O documento discute as regras da literatura imaginativa e do discurso lógico no contexto da lenda kafkiana "Diante da Lei", abordando: 1) o discurso lógico baseado em premissas e conclusões; 2) as regras de leitura da literatura imaginativa; 3) a análise da lenda sob estas perspectivas para conjugar os aspectos poético e lógico do discurso.
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A Literatura Imaginativa e o Discurso Lógico no Contexto da Lenda Kafkiana Diante da Lei
1.
A
LITERATURA
IMAGINATIVA
E
O
DISCURSO
LÓGICO
NO
CONTEXTO
DA
LENDA
KAFKIANA
DIANTE
DA
LEI.
2.
Sumário
1.
Introdução
................................................................................................................
1
2.
O
Discurso
Lógico
.....................................................................................................
2
2.1.
A
Aceitabilidade
Argumentativa
............................................................................
2
2.2.
A
Identificação
de
Premissas
e
Conclusões
...........................................................
2
3.
A
Literatura
Imaginativa
..........................................................................................
4
3.1.
Regras
Gerais
de
Leitura
........................................................................................
4
3.2.
Características
Gerais
da
Literatura
Imaginativa
...................................................
4
3.3.
Regras
Construtivas
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
..............................
5
3.3.1.
Regras
Estruturais
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
.............................
6
3.3.2.
Regras
Interpretativas
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
.......................
6
3.3.3.
Regras
Críticas
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
...................................
7
4.
A
Lenda
Diante
da
Lei
...............................................................................................
8
5.
A
Abordagem
Sintópica
do
Tema
..........................................................................
11
5.1.
O
Aspecto
Poético
do
Discurso
...........................................................................
11
5.2.
O
Aspecto
Lógico
do
Discurso
.............................................................................
12
6.
Conclusão
...............................................................................................................
14
Referências
....................................................................................................................
16
3.
1
1. Introdução
No
presente
trabalho,
apresentar-‐se-‐á
uma
análise
da
lenda
Diante
da
Lei,
de
Franz
Kafka,
sob
a
perspectiva
das
regras
de
leitura
de
literatura
imaginativa,
uma
vez
que
se
trata
de
um
romance,
e
das
regras
do
discurso
calcado
em
uma
estrutura
lógica
argumentativa
baseada
em
premissas
e
conclusões
no
que
tange
à
construção
de
argumentos
aceitáveis.
Essa
última
abordagem
foi
escolhida
por
se
tratar
de
uma
passagem
na
qual
os
personagens
envolvidos
na
trama
principal
discutem
sobre
a
lenda
em
questão,
apresentando
argumentos
favoráveis
aos
seus
juízos
valorativos
individuais
acerca
do
comportamento
adotado
por
um
dos
personagens
da
lenda,
no
sentido
de
condenar
ou
aprovar
tal
comportamento.
Assim,
objetiva-‐se
responder
se
as
regras
atinentes
aos
discursos
lógico
e
poético
devem
ser
mutuamente
excludentes
em
um
determinado
contexto
literário.
Para
tanto,
as
referências
bibliográficas
relativas
aos
assuntos
abordados
foram
lidas
de
forma
sintópica,
visando
estabelecer
uma
abordagem
da
lenda
em
questão
sob
a
perspectiva
das
regras
já
mencionadas.
A
abordagem
sintópica
do
tema
proposto
exige
que
sejam
consideradas
apenas
as
passagens
relevantes
de
cada
obra
pesquisada,
relativas
à
questão
analisada.
Assim,
apenas
os
aspectos
concernentes
à
estruturação
lógica
do
argumento
e
à
identificação
de
premissas
e
conclusões
foram
considerados
de
CAPALDI
&
SMIT
(2007),
bem
como
apenas
a
abordagem
relativa
à
literatura
imaginativa
foi
considerada
de
ADLER
&
VAN
DOREN
(1972),
além
da
lenda
Diante
da
Lei,
contida
no
romance
O
Processo,
que
constitui
o
contexto
literário
analisado.
Dessa
forma,
serão,
inicialmente,
apresentadas
as
fundamentações
teóricas
relativas
ao
discurso
lógico
e
às
regras
de
leitura
analítica
de
literatura
imaginativa
em
geral,
sendo
em
seguida
apresentada
a
lenda
referida
e
suas
distintas
interpretações.
Por
fim,
uma
conclusão
é
apresentada
de
forma
a
conjugar
as
abordagens
teóricas
no
contexto
considerado.
4.
2
2. O
Discurso
Lógico
2.1.
