SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 34
Descargar para leer sin conexión
AS CEBS E SEUS DESAFIOS HOJE:
UM OLHAR SOBRE A CONJUNTURA E A HISTÓRIA
I. A HERANÇA DE JESUS E DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES
II. CEBs: HERDEIRAS DE MÚLTIPLAS HERANÇAS ECLESIAIS
II.1. A HERANÇA DO CONCÍLIO VATICANO II (1962-1965)
II. 2. AS CEBS NA IGREJA DO BRASIL
2.1. A HERANÇA DO PLANO DE PASTORAL DE CONJUNTO, O PPC (1965)
2.2. CEBS NAS POSTERIORES DIRETRIZES PARA A AÇÃO PASTORAL DA
IGREJA DO BRASIL.
2.3. A HERANÇA DO DOCUMENTO 25 DA CNBB: COMUNIDADES ECLESIAIS
DE BASE NA IGREJA DO BRASIL
III. CEBS, E SUA HERANÇA LATINO-AMERICANA DE MEDELLÍN A APARECIDA
III.1. AS CEBS EM MEDELLÍN
III.2. AS CEBS EM PUEBLA
III.3. AS CEBS EM SANTO DOMINGO
III.4. AS CEBS EM APARECIDA
IV. AS CEBS NA AGENDA E NO HORIZONTE DA IGREJA UNIVERSAL
IV.1. O SÍNODO DA EVANGELIZAÇÃO E A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII NUNTIANDI
IV.2. MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II ÀS CEBS DO BRASIL
V. A HERANÇA DAS CEBS NOS SEUS DOZE INTERECLESIAIS.
ANEXO I – CARTA DO XII INTERECLESIAL DE PORTO VELHO
ANEXO II – CNBB – MENSAGEM AO POVO DE DEUS SOBRE AS CEBs – Brasília:12-05-2010
 
AS CEBs E SEUS DESAFIOS HOJE:
UM OLHAR SOBRE A CONJUNTURA E A HISTÓRIA1
Quando nos propomos examinar uma determinada conjuntura social, política ou eclesial, é
importante descobrir, por detrás dos acontecimentos que se sucedem, aqueles elementos que são de
caráter mais permanente. Estes mudam também, mas de maneira mais lenta, sem perder certos
pontos de referência.
Essas duas dimensões, quando se trata das Comunidades de Base, são ainda mais
importantes, pois do ponto de vista estrutural, as comunidades deitam suas raízes no próprio sonho
de Jesus e na sua prática messiânica, no anúncio do Reino de Deus entre os homens e mulheres de
seu tempo e na formação de um grupo de seguidoras e seguidores de Jesus, de discípulos e
discípulas, de apóstolos e apóstolas.
O sonho e a prática de Jesus foram depois levados adiante pelas comunidades nascidas da
boa notícia do evangelho e da prática de Jesus, de sua morte e ressurreição e da missão dada aos
seus discípulos e discípulas:
“Vão, portanto, e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos...” (Mt 28, 19).
Retornando ao tema das raízes das comunidades, o X Encontro Intereclesial das CEBs em
Ilhéus, BA, no ano 2.000, quis celebrar e entrelaçar três eventos:
- os 25 anos do I Encontro Intereclesial em Vitória, ES (1975-2000),
- os 500 anos da entrada conflituosa dos portugueses - militares, administradores, colonos e
religiosos - no Brasil (1500-2000),
- e os 2000 anos de caminhada das comunidades.
Isso estava espelhado no tema e no lema do X Intereclesial:
“CEBs, POVO DE DEUS, 2000 ANOS DE CAMINHADA”
O lema seguia a mesma inspiração:
“Memória e Caminhada, Sonho e Compromisso”.
Na Carta final do Encontro de Ilhéus, os delegados escreveram às demais comunidades:
“Na grande tradição bíblica do ´[...] nossos pais nos contaram´, as comunidades sempre
valorizaram muito a memória, pois sabem que Deus fala na história concreta do povo. Sabem
também que um povo que tem consciência de sua história, é capaz de evitar as falhas do passado,
de reforçar os acertos e de dar passos firmes rumo ao futuro. Por isso, nos debruçamos sobre os
2000 anos de nossa caminhada. Começamos com Jesus e seus primeiros seguidores e seguidoras,
que foram perseverantes no ensinamento dos apóstolos e das apóstolas, na missão, na fração do
pão, na oração e na partilha fraterna dos bens”.
                                                            
1
Esse texto foi preparado originalmente como roteiro de assessoria aos delegados do “Dozinho”, realizado em Porto
Velho, nos dias 26, 27 e 28 de setembro de 2008, como preparação ao XII Intereclesial que aconteceu na mesma cidade
de 21 a 25 de julho de 2009, tendo por tema: “Ecologia e Missão” e, por lema “CEBs: Ecologia e Missão – Do ventre
da terra, o grito que vem da Amazônia”. Foi depois reformulado em vista da escolha das CEBs como um dos temas
prioritários da 48ª. Assembléia Geral da CNBB em Brasília de 3 a 13 de maio de 2010. Para palestra na Comunidade
Moisés Libertador da Paróquia São Paulo Apóstolo em São Paulo, no dia 30 de agosto de 2011, foi acrescentado o
Anexo II: Mensagem da CNBB ao Povo de Deus sobre as Comunidades Eclesiais de Base (Brasília, 12-05-2010).
Vamos dividir nossa apresentação em dois momentos, o primeiro de caráter mais estrutural e
o segundo de cunho conjuntural2
.
ELEMENTOS MAIS ESTRUTURAIS DA CONJUNTURA DAS CEBs
Se nos debruçarmos, pois, sobre as ESTRUTURAS mais permanentes que sustentam e
inspiram a caminhada das CEBs, devemos resgatar referências de pelo menos cinco ordens:
I. A herança de Jesus e das primeiras comunidades;
II. A herança do Concílio Vaticano II (1962-1965) e da Igreja do Brasil;
III. A herança de Medellín e das demais Conferências do Episcopado Latino-americano e
caribenho, Puebla, Santo Domingo e Aparecida.
IV. A entrada das CEBs na agenda e no horizonte da Igreja Universal
V. A herança das CEBs do Brasil, nos seus doze Intereclesiais.
I. A HERANÇA DE JESUS E DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES
Jesus curou individualmente a sogra de Pedro (Mc 1, 29-31), ressuscitou o filho da viúva de
Naim (Lc 7, 11-17), o cego de nascença (Jo 9, 1-41), mas muitas vezes acudiu coletivamente a todos
os que acorriam a ele, na esperança de ver curadas suas enfermidades:
“À tarde, depois do por do sol, levavam a Jesus todos os doentes e os que estavam possuídos
pelo demônio. A cidade inteira se reuniu na frente da casa. Jesus curou muitas pessoas de vários
tipos de doença e expulsou muitos demônios” (Mc 1, 32-34).
Noutros momentos, comoveu-se diante das necessidades da multidão, pois as pessoas que
chegavam de todos os lados eram como “ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34).
Na narrativa da segunda multiplicação dos pães em Mateus, Jesus preocupa-se ainda com a
fome do povo:
“Tenho compaixão da multidão, porque já faz três dias que está comigo e não tem o que
comer. Não quero despedi-la em jejum, por receio de que possa desfalecer pelo caminho”(Mt 15,
32).
Na narrativa da primeira multiplicação no evangelho de Marcos, ao fim do dia, quando os
discípulos queriam despedir o povo, insistiu Jesus com eles:
“Vocês é que têm que lhes dar de comer” (Mc 6, 37).
                                                            
2
Entre os elementos importantes da conjuntura atual, há os de caráter eclesial e os que advêm de transformações na
sociedade. Do ponto de vista eclesial, a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em Aparecida, reafirmou
a centralidade da comunidade, em suas várias configurações, como a maneira normal de toda a Igreja ser, viver e atuar;
reafirmou a relevância e legitimidade das comunidades eclesiais de base, um dos rostos fundamentais da caminhada da
Igreja latino-americana inaugurada em Medellín. Na sociedade em geral, o fenômeno da globalização e de uma
economia de mercado, ao mesmo tempo dominante e excludente, acompanhada da explosão da comunicação e das redes
digitais, com a universalização da internet, vêem modelando as relações econômicas e sociais. O contexto em que as
CEBs são chamadas a atuar tornou-se predominantemente urbano em todo o continente, num clima de exacerbado
individualismo, de competição religiosa, com o avanço de dois fenômenos concomitantes: o dos que se declaram “sem
religião”, inclusive em setores empobrecidos das periferias metropolitanas e o dos movimentos e igrejas pentecostais e
neo-pentecostais. Essa nova conjuntura não será abordada nesse texto, por merecer uma exposição mais ampla e
documentada.
E a partir da partilha dos cinco pães e dois peixes repartidos com a multidão, ainda foram
recolhidos doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe, depois que todos se saciaram (Mc 6, 35-
44). Para todos os evangelistas, foram cinco mil homens os que comeram no relato dessa primeira
das multiplicações narradas pelos evangelhos. Mateus acrescenta, entretanto, que foram cinco mil
homens, “sem contar mulheres e crianças” (Mt. 14,21). Repete isoladamente a mesma observação a
propósito da segunda multiplicação dos pães, dizendo que comeram quatro mil homens, “sem contar
mulheres e crianças” (Mt 15, 38). Supondo-se que as mulheres foram pelo menos tão numerosas
quanto os homens e que vieram carregando em sua maioria pelo menos uma criança, já deveríamos
multiplicar por três o número inicial, pensando numa multidão de mais ou menos quinze mil
pessoas!
Jesus enxerga ainda no encontro entre as pessoas e nas relações que estabelecem entre si de
cuidado mútuo, amizade, serviço, ternura ou amor, um primeiro esboço de comunidade e faz uma
promessa surpreendente:
“[...] onde dois ou três estiverem reunidos no meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,
20).
Da prática das primeiras comunidades nos Atos dos Apóstolos, ficamos sabendo acerca
daqueles quatro elementos que não podem faltar em suas vidas e na sua prática:
- a Palavra de Deus (doutrina dos apóstolos),
- a comunhão e a solidariedade fraternas entre si e com os mais necessitados,
- a fração do pão (eucaristia),
- a oração,
“Eles eram perseverantes em ouvir os ensinamentos dos apóstolos, na comunhão fraterna,
no partir do pão e nas orações. [..] Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em
comum todas as coisas, vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos,
conforme a necessidade de cada um” (At 2, 42-45).
Na experiência das primeiras comunidades e durante os primeiros trezentos anos, o lugar
onde nascia e se desenvolvia a comunidade, era a CASA daquelas pessoas que aderiam ao
CAMINHO (At 9, 2; 18, 25.26; 19, 9.19, 23).
“Povo do Caminho” ou “Povo da Caminhada”, como dizemos, hoje, foi um dos primeiros
nomes que receberam os seguidores do Ressuscitado, que já havia chamado a si mesmo de
“Caminho”, no evangelho de São João:
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6).
Sobre a centralidade da CASA, como berço e chão das comunidades, os Atos dos Apóstolos
e as Cartas de Paulo nos dão inúmeros testemunhos.
Retomo do artigo, “CEBs, o que são?” do site <www.cebsuai.org.br>, as referências abaixo:
“Em Atos dos Apóstolos, vamos encontrar casas acolhedoras, a serviço da evangelização,
como são:
- a casa de Judas (9,11);
- a casa de Tabita (9,36ss);
- a casa de Cornélio (10,1ss);
- a casa de Maria, mãe de João Marcos (12,12ss);
- a casa de Lídia (16,14ss.40);
- a casa de Priscila e Áquila (18,1ss)...
Também o apóstolo Paulo, fundador de muitas comunidades e hóspede de tantas casas que
o acolheram ao longo de suas viagens missionárias, recordará, com alegria, a acolhida recebida nas
igrejas reunidas nas casas:
“Saudações a Prisca e Áquila... Saúdem também a igreja que se reúne na casa deles” (Carta
aos Romanos 16, 3.5; cf. 1ª Carta aos Coríntios 16,19).
“Saúdem os irmãos de Laodicéia, como também Ninfas e a igreja que se reúne na casa
dele” (Carta aos Colossenses 4,15).
“Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo... à igreja que se reúne na casa de Filemon” (Carta a
Filemon 1,1.2)...
A CASA é, assim, para as primeiras comunidades cristãs, o lugar de encontro. Encontra-se
aberta aos vizinhos, amigos, irmãos e aos necessitados e necessitadas, em especial, as viúvas, onde
todos procuram conhecer-se mais e melhor, dividir os problemas e dificuldades à luz da Palavra,
para encontrar caminhos que ajudem a transformar o sonho do reino de Deus em realidade vivida
por todos.
Por isso, a CASA será lugar de abastecimento da fé, onde todos renovam e revigoram suas
forças e energias, para cumprir, no mundo, o mandato de Jesus: “Vão pelo mundo inteiro e
anunciem a Boa Notícia!” (Mc 16,15)
II. CEBs: HERDEIRAS DE MÚLTIPLAS HERANÇAS ECLESIAIS
II.1. A HERANÇA DO CONCÍLIO VATICANO II (1962-1965)
O Papa João XXIII (1958-1963), ao anunciar sua decisão de convocar um Concílio
ecumênico, para a reforma da Igreja e para buscar a unidade entre os cristãos (25-01-1959) colocou
em marcha um grande processo de renovação da Igreja.
Para o surgimento das Comunidades Eclesiais de Base, foi crucial a definição conciliar sobre
a Igreja, como “Povo de Deus”, na Lumen Gentium (LG, Luz das Nações). A LG define a Igreja,
primeiro com inúmeras imagens bíblicas (redil, cuja porta é o Cristo, rebanho do Bom Pastor,
lavoura e campo de Deus, construção de Deus, casa de Deus, onde habita sua família, tenda de Deus
entre os homens e seu templo santo, Jerusalém celeste e nossa mãe, esposa imaculada do cordeiro) e
como fruto da encarnação e da ação do Espírito Santo. A Igreja, “corpo místico de Cristo”, é ao
mesmo tempo uma realidade visível e espiritual.
O Concílio antepõe ao capítulo III sobre a constituição hierárquica da Igreja e o episcopado,
presbíteros e diáconos, o capítulo II, consagrado POVO DE DEUS. Com citação dos Atos dos
Apóstolos, abre-o da maneira mais universal possível, pois o povo de Deus tende a abraçar toda a
humanidade:
“Em qualquer época e em qualquer povo é aceito por Deus todo aquele que O teme e pratica
da justiça (cfr At 10, 35)” (LG 9 [24]).
O Concílio acrescenta que “Cristo Senhor, Pontífice tomado dentre os homens (cfr Heb 5, 1-
5), fez do novo povo ‘um reino de sacerdotes para Deus Pai´ (Ap 1, 6, cfr 5, 9-10)” (LG 10 [27]).
Para esse povo ao qual todos os homens e mulheres são chamados a pertencer, a porta de
ingresso é nossa vocação batismal. Do batismo, que cria um “povo sacerdotal”, brotam todos os
ministérios, os ordenados e os não ordenados e somos enxertados no único e mesmo tronco, Jesus
Cristo, e santificados pelo único e mesmo Espírito. Do batismo, deriva a vocação e a missão para se
tecer ecumenicamente os caminhos para a unidade de todos os cristãos e cristãs, em obediência à
prece de Jesus: “… para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti” (Jo 17, 21).
A LG, no seu número 8, estabelece um paralelo entre Cristo e a Igreja na sua relação com os
pobres: “Do mesmo modo que Jesus Cristo consumou a sua obra de redenção na pobreza e na
perseguição, assim também, a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho para poder comunicar
aos homens os frutos da salvação. Cristo Jesus, tendo ´condição divina… esvaziou-se a si mesmo e
assumiu a condição de servo´ (Fl 2, 6-7) e, por causa de nós, ´ele que era rico, fez-se pobre´ (2Cor
8, 9)”. Cristo foi enviado pelo Pai ´para evangelizar os pobres… a proclamar a remissão aos
presos´ (Lc 4, 18), ´a procurar e salvar o que estava perdido´ (Lc 19, 10): de modo semelhante a
Igreja envolve em seus cuidados amorosos todos os angustiados pela fraqueza humana, e mais,
reconhece nos pobres, nos que sofrem, a imagem do seu Fundador, pobre e sofredor, esforça-se por
aliviar-lhes a indigência, e neles quer servir a Cristo” (LG 8). De modo eminente, as CEBs
tornaram-se a Igreja dos pobres e a presença da Igreja entre os pobres.
Com a Dei Verbum, o Concílio ancorou toda a renovação eclesial no reencontro com a
Palavra de Deus, sua escuta, meditação, anúncio, celebração. Com a Leitura Popular da Bíblia, a
Palavra de Deus tornou-se companheira fiel e constante na caminhada das CEBs.
A proposta do Concílio deu nova consciência à nossa pertença eclesial, bem expressa no
lema da primeira Campanha da Fraternidade da Igreja do Brasil, em 1964: “TODOS SOMOS
IGREJA”.
Com o seu documento, a Igreja no Mundo de Hoje, a Gaudium et Spes (GS - Alegria e
Esperança), o Concílio também nos mostrou o lugar onde a Igreja deve acampar: no coração do
mundo, atenta às angústias e necessidades, alegrias e esperanças dos homens e mulheres de hoje.
II. 2. CEBs NA IGREJA DO BRASIL
II.2.1. A HERANÇA DO PLANO DE PASTORAL DE CONJUNTO, O PPC (1965)
Os bispos do Brasil traduziram e sintetizaram o conjunto da obra e das exigências conciliares
em seis linhas de ação pastoral propostas pelo PLANO DE PASTORAL DE CONJUNTO, o PPC,
aprovado ainda em Roma, ao final do Concílio, em novembro de 1965:
1. Promover uma sempre mais plena unidade visível no seio da Igreja;
2. Promover a ação missionária,
3. Promover a ação catequética, o aprofundamento doutrinal e a reflexão
teológica;
4. Promover a ação Litúrgica;
5. Promover a ação ecumênica;
6. Promover a melhor inserção do povo de Deus como fermento na construção
de um mundo segundo os desígnios de Deus3
.
Dentro da primeira linha de trabalho, ao tratar do tema da Igreja, surge por primeira vez num
documento oficial da Igreja do Brasil e quiçá da Igreja toda, a proposta das comunidades de base. Os
bispos acharam que eram elas a maneira de se concretizar muitas das melhores intuições do
Concílio, de modo particular, aquela de que a Igreja deve ser sempre, em primeira e última instância,
uma COMUNIDADE, com laços de amor, comunhão e de serviços, na multiplicidade dos dons,
carismas e ministérios dos batizados que nela ingressam.
Diz o PPC: “Nossas paróquias atuais são deveriam ser compostas de várias comunidades
locais ou COMUNIDADES DE BASE (realce nosso), dada sua extensão, densidade demográfica e
percentagem de batizados a elas pertencentes de direito. Será, pois, de grande importância
empreender a renovação paroquial, pela criação ou dinamização destas comunidades de base.
NELAS DEVEM SER DESENVOLVIDAS, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, AS SEIS LINHAS
FUNDAMENTAIS DA AÇÃO DA IGREJA” (realce nosso)4
.
Essa ênfase nas comunidades de base, só cresceu nos anos seguintes, tornando-se o mais das
vezes prioridade número um das Diretrizes da CNBB, dos Planos de Pastoral dos Regionais e das
Dioceses.
O PPC que devia vigorar entre 1966-1970, foi reconfirmado para outros quatro anos (1971-
1974).
II.2.2. CEBs E A HERANÇA DAS POSTERIORES DIRETRIZES
PARA A AÇÃO PASTORAL DA IGREJA DO BRASIL.
Para o quatriênio 1975-1978, a CNBB adotou nova formulação para seu planejamento
pastoral, “Diretrizes gerais da Ação Pastoral da Igreja do Brasil”. Manteve, de todo modo, as seis
                                                            
