberania alimentar dos camponesas desse país. vidos entre a Via Campesina Haiti e a mada pela ONU, mas é militar e usam a camponeses haitianos. Preservamos Brasil. Os camponeses haitianos são força sempre quando acham necessário também a autonomia do Movimento Paulo Almeida, do MST do Rio a maioria da população (em torno de para qualquer coisa, manifestação, mar- Social do Haiti. Os camponeses podem Grande do Sul, é um dos militantes que 65%), e, também, são os mais pobres chas etc. e devem ajudar na reconstrução do país atuam no Haiti desde 2009. Em entre- do país. Quase não há escolas públicas de forma mais direta, já que são a maio- vista ao Pastoral da Terra, ele conta um no interior, as escolas que existem são PASTORAL DA TERRA: O que a Via ria dos habitantes. Isso quer dizer, o es- pouco das ações da Brigada Dessalines privadas e possuem péssima estrutura. Campesina e a Brigada esperam encon- tado haitiano precisa ouvir os campone- e quais serão as tarefas e os desafios que No campo, 70% das pessoas nunca fre- trar agora, após esse terremoto, e de que ses. Eles são importantes na produção eles encontrarão nesse novo Haiti que se quentaram a escola. A produção de ali- forma vocês estão planejando suas ações de alimentos para o seu povo. Mas não configura após o terremoto, sobretudo mentos se baseia na agricultura familiar. para contribuir com o povo haitiano? é só isso. Os camponeses são a maior quando se configura uma nova domina- As terras são muito escassas. Pequenas PAULO - Os demais companheiros, força do País e precisam ser ouvidos. ção sobre o país que conquistou a glória parcelas apenas, e em muitos casos é com os quais já trabalhava, já retorna- Agora puderam mostrar que são soli- de se tornar a primeira república negra e necessário pagar arrendo aos adminis- ram ao Haiti. Nosso trabalho lá é direto dários com os que perderam suas casas, livre das Américas. tradores. Produz muita fruta, legumes e com os camponeses. O campo acolheu familiares e seus trabalhos. Talvez o país verduras, quando é época de chuva. Essa muitas pessoas após o terremoto, sem deva passar por um amplo processo de PASTORAL DA TERRA: Paulo, como produção é vendida nos “maches”, feiras ter condições de receber tanta gente. reforma agrária, para que essas pessoas você conheceu o país antes do terremo- livres espalhadas por todo o país. A situação no interior, que já era gra- possam ter terra e trabalho, pois a situ- to? Nós gostaríamos de saber como era ve, se agravou mais ainda. Tínhamos ação na capital vai levar ainda muitos a situação real dos camponeses e cam- PASTORAL DA TERRA: Você deve ter quatro frentes de trabalho: captação de anos para se resolver. ponesas haitianos, a produção, organi- tido a oportunidade de acompanhar a água da chuva; produção de sementes zação deles e sua vivência com a terra e presença da ONU e das forças armadas de legumes; reflorestamento de ávores * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional com a produção de alimentos? estrangeiras no Haiti. Como se dava essa frutíferas e escola de agroecologia. O da CPT.
  • 13. PASTORAL DA TERRA 13 janeiro a março de 2010 BELO MONTE Obra polêmica pode “afogar” comunidades, povos e culturas tradicionais CRISTIANE PASSOS* Foto: Marcelo Salazar (ISA) E nvolto em polêmicas, o projeto da janeiro, Dom Erwin mostrou sua preo- Usina Hidrelétrica de Belo Monte cupação com os atingidos pela obra da traz consigo um histórico nefasto Usina, “Altamira tem hoje 100 mil ha- de desrespeito aos povos do Xingu, aos bitantes. Um terço da cidade vai para o estudiosos e ambientalistas, e aos luta- fundo do lago da usina. O que vai ser dores que protegem e zelam pela con- desse povo? Dizem que eles serão reas- servação desse pequeno santuário na- sentados, mas onde? Ninguém sabe!”