A
Aceitabilidade
Argumentativa
Conforme
CAPALDI
&
SMIT
(2007),
o
discurso
lógico
é
construído
segundo
concatenações
de
proposições
nas
quais
as
proposições
iniciais
ou
premissas,
tidas
como
condições
previamente
aceitas,
sustentam
uma
proposição
final
ou
conclusão,
formando
um
argumento.
Em
particular,
um
silogismo
consiste
em
duas
premissas
que
embasam
uma
conclusão.
Dessa
forma,
o
discurso
lógico
se
funda
em
bases
epistêmicas
na
medida
em
que
condiciona
as
conclusões
e,
por
conseguinte,
o
próprio
argumento
a
determinadas
condições
que
devem
ser
aceitas
como
verdadeiras,
isto
é,
as
condições
de
contorno.
Disto
decorre
que
o
discurso
está
sujeito
a
questões
de
mérito
e
forma
que
podem
ser
aduzidas
para
aceitá-‐lo
e,
portanto,
o
discurso
lógico
deve
se
basear
em
regras
formuladas
no
sentido
de
identificar
tais
questões,
permitindo
ou
não
a
aceitação
de
um
determinado
argumento.
Nesse
sentido,
uma
regra
fundamental
é
a
que
atesta
que
toda
proposição
é,
necessariamente,
falsa
ou
verdadeira.
As
razões
de
forma
que
tornam
um
argumento
inaceitável
estão
relacionadas
às
relações
entre
premissas
e
conclusões
e
determinam
a
validade
ou
não
de
um
argumento.
Assim,
um
argumento
que
viola
tais
regras
é
dito
inválido,
uma
vez
que
ainda
que
as
suas
premissas
sejam
verdadeiras,
as
relações
lógicas
delas
decorrentes
que
sustentam
a
conclusão
são
falsas.
Além
disso,
um
argumento
formalmente
válido
pode
conter
ao
menos
uma
premissa
falsa,
o
que
torna
o
argumento
inaceitável.
2.2.
A
Identificação
de
Premissas
e
Conclusões
Algumas
regras
de
identificação
de
premissas
e
conclusões
são
apresentadas
por
CAPALDI
&
SMIT
(2007),
como
através
da
identificação
de
determinadas
palavras
que
indicam
se
tratar
de
uma
premissa
ou
uma
conclusão.
Além
disso,
a
localização
de
uma
sentença
no
parágrafo
não
determina
a
sua
classificação
em
premissa
ou
conclusão,
bem
como
o
conteúdo
dessa
sentença,
uma
5.
3
vez
que
uma
premissa
pode
ser
a
conclusão
de
um
argumento
anterior
e
uma
conclusão
pode
ser
a
premissa
de
um
argumento
posterior.
Por
fim,
alguns
argumentos
podem
ser
apresentados
com
premissas
ou
mesmo
conclusões
implícitas,
cabendo
ao
leitor
identificar
tais
proposições
de
forma
que
o
argumento
como
um
todo
tenha
um
sentido
lógico.
6.
4
3. A
Literatura
Imaginativa
3.1.
Regras
Gerais
de
Leitura
As
regras
de
leitura
apresentadas
em
ADLER
&
VAN
DOREN
(1972)
se
baseiam
em
três
grupos,
quais
sejam
estruturais,
interpretativos
e
críticos.
O
grupo
de
regras
estruturais
visa
à
apreensão
da
ideia
central
contida
no
texto,
de
forma
a
identificar
sobre
o
que
trata
o
livro,
bem
como
de
que
forma
essa
ideia
central
se
relaciona
com
as
partes
do
livro,
enquanto
o
grupo
de
regras
críticas
visa
à
concordância
ou
discordância
de
forma
embasada
com
o
autor.
O
grupo
de
regras
estruturais,
por
sua
vez,
busca
delinear
como
o
autor
apresenta
a
ideia
central
do
livro,
através
da
identificação
de
elementos
lógicos
como
os
termos,
proposições
e
argumentos.
Os
termos
estão
relacionados
aos
diferentes
sentidos
atribuídos
às
palavras
e
expressões
que
coadunam
com
a
ideia
central
do
texto.
As
proposições
são
as
declarações
de
conhecimento
ou
opinião
emanadas
pelo
autor
que
constituem
as
premissas
e
conclusões
dos
principais
argumentos
do
livro.
Por
fim,
os
argumentos
consistem
em
uma
série
de
proposições
que
fundamentam
o
que
se
está
concluindo.
Além
de
tais
regras,
o
livro
apresenta
regras
específicas
para
a
apreensão
da
leitura
de
tipos
específicos
de
literatura,
como
a
literatura
expositiva
e
a
literatura
imaginativa.
3.2.