3
CNBB, Plano de Pastoral de Conjunto 1966-1970. Rio de Janeiro: Livraria Dom Bosco Editora, 1966, pp. 51-88.
4
PPC, p. 58
linhas do PPC, mas dando maior espaço às comunidades de base, como exigência para se responder
ao grande número de fieis e às enormes extensões territoriais das dioceses e paróquias:
“Para que na Igreja local, extensa territorial e populacionalmente, seja visível o mistério de
comunhão, é necessário que se estruture em comunidades menores, sempre vinculadas ao ministério
apostólico, quais sejam: a paróquia e as comunidades de base”5
.
As Diretrizes colocam ainda sua multiplicação como grande desafio pastoral:
“Um dos principais desafios da ação pastoral no Brasil é, certamente, a multiplicação das
´comunidades de Base´, que possam responder ao anseio do povo para uma vida plenamente eclesial
alimentada pela palavra de Deus e os sacramentos, especialmente a Eucaristia.
Essas comunidades assumirão dimensões e formas tais que permitam uma vida realmente
comunitária, fraternal, que as torne ‘sinal de comunhão e de unidade’ em seu meio (cf. AA 18, § 2º.
E 3º.). Elas são chamadas a constituir, nos diversos lugares e ambientes, ‘comunidades de amor’ e
‘comunidades de fé’: ‘É no amor que tiverdes uns pelos outro que vos reconhecerão meus
discípulos’” 6
.
Nessas Diretrizes (1975-1978), aparece por primeira vez, num documento oficial da CNBB,
a expressão “COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE”, CEBs, como ficarão mais conhecidas.
Dentre as atividades propostas para o Setor A – Estruturas de Igreja, aparece a seguinte:
“6. Suscitar e apoiar processos pastorais que visem a criação de COMUNIDADES
ECLESIAIS DE BASE, seja a partir das paróquias, e através de grupos na zona urbana, seja a partir
das capelas nas zonas rurais”7
.
Arrancando da anterior estrutura eclesial, são apontados dois diferentes espaços para o
surgimento das CEBs: a partir das paróquias, através de GRUPOS na zona urbana e a partir das
CAPELAS, nas zonas rurais.
No desenvolvimento da Linha 3, dedicada à Ação Missionária, aparece a proposta de
preparação específica de ANIMADORES DE CEBs8
.
Ao traçar diretrizes para a linha 6, Presença da Igreja no Mundo, a ser concretizada no
esforço de “Promover a ação profética do Povo de Deus e a consciência de sua responsabilidade
como fermento de libertação do mundo, segundo os desígnios de Deus”, as CEBs reaparecem, tanto
no âmbito da formação, quanto da ação:
“Ação eclesial revela-se essencialmente por um profundo senso de uma permanente
educação comunitária. A longa e paciente pedagogia, tendo em vista criar a co-responsabilidade e
participação consciente de todos e cada um dos membros da Igreja, e exigência básica do próprio ser
eclesial”9
.
Esse capítulo termina apresentando a renovação de lideranças e práticas que acontecem nas
CEBs, como sinal de que o mesmo processo pode ganhar corpo em outros âmbitos da sociedade
civil:
“As Comunidades Eclesiais de Base, enquanto manifestam novas forças emergentes
superando as antigas e diferentes lideranças são testemunho de que algo semelhante pode ser levado
a efeito junto às forças vivas dos meios de comunicação social e instituições educacionais”10
.
                                                            
5
CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja do Brasil. Documento 4. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 37.
6
Ibidem, p. 37.
7
Ibidem, p. 42.
8
Ibidem, p. 65
9
Ibidem, 79.
10
Ibidem, 82.
As novas Diretrizes, aprovadas para o quatriênio seguinte (1979-1982)11
, vêm mais enxutas e
num tom profético. Partem da opção preferencial pelos pobres e ecoam fortemente a experiência da
Igreja continental em Puebla. Retomam pontos importantes do Sínodo sobre a Evangelização e da
Exortação pós-sinodal, Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI.
Sobre as CEBs, o tom é mais caloroso e esperançoso:
“As CEBs ‘esperança da Igreja’(EN 58), especialmente em nosso país, e outras formas de
comunhão na Igreja Particular, continuam sendo o lugar privilegiado de participação livre e
responsável em comunhão fraterna, onde as pessoas se abrem à luz da Palavra de Deus, para um
novo tipo de vida mais humana e evangélica (cf P 629).
Cada comunidade eclesial deveria esforçar-se por constituir para o Continente um exemplo
de modo de convivência onde consigam unir-se a liberdade e a solidariedade, onde a autoridade se
exerça com o espírito do Bom Pastor, onde se viva uma atitude diferente diante da riqueza, onde se
ensaiem formas de organização e estrutura de participação, capazes de abrir caminho para um tipo
mais humano de sociedade, e, sobretudo, onde inequivocamente se manifeste que, sem uma radical
comunhão com Deus em Jesus Cristo, qualquer outra forma de comunhão puramente humana acaba
se tornando incapaz de sustentar-se e termina fatalmente voltando-se contra o próprio homem [36].
A constante renovação da vida comunitária eclesial chamada a ser sinal e sacramento da
fraternidade que Cristo trouxe a todos os homens, será também um meio dos mais eficientes para
que a Igreja contribua na criação de uma nova sociedade, mais justa e mais fraterna, baseada sobre a
participação de todos os cidadãos, em igualdade de condições, na decisão do destino da sociedade (P
1308). O desafio é imenso [37].
É necessário criar no homem brasileiro ‘uma sã consciência social, um sentido evangélico
crítico face à realidade, um espírito comunitário e um compromisso social’ (P 1308). O desafio é
imenso [38].
Muito ajudou neste sentido o esforço eclesial dos pastores que souberam ser a voz daqueles
que não tinham voz nem vez [39].
Agora, porém, além de falar do pobre e pelos pobres, é preciso que estejamos unidos aos
pobres” [40].
Mais adiante, quando as Diretrizes tratam da Linha 1 e das diversas estruturas de
participação e comunhão, voltam-se para as CEBs:
“3. A continuidade e o desenvolvimento das CEBs como modelos concretos de comunhão e
participação, sejam manifestações claras da opção pelos pobres (cf. P 642-643) [61/3].
II.2.3. A HERANÇA DO DOCUMENTO 25 DA CNBB:
COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE NA IGREJA DO BRASIL
.
O crescimento das CEBs não chegou sem tensões e sofrimentos, mormente depois da
abertura política, da constituição de novos partidos e de uma grande efervescência não somente no
campo social, mas também no campo político e político partidário. Era como se a barragem de quase
duas décadas de regime militar e o represamento forçado das correntes de opinião e dos mecanismos
de ação política na sociedade tivessem se rompido. Nessa torrente, sindicatos, associações, novos
partidos e também CEBs, pastorais e movimentos eclesiais tiveram que navegar, sem muitas balizas.
Devagar, critérios de participação e normas pastorais foram sendo elaborados e testados, sem
eliminar inteiramente os riscos, seja de envolvimento apressado nas batalhas políticas, seja de
                                                            
11
CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil. Documentos CNBB 15. São Paulo, Paulinas, 1980.
retraimento frente ao inarredável compromisso com os pobres e suas causas e o combate em favor
da justiça e da promoção humana.
Havia também novas questões ligadas à multiplicação de ministérios leigos e à vida eclesial
das CEBs. O Conselho Permanente da CNBB, reunido de 23 a 26 de novembro de 1982 discutiu e
aprovou um documento que se tornou a referência mais importante para a caminhada das CEBs no
Brasil, tendo por título: Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil12
.
Nos quatro primeiros parágrafos, os bispos sintetizam sua visão sobre as CEBs e a relevância
na vida da Igreja e do povo no Brasil:
“1. As Comunidades Eclesiais de Base constituem hoje, em nosso país, uma realidade que
expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja, e, por motivos diversos, vai despertando o
interesse de outros setores da sociedade.
2. Podemos fazer nossas as palavras dos bispos em Puebla: ‘As comunidades de base que,
em 1968, eram apenas uma experiência incipiente, amadureceram e multiplicaram-se. Em comunhão
com seus bispos, converteram-se em centros de evangelização e em motores de libertação e
desenvolvimento’ (DP 96).
3. Fenômeno estritamente eclesial, as CEBs em nosso país nasceram no seio da Igreja-
instituição e tornaram-se ‘um novo modo de ser Igreja’. Pode-se afirmar que é ao redor delas que se
desenvolve, e se desenvolverá cada vez mais, no futuro, a ação pastoral e evangelizadora da Igreja.
4. Fator de renovação interna e novo modo de a Igreja estar presente no mundo, elas
constituem, por certo, um fenômeno irreversível, senão nos detalhes de sua estruturação, ao menos
no espírito que as anima”.
O documento desdobra-se em uma introdução e três capítulos:
- As Comunidades Eclesiais de Base no Brasil: Origem e caminhada;
- A eclesialidade das CEBs;
- Alguns aspectos particulares da Pastoral das CEBs
Neste último capítulo, são abordados alguns temas relevantes ou conflituosos naquele
momento, muitos dos quais permanecem cruciais nos dias de hoje:
- As CEBs e os pobres
- CEB e dimensão sócio-política da evangelização
- As CEBs, a luta comum pela justiça e os movimentos populares
- A CEB e os movimentos de leigos
- A coordenação e responsabilidade última nas CEBs
- As CEBs, alvo de interesse e incompreensão.
O documento 25 da CNBB continua sendo uma madura e válida orientação para a caminhada
das CEBs na Igreja do nosso país, sobretudo por não camuflar ou esconder as dificuldades e
problemas que podem acontecer na vida das comunidades e que precisam ser enfrentados
conjuntamente por elas e pela Igreja toda, na ajuda mútua e na eventual correção fraterna.
III. CEBs, E SUA HERANÇA LATINO-AMERICANA
DE MEDELLÍN A APARECIDA
                                                            