. tural do nosso país. A Usina é o maior E ainda completou, “Estou convicto de projeto do Programa de Aceleração do que essa hidrelétrica como foi planejada Crescimento (PAC), do governo federal. não será um bem para a própria nação. Empreiteiras e políticos estão sedentos Eu não sou contra por ser contra, mas pela sua construção. O ministro de Mi- nós temos todos os estudos, nós temos nas e Energia, Edison Lobão, já deixou o pessoal de universidade que advertiu”. claro por diversas vezes que as decisões sobre a obra não ficarão à mercê do que ele chama de “humores dos ambientalis- A Amazônia defendida tas”. Esquece ele, porém, que o projeto por Dorothy sofre pode sim acabar com o humor de muita gente, não apenas dos ambientalistas. O novo golpe impacto sobre o Xingu e sobre o próprio área inundada e 1006 km2 de área dete- solo será danificado, a floresta devastada estado do Pará será devastador. Em con- riorada porque faltará água! e das águas turvas e mortas emergirão trapartida, a obra mantém um modelo Durante as celebrações que mar- apenas os esqueletos esbranquiçados retrógrado e faraônico, que custará cer- caram os cinco anos do assassinato de Todas as 40 condicionantes que a Li- das outrora frondosas árvores. É a po- ca de 20 bilhões de reais, e que manterá irmã Dorothy Stang, completados no cença Prévia elenca para serem observa- lítica do rolo compressor, é a tática do alto o valor do megawatt-hora pago pela dia 12 de fevereiro, Dom Erwin, em sua das pela empresa que sairá vitoriosa no fato consumado, é o método do autori- população. homilia, ressaltou que o projeto Belo leilão, nada mais são que uma confissão tarismo que não aceita contestação! Dom Erwin Kräutler, bispo da prela- Monte será mais um grande golpe que a pública do Governo que o projeto, se for zia do Xingu, uma das vozes que gritam Amazônia sofrerá. Região essa pela qual executado, terá consequências desastro- E Dorothy, no seu túmulo, chora a contra o projeto, fez vários apelos ao irmã Dorothy pagou com a vida o seu sas. Ao exigir um bilhão e meio de re- desgraça anunciada! governo federal e ao próprio presidente “atrevimento” em proteger e defender ais em projetos para mitigar os efeitos, Lula. “Todos queremos que o governo suas riquezas e, principalmente, o seu o próprio Governo admite de antemão Mas não deixa de encorajar-nos na Lula não entre para a história como o povo amazônida. Confira abaixo parte que Belo Monte causará um terrível e luta em favor da vida contra projetos de governo que exterminou as etnias do da homilia do bispo do Xingu: irreversível impacto sobre a Amazônia. morte. Nosso caminho é aquele traçado Xingu”, disse ele. Segundo o bispo, o Onde já se viu tanto esmero para atenu- pelo Evangelho. Somos enviados por governo coloca o projeto da Belo Mon- “Neste ano de 2010, o mês de feve- ar sequelas antes de iniciar a obra? É a Jesus para anunciar a Boa Nova aos po- te como única alternativa para garantir reiro, em que Irmã Dorothy foi assassi- prova cabal de que o próprio Governo bres e denunciar o que se opõe ao Evan- a segurança energética de nosso país, o nada, ganha mais uma razão para tor- sabe que está dando um tiro no escuro. gelho da Vida, para quebrar as algemas que não é verdade, há outras alternativas nar-se histórico. A Amazônia que Doro- Até esta data, o Ibama nem sequer con- da opressão e tirania, para defender o lar que podem ser usadas com muito suces- thy tanto defendeu e pela qual doou sua seguiu identificar a abrangência e inten- que Deus criou para todos nós e as fu- so em um país tão rico naturalmente, e vida, recebe mais um golpe, desta vez sidade dos impactos. Como esse órgão turas gerações, e proclamar um ano de com tanta abundância de águas, ventos de proporções que ainda nem sequer então pode realmente atestar a viabili- graça do Senhor (cf. Lc 4,18-19). e sol o ano inteiro. E, principalmente, podemos vislumbrar. O Presidente da dade de Belo Monte? há diversas alternativas que não causam República me prometeu pessoalmente a Amém! Maránathá! Vem Senhor Je- impactos tão devastadores contra po- continuação do diálogo sobre o projeto Lamentavelmente, quem sofrerá os sus!” vos indígenas e populações tradicionais, Belo Monte. No dia primeiro deste mês trágicos efeitos não serão os tecnocra- como esse irá causar às comunidades o Ibama tornou pública a licença prévia tas em Brasília e políticos míopes, mas do Xingu. Em entrevista durante reu- para que o Xingu fosse barrado. 1522 os povos desta região da Amazônia. * Setor de Comunicação da Secretaria Nacional nião em São Paulo, no final do mês de km2 de destruição à vista: 516 km2 de O Xingu nunca mais será o mesmo. O da CPT.