Características
Gerais
da
Literatura
Imaginativa
Acerca
dos
propósitos
contidos
nas
literaturas
expositivas
e
imaginativas,
ADLER
&
VAN
DOREN
(1972)
atestam
que
as
primeiras
visam,
primordialmente,
transmitir
conhecimento,
enquanto
a
as
segundas
visam
transmitir
a
própria
experiência,
de
forma
a
proporcionar
o
deleite
do
leitor
com
ela.
Dessa
forma,
enquanto
a
literatura
expositiva
depende,
primordialmente,
das
capacidades
de
julgamento
e
raciocínio
do
leitor,
a
literatura
imaginativa
depende
dos
sentidos
e
da
imaginação
do
leitor
para
que
a
experiência
transmitida
seja
por
ele
apreendida.
No
entanto,
as
diferenças
básicas
entre
os
tipos
de
literatura,
no
que
diz
respeito
às
7.
5
formas
de
apreensão,
não
significam
que
ambas
não
possam
ser
apreendidas
tanto
pelos
sentidos
e
pela
imaginação,
quanto
através
do
raciocínio.
Assim,
a
grande
diferença
reside
na
preponderância
de
uma
forma
de
apreensão
em
relação
à
outra,
ainda
que
ambas
se
façam
necessárias
tanto
para
a
literatura
expositiva
quanto
para
a
literatura
imaginativa.
Em
função
de
tal
preponderância,
a
leitura
ativa,
tão
importante
na
literatura
expositiva
de
forma
a
permitir
ao
leitor
identificar
os
termos,
proposições
e
argumentos
que
compõem
a
ideia
central
do
livro,
deve
ser
usada
na
literatura
imaginativa
de
uma
forma
que
permita
ao
livro
exercer
o
seu
efeito
sobre
o
leitor
através
da
imaginação,
uma
vez
que
uma
grande
obra
de
arte
literária
deve
proporcionar
uma
experiência
introspectiva
ao
leitor.
Dessa
forma,
as
regras
para
a
leitura
de
literatura
imaginativa
devem
remover
os
obstáculos
que
impedem
ou
dificultam
ao
leitor
a
sensação
da
experiência
proporcionada
pelo
livro.
Além
disso,
outra
grande
diferença
entre
a
literatura
imaginativa
e
expositiva
reside
na
forma
como
o
autor
usa
a
linguagem.
Assim,
no
primeiro
caso,
a
linguagem
é
explorada
em
todos
os
seus
significados
e
ambiguidades
visando
proporcionar
ao
leitor
uma
sensação
mais
rica
e
detalhada
da
experiência
descrita,
abarcando
tudo
aquilo
que
é
dito
e
sugerido
pelo
autor.
Ao
contrário,
no
segundo
caso
há
a
prevalência
da
exatidão
lógica
de
forma
a
transmitir
uma
ideia
de
forma
clara
e
inequívoca.
Como
decorrência
dessa
diferença
entre
ambos
os
tipos
de
literatura,
o
leitor
não
deve
focar
na
identificação
de
termos,
proposições
e
argumentos,
uma
vez
que
esses
consistem
em
recursos
lógicos
e
não
poéticos
e,
muitas
vezes,
a
declaração
principal
não
se
encontra
explícita
em
suas
sentenças.
3.3. Regras
Construtivas
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
Em
função
das
características
intrínsecas
à
literatura
imaginativa,
as
quais
foram
descritas
acima,
algumas
regras
construtivas
adequadas
para
uma
maior
apreensão
da
experiência
trazida
pelo
livro
são
apresentadas
através
de
uma
divisão
análoga
às
classificações
gerais.
Entretanto,
cabe
destacar
que
a
analogia
proposta
delineia
o
modo
como
o
leitor
apreende
a
leitura,
mas
não
deve
ser
utilizada
de
tal
forma
que
venha
a
8.
6
atrapalhar
a
fruição
ou
deleite
da
obra.
Além
disso,
tal
analogia
se
aplica
em
maior
ou
menor
grau
a
depender
da
obra
imaginativa
considerada.
3.3.1. Regras
Estruturais
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
Com
relação
às
regras
estruturais,
inicialmente
se
deve
classificar
a
literatura
imaginativa
de
acordo
com
a
sua
espécie,
identificando
se
esta
consiste
em
um
poema,
um
romance
ou
uma
peça
teatral.
No
primeiro
caso,
a
história
apresenta
a
experiência
emocional
individual
do
autor,
enquanto
no
caso
de
um
romance
ou
de
uma
peça
teatral
a
trama
é
mais
complexa
com
o
envolvimento
de
vários
personagens,
ações
e
emoções
de
uns
em
relação
aos
outros,
sendo
que,
em
geral,
no
caso
do
romance
o
autor
pode
falar
em
seu
próprio
nome
e
no
caso
da
peça
teatral
a
história
é
apresentada
através
de
ações
e
falas.