12
CNBB, Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil. Documento CNBB 25. São Paulo: Paulinas, 1982.
III.1. AS CEBs EM MEDELLÍN
Ao iniciar-se a quarta e última sessão do Concílio, os bispos da América Latina e do Caribe
pediram ao Papa Paulo VI que convocasse uma II Conferência Geral do Episcopado Latino-
americano para tratar da recepção do Concílio na realidade do povo desse continente. Paulo VI
acedeu ao pedido e a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano aconteceu em Medellín
na Colômbia, de 25 de agosto a 07 de setembro de 1968.
Importante em Medellín foi a decisão por parte dos Bispos de propor, em fidelidade ao
Concílio, uma Igreja plantada no coração do mundo. Aprofundaram a seguir essa perspectiva,
levantando a questão: Qual é o lugar da Igreja, num mundo dividido entre países da abundância e os
países da escassez e da miséria, entre os desenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento; em
nações divididas entre minorias vivendo padrões de riqueza e consumo de primeiro mundo e grandes
maiorias mergulhadas em pobreza e miséria desumanas?
Neste mundo dividido, os bispos proclamaram que a Igreja devia ouvir o grito que vinha do
povo, clamando por libertação, devendo colocar-se do lado dos pobres e de sua luta por libertação,
em todas as dimensões.
Vale a pena retomar a sintética e abrangente descrição das CEBs nas Conclusões de
Medellín:
“... Por conseguinte, o esforço pastoral da Igreja deve estar orientado para a transformação
dessas comunidades [de base] em ‘família de Deus’, começando por tornar-se presente nelas como
fermento, por meio de um núcleo, mesmo pequeno, que constitua uma comunidade de fé, esperança
e caridade (LG 8). Assim, a comunidade cristã de base é o primeiro e fundamental núcleo eclesial,
que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também pelo
culto que é sua expressão. É ela, portanto, célula inicial de estruturação eclesial e foco de
evangelização e atualmente fator primordial de promoção humana e desenvolvimento (MED 15, 10).
Depois de Medellín, as outras Conferências do Episcopado Latino-americano, em Puebla, no
México (1979), em Santo Domingo, na República Dominicana (1992) e em Aparecida (2007), no
Brasil, reforçaram a opção pelos pobres e o compromisso libertador da Igreja, em relação às suas
necessidades e carências.
III.2. AS CEBS EM PUEBLA
Num momento de extrema tensão eclesial, em que o secretário geral do CELAM, Mons.
Lopez Trujillo, em articulação com setores importantes do episcopado colombiano, mexicano,
argentino, centro-americano buscava condenar as CEBs como “igreja paralela”, “igreja popular”,
separada e em contraposição à hierarquia, o conjunto do episcopado desautorizou essa linha.
Encontramos em Puebla, posicionamentos que refletem a rica e variegada experiência das
CEBs no continente, assim como as tensões existentes, acompanhadas de algumas advertências.
Puebla liga o surgimento dos movimentos comunitários à longa caminhada pastoral da Igreja
no continente, onde o protagonismo do laicato se concretizou nas inúmeras irmandades e confrarias.
Afirma o documento na sua introdução histórica que estas foram:
“... espinha dorsal da vida religiosa dos crentes e a fonte remota, mas fecunda dos atuais
movimentos comunitário da Igreja latino-americana” (P 09).
Constata ainda que elas amadureceram e se multiplicaram:
“As comunidades eclesiais de base que em 1968 eram apenas uma experiência incipiente
amadureceram e multiplicaram-se, sobretudo, em alguns países. Em comunhão com seus bispos e
como o pedia Medellín, converteram-se em centros de evangelização e em motores de libertação e
de desenvolvimento” (P 96).
Os bispos reconhecem igualmente sua fecundidade:
“A vitalidade das CEBs começa a dar seus frutos: é uma das fontes de onde brotam os
ministérios confiados aos leigos: animação de comunidades, catequese e missão” (P 97).
Lamentam que, por vezes, houve descuido na formação e tensões na esfera política:
“Em alguns lugares não se deu atenção conveniente ao trabalho de formação das CEBs. É
lamentável que em algumas partes, interesses visivelmente políticos as pretendam manipular e
afastar da autêntica comunhão com seus bispos” (P 98).
De todos os modos, ao tratarem das tendências da evangelização no futuro, afirmam que a
Igreja:
“Reconhecerá a validade da experiência das CEBs e estimulará seu desenvolvimento em
comunhão com seus pastores” (P 156).
Liga mais adiante CEBs e Pastoral familiar, na luta por superar o agudo individualismo que
marca a realidade contemporânea:
“Nota‐se	uma	reação	em	muitos	países	tanto	no	despontar	da	pastoral	familiar	quanto	
na	multiplicação	das	CEBs,	onde	se	torna	possível	–	a	nível	de	experiência	humana	–	uma	
intensa	vivência	da	realidade	da	Igreja	como	família	de	Deus”	(P	239).	
Na terceira parte do documento, Puebla volta-se para a Evangelização na Igreja da América
Latina, colocando-a sob o signo da feliz expressão cunhada por Dom Luciano Mendes de Almeida
da comissão de redação daquela Conferência: “Comunhão e Participação”.
Os bispos dedicam todo um capítulo aos centros de comunhão e participação, incluindo aí,
depois da família, “as comunidades eclesiais de base, paróquia, igreja particular”. De modo mais
direto, a reflexão sobre as CEBs encontra-se no bloco que vai do número 629 ao 643.
Ao final do número 640, os bispos levantam a questão que ainda hoje se repete em muitos
ambientes eclesiais:
“... quando é que uma pequena comunidade pode ser considerada verdadeira comunidade
eclesial de base, na América Latina?” (P 640).
Ao longo do número 641, tentam dar a sua resposta, concluindo com citação da Evangelii
Nuntiandi, o primeiro documento a acolher a realidade das CEBs ao nível da Igreja universal:
“A comunidade eclesial de base, enquanto comunidade, integra famílias, adultos e jovens,
numa íntima relação interpessoal na fé. Enquanto eclesial, é comunidade de fé, esperança e caridade:
celebra a palavra de Deus, e se nutre da eucaristia, ponto culminante de todos os sacramentos;
realiza a Palavra de Deus na vida, através de solidariedade e compromisso com o mandamento novo
do Senhor e torna presente e atuante a missão eclesial e a comunhão visível com os legítimos
pastores, por intermédio do ministério da coordenadores aprovados. É de base por ser constituída de
poucos membros, em forma permanente e à guisa de célula da grande comunidade. ´Quando
merecem o seu título de eclesialidade, elas podem reger, em solidariedade fraterna, sua própria
existência espiritual e humana´(EN 58).” (P 641)
III.3. AS CEBS EM SANTO DOMINGO
Na IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano,em 1992, as CEBs encontraram
seu lugar na segunda parte, que trata de “Jesus Cristo, evangelizador, vivo em sua Igreja”, dentro do
capítulo da “Nova evangelização”, quando este aborda o tema “Comunidades eclesiais vivas e
dinâmicas”.
Em seqüência, aparecem a Igreja Particular (SD 55 a 57), a Paróquia (SD 58 a 60) e as
Comunidades Eclesiais de Base (SD 61 a 63) contempladas em três curtos parágrafos.
As CEBs são apresentadas como elemento da estrutura paroquial:
“A Comunidade Eclesial de Base é célula viva da paróquia, entendida como comunhão
orgânica e missionária” (SD 61).
Esse modo de entender as CEBs apenas no dentro do horizonte paroquial, já fora expresso
anteriormente no documento, ao ser definida a missão da paróquia:
“A paróquia tem a missão de evangelizar, de celebrar a liturgia, de fomentar a promoção
humana, de fazer progredir a inculturação da fé nas famílias, nas CEBs, nos grupos e movimentos
apostólicos, e através deles, em toda a sociedade. A paróquia, comunhão orgânica e missionária, é
assim uma rede de comunidades” (SD 59).
Ao lado do conceito novo e estimulante para a vida paroquial, de se propor a paróquia, como
“rede de comunidades”, essa perspectiva reflete de certo modo, a entrada em vigor do novo Código
de Direito Canônica em 1985, em que a menor estrutura eclesiástica, com personalidade jurídica,
canonicamente reconhecida, é a paróquia (Canon 515 § 3).
Essa lacuna no Código, levou um pouco, por toda a parte, a um movimento de perplexidade
perante as CEBs, de interrogação sobre os termos de sua eclesialidade, dentro de uma estrutura
canônica que não a contemplava e à busca de sua “paroquialização”, ou seja de sua absorção e
enquadramento dentro das estruturas paroquiais tradicionais.
Foi muito menor o movimento inverso de se questionar justamente essas estruturas
paroquiais, para tornar a paróquia, como propunha Santo Domingo, uma “rede de comunidades”.
Santo Domingo reconhece o protagonismo dos leigos nas CEBs, chamados a animá-las:
“A CEB, em si mesma, ordinariamente integrada por poucas famílias, é chamada a viver
como comunidade de fé, de culto e de amor; será animada por leigos, homens e mulheres
adequadamente preparados no processo comunitário; os animadores estarão em comunhão com o
pároco respectivo e o bispo” (SD 61).
Insiste, por outro lado na estreita vinculação dos leigos ao respectivo pároco e bispo. Sob o
prisma da comunhão recíproca e respeitosa que deve reinar na Igreja, a insistência é inteiramente
legítima. Nalguns lugares, porém, comunhão foi interpretada como subordinação pura e simples,
gerando um processo de decapitação das lideranças comunitárias mais adultas e amadurecidas, com
retorno a formas ultrapassadas de autoritarismo clerical, na relação entre paróquia e comunidades,
entre pároco e lideranças comunitárias. Padeceram as anteriores formas de organização mais
autônoma das comunidades, as responsabilidades compartilhadas em conselhos democraticamente
eleitos pelos membros das comunidades e a gestão comunitária e não paroquialmente centralizada
dos recursos.
Sob outro ângulo, a mesma insistência, atravessada por uma ponta de suspeita, retorna no
número seguinte:
“Quando não existe uma clara fundamentação eclesiológica e uma busca sincera de
comunhão, estas comunidades deixam de ser eclesiais e podem ser vítimas de manipulação
ideológica e política” (SD 62).
Santo Domingo conclui, enfatizando dois pontos que considera necessários:
“—Ratificar a validade das comunidades eclesiais de base, fomentando nelas o espírito
missionário e solidário e buscando sua integração com a paróquia, com a diocese e com a Igreja
universal, em conformidade com os ensinamentos da Evangelii Nuntiandi (cf. n. 58).
-- Elaborar planos de ação pastoral que assegurem a preparação de animadores leigos que
assistam estas comunidades, em íntima comunhão com o pároco e com o bispo” (SD 63).
Em três outros lugares, a Conferência retorna à temática das CEBs:
Em primeiro lugar, quando se refere à atuação dos leigos e leigas na Igreja e ao seu empenho
missionário:
“Hoje, como um sinal dos tempos, vemos um grande número de leigos comprometidos na
Igreja: exercem diversos ministérios, serviços e funções nas comunidades eclesiais de base ou
atividades nos movimentos eclesiais. Cresce sempre mais a consciência de sua responsabilidade no
mundo e na missão ´ad gentes´. Aumenta assim o sentido evangelizador dos fiéis cristãos. Os jovens
evangelizam os jovens. Os pobres evangelizam os pobres” (SD 95).
Em segundo lugar, ao descrever a situação e atuação das mulheres:
“Na família e na construção do mundo, hoje, ganha terreno uma maior solidariedade entre
homens e mulheres, mas fazem falta passos mais concretos rumo à igualdade real e à descoberta de
que ambos se realizam na reciprocidade.Tanto na família, como as comunidades eclesiais de base e
nas diversas organizações de um país, as mulheres são as que sustentam e promovem a vida, a fé e
os valores” (SD 106). Nos compromissos pastorais, Santo Domingo considera urgente:
“Desenvolver a consciência dos sacerdotes e dirigentes leigos para que aceitem e valorizem a
mulher na comunidade eclesial e na sociedade, não só pelo que elas fazem, mas, sobretudo, pelo que
elas são” (SD 108).
Finalmente, ao abordar os desafios pastorais da cidade, Santo Domingo recomenda:
“Multiplicar as pequenas comunidades, os grupos e movimentos eclesiais e as comunidades
eclesiais de base”.
Santo Domingo oscila entre uma abordagem positiva e encorajadora das CEBs e outra
perpassada por advertências e mecanismos de controle.
Nesse sentido, a Conferência de Aparecida trouxe uma retomada da anterior perspectiva
aberta por Medellín e Puebla e uma lufada de ar fresco no modo de reconhecer a caminhada das
CEBs, seu testemunho profético, sua vinculação às primeiras comunidades, seu caráter martirial e de
células iniciais de estruturação eclesial, expressão da opção pelos pobres, numa igreja comprometida
com as lutas pela justiça.
III.4. AS CEBs EM APARECIDA
Em Aparecida, foi proposta uma Igreja “discípula” de Jesus e toda ela missionária, com
especial apelo às CEBs13
, para se colocarem à frente do novo esforço missionário da Igreja, tudo isto
sintetizado em três parágrafos muito densos, de tom positivo e encorajador:
“178. Na experiência eclesial da América Latina e do Caribe, as Comunidades Eclesiais de
Base têm sido escolas que têm ajudado a formar discípulos e missionários do Senhor, com o
testemunho da entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros. Elas abraçam a
                                                            