Após
a
classificação
da
obra,
deve-‐se
apreender
a
unidade
da
mesma,
expressando-‐a
em
uma
breve
narração
que
transmita
a
ideia
central
do
autor,
isto
é,
que
permita
apreender
a
experiência
apresentada
pelo
autor.
Por
fim,
uma
apreensão
detalhada
é
importante
para
identificar
as
partes
da
obra
pelas
quais
o
autor
perpassa
para
desenvolver
o
enredo,
sejam
elas
capítulos
de
um
romance,
atos
de
uma
peça
teatral
ou
versos
de
um
poema,
considerando
a
interdependência
entre
os
mesmos,
ao
contrário
do
que
ocorre
em
obras
expositivas.
3.3.2. Regras
Interpretativas
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
Conforme
já
apresentado,
os
elementos
interpretativos
da
literatura
imaginativa
se
diferem
dos
elementos
interpretativos
da
literatura
expositiva,
quais
sejam
os
termos,
proposições
e
argumentos.
Dessa
forma,
os
elementos
interpretativos
a
serem
identificados
são
os
acontecimentos
e
os
personagens,
bem
como
seus
pensamentos,
ações
e
emoções
e,
portanto,
a
história
é
contada
através
da
manipulação
e
da
combinação
de
tais
elementos,
que
podem
ser
equiparados
aos
termos
do
discurso
lógico.
9.
7
De
forma
análoga,
também
o
cenário
sob
o
qual
a
história
se
desenrola
pode
ser
equiparado
às
proposições
do
discurso
lógico,
uma
vez
que
representa
o
mundo
no
qual
os
elementos
interpretativos
existem
e
se
relacionam.
Da
mesma
forma,
o
argumento
em
um
contexto
literário
expositivo
consiste
na
transição
sequencial
dos
acontecimentos
e,
da
mesma
forma
que
o
leitor
deve
seguir
uma
linha
argumentativa
racional
para
alcançar
a
ideia
central
do
autor
em
uma
obra
literária
expositiva,
também
o
leitor
de
uma
obra
literária
imaginativa
deve
acompanhar
o
desenrolar
do
enredo,
que
por
sua
vez
conjuga
os
elementos
interpretativos
com
o
cenário
para
contar
a
história.
3.3.3. Regras
Críticas
para
a
Leitura
de
Literatura
Imaginativa
O
terceiro
conjunto
de
regras
consiste
nas
regras
críticas
para
a
leitura
de
literatura
imaginativa.
Enquanto
para
as
obras
expositivas
vale
a
afirmação
de
que
a
crítica,
entendida
como
discordância
ou
concordância
com
o
livro,
só
pode
ser
feita
após
o
completo
entendimento
do
mesmo,
no
caso
das
obras
imaginativas
a
crítica
deve
ser
precedida
por
uma
apreensão
completa
da
experiência
que
o
autor
deseja
transmitir.
A
crítica
acerca
da
literatura
imaginativa
deve
perpassar
uma
apreciação
estética
acerca
da
obra,
no
sentido
de
que,
ao
contrário
da
crítica
de
uma
obra
expositiva,
não
abarca
juízo
de
concordância
ou
discordância,
isto
é,
acerca
da
verdade
dos
fatos
apresentados,
mas
tão
somente
acerca
da
beleza
da
obra,
a
qual
apenas
pode
ser
apreendida
através
prazer
da
experiência
recriada
no
leitor
pelo
autor.
Entretanto,
a
apreensão
da
experiência
depende
de
uma
postura
ativa
do
processo
de
leitura,
o
que,
por
sua
vez,
subentende
a
consideração,
por
parte
do
leitor,
das
regras
estruturais
e
interpretativas
já
mencionadas,
de
forma
a
condicionar
o
leitor
a
dizer
não
apenas
se
gosta
ou
não
do
livro,
mas
por
que
gosta
ou
não
do
livro,
incluindo
a
identificação
das
partes
que
justifiquem
sua
opinião.
10.
8
4. A
Lenda
Diante
da
Lei
No
romance
O
Processo,
o
personagem
principal,
Joseph
K
recebe
em
sua
casa
dois
funcionários
do
Tribunal
de
Justiça
que
o
informam
sobre
um
misterioso
processo
movido
contra
ele
sem
lhe
dar
explicações
sobre
o
que
motivou
tal
fato.
A
partir
de
então,
ao
procurar
os
motivos
que
ensejaram
a
má
sorte
representada
pelo
processo
judicial,
bem
como
as
possíveis
soluções
para
ela,
Joseph
K
vê
a
sua
vida
mudar
de
forma
radical,
com
consequências
deletérias
para
a
sua
vida
pessoal
e
profissional.
Nesse
contexto,
em
um
determinado
dia
e
em
função
de
compromissos
profissionais,
o
personagem
se
vê
em
visita
a
uma
catedral
da
cidade
onde
mora,
onde
tem
uma
conversa
com
um
sacerdote
que,
segundo
lhe
parece,
pode
ajudar
na
causa
a
que
é
submetido.
Nessa
conversa,
o
sacerdote
conta
uma
lenda,
constante
dos
documentos
introdutórios
à
lei,
sobre
um
homem
do
campo
que,
em
um
determinado
dia,
resolve
adentrar
à
porta
da
lei,
sendo
impedido
por
um
porteiro
que
informa
que
ainda
não
lhe
é
permitido
entrar
na
lei,
dizendo
que
é
possível
que
possa
entrar
mais
tarde,
mas
não
naquele
momento.
Ainda
assim,
por
se
encontrar
aberta
a
porta
da
lei,
o
homem
tenta
observar
o
seu
interior,
ao
que
é
repreendido
pelo
guarda
que
o
adverte
que,
ainda
que
tente
adentrar
apesar
da
proibição,
terá
que
enfrentar
outros
porteiros
ainda
mais
poderosos
do
que
o
primeiro,
aos
quais
nem
mesmo
este
poderia
dirigir
o
olhar.
O
homem,
então,
apesar
de
considerar
que
a
lei
deveria
estar
acessível
para
todos,
aguarda
durante
anos
ao
lado
da
entrada
da
lei
com
um
tamborete
dado
pelo
próprio
porteiro.
No
decorrer
do
período,
o
homem
recorre
constantemente
a
artifícios
para
conseguir
o
seu
intento,
tais
como
subornos
e
frequentes
solicitações.
O
guarda
cumpre
a
sua
função
de
forma
paciente,
negando
as
solicitações
do
homem
e
aceitando
o
suborno
apenas
para
que
este
não
pense
que
o
guarda
deixou
de
fazer
algo.
O
porteiro
chega,
inclusive
a
dirigir
perguntas
evasivas
ao
homem,
mas
acaba
sempre
por
negar
a
sua
entrada.
Após
muitos
anos,
o
homem,
já
velho,
vem
a
falecer,
mas
antes
pergunta
ao
guarda
porque
outros
homens
não
tentaram
entrar
na
lei
já
que
todos
aspiram
a
ela,
ao
que
o
guarda
respondeu
que
isto
não
seria
possível,
uma
vez
que
aquela
entrada
11.
9
seria
exclusiva
para
o
homem.
Assim,
após
a
morte
do
homem,
o
porteiro
tranca
a
porta
e
vai
embora.
A
narrativa
prossegue
com
Joseph
K
e
o
sacerdote
discutindo
acerca
da
lenda,
a
qual
admite
interpretações
díspares
que
levam
os
dois
a
discordarem
entre
si
sobre
diferentes
aspectos.
Nesse
sentido,
Joseph
K
começa
arguindo
que
o
homem
fora
enganado
pelo
guarda,
pois
este
só
lhe
dissera
que
a
entrada
lhe
era
exclusiva
quando
tal
informação
já
não
lhe
seria
mais
útil
e,
assim,
não
cumpriu
sua
obrigação,
que
segundo
ele
seria
a
de
repelir
todos
os
demais
homens,
com
exceção
daquele.
A
esta
assertiva
o
sacerdote
contrapõe
dizendo
que
esta
não
seria
uma
atribuição
do
guarda,
a
qual
seria
tão
somente
guardar
a
entrada
da
lei.
Além
disso,
o
porteiro
fornece
duas
informações
ao
homem,
uma
no
início,
pela
qual
o
homem
não
poderia
entrar
ainda,
e
outra
no
final,
pela
qual
aquela
entrada
lhe
era
exclusiva,
e
que
ambas
as
informações
não
eram
contraditórias,
pelo
que
o
homem
não
teria
sido
enganado.
Inclusive,
nem
mesmo
a
informação
inicial,
de
que
não
seria
ainda
permitida
a
entrada
do
homem,
teria
sido
necessária,
o
que
apontaria
para
uma
extrapolação
das
obrigações
do
guarda.
Ainda,
segundo
o
sacerdote,
o
guarda
apenas
cumpre
fielmente
suas
obrigações
de
forma
infalível
e
incorruptível,
sem
abandonar
o
seu
posto.