13
Pouco antes da V Conferência, o teólogo chileno, Ronaldo Muñoz, recentemente falecido, escreveu instigante estudo,
em cujo centro encontrava-se o modelo de Igreja revelado nas CEBs: “Para uma eclesiologia latino-americana”, in
SOTER e AMERINDIA (orgs.), Caminhos da Igreja América Latina e no Caribe – Novos Desafios. São Paulo: Paulinas,
2006, pp. 303-321.
experiência das primeiras comunidades, como estão descritas nos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47).
Medellín reconheceu nelas uma célula inicial de estruturação eclesial e foco de fé e evangelização.
Enraizadas no coração do mundo, são espaços privilegiados para a vivencia comunitária da fé,
mananciais de fraternidade e de solidariedade e alternativa à sociedade atual fundada no egoísmo e
na competição desapiedada.
179. Queremos decididamente reafirmar e dar novo impulso à vida e missão profética e
santificadora das CEBs, no seguimento missionário de Jesus. Elas têm sido uma das grandes
manifestações do Espírito na Igreja da América Latina e do Caribe depois do Vaticano II. As
comunidades eclesiais de base, no seguimento missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus como
fonte de sua espiritualidade e a orientação de seus pastores como guia que assegura a comunhão
eclesial. Demonstram seu compromisso evangelizador e missionário entre os mais simples e
afastados, e são expressão visível da opção preferencial pelos pobres. São fonte e semente de
variados serviços e ministérios a favor da vida na sociedade e na Igreja”14
.
O alento trazido por Aparecida repercutiu em todo o continente e esteve muito vivo no
Intereclesial de Porto Velho, ajudando a se superar certo clima pesado em alguns lugares, onde as
CEBs se sentiam por vezes sufocadas, colocadas de lado ou teimando em sobreviver em clima
adverso.
IV. AS CEBs NA AGENDA E HORIZONTE DA IGREJA UNIVERSAL
IV.1 – O Sínodo da Evangelização e a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi
O Sínodo da Evangelização de 1974, convocado praticamente a uma década de distância do
encerramento do Vaticano II, mostrou um rosto surpreendentemente rico e diversificado da Igreja,
espelhando assim a fecundidade das orientações conciliares, no sentido de as igrejas particulares
procurarem responder aos desafios concretos de sua realidade local, nacional e continental, criando
assim um rosto próprio.
Enquanto as jovens igrejas da África colocavam no centro dos desafios para a evangelização,
a superação dos traumas do colonialismo europeu e a busca pela inculturação, como caminho para o
desabrochar dos traços de uma igreja com rosto africano, as igrejas da Ásia viam no diálogo com as
grandes religiões, o hinduísmo, o budismo, o islamismo, as religiões tradicionais da China e da
Oceania, a grande interpelação para o anúncio do evangelho naquele continente.
Europa Ocidental, Estados Unidos e Canadá identificavam no crescente secularismo de suas
culturas urbanas, técnico-científicas, que passaram a prescindir de Deus, e no materialismo prático
de suas sociedades mergulhadas cada vez mais no consumismo e na busca individualista do bem-
estar, da riqueza e do prazer, o maior obstáculo para a evangelização. Países da Europa do leste e da
Ásia, sob o domínio de estados totalitários e militantemente ateus, que acantonavam a religião aos
espaços estritamente privados, expulsando-a da esfera pública, viam nestas estruturas políticas dos
regimes comunistas, o empecilho maior para a sobrevivência das igrejas e para sua tarefa
evangelizadora.
                                                            
14
O texto aqui reproduzido é o que foi aprovado por todos os bispos delegados a Aparecida no dia 31-05-07, com apenas
um voto contrário e duas abstenções. O texto oficial contém, infelizmente, acréscimos, modificações e supressões que
não foram nem discutidos e muito menos aprovados pelos bispos da V Conferência, mas repetidamente repropostos por
uma minoria que, por décadas, criou um clima adverso às CEBs no CELAM e em alguns setores da Cúria Romana. Esta
visão não foi acolhida pelos bispos em Aparecida, mas foi reinserida no documento depois de terminada a Conferência.
Cfr. MUNOZ, Ronaldo, As mudanças no documento de Aparecida, in AMERINDIA, V Conferência de Aparecida –
Renascer de uma esperança. São Paulo: Ameríndia – Paulinas, 2008.
A América Latina, por sua vez, denunciou o escândalo das estruturas econômicas e políticas
de países pretensamente cristãos que mantinham a maioria da população em níveis de extrema
pobreza, verdadeiro insulto à dignidade humana, como o principal obstáculo ao anúncio do
evangelho e do rosto compassivo e libertador de Deus.
Da vivência eclesial latino-americana, vieram algumas das passagens mais luminosas da EM,
como a que vincula a evangelização à totalidade da vida humana:
“Mas a evangelização não seria completa se ela não tomasse em consideração a interpelação
recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social dos homens.
É por isso que a evangelização comporta uma mensagem explícita, adaptada às diversas situações e
continuamente atualizada: sobre os direitos e deveres de toda pessoa humana e sobre a vida familiar,
sem a qual o desabrochamento pessoal quase não é possível; sobre a vida em comum na sociedade;
sobre a vida internacional, a paz, a justiça e o desenvolvimento; uma mensagem sobremaneira
vigorosa nos nossos dias, ainda sobre a libertação” (EN 23).
Do Sínodo, provem ainda a feliz formulação, retomada no documento de Puebla e em tantos
documentos posteriores da Igreja:
“Entre evangelização e promoção humana – desenvolvimento, libertação – existem de fato,
laços profundos: laços de ordem antropologia, dado que o homem que há de ser evangelizado não é
um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e econômicos;
laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da Criação do plano da
Redenção um e outro a abrangerem situações bem concretas da injustiça que há de ser combatida e
da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da
caridade: como se poderia, realmente proclamar o mandamento novo, sem promover na justiça e na
paz o verdadeiro progresso do homem? Nós mesmos tivemos o cuidado de salientar isto mesmo, ao
recordar que é impossível aceitar ‘que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar os
problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, pelo que se refere à justiça, à
libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso, porventura, acontecesse, seria ignorar a
doutrina do Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre e se encontra em
necessidade’(SEDOC 7, 702).
Pois bem: aquelas mesmas vozes que, com zelo, inteligência e coragem, ventilaram este tema
candente, no decorrer do referido Sínodo, com grande alegria nossa, forneceram os princípios
iluminadores para bem se captar o alcance e o sentido profundo da libertação, conforme ela foi
anunciada e realizada por Jesus de Nazaré e conforme a Igreja apregoa” (EN 31).
Além dessa contribuição no eixo da libertação, as Igrejas da América Latina trouxeram sua
experiência das CEBs no âmbito pastoral e eclesiológico, como dom precioso à caminhada da Igreja
toda, como o reconheceu o Sínodo e depois Paulo VI na sua exortação apostólica:
“O Sínodo ocupou-se largamente destas ‘pequenas comunidades’ e por que é que elas hão de
ser destinatárias especiais da evangelização e ao mesmo tempo evangelizadoras” (EN 58).
O Sínodo sentiu-se desafiado a realizar um discernimento no pulular de comunidades de
muitos tipos e perfis, bastante diferentes entre si e variando muito de região para região:
“Assim, nalgumas regiões, elas brotam e desenvolvem-se, salvo algumas exceções, no
interior da Igreja, e são solidárias com a vida da mesma Igreja e alimentadas pela sua doutrina e
conservam-se unidas aos seus pastores. Nestes casos assim, elas nascem da necessidade de viver
mais intensamente ainda a vida da Igreja; ou então do desejo e da busca de uma dimensão mais
humana do que aquela que as comunidades eclesiais mais amplas dificilmente poderão revestir,
sobretudo em grandes metrópoles urbanas contemporâneas, onde é mais favorecida a vida de massa
e o anonimato ao mesmo tempo. Elas poderão muito simplesmente prolongar, a seu modo, no plano
espiritual e religioso o culto, o aprofundamento da fé, a caridade fraterna, a oração, comunhão com
os Pastores e a pequena comunidade sociológica, a aldeia, ou outras similares. Ou então elas
intentarão congregar para ouvir e meditar a Palavra, para os sacramentos e para o vínculo da ágape,
alguns grupos que a idade, a cultura, o estado civil ou a situação social tornam mais ou menos
homogêneos, como, por exemplo, casais, jovens, profissionais e outros; ou ainda, pessoas que a vida
faz encontrarem-se já reunidas nas lutas pela justiça, pela ajuda aos irmãos pobres, pela promoção
humana etc. Ou, finalmente, elas reúnem os cristãos naqueles lugares em que a escassez de
sacerdotes não favorece a vida ordinária de uma comunidade paroquial. Tudo isto, porém, é suposto
no interior de comunidades constituídas da Igreja, sobretudo das Igrejas particulares e das
paróquias” (EN 58).
A Exortação dedica um parágrafo àquelas comunidades que se separaram da comunhão
eclesial:
“Elas não poderiam, sem se dar um abuso de linguagem, se intitular comunidades eclesiais
de base, mesmo que elas, sendo hostis à hierarquia, porventura tivessem a pretensão de perseverar
na unidade da Igreja. Essa designação pertence às outras, ou seja, àquelas que se reúnem em Igreja,
para se unir à Igreja e para fazer aumentar a Igreja” (EN 58).
Todo o restante da conclusão está dedicado às CEBs:
“Estas últimas comunidades, sim, serão um lugar de evangelização, para benefício das
comunidades mais amplas, especialmente das Igrejas particulares, e serão uma esperança para a
Igreja universal, como nós tivemos ocasião de dizer ao terminar o Sínodo, à medida que: elas
procurem o seu alimento na Palavra de Deus e não se deixem enredar pela polarização política ou
pelas ideologias que estejam na moda, prestes para explorar o seu imenso potencial humano evitem
a tentação sempre ameaçadora da contestação sistemática e do espírito hipercrítico, sob pretexto de
autenticidade e de espírito de colaboração; permaneçam firmemente ligadas à Igreja local em que se
inserem, e à Igreja universal, evitando assim o perigo, por demais real, de se isolarem em si mesmas,
e depois de se crerem a única autêntica Igreja de Cristo e, por conseqüência, perigo de
anatematizarem as outras comunidades eclesiais; mantenham uma comunhão sincera com os
Pastores que o Senhor dá à sua Igreja, e também com o Magistério que o Espírito de Cristo lhes
confiou; jamais se considerem como o destinatário único ou como o único agente da evangelização,
ou por outra, como o único depositário do Evangelho; mas, conscientes de que a Igreja é muito mais
vasta e diversificada, aceitem que esta Igreja se encarna de outras maneiras, que não só através
delas; elas progridam cada dia na consciência do dever missionário e em zelo, aplicação e irradiação
neste aspecto; elas se demonstrem em tudo universalistas e nunca sectárias.
Com estas condições assim exigentes, sem dúvida alguma, mas exaltantes, as comunidades
eclesiais de base corresponderão à sua vocação mais fundamental; de ouvintes do Evangelho que
lhes é anunciado e de destinatárias privilegiadas da evangelização, próprias se tornarão, sem
tardança, anunciadoras do Evangelho” (EN 58).
IV.2. Mensagem do Papa João Paulo II às CEBs do Brasil
Quando de sua primeira visita ao Brasil, em julho de 1980, João Paulo II trouxe preparado,
em meio aos 53 discursos, homilias, saudações e pronunciamentos, uma mensagem a ser dirigida
especificamente para as CEBs do Brasil. Não chegou, entretanto, a pronunciá-la em nenhum dos
muitos lugares que visitou, já que elas permeavam a realidade de cada uma das igrejas locais e
estavam presentes por todos os pontos por ele visitados, sem que estivesse previsto um encontro
específico, como o realizado com os religiosos e os moradores da favela do Vidigal, no Rio de
Janeiro; com os jovens em Belo Horizonte; com as comunidades de imigrantes poloneses,
ucranianos, italianos e alemães em Curitiba, com os trabalhadores em São Paulo, com os
seminaristas em Aparecida ou com os indígenas em Manaus.
Em sua mensagem, o Papa resgata inicialmente a importância e relevância das CEBs:
“Alegra-me, antes de tudo, poder renovar agora aquela confiança que meu saudoso
predecessor, o papa Paulo VI, quis manifestar em relação às Comunidades Eclesiais de Base. A elas
consagrou um parágrafo denso, rico de conteúdo, luminoso em seus conceitos e altamente
significativo em sua magistral Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (n. 58). Ele recolhia neste
texto tudo quanto sobre essas comunidades se havia discutido no decorrer do Sínodo dos Bispos de
1974, no qual a Divina Providência quis que eu assumisse tarefas de grande responsabilidade15
. Já
no decurso da viagem pastoral ao México, três meses após a eleição para o Supremo Pontificado, eu
tivera a oportunidade de declarar que as Comunidades Eclesiais de Base podem ser um valioso
instrumento de formação cristã e de penetração capilar do Evangelho na sociedade (Cf.
Insegnamenti di Giovanni Paolo II, 1979, pp. 252 ss). Elas o serão na medida em que se mantiverem
fieis àquela identidade fundamental tão bem descrita por Paulo VI no citado parágrafo da Evangelii
Nuntiandi” (n. 2).16
Depois de renovar a confiança expressa por Paulo VII, o Papa concentrou-se nos oito
parágrafos seguintes de sua mensagem, em expressar sua preocupação quanto a manterem as CEBs
sua identidade eclesial, não se envolverem em política ou com ideologias, cuidarem de sua formação
e preservarem os laços de comunhão com seus pastores, terminando com um apelo aos agentes de
pastoral que acompanham as CEBs:
“Acrescentarei que, em todos os casos, um líder de comunidade Eclesial de Base, muito
mais do que um mestre, é uma testemunha: a comunidade tem o direito de receber dele exemplo
persuasivo de vida cristã, de fé operosa e irradiante de esperança transcendente, de amor
desinteressado. Que ele seja ademais um homem que crê na oração e que reza. Na simplicidade e
modéstia destas palavras, vai brevemente delineado, amados irmãos, todo um programa. Confio-o à
vossa reflexão e, rezando por vós, recomendo-os à assistência divina. Não faltem às vossas
comunidades e à vós que as representais os dons que o Espírito concede para a edificação da Igreja
(Cf. 1 Cor 14, 12). Que este Espírito faça brotar e crescer em vós, como princípio vital de vossa
autêntica eclesialidade um grande amor à mesma Igreja, amor filial, maduro e simples, ao mesmo
tempo, terno e absoluto capaz de alegria e de sacrifício. Seja este amor a inspiração de vossa vida”
(ibidem, n. 10).
IV. A HERANÇA DOS INTERECLESIAIS
                                                            
15
O então Cardeal Karol Wojtyla de Cracóvia foi o responsável pela Relatio conclusiva do Sínodo que serviu de base
para a posterior Exortação Apostólica de Paulo VI. A Relatio não foi aprovada pelo plenário, terminando o Sínodo, sem
a tradicional divulgação das conclusões a que haviam chegado os padres sinodais. O impasse levou os bispos a
entregarem ao Papa as propostas dos “circuli minori”, os grupos de trabalho organizados por diferentes idiomas,
solicitando-lhe um “serviço” até então inexistente nos anteriores Sínodos, como o confessa o próprio Paulo VI, no início
da EN: “Queremos fazer isso (a Exortação), ainda um ano depois da terceira Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos,
dedicado, como é sabido – à evangelização: e fazemo-lo também porque isso nos foi demandado pelos próprios padres
sinodais. Efetivamente, ao concluir-se essa memorável Assembléia, eles decidiram confiar ao Pastor da Igreja universal,
com grande confiança e simplicidade o fruto de todo o seu labor, declarando que esperavam do Papa um impulso novo,
capaz de suscitar, numa Igreja ainda mais arraigada na força e na potência imorredoura de Pentecostes, tempos novos de
evangelização” (EN 2). A partir de então, deixou de haver a divulgação da palavra própria dos bispos reunidos no
Sínodo, sintetizada e votada na Relatio finalis. para haver apenas a Exortação pós-sinodal, sob a responsabilidade direta
do Papa.
16
João Paulo II, Mensagem deixada às Comunidades Eclesiais de Base no Brasil (10-07-1980), in Todos os
Pronunciamentos do Papa no Brasil – Texto integral segundo a CNBB. São Paulo: Loyola, 1980, 6ª. Ed., pp. 257-258.
Em cada comunidade que brotou em tantos lugares de norte a sul do Brasil, há alguns
elementos próprios que fazem parte de sua história e de sua estrutura. Algumas delas nasceram da
entrega e dedicação de determinadas pessoas que ofereceram sua casa para acolher a comunidade
nascente. Outras foram regadas com o testemunho de pessoas que deram sua vida e derramaram o
seu sangue, como aconteceu com o Pe. Josimo Tavares nas comunidades da região do Bico do
Papagaio no Tocantins; do Ivair Higino, irmão do Pe. Geraldo, assassinado em 1988 no Acre; do Pe.
Ezequiel Ramin, comboniano italiano, por defender lavradores e indígenas de Rondônia.
Algumas das comunidades começaram a se encontrar em nível nacional e a partilhar sua
experiência nos Encontros Intereclesiais das CEBs. O Documento 25 da CNBB reconhece nesse
encontrar-se ao nível nacional “... aspecto altamente positivo enquanto dinamiza, aprofunda e
sustenta o ânimo das comunidades que dão, igualmente, um testemunho da vitalidade e ardor pelo
Evangelho a toda a Igreja. Igualmente, os encontros nacionais têm contado sempre com a presença
de bispos que os tem acompanhado” (Doc. 25, n. 85)
Vê também a necessidade de que a coordenação geral de cada encontro fosse mais assumida
pelo Regional ou diocese que o acolhe (ibidem, n. 86). A recomendação tornou-se realidade, já a
partir do V Intereclesial, em Canindé, no Ceará, quando a natural liderança de Dom Aloísio
Lorscheider, cardeal arcebispo de Fortaleza, atraiu o concurso e a ativa e entusiasta cooperação das
dioceses todas do Ceará e do Piauí.
No primeiro Intereclesial, em Vitória, no Espírito Santo, em 1975, estiveram presentes
delegados de 13 dioceses. No penúltimo, em Ipatinga, MG, vieram de 240 dioceses e, no último, em
Porto Velho, RO, de quase todas as 272 dioceses, como está assinalado em sua Carta final.
Esses encontros intereclesiais recolheram e enfatizaram alguns elementos estruturais das
comunidades de base aqui no Brasil ou respostas corajosas e proféticas que as comunidades deram
aos desafios da conjuntura. Recordamos os temas e lemas dos 11 Intereclesiais anteriores e do 12º.,
em Porto Velho, na região amazônica. Podemos intuir o quanto eles revelam acerca da estrutura, da
vida e da inspiração atual de nossas comunidades.
Tomamos da página Retrospectiva dos Intereclesiais no site www.cebsuai.org.br da
Arquidiocese de Juiz de Fora, a boa síntese abaixo sobre os mesmos:
“1º Intereclesial: Aconteceu na cidade de Vitória (ES), de 06 a 08 de janeiro de 1975, com o tema:
UMA IGREJA QUE NASCE DO POVO PELO ESPÍRITO DE DEUS. Dele participaram 70
pessoas, representantes de 11 dioceses. Foi enfatizada a importância da participação.
2º Intereclesial: Também realizado na cidade de Vitória (ES), de 29 de julho a 1º de agosto de 1976,
com o tema: IGREJA, POVO QUE CAMINHA. Contou com 100 participantes. No processo de
nova consciência sócio-eclesial, o 2º Intereclesial favoreceu a compreensão de que a fé não pode ser
separada da vida e que a Palavra de Deus se revela também na história do Povo.
3º Intereclesial: Foi em João Pessoa (PB), de 19 a 23 de julho de 1978, com o tema: IGREJA,
POVO QUE SE LIBERTA. Dele participaram 200 pessoas. Em relação aos encontros anteriores,
houve uma significativa mudança. Grande parte da assembléia era constituída de gente simples.
Assessores e bispos colocavam-se no lugar de ouvintes da palavra dos pobres e pequenos, de sua
história e paixão, de seus sonhos e esperanças.
4º Intereclesial: Aconteceu em Itaici (SP), de 20 a 24 de abril de 1981, com o tema: IGREJA,
POVO OPRIMIDO QUE SE ORGANIZA PARA A LIBERTAÇÃO. 300 pessoas estavam
presentes. O encontro deixa claro que as CEBs, em razão de sua identidade religiosa, não podem se
transformar em células partidárias, mas tampouco podem deixar de lado sua educação política. As
CEBs devem ser lugar de vivência, aprofundamento e celebração da fé, mas também lugar onde se
confrontam vida e prática com a Palavra de Deus, no sentido de se verificar a coerência da ação
política com o plano de Deus.
5º Intereclesial: Foi em Canindé (CE), de 04 a 08 de julho de 1983, com o tema: IGREJA, POVO
UNIDO, SEMENTE DE UMA NOVA SOCIEDADE. Contou com 500 participantes, inclusive com
representantes de outros países da América Latina. A reflexão central do encontro foi que, na luta
por uma nova sociedade, as CEBs encontram na motivação evangélica a razão última de todo seu
empenho.
6º Intereclesial: Aconteceu em Trindade (GO), de 21 a 25 de julho de 1986, com o tema: CEBs,
POVO DE DEUS EM BUSCA DA TERRA PROMETIDA. Contou com 1.647 participantes,
incluindo representantes dos Povos Indígenas e de Igrejas Evangélicas. Marca registrada deste
encontro são as grandes temáticas ligadas à caminhada das CEBs: seu estatuto eclesiológico; CEBs e
política partidária; a especificidade da luta das mulheres, negros e índios; e, por fim, a questão
latino-americana e o ecumenismo.
7º Intereclesial: Foi em Duque de Caxias (RJ), de 10 a 14 de julho de 1989, como o tema: POVO
DE DEUS NA AMÉRICA LATINA A CAMINHO DA LIBERTAÇÃO. 2.500 pessoas participaram
deste encontro, que teve sua temática geral subdividida em três questões específicas: a situação da
América Latina, a relação entre fé e libertação, a eclesialidade das CEBs e sua dimensão ecumênica.
8º Intereclesial: Aconteceu em Santa Maria (RS), de 08 a 12 de setembro de 1992, com o tema:
POVO DE DEUS RENASCENDO DAS CULTURAS OPRIMIDAS. 2.800 pessoas estavam
presentes. Cada bloco encarregou-se de um tema: índios, negros, migrantes, trabalhadores e
mulheres. Esta experiência inovadora de evangelização a partir dos povos e culturas oprimidas não
ocorreu sem momentos de forte dificuldade e tensão, conforme o que testemunha o documento final:
“Tudo que é novo nasce com dor de parto, mas também traz alegria”. Em especial dos blocos dos
negros e das mulheres vieram as reivindicações mais contundentes.
9º Intereclesial: Aconteceu em São Luiz (MA), 15 a 19 de julho de 1997, com o tema: CEBs, VIDA
E ESPERANÇA NAS MASSAS. Contou com 2.800 participantes. O tema foi subdividido em 6
eixos, formando a base do trabalho nos blocos temáticos. São eles: CEBs e catolicismo popular;
CEBs e religiões afro; CEBs e pentecostalismo; CEBs e cultura de massa; CEBs: excluídos e
movimento popular; CEBs e a questão indígena.
10º Intereclesial: Foi em Ilhéus (BA), de 11 a 15 de julho de 2000, com o tema: CEBs, POVO DE
DEUS, 2000 ANOS DE CAMINHADA. Dele participaram 3.036 pessoas. Recordou-se o sonho de
Jesus e a vida de comunidade assumida por seus seguidores e seguidoras de ontem e de hoje. O
encontro avaliou e celebrou os 500 anos de evangelização no Brasil e os 25 anos dos Intereclesiais,
através das temáticas: CEBs, memória e caminhada; sonho e compromisso. Tudo isso para celebrar,
festejar, avaliar e abrir novos horizontes para que um dia possamos colher os frutos da justiça, da
partilha, da igualdade, da ternura, do carinho e da festa.
11º Intereclesial: Teve lugar em Ipatinga (MG), de 19 a 23 de julho de 2005, com o tema: CEBs,
ESPIRITUALIDADE LIBERTADORA e o lema: SEGUIR JESUS NO COMPROMISSO COM
OS EXCLUÍDOS, e a participação de aproximadamente 4.000 pessoas. O encontro foi avaliado, no
seu conjunto, como um “Novo Pentecostes” que, alimentado por uma espiritualidade autenticamente
libertadora, uniu e reuniu povos e línguas, raças e nações, para celebrar o amor do Deus Libertador,
parceiro dos pobres e oprimidos, renovando em todos e todas o empenho de “seguir Jesus no
compromisso com os excluídos”.
12º Intereclesial: O Trem das CEBs caminha agora para Porto Velho (RO), para onde se prevê, de
21 a 25 de julho de 2009, a realização do 12º Intereclesial, que abordará o tema: “ECOLOGIA E
MISSÃO”, tendo como lema: DO VENTRE DA TERRA O GRITO QUE VÊM DA
AMAZÔNIA”17
.
V. A NOVIDADE DO XII INTERECLESIAL
A novidade de Porto Velho é unir dois temas bem atuais: o desafio da ECOLOGIA para o
nosso mundo de hoje e o da MISSÃO para a Igreja toda, dando-se especial ênfase para estes dois
desafios na REGIÃO AMAZÔNICA. Inserimos ao final deste texto, a Carta Final do XII
Intereclesial., em que um dos destaques foi a palavra que os bispos presentes dirigiram aos
participantes e, através deles, às CEBs de todo o Brasil:
“Os 56 bispos participantes do Intereclesial, reunidos na sexta-feira à noite com os assessores
e os membros da Ampliada Nacional das CEBs, avaliaram muito positivamente o Intereclesial,
destacando especialmente a seriedade e o empenho dos participantes no debate da temática do
encontro, a espiritualidade expressa nas bonitas celebrações diárias nos “rios”, o clima sereno e
fraterno e o grande envolvimento das comunidades das dioceses do regional Noroeste da CNBB na
organização e realização do encontro.
A presença de 331 padres que participaram do Intereclesial levou os bispos a exprimirem o
desejo de que, neste ano sacerdotal, todos os padres do Brasil renovem o compromisso de
acompanhar as CEBs, empenhadas em testemunhar os valores do Reino, como discípulas e
missionárias.
Constatando que, a partir da Conferência de Aparecida, as CEBs ganharam reconhecimento e
novo alento em todo o continente, os bispos tiveram também palavras de apoio e incentivo para a
continuação da caminhada das comunidades no Brasil, reforçadas pelo presidente da CNBB, Dom
Geraldo Lyrio Rocha.
Diante da agressão continuada da Amazônia, juntamente com todos os participantes do
encontro, manifestaram sua preocupação com a construção da barragem de Santo Antônio e Jirau
no Rio Madeira, os projetos de outras barragens no Xingu, Tapajós, Araguaia e noutros rios e a
continuada devastação da floresta pelo avanço da pecuária, das plantações de soja e cana, e da
extração ilegal de madeira”.
                                                            