Apesar
disso,
mostra
alguma
compaixão
ao
responder
pacientemente
às
perguntas
do
homem,
bem
como
ao
permitir
a
ele
que
ficasse
ao
lado
da
entrada,
em
vez
de
mandá-‐
lo
embora.
O
sacerdote
continua
dizendo
que
o
texto
é
imutável,
e
que
as
diferentes
interpretações
seriam
apenas
expressões
do
desespero
acerca
desse
fato.
Nesse
sentido,
haveria,
inclusive,
opiniões
que
defendem
que
o
porteiro
seria
o
verdadeiro
enganado,
uma
vez
que
este
apenas
estaria
submetido
a
uma
estrutura
organizacional
hierárquica
sem
nada
saber
sobre
ela,
chegando
a
temê-‐la
mais
do
que
o
próprio
homem,
que
só
desejava
nela
entrar.
Além
dessa
subordinação
à
estrutura
da
lei,
o
porteiro
também
seria,
paradoxalmente,
subordinado
ao
homem
do
campo,
uma
vez
que
enquanto
este
se
encontra
livre,
aquele
se
encontra
preso
ao
ofício,
não
podendo
nem
se
afastar
da
entrada
e
nem
mesmo
por
ela
entrar.
Além
disso,
apesar
de
estar
a
serviço
da
lei,
o
porteiro
deve
guardar
apenas
aquela
entrada
e,
portanto,
deve
servir
apenas
o
homem
para
o
qual
a
entrada
está
destinada
e
por
quanto
tempo
este
o
desejar.
12.
10
Joseph
K
concorda
com
a
conclusão
do
sacerdote
pela
qual
o
porteiro
estaria
enganado,
mas
mantém
a
sua
opinião
de
que
o
homem
fora
enganado,
isto
é,
defende
que
o
porteiro
não
fora
mal
intencionado,
mas
tão
somente
ingênuo
a
ponto
de
prejudicar
o
próprio
homem
e,
portanto,
cumprira
mal
o
seu
dever.
O
sacerdote,
por
sua
vez,
novamente
discorda
do
posicionamento
de
Joseph
K,
alegando
que
o
porteiro
estaria
livre
de
qualquer
julgamento
por
ser
um
funcionário
da
lei
e
que,
portanto,
não
seria
nem
mesmo
subordinado
ao
homem,
uma
vez
que
o
fato
de
pertencer
à
lei
é
valorativamente
maior
do
que
a
simples
liberdade
errante
à
qual
o
homem
estava
destinado.
A
esse
argumento,
Joseph
K
se
contrapõe
dizendo
que
isso
significaria
dizer
que
tudo
o
que
o
porteiro
dissera
deveria,
necessariamente,
ser
verdadeiro,
o
que
contradiz
com
o
próprio
discurso
anterior
do
sacerdote
pelo
qual
aquele
estaria
enganado.
Assim,
termina
atestando
sua
decepção
acerca
da
opinião
do
sacerdote,
dizendo
que
a
mentira
estaria
transformada
em
ordem
universal.
13.
11
5. A
Abordagem
Sintópica
do
Tema
A
abordagem
sintópica
requer
que
sejam
definidos
os
termos
e
as
questões
acerca
dos
quais
os
autores
considerados
se
manifestam
e
que
tenham
relação
com
o
problema
que
motivou
a
leitura
sintópica,
bem
como
as
divergências
entre
as
visões
consideradas.
Nesse
sentido,
ADLER
&
VAN
DOREN
(1972)
apresenta
a
necessidade
de
se
identificar,
do
ponto
de
vista
interpretativo,
os
termos,
as
proposições
e
os
argumentos
que
fundamentam
a
linha
central
de
raciocínio
de
um
determinado
livro,
de
forma
a
entender
como
a
mensagem
é
passada
pelo
autor.
Essa
análise
é
posterior
à
análise
estrutural
acerca
do
que
é
tratado
no
livro
e
como
a
ideia
central
se
relaciona
com
as
partes,
bem
como
anterior
à
formulação
da
crítica,
que
só
pode
ser
feita
a
partir
de
um
entendimento
profundo
do
livro
segundo
as
regras
de
leitura
ativa
previamente
apontadas.
Já
CAPALDI
&
SMIT
(2007)
estabelece
a
estruturação
do
discurso
lógico
do
ponto
de
vista
argumentativo
por
meio
dos
seus
elementos
constitutivos,
quais
sejam
as
premissas
e
as
conclusões.