17
Sobre os Intereclesiais, cf. TEIXEIRA, Faustino (Dudu), Os Encontros Intereclesiais de CEBs no Brasil (São Paulo:
1996. Sobre as CEBs em geral no Brasil, há extensa literatura nacional e internacional: TEIXEIRA, Faustino (Dudu), A
Fé na Vida. Um estudo teológico-pastoral sobre a experiência das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil (São Paulo
1987); Comunidades Eclesiais de Base – bases teológicas (Petrópolis 1988);); REGAN, David, Experiência Cristã das
Comunidades de Base – Mistagogia (São Paulo 1995); J. MARINS/C. CHANONA, Carolee/T. TREVISAN, The
Church from the roots – Basic Ecclesial Communities (Quezon City3
1997; C. POITRAS, La communauté ecclésiale de
base au Brésil à la recherche de ses fondements théologiques et pastoraux. L’apport de Jean-Paul Audet. (Thèse de
doctorat. Faculté des Études Supérieurs –Université de Montreal 1997); F. WEBER Gewagte Inkulturation.
Basisgemeinden in Brasilien. Eine pastoralgeschichtliche Zwischenbilanz (Mainz, 1996); F. WEBER (Hg.), Frischer
Wind aus dem Süden. Impulse aus den Basisgemeinden (Innsbruck-Wien 1998). Para uma revisão crítica, cf. C. BOFF et
alii, As Comunidades de Base em questão (São Paulo 1997); I. LESBAUPIN (Org.), Igreja, comunidade e massa (São
Paulo 1996); C. LEVY “CEBs in Crisis: Leadership Structures in São Paulo Area”, in J. BURDICK/ W.E HEWITT,
The Church at the Grassroots in Latin América – Perspectives on Thirty Years of Activism (Westport, Connecticut,
London, 2000, 167-182; J. BURDICK, Looking for God in Brazil: The Progressive Catholic Church in Urban Brazil’s
Religious Arena. (Berkeley 1993).
Com o texto integral da Carta do XII Intereclesial, em anexo, concluímos esse breve
apanhado da caminhada das CEBs e da reflexão eclesial que a acompanhou nos documentos da
Igreja brasileira, latino-americana e caribenha e do magistério conciliar, sinodal e papal.
ANEXO
Carta às Irmãs e aos Irmãos das CEBs e a todo Povo de Deus
Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu!
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados...”
(Mt 5, 3.6)
1. Nós, participantes do XII Intereclesial das CEBs, daqui das margens do Rio Madeira, no
coração da Amazônia, saudamos com afeto as irmãs e irmãos de todos os cantos do Brasil e dos
demais países do continente, que sonham conosco com novos céus e nova terra, num jeito novo de
ser igreja, de atuar em sociedade e de cuidar respeitosa e amorosamente de toda a criação!
2. Fomos convocados de 21 a 25 de julho de 2009, pelo Espírito e pela Igreja irmã de Porto
Velho/RO, para nos debruçar sobre o tema que nos guiou por toda a preparação do Intereclesial
em nossas comunidades e regionais:
“CEBs: Ecologia e Missão – Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”.
Acolhendo as delegações e celebrando os povos da Amazônia
3. Encheu-nos de entusiasmo ver chegando, depois de dois, três e até cinco dias de viagem
os delegados, em sua maioria de ônibus fretados, ou ainda em barcos e aviões. Em muitos ônibus,
vieram acompanhados de seus bispos e encontraram, ao longo do caminho, acolhida festiva e
refrigério em paradas nas dioceses de Rondonópolis, Cuiabá e Cáceres no Mato Grosso, Jataí em
Goiás, Uberlândia em Minas Gerais e, entrando em Rondônia, nas comunidades de Vilhena,
Pimenta Bueno, Cacoal, Presidente Médici, Ji-Paraná, Ouro Preto e Jaru. Apresentamos carinhoso
agradecimento pela fraterna e generosa acolhida de todas as delegações pelas famílias,
comunidades e paróquias de Porto Velho, o infatigável trabalho e dedicação do Secretariado e das
equipes de serviço, em que se destacaram tantos jovens.
4. Somos 3.010 delegados, aos quais se somam convidados, equipes de serviço, imprensa e
famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste
Intereclesial. Dos delegados de quase todas as 272 dioceses do Brasil, 2.174 são leigos, sendo
1.234 mulheres e 940 homens; 197 religiosas, 41 religiosos irmãos, 331 presbíteros e 56 bispos,
dentre os quais um da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, além de pastores, pastoras e fiéis
dessa Igreja, da Igreja Metodista, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja
Unida de Cristo do Japão. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico de nossa
Assembléia encontra-se espelhado no rosto das 38 nações indígenas aqui presentes e no de irmãos
e irmãs de nove países da América Latina e do Caribe, de cinco da Europa, de um da África, de
outro da Ásia e da América do Norte. Queremos ressaltar a presença marcante da juventude de
todo o Brasil por meio de suas várias organizações.
5. “Sejam benvindos/as nesta terra de muitos rios, igarapés e de muitas matas, onde está a
Arquidiocese de Porto Velho, que se faz hoje a Casa das Comunidades Eclesiais de Base”. Assim,
fomos recebidos, na celebração de abertura pela equipe da celebração e por Dom Moacyr Grechi,
com muita música e canto, ao cair da noite, ao lado dos trilhos da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré que lembra para os trabalhadores, que a construíram e para os indígenas e migrantes
nordestinos, o sofrido ciclo da borracha na Amazônia. Foram evocadas ali e, seguidamente nos
dias seguintes, as palavras sábias do provérbio africano:
“Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes,
consegue mudanças extraordinárias”.
6. Pelas mãos de representantes dos povos indígenas, dos quilombolas, seringueiros,
ribeirinhos, posseiros e de migrantes do campo e da cidade foram plantadas ao lado do altar, três
grandes tochas. Nelas, foram acesas milhares de velas dos participantes, cujas luzes se espalharam
pelos degraus da esplanada, enquanto ouvíamos o canto do Cristo dos Seringais:
“Na densa floresta vai um caminheiro
Cristo seringueiro a seringa a cortar... “,
Os versos eram entrecortados pelo refrão:
“E vem a esperança que surja a bonança,
Não seja explorado o suor na balança”.
“E vem a esperança que surja a mudança
E o homem refaça com Deus a aliança”.
Ouvindo os gritos das comunidades da Amazônia e comungando com seus sonhos
7. Com o apito da sirene da Madeira-Mamoré, o trem das CEBs retomou sua caminhada,
reunindo-se no dia seguinte, na grande plenária do PORTO, aclamado pela Assembléia, “PORTO
DOM HELDER CAMARA”, pelo centenário do seu nascimento (1909-2009) e em resgate de sua
profética atuação. Iniciamos esse primeiro dia, dedicado ao VER, partindo do grito profético da
terra e dos povos da Amazônia, símbolos da humanidade, na sua rica diversidade, deixando-nos
guiar na celebração pelo som dos maracás, tambores e flautas e pela dança de louvor a Deus de
nossos irmãos e irmãs indígenas. Dali, partimos para os locais dos mini-plenários de 250
participantes, nas paróquias e escolas. Eles levavam os nomes de doze RIOS da bacia amazônica:
Madeira, Juruá, Purus, Oiapoque, Guamá, Tocantins, Tapajós, Itacaiunas, Guaporé, Gurupi,
Araguaia e Jari.
8. Divididos nos Rios em 12 CANOAS, com duas dezenas de participantes cada uma,
partilhamos as experiências, gritos e lutas das comunidades em relação à nossa Casa comum, a
partir do bioma amazônico e dos outros biomas do Brasil (cerrado, caatinga, pantanal, pampas,
mata atlântica e manguezais da zona costeira), da América Latina e do Caribe. Vimos nossa Casa
ameaçada pelo desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações de soja, cana, eucalipto e
outras monoculturas, sobre áreas de florestas; pela ação predatória de madeireiras, pelas
queimadas, poluição e envenenamento das águas, peixes e humanos pelo mercúrio dos garimpos,
pelos rejeitos das mineradoras e pelo lixo nas cidades. Encontra-se ameaçada também pelo
crescente tráfico de drogas, de mulheres e crianças e pelo extermínio de jovens provocado pela
violência urbana.
9. Somamos nosso grito ao das populações locais, para que a Amazônia não seja tratada
como colônia, de onde se retiram suas riquezas e amazonidades, em favor de interesses alheios,
mas que seja vista em pé de igualdade, no concerto das grandes regiões irmãs, com sua
contribuição específica em favor da vida dos povos, em especial de seus 23 milhões de habitantes,
para que tenham o suficiente para viver com dignidade.
10. Fazemos um apelo para que os governantes sejam sensíveis ao grito que brota do
ventre da Terra e, pautados por uma ética do cuidado, adotem uma política de contenção de
projetos que agridem a Amazônia e seus povos da floresta, quilombolas, ribeirinhos, migrantes do
campo e da cidade, numa perspectiva que efetivamente inclua os amazônidas, como colaboradores
verdadeiros na definição dos rumos da Amazônia.
11. Tomamos consciência também de nossas responsabilidades em relação ao reto uso da
água, da terra, do solo urbano e à superação do consumismo, respondendo ao apelo, para que
todos vivamos do necessário, para que ninguém passe necessidade.
12. Constatamos, com alegria, a multiplicação de iniciativas em favor do meio ambiente,
como a de humildes catadores de material reciclável, no meio urbano, tornando-se profetas da
ecologia e as de economia solidária, agricultura orgânica e ecológica. Saudamos os muitos sinais
de uma “Terra sem males”, fazendo-nos crescer na esperança de que “outro mundo é possível,
necessário e urgente”.
13. De tarde, realizamos a Caminhada dos Mártires, em direção ao local onde o rio
Madeira foi desviado e em cujo leito seco, ao som dos estampidos das rochas dinamitadas, está
sendo concretada a barragem da hidrelétrica. Celebrou-se ali Ato Penitencial por todas as
agressões contra a natureza e a vida humana. Defronte às pedreiras que acolhiam as águas das
cachoeiras de Santo Antônio, agora totalmente secas, ao lado da primeira capela construída na
região, foram proclamadas as Bem-aventuranças evangélicas (Mt 5, 1-12), sinal da teimosa
esperança dos pequenos, os preferidos de Deus.
14. No segundo dia, prosseguimos com o VER, com uma pincelada sobre a conjuntura
atual na esfera sócio-política e econômica, apresentada por Pedro Ribeiro de Oliveira; na
perspectiva das mulheres, por Julieta Amaral da Costa e do ponto de vista ecológico, por Leonardo
Boff. Atendendo ao convite de Jesus: “Vinde e vede” (Jo, 1, 39), após a pergunta dos discípulos,
“Mestre, onde moras?” (Jo 1, 38), partimos em grupos, em visita às muitas realidades locais:
populações indígenas, comunidades afro-descendentes, ribeirinhas, extrativistas, grupos vivendo
em assentamentos rurais ou em áreas de ocupação urbana; bairros da periferia; hospitais, prisões,
casas de recuperação de pessoas com dependência química e ainda a trabalhos com menores ou
pessoas com deficiência. O retorno foi rico na partilha de experiências, nas quais descobrimos
sinais de vida nova. Reiteramos que os projetos dos grandes, principalmente as barragens das
usinas hidrelétricas, as usinas nucleares geradoras de lixo atômico que põe em risco a população
local, são projetos do capital transnacional que não favorecem os pequenos. Apoiados na
sabedoria milenar dos povos indígenas, nos sentimos animados a repetir com eles: “Nunca
deixaremos de ser o que somos”. Nós, como CEBs no meio dos simples e pequenos, reafirmamos
nossa teimosa opção pelos pobres e pelos jovens, proclamada há trinta anos em Puebla, resistindo
e lutando para superar nossas dificuldades, sustentados pela fé no Deus que se revelou a nós como
Trindade, a melhor comunidade.
15. No terceiro dia, as celebrações da manhã aconteceram nos rios, resgatando memórias
da espiritualidade dos povos da região e das experiências colhidas no caminho missionário
percorrido no dia anterior, nas visitas às muitas realidades eclesiais e sociais de Rondônia. A
oração foi alentada pela promessa do Êxodo: “Decidi vos libertar... vos farei subir dessa terra
para uma terra fértil e espaçosa, terra, onde corre leite e mel” (Ex. 3, 8). Em cada canoa, os
relatos iam revelando uma igreja preocupada com a justiça social e a defesa da vida nos
testemunhos de gente simples em todos aqueles lugares visitados. Esses relatos aqueceram nosso
coração e nos desafiaram a perseverar na caminhada das CEBs.
16. À tarde, fomos tocados por vários testemunhos. Em primeiro lugar, pela sentida oração
dos Xerente do Tocantins que celebraram seu ritual pelos mortos, homenageando o amigo e
missionário, Pe. Gunter Kroemer. Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, retomou
em sua história a trajetória dos negros no Brasil, suas dores, resistências e esperanças de um
mundo melhor, nos seus Quilombos da liberdade. Marina Silva, senadora pelo Acre e ex-ministra
do Meio Ambiente, contou sua caminhada de menina analfabeta do seringal para a cidade de Rio
Branco e de lá para São Paulo, mas principalmente sua incessante busca, a partir da fé herdada de
sua avó, alimentada pela experiência das CEBs, da leitura da Palavra de Deus e pelo exemplo de
Chico Mendes, de bem viver e de colocar-se publicamente a serviço, em favor do povo
amazônida. Por fim, depois da apresentação de Dom Tomás Balduíno, em que ressaltou o papel de
Dom Pedro Casaldáliga da Prelazia de São Félix do Araguaia na fundação, junto com outros, do
CIMI, da CPT e de Pastorais Sociais, acompanhamos pelo vídeo seu testemunho e nos
emocionamos com suas palavras de esperança e confiança em Jesus e na utopia do seu Reinado.
17. Neste dia, ocorreu também o encontro da Pastoral da Juventude de todo o Brasil e outro
também muito significativo entre bispos, assessores e Ampliada Nacional das CEBs. Momento
fecundo do estreitamento de laços e abertura a novos passos em nossa caminhada, em que foi
expressa a alegria e alento trazidos pela presença significativa de tantos bispos. Desse encontro, os
bispos presentes resolveram enviar sua palavra às comunidades:
Palavras dos Bispos às CEBs
18. Os 56 bispos participantes do Intereclesial, reunidos na sexta-feira à noite com os
assessores e os membros da Ampliada Nacional das CEBs, avaliaram muito positivamente o
Intereclesial, destacando especialmente a seriedade e o empenho dos participantes no debate da
temática do encontro, a espiritualidade expressa nas bonitas celebrações diárias nos “rios”, o clima
sereno e fraterno e o grande envolvimento das comunidades das dioceses do regional Noroeste da
CNBB na organização e realização do encontro.
A presença de 331 padres que participaram do Intereclesial levou os bispos a
exprimirem o desejo de que, neste ano sacerdotal, todos os padres do Brasil renovem o
compromisso de acompanhar as CEBs, empenhadas em testemunhar os valores do
Reino, como discípulas e missionárias.
Constatando que, a partir da Conferência de Aparecida, as CEBs ganharam
reconhecimento e novo alento em todo o continente, os bispos tiveram também palavras
de apoio e incentivo para a continuação da caminhada das comunidades no Brasil,
reforçadas pelo presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha.
Diante da agressão continuada da Amazônia, juntamente com todos os