Além
disso,
apresenta
os
critérios
de
aceitabilidade
argumentativa
baseados
nas
relações
lógicas
entre
premissas
e
conclusões,
bem
como
na
existência
de
premissas
válidas.
5.1.
O
Aspecto
Poético
do
Discurso
A
principal
divergência
entre
ambos
os
autores,
no
que
tange
ao
contexto
literário
da
lenda
Diante
da
Lei,
reside
no
fato
de
que,
por
se
tratar
de
literatura
imaginativa,
isto
é,
um
romance,
não
há
discurso
lógico,
mas
sim
poético
e,
portanto,
demanda
regras
próprias
para
a
apreensão
da
leitura,
ainda
que
análogas
às
regras
atinentes
à
literatura
expositiva.
Assim,
a
apreensão
depende
apenas
da
identificação
de
elementos
interpretativos
próprios,
como
os
personagens,
isto
é,
o
homem
do
campo
e
o
porteiro,
suas
ações
e
emoções,
quais
sejam,
a
tentativa
de
adentrar
à
lei
por
parte
do
primeiro
e
a
obrigação
de
guardar
a
entrada
da
lei
por
parte
do
segundo,
além
da
14.
12
apreensão
do
cenário
no
qual
os
acontecimentos
se
desdobram,
isto
é,
a
porta
de
entrada
da
lei.
Por
fim,
o
desenrolar
do
enredo,
conforme
descrito
no
tópico
anterior,
é
apreendido
através
da
sucessão
dos
acontecimentos
através
da
manipulação
dos
elementos
interpretativos
no
cenário.
5.2.
O
Aspecto
Lógico
do
Discurso
Apesar
de
a
lenda
consistir
em
uma
literatura
imaginativa,
essa
consiste
de
uma
sequência
de
argumentações
contrárias
entre
os
personagens
da
trama
principal,
que
discordam
quanto
aos
seus
julgamentos
pessoais
acerca
do
porteiro,
que
segundo
Joseph
K
teria
enganado
o
homem
do
campo
e,
segundo
o
sacerdote,
não
teria
culpa
alguma
no
destino
do
primeiro,
uma
vez
que
apenas
estava
cumprindo
o
seu
dever.
Para
tanto,
Joseph
K
utiliza
como
premissas
os
fatos
de
que
apenas
em
um
instante
inicial
a
entrada
do
homem
seria
proibida
e
que
só
no
momento
de
sua
morte
o
porteiro
o
informa
que
aquela
entrada
lhe
era
exclusiva,
chegando
à
conclusão
de
que
o
porteiro
o
teria
enganado
ao
não
lhe
fornecer
tempestivamente
a
informação.
No
entanto,
o
sacerdote
argumenta
contrariamente
que
tal
proposição
não
poderia
ser
concluída
das
premissas
apresentadas
na
lenda
e
que
estas
nem
mesmo
poderiam
levar
à
conclusão
de
que
era
dever
do
porteiro
fornecer
qualquer
informação
ao
homem.
Segundo
o
sacerdote,
a
única
proposição
verdadeira
era
a
de
que
o
porteiro
deveria
guardar
a
porta
da
lei,
e
apenas
isso,
não
havendo
quaisquer
elementos
para
concluir
que
seria
dever
do
porteiro
ajudar
o
homem
de
alguma
maneira.
O
autor
oculta
informações
importantes
que
poderiam
servir
como
premissas
para
uma
conclusão
que
comportasse
um
juízo
mais
apurado
acerca
do
comportamento
do
homem,
como
quais
as
condições
temporais
ou
de
qualquer
outra
natureza
que
deveriam
ser
satisfeitas
para
que
fosse
dada
a
permissão
de
entrada
do
homem
na
lei.
De
fato,
ao
tomar
conhecimento
da
proposição
de
que
aquela
entrada
lhe
seria
exclusiva,
e
se
esta
informação
lhe
tivesse
sido
dada
antes,
o
homem
poderia
ter
questionado
o
porteiro
acerca
de
quais
as
condições
que
deveriam
ser
satisfeitas
para
a
sua
entrada,
em
vez
de
apenas
insistir
em
que
o
deixasse
entrar,
o
que
reforçaria
o
argumento
de
Joseph
K.
Entretanto,
ainda
que
tivesse
fornecido
tais
15.
13
informações,
não
há
nada
acerca
da
obrigatoriedade
do
porteiro
em
informar
o
homem
do
que
quer
que
seja,
o
que
reforça
o
argumento
do
sacerdote.