participantes do encontro, manifestaram sua preocupação com a construção da
barragem de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, os projetos de outras barragens no
Xingu, Tapajós, Araguaia e noutros rios e a continuada devastação da floresta pelo
avanço da pecuária, das plantações de soja e cana, e da extração ilegal de madeira.
Nas diferenças, o mesmo Deus que nos convoca para a Justiça e a Paz
19. Na manhã do último dia, fomos guiados pelo texto do Apocalipse: “O anjo
mostrou para mim, um rio de água viva... O rio brotava do trono de Deus e do
cordeiro...; de cada lado do rio estão plantadas árvores da vida... suas folhas servem
para curar as nações” (Ap 22, 1-2). Bebemos no manancial da fé que nos une a todos e
todas, na única família humana, como filhos e filhas da mesma Mãe-Terra, a Pacha-
Mama dos povos andinos, a Terra sem Males dos Povos Guarani, na busca, sonho e
construção do Reino de Deus anunciado por Jesus.
20. Juntos, representantes das Religiões Indígenas e dos Cultos Afro-brasileiros,
de Judeus, Cristãos Ortodoxos, Católicos e Evangélicos, Muçulmanos, de mulheres e
homens de boa vontade e de todas as crenças, no diálogo e respeito à diversidade da teia
da vida, acolhemos os gritos da Amazônia e de todos os biomas e reafirmamos nossa
solidariedade e compromisso com a justiça geradora da paz.
21. Caminhamos como povo de Deus que conquista a Terra Prometida e a torna
espaço de fartura e fraternura, acolhendo todas as expressões da vida.
Nossos Compromissos
22. Comprometemo-nos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares:
as dos povos indígenas, pela demarcação e homologação de suas terras e respeito por
suas culturas; as dos afro-descendentes, pelo reconhecimento e demarcação das terras
quilombolas; as das mulheres, por sua dignidade e igualdade e avanço em suas
articulações locais, nacionais e internacionais; as dos ribeirinhos pela legalização de
suas posses; as dos atingidos pelas barragens, pelo direito à terra equivalente, restituição
de seus meios de sobrevivência perdidos e indenização por suas benfeitorias; as dos sem
terra, apoiando-os em suas ocupações e em sua e nossa luta pela reforma agrária, contra
o latifúndio e os grileiros; as dos Movimentos Ecológicos, contra a devastação da
natureza, pela defesa das águas e dos animais.
23. Queremos defender e apoiar o movimento FLORESTANIA, no respeito à
agrobiodiversidade e aos valores culturais, sociais e ambientais da Amazônia.
24. Assumimos também o compromisso de respaldar modelos econômicos
alternativos na agricultura, na produção de energias limpas e ambientalmente
amigáveis; de participar na luta sindical, reforçando a ação dos sindicatos do campo e
da cidade, com suas associações e cooperativas e sua luta contra o desemprego, com
especial atenção à juventude.
25. Convocamos a todos nós para o trabalho político de base, para a militância
em movimentos sociais e partidos ligados às lutas populares; para participar nas lutas
por políticas públicas ligadas à educação, saúde, moradia, transporte, saneamento
básico, emprego, reforma agrária e para tomar parte nos conselhos de cidadania, nas
pastorais sociais, no movimento pela não redução da maioridade penal, no Grito dos
Excluídos, nas iniciativas do 1º. de Maio e das Semanas Sociais.
26. Comprometemo-nos ainda a fortalecer e multiplicar nossas Comunidades
Eclesiais de Base, criando comunidades eclesiais e ecológicas de base nos bairros das
cidades e na zona rural, promovendo a educação ambiental em todos os espaços de
nossa atuação; a intensificar a formação bíblica; a incentivar uma Igreja toda ela
ministerial, com ministérios diversificados confiados a leigas e leigos assumindo seu
protagonismo, como sujeitos privilegiados da missão; a fortalecer o diálogo ecumênico
e inter-religioso superando a intolerância religiosa e os preconceitos.
27. Queremos, a partir das CEBs, repensar a pastoral urbana, como um dos
grandes desafios eclesiais; assumir o testemunho e a memória dos nossos mártires e
empenhar-nos na Missão Continental proposta pela V Conferência do Episcopado
Latino-americano e Caribenho, em Aparecida.
Rumo ao XIII Intereclesial no Ceará
28. Acompanhados pelas comunidades e famílias que nos receberam e caravanas
de todo o Regional, celebramos a Eucaristia, presença sempre viva do
Crucificado/Ressuscitado, comprometendo-nos com todos os crucificados de nossa
sociedade, com suas lutas por libertação, para construirmos outro mundo possível, como
testemunhas da Páscoa do Senhor, acompanhados pela proteção e benção da Mãe de
Deus, celebrada no Círio de Nazaré e invocada na região amazônica, com outros tantos
nomes; no Brasil, com o título de Aparecida, e na nossa América, com o de Virgem de
Guadalupe.
29. Escolhida a Igreja do Crato, que irá acolher, nas terras do Padim Pe. Cícero,
o XIII Intereclesial, recolocamos nos trilhos o trem das CEBs, rumo ao Ceará, enviando
a vocês, irmãos e irmãs das comunidades, nosso abraço fraterno, e cheio de revigorada
esperança. AMÉM! AXÉ! AUERÊ! ALELUIA!
ANEXO II
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
48ª Assembleia Geral da CNBB
Brasília, 4 a 13 de maio de 2010 
48ª AG(Doc)
MENSAGEM AO POVO DE DEUS SOBRE AS
COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE
Introdução
“As Comunidades Eclesiais de Base”, dizíamos em 1982, constituem “em
nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja
(...)” (Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, CNBB, doc. 25,1). Após a
Conferência de Aparecida (2007) e o 12º Intereclesial (Porto Velho-2009), queremos
oferecer a todos os nossos irmãos e irmãs uma mensagem de animação, embora breve,
para a caminhada de nossas CEBs.
Queremos reafirmar que elas continuam sendo um “sinal da vitalidade da
Igreja” (RM 51). Os discípulos e as discípulas de Cristo nelas se reúnem para uma
atenta escuta da Palavra de Deus, para a busca de relações mais fraternas, para celebrar
os mistérios cristãos em sua vida e para assumir o compromisso de transformação da
sociedade. Além disso, como afirma Medellín, as comunidades de base são “o primeiro
e fundamental núcleo eclesial (...), célula inicial da estrutura eclesial e foco de
evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção humana (...)” (Medellín 15).
Por isso, “Como pastores, atentos à vida da Igreja em nossa sociedade,
queremos olhá-las com carinho, estar à sua escuta e tentar descobrir através de sua vida,
tão intimamente ligada à história do povo no qual elas estão inseridas, o caminho que se
abre diante delas para o futuro”. (CNBB 25,5)
Os desafios postos às CEBs hoje: a sociabilidade básica no clima cultural
contemporâneo
Com as grandes mudanças que estão acontecendo no mundo inteiro e em
nosso país, as CEBs enfrentam hoje novos desafios: numa sociedade globalizada e
urbanizada, como viver em comunidade? Nascidas num contexto ainda em grande parte
rural, serão capazes de se adaptar aos centros urbanos, que têm um ritmo de vida
diferente e são caracterizados por uma realidade plural? Dentro desse contexto, há outro
desafio: como transmitir às novas gerações as experiências e valores das gerações
anteriores, inclusive a fé e o modo de vivê-la? Só uma Igreja com diferentes jeitos de
viver a mesma Fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade
contemporânea.
O século XX foi, sem dúvida, o século da globalização. Suas consequências
para a vida cotidiana são tantas que hoje se fala que o mundo vive não mais uma época
de mudanças, mas “uma mudança de época, cujo nível mais profundo é o cultural”
(DAp 44). De fato, “a ciência e a técnica quando colocadas exclusivamente a serviço do
mercado (...) criam uma nova visão da realidade” (DAp 45), mas isso não significa um
passo em direção ao desenvolvimento integral proposto pela encíclica Populorum
progressio e reafirmado pelo Papa Bento XVI em Caritas in Veritate, porque a lógica
do mercado corrói a estrutura de sociabilidade básica que se expressa nas relações de
tipo comunitário. À medida que ele avança, expulsa as relações de cooperação e
solidariedade e introduz relações de competição nas quais o mais forte é quem leva
vantagem.
Desta forma, é preciso valorizar as experiências de sociabilidade básica: as
relações fundadas na gratuidade que se expressa na dinâmica de oferecer-receber-
retribuir. O cultivo da reciprocidade tem como espaço primeiro aquele onde a
vizinhança territorial é importante para a vida cotidiana, como em áreas rurais, bairros
de periferia e favelas. É a solidariedade entre vizinhos – melhor dizendo, entre vizinhas
– que assegura o cuidado com crianças, idosos e doentes, por exemplo. Não por acaso,
esses espaços periféricos favorecem o desenvolvimento de associações de vizinhança e
movimentos que reivindicam melhorias de equipamento urbano, bem como das próprias
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). São as relações de reciprocidade que,
promovendo a solidariedade que é a força dos pobres e pequenos, permite que se diga
que "gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue
mudanças extraordinárias".
O percurso histórico das CEBs no Brasil
A experiência das CEBs não surgiu de um planejamento prévio, mas de um
impulso renovador, como um sopro do Espírito, já presente na Igreja no Brasil. Esse
impulso renovador se manifesta de forma crescente nos anos 50 e 60 do século 20. Na
verdade, os tempos se tornaram maduros para uma nova consciência histórica e eclesial:
primeiro, pela emergência de um novo sujeito social na sociedade brasileira, o sujeito
popular, que ansiava à participação; segundo, pela emergência de um novo sujeito
eclesial, portador de uma nova consciência na Igreja. Ele ansiava participar ativa e
corresponsavelmente da vida e da missão da Igreja. Esse sujeito provoca novas
descobertas e conversões pastorais (CNBB 25,7).
Nelas se revigoravam ou restauravam as relações de reciprocidade, de modo
a favorecer a reconstrução das estruturas da vida cotidiana, do mundo da vida, em um
contexto social adverso. A interação entre a CEB enquanto organismo eclesial e a
comunidade local de vizinhos é uma das grandes contribuições da Igreja à conquista dos
direitos de cidadania em nosso País. Ao acolher pastoralmente a população rural ou
migrante em capelas e salões improvisados nos quais elas se sentissem “em casa”, a
Igreja lhes ofereceu uma possibilidade de organizar-se autonomamente, quando as
empresas e os poderes públicos só viam nela o potencial de mão-de-obra a ser
empregada no processo de industrialização.
A experiência dos Intereclesiais
Os Encontros Intereclesiais das CEBs são patrimônio teológico e pastoral da
Igreja no Brasil. Desde a realização do primeiro, em 1975 (Vitória – ES), reúnem
diversas dioceses para troca de experiência e reflexão teológica e pastoral acerca da
caminhada das CEBs. Foram doze encontros nacionais, diversos encontros de
preparação em várias instâncias (paróquias, dioceses, regionais) e, desde a realização do
8º Intereclesial ocorrido em Santa Maria – RS (1992), são realizados seminários de
preparação e aprofundamento dos temas ligados ao encontro.
Manifestação visível da eclesialidade das CEBs, os Encontros Intereclesiais
congregam bispos, religiosos e religiosas, presbíteros, assessores e assessoras,
animadores e animadoras de comunidades, bem como convidados de outras igrejas
cristãs e tradições religiosas. Neles se expressa a comunhão entre os fiéis e seus
pastores.
Espiritualidade e vivência eucarística
“O Concílio Vaticano II, eminentemente pastoral, provocou um grande
impacto na Igreja. Suas grandes idéias-chaves trouxeram a fundamentação teológica
para a intuição, já sentida na prática, de que a renovação pastoral deve se fazer a partir
da renovação da vida comunitária e de que a comunidade deve se tornar instrumento de
evangelização”. (CNBB 25,11)
A exigência do Vaticano II é de razão estritamente teológica, de ordem
trinitária. A essência íntima de Deus não é a solidão, mas a comunhão de três divinas
Pessoas. A comunhão – koinonia, communio – constitui a realidade e a categoria
fundamental que permeia todos os seres e que melhor traduz a presença do Deus-
Trindade no mundo. É a comunhão que faz a Igreja ser “comunidade de fiéis”. Por isso,
o Vaticano II faz derivar a união do Povo de Deus da unidade que vigora entre as três
divinas Pessoas (LG 4).
A Trindade nos coloca, desde o início, no coração do mistério de comunhão.
O Papa João Paulo II, falando aos bispos em Puebla, em 28 de janeiro de 1979,
proclamou: “Nosso Deus em seu mistério mais íntimo não é uma solidão, mas uma
família... e a essência da família é o amor”. A comunhão e a comunidade devem estar
presentes em todas as manifestações humanas e em todas as concretizações eclesiais.
Por isso mesmo, a Eucaristia está no centro da vida de nossas comunidades
de base. É o sacramento que expressa comunhão e participação de todos e todas, como
numa grande família, ao redor da Mesa do Pai. Há comunidades que recebem a
comunhão eucarística graças a presença do Santíssimo no local ou pelo serviço de um
ministro extraordinário da sagrada comunhão. Como nossas CEBs, em sua maioria,
“não têm oportunidade de participar da Eucaristia dominical”, por falta de ministros
ordenados, “elas podem alimentar seu já admirável espírito missionário participando da
‘celebração dominical da Palavra’, que faz presente o mistério pascal no amor que
congrega (cf. 1 Jo 3, 14), na Palavra acolhida (cf. Jo 5, 24-25) e na oração comunitária
(cf. Mt 18,20)” (DAp 253).
A realidade das CEBs se expressa na liturgia e também na diaconia e na
profecia. A diaconia educa, cura as feridas, multiplica e distribui o pão e chama para a
solidariedade e a comunhão. A profecia anuncia o desígnio de Deus e denuncia os
abusos, a mentira, a injustiça, a exploração e exige a conversão. Por isso, sofre
perseguição, difamação, morte.
Temos duas testemunhas recentes desse duplo ministério dos discípulos e
discípulas de Jesus Cristo: Dra. Zilda Arns e Irmã Dorothy Stang. Há muito conhecidas
por nossas comunidades pobres pelo Brasil afora, elas inspiraram a ação das CEBs. Elas
entregaram a vida e nos deixaram seu testemunho de fé e amor aos pobres, fracos,
desamparados e discriminados.
Esta espiritualidade também possibilitou a produção de uma rica
manifestação artística em nossas comunidades – músicas, poesias, pinturas, símbolos –
típicos da prática religiosa e cultural de nosso povo, e que também são instrumentos de
evangelização e de missão.
Vivência e Anúncio da Palavra de Deus e o Testemunho de fé
“A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). A acolhida da
Palavra de Deus e a vivência comunitária da fé são indissociáveis nas CEBs. A Bíblia
A herança das CEBs: de Jesus às primeiras comunidades
A herança das CEBs: de Jesus às primeiras comunidades
A herança das CEBs: de Jesus às primeiras comunidades