Ainda,
ao
dizer
que
o
porteiro
estava
enganado
por
não
conhecer
a
estrutura
à
qual
estava
subordinado,
o
sacerdote
ganhou
a
concordância
de
Joseph
K,
mas
apenas
para
subsidiar
a
sua
posição
de
que
o
homem,
ao
final,
também
fora
enganado,
mesmo
que
sem
a
má
intenção
do
porteiro,
isto
é,
Joseph
K
usa
a
conclusão
do
sacerdote
como
premissa,
uma
vez
que
o
engano
do
porteiro
apenas
teria
sido
transferido
ao
homem.
A
isto
o
sacerdote
responde
que
o
porteiro
estaria
acima
de
qualquer
julgamento
por
ser
um
funcionário
da
lei,
se
contradizendo,
segundo
Joseph
K,
acerca
de
um
eventual
engano
a
que
o
porteiro
poderia
incorrer,
uma
vez
que,
ao
pertencer
à
lei,
tudo
o
que
dissesse
deveria
ser
considerado
verdadeiro.
16.
14
6. Conclusão
O
objetivo
da
literatura
imaginativa
é
permitir
que
o
leitor
viva
a
experiência
a
ser
transmitida
pelo
autor
de
forma
profunda
e
pessoal
e,
portanto,
o
acompanhamento
da
sequência
argumentativa
do
seu
raciocínio
não
é
fundamental
para
que
essa
experimentação
ocorra,
mesmo
que
algum
grau
essa
apreensão
lógica
se
faça
necessária,
especialmente
em
um
contexto
literário
que
se
manifesta
fundamentalmente
através
de
uma
discussão
racional.
Isso
ocorre
uma
vez
que,
no
âmbito
da
literatura
imaginativa,
a
ênfase
interpretativa
da
leitura
ativa
deve
ocorrer
não
na
identificação
dos
elementos
lógicos,
mas
na
sensação
da
experiência
proporcionada
pelo
livro.
A
apreensão
lógica
se
mostra
necessária
na
medida
em
que
o
entendimento
da
construção
racional
feita
pelo
autor
permita
a
sensação
da
experiência
proposta.
Nada
mais,
além
disso.
Dessa
forma,
as
regras
de
apreensão
dos
discursos
lógico
e
poético
não
são
mutuamente
excludentes,
mas
a
importância
do
primeiro
é
eclipsada
diante
das
distintas
e
incontáveis
possibilidades
interpretativas
oferecidas
pelo
segundo,
uma
vez
que
a
vivência
da
experiência
proposta
pelo
autor
imaginativo
é
pessoal,
ou
seja,
essencialmente
introspectivo.
A
falta
de
informações
que
poderiam
constituir
elementos
essenciais
na
construção
de
argumentos
sólidos,
levando
o
leitor
a
se
posicionar
a
favor
de
um
ou
outro
personagem
acerca
do
comportamento
do
porteiro
na
lenda
apresentada,
pode
ser
um
indício
de
que
o
objetivo
do
autor
não
foi
o
de
formar
uma
convicção
perene
acerca
de
seu
comportamento.
O
objetivo
pode
ter
sido,
tão
somente,
o
de
suscitar
a
discussão
entre
os
personagens
principais,
o
que
coaduna
com
o
romance
no
qual
a
lenda
está
inserida
no
sentido
de
que
o
personagem
principal
se
vê
envolto
em
uma
trama
intrincada
na
qual
não
consegue
obter
informações
suficientes
para
resolvê-‐la.
Assim,
a
lenda
pode
ser
entendida
como
uma
forma
de
o
autor
transmitir
a
experiência
de
confusão
e
desinformação
que
acompanha
o
personagem
desde
o
início
da
trama.
A
lenda
Diante
da
Lei
pode,
portanto,
ser
entendida
como
um
reflexo
do
romance
no
qual
está
contida,
sendo
desprovida
de
qualquer
necessidade
de
interpretação
racional,
isto
é,
admitindo
quaisquer
interpretações
de
caráter
subjetivo.
17.
15
A
prevalência
de
uma
argumentação
sobre
a
outra,
acerca
do
comportamento
do
porteiro,
não
altera
a
apreensão
da
lenda
em
si,
cabendo
a
cada
leitor
um
julgamento
pessoal.
18.
16
Referências
ADLER,
Mortimer;
VAN
DOREN,
Charles.
Como
ler
livros.
Tradução
baseada
na
edição
da
Touchstone
Book.
Nova
Iorque,
1972.
CAPALDI,
Nicholas;
SMIT,
Miles.
The
art
of
deception:
An
introduction
to
Critical
Thinking.
Ed.
Prometheus
Book.
Nova
Iorque,
2007.
KAFKA,
Franz.
O
Processo.
Tradução
baseada
na
edição
da
S.
Fischer
Verlag.
Alemanha,
1986.