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

Documento cnbb 62 - missão dos cristão leigos e leigas
Documento cnbb   62 - missão dos cristão leigos e leigasDocumento cnbb   62 - missão dos cristão leigos e leigas
Documento cnbb 62 - missão dos cristão leigos e leigaszepasamp
 
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBsMensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBsCarlos Santos
 
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBsMensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBsCarlos Santos
 
Documento 25 da CNBB
Documento 25 da CNBBDocumento 25 da CNBB
Documento 25 da CNBBCarlos Santos
 
Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia José Vieira Dos Santos
 
Estudo do documento 100
Estudo do documento 100Estudo do documento 100
Estudo do documento 100IRINEU FILHO
 
Comunidade de comunidades uma nova Paróquia
Comunidade de comunidades uma nova ParóquiaComunidade de comunidades uma nova Paróquia
Comunidade de comunidades uma nova ParóquiaBernadetecebs .
 
02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assis
02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assis02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assis
02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assisGeo Jaques
 
Aresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidades
Aresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidadesAresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidades
Aresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidadesPe Gil Medeiros
 
Igreja Comunidade de Comunidades
Igreja Comunidade de ComunidadesIgreja Comunidade de Comunidades
Igreja Comunidade de ComunidadesAdriano Matilha
 
Comunidade de Comunidades: Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades: Uma Nova ParóquiaComunidade de Comunidades: Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades: Uma Nova ParóquiaJosé Vieira Dos Santos
 
Comunidade de comunidades dom jaime
Comunidade de comunidades dom jaimeComunidade de comunidades dom jaime
Comunidade de comunidades dom jaimeAlexandre Panerai
 
Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...
Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...
Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...Região Episcopal Belém
 
SANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDA
SANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDASANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDA
SANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDAPaulo David
 
Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2
Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2
Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2domeduardo
 
A missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
A missão integral da igreja zabatiero, proença e olivaA missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
A missão integral da igreja zabatiero, proença e olivaÉder Granado Raffa
 
COMO FALAR DE DEUS HOJE?
COMO FALAR DE DEUS HOJE?COMO FALAR DE DEUS HOJE?
COMO FALAR DE DEUS HOJE?domeduardo
 

La actualidad más candente (20)

Ce bs
Ce bsCe bs
Ce bs
 
Documento cnbb 62 - missão dos cristão leigos e leigas
Documento cnbb   62 - missão dos cristão leigos e leigasDocumento cnbb   62 - missão dos cristão leigos e leigas
Documento cnbb 62 - missão dos cristão leigos e leigas
 
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBsMensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
 
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBsMensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBs
 
Documento 25 da CNBB
Documento 25 da CNBBDocumento 25 da CNBB
Documento 25 da CNBB
 
Campanha da Fraternidade 2015
Campanha da Fraternidade 2015Campanha da Fraternidade 2015
Campanha da Fraternidade 2015
 
Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades Uma Nova Paróquia
 
Estudo do documento 100
Estudo do documento 100Estudo do documento 100
Estudo do documento 100
 
Uma nova paroquia
Uma nova paroquiaUma nova paroquia
Uma nova paroquia
 
Comunidade de comunidades uma nova Paróquia
Comunidade de comunidades uma nova ParóquiaComunidade de comunidades uma nova Paróquia
Comunidade de comunidades uma nova Paróquia
 
02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assis
02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assis02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assis
02 12-2013.103713 material33-assdiocpastoral_comunidade de comunidades_pe. assis
 
Aresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidades
Aresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidadesAresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidades
Aresentação doc-100-cnbb-comunidade-de-comunidades
 
Igreja Comunidade de Comunidades
Igreja Comunidade de ComunidadesIgreja Comunidade de Comunidades
Igreja Comunidade de Comunidades
 
Comunidade de Comunidades: Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades: Uma Nova ParóquiaComunidade de Comunidades: Uma Nova Paróquia
Comunidade de Comunidades: Uma Nova Paróquia
 
Comunidade de comunidades dom jaime
Comunidade de comunidades dom jaimeComunidade de comunidades dom jaime
Comunidade de comunidades dom jaime
 
Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...
Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...
Arquidiocese de São Paulo: Testemunha de Jesus Cristo na cidade - 11º Plano d...
 
SANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDA
SANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDASANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDA
SANTA MISSÃO POPULAR NO DOCUMENTO DE APARECIDA
 
Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2
Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2
Dgae da igreja no brasil, dom eduardo 2
 
A missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
A missão integral da igreja zabatiero, proença e olivaA missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
A missão integral da igreja zabatiero, proença e oliva
 
COMO FALAR DE DEUS HOJE?
COMO FALAR DE DEUS HOJE?COMO FALAR DE DEUS HOJE?
COMO FALAR DE DEUS HOJE?
 

Similar a A herança das CEBs: de Jesus às primeiras comunidades

Doutrina social da igreja
Doutrina social da igrejaDoutrina social da igreja
Doutrina social da igrejactleigos
 
Texto-Base do 3º Congresso Missionário Nacional
Texto-Base do 3º Congresso Missionário NacionalTexto-Base do 3º Congresso Missionário Nacional
Texto-Base do 3º Congresso Missionário NacionalBernadetecebs .
 
Capitulo 3 A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...
Capitulo 3   A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...Capitulo 3   A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...
Capitulo 3 A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...Klaus Newman
 
A "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso social
A "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso socialA "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso social
A "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso socialConcilio 50 anos
 
simpósio ecumenismo e missão
simpósio ecumenismo e missãosimpósio ecumenismo e missão
simpósio ecumenismo e missãoGilbraz Aragão
 
ECUMENISMO
ECUMENISMOECUMENISMO
ECUMENISMOluciano
 
4 história do cristianismo -4ª aula
4  história do cristianismo -4ª aula4  história do cristianismo -4ª aula
4 história do cristianismo -4ª aulaPIB Penha
 
Informativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SP
Informativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SPInformativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SP
Informativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SPBernadetecebs .
 
Um Pouco De HistóRia Das Ce Bs No Brasil
Um Pouco De HistóRia Das Ce Bs No BrasilUm Pouco De HistóRia Das Ce Bs No Brasil
Um Pouco De HistóRia Das Ce Bs No BrasilPastoral da Juventude
 
Deus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptx
Deus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptxDeus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptx
Deus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptxMartin M Flynn
 
Fundamentos da educação religiosa ecumenismo e diálogo inter-religioso
Fundamentos da educação religiosa   ecumenismo e diálogo inter-religiosoFundamentos da educação religiosa   ecumenismo e diálogo inter-religioso
Fundamentos da educação religiosa ecumenismo e diálogo inter-religiosoWerkson Azeredo
 
2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphat2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphatCarlos Santos
 
2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphat2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphatCarlos Santos
 
Folha Dominical - 22.01.11 Nº357
Folha Dominical - 22.01.11 Nº357Folha Dominical - 22.01.11 Nº357
Folha Dominical - 22.01.11 Nº357Comunidades Vivas
 

Similar a A herança das CEBs: de Jesus às primeiras comunidades (20)

Congresso Lima
Congresso LimaCongresso Lima
Congresso Lima
 
A historia da catequese
A historia da catequeseA historia da catequese
A historia da catequese
 
Doutrina social da igreja
Doutrina social da igrejaDoutrina social da igreja
Doutrina social da igreja
 
Texto-Base do 3º Congresso Missionário Nacional
Texto-Base do 3º Congresso Missionário NacionalTexto-Base do 3º Congresso Missionário Nacional
Texto-Base do 3º Congresso Missionário Nacional
 
Capitulo 3 A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...
Capitulo 3   A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...Capitulo 3   A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...
Capitulo 3 A Igreja no Século XX e Início do Novo Milênio (passando pelos 1...
 
A "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso social
A "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso socialA "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso social
A "Mater et Magistra" deu vigoroso impulso à linha do compromisso social
 
simpósio ecumenismo e missão
simpósio ecumenismo e missãosimpósio ecumenismo e missão
simpósio ecumenismo e missão
 
Gaudium et spes go
Gaudium et spes   goGaudium et spes   go
Gaudium et spes go
 
ECUMENISMO
ECUMENISMOECUMENISMO
ECUMENISMO
 
4 história do cristianismo -4ª aula
4  história do cristianismo -4ª aula4  história do cristianismo -4ª aula
4 história do cristianismo -4ª aula
 
Informativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SP
Informativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SPInformativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SP
Informativo das CEBs - diocese de São José dos Campos - SP
 
Um Pouco De HistóRia Das Ce Bs No Brasil
Um Pouco De HistóRia Das Ce Bs No BrasilUm Pouco De HistóRia Das Ce Bs No Brasil
Um Pouco De HistóRia Das Ce Bs No Brasil
 
Ecumenismo
EcumenismoEcumenismo
Ecumenismo
 
Deus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptx
Deus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptxDeus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptx
Deus é Amor - 2 - Benedicto XVI.pptx
 
Documento de Aparecida
Documento de AparecidaDocumento de Aparecida
Documento de Aparecida
 
Fundamentos da educação religiosa ecumenismo e diálogo inter-religioso
Fundamentos da educação religiosa   ecumenismo e diálogo inter-religiosoFundamentos da educação religiosa   ecumenismo e diálogo inter-religioso
Fundamentos da educação religiosa ecumenismo e diálogo inter-religioso
 
Folha informativa 18-06-2017
Folha informativa 18-06-2017Folha informativa 18-06-2017
Folha informativa 18-06-2017
 
2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphat2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphat
 
2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphat2 t2016 l12_josaphat
2 t2016 l12_josaphat
 
Folha Dominical - 22.01.11 Nº357
Folha Dominical - 22.01.11 Nº357Folha Dominical - 22.01.11 Nº357
Folha Dominical - 22.01.11 Nº357
 

A herança das CEBs: de Jesus às primeiras comunidades

  • 1. AS CEBS E SEUS DESAFIOS HOJE: UM OLHAR SOBRE A CONJUNTURA E A HISTÓRIA I. A HERANÇA DE JESUS E DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES II. CEBs: HERDEIRAS DE MÚLTIPLAS HERANÇAS ECLESIAIS II.1. A HERANÇA DO CONCÍLIO VATICANO II (1962-1965) II. 2. AS CEBS NA IGREJA DO BRASIL 2.1. A HERANÇA DO PLANO DE PASTORAL DE CONJUNTO, O PPC (1965) 2.2. CEBS NAS POSTERIORES DIRETRIZES PARA A AÇÃO PASTORAL DA IGREJA DO BRASIL. 2.3. A HERANÇA DO DOCUMENTO 25 DA CNBB: COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE NA IGREJA DO BRASIL III. CEBS, E SUA HERANÇA LATINO-AMERICANA DE MEDELLÍN A APARECIDA III.1. AS CEBS EM MEDELLÍN III.2. AS CEBS EM PUEBLA III.3. AS CEBS EM SANTO DOMINGO III.4. AS CEBS EM APARECIDA IV. AS CEBS NA AGENDA E NO HORIZONTE DA IGREJA UNIVERSAL IV.1. O SÍNODO DA EVANGELIZAÇÃO E A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII NUNTIANDI IV.2. MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II ÀS CEBS DO BRASIL V. A HERANÇA DAS CEBS NOS SEUS DOZE INTERECLESIAIS. ANEXO I – CARTA DO XII INTERECLESIAL DE PORTO VELHO ANEXO II – CNBB – MENSAGEM AO POVO DE DEUS SOBRE AS CEBs – Brasília:12-05-2010
  • 2.   AS CEBs E SEUS DESAFIOS HOJE: UM OLHAR SOBRE A CONJUNTURA E A HISTÓRIA1 Quando nos propomos examinar uma determinada conjuntura social, política ou eclesial, é importante descobrir, por detrás dos acontecimentos que se sucedem, aqueles elementos que são de caráter mais permanente. Estes mudam também, mas de maneira mais lenta, sem perder certos pontos de referência. Essas duas dimensões, quando se trata das Comunidades de Base, são ainda mais importantes, pois do ponto de vista estrutural, as comunidades deitam suas raízes no próprio sonho de Jesus e na sua prática messiânica, no anúncio do Reino de Deus entre os homens e mulheres de seu tempo e na formação de um grupo de seguidoras e seguidores de Jesus, de discípulos e discípulas, de apóstolos e apóstolas. O sonho e a prática de Jesus foram depois levados adiante pelas comunidades nascidas da boa notícia do evangelho e da prática de Jesus, de sua morte e ressurreição e da missão dada aos seus discípulos e discípulas: “Vão, portanto, e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos...” (Mt 28, 19). Retornando ao tema das raízes das comunidades, o X Encontro Intereclesial das CEBs em Ilhéus, BA, no ano 2.000, quis celebrar e entrelaçar três eventos: - os 25 anos do I Encontro Intereclesial em Vitória, ES (1975-2000), - os 500 anos da entrada conflituosa dos portugueses - militares, administradores, colonos e religiosos - no Brasil (1500-2000), - e os 2000 anos de caminhada das comunidades. Isso estava espelhado no tema e no lema do X Intereclesial: “CEBs, POVO DE DEUS, 2000 ANOS DE CAMINHADA” O lema seguia a mesma inspiração: “Memória e Caminhada, Sonho e Compromisso”. Na Carta final do Encontro de Ilhéus, os delegados escreveram às demais comunidades: “Na grande tradição bíblica do ´[...] nossos pais nos contaram´, as comunidades sempre valorizaram muito a memória, pois sabem que Deus fala na história concreta do povo. Sabem também que um povo que tem consciência de sua história, é capaz de evitar as falhas do passado, de reforçar os acertos e de dar passos firmes rumo ao futuro. Por isso, nos debruçamos sobre os 2000 anos de nossa caminhada. Começamos com Jesus e seus primeiros seguidores e seguidoras, que foram perseverantes no ensinamento dos apóstolos e das apóstolas, na missão, na fração do pão, na oração e na partilha fraterna dos bens”.                                                              1 Esse texto foi preparado originalmente como roteiro de assessoria aos delegados do “Dozinho”, realizado em Porto Velho, nos dias 26, 27 e 28 de setembro de 2008, como preparação ao XII Intereclesial que aconteceu na mesma cidade de 21 a 25 de julho de 2009, tendo por tema: “Ecologia e Missão” e, por lema “CEBs: Ecologia e Missão – Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”. Foi depois reformulado em vista da escolha das CEBs como um dos temas prioritários da 48ª. Assembléia Geral da CNBB em Brasília de 3 a 13 de maio de 2010. Para palestra na Comunidade Moisés Libertador da Paróquia São Paulo Apóstolo em São Paulo, no dia 30 de agosto de 2011, foi acrescentado o Anexo II: Mensagem da CNBB ao Povo de Deus sobre as Comunidades Eclesiais de Base (Brasília, 12-05-2010).
  • 3. Vamos dividir nossa apresentação em dois momentos, o primeiro de caráter mais estrutural e o segundo de cunho conjuntural2 . ELEMENTOS MAIS ESTRUTURAIS DA CONJUNTURA DAS CEBs Se nos debruçarmos, pois, sobre as ESTRUTURAS mais permanentes que sustentam e inspiram a caminhada das CEBs, devemos resgatar referências de pelo menos cinco ordens: I. A herança de Jesus e das primeiras comunidades; II. A herança do Concílio Vaticano II (1962-1965) e da Igreja do Brasil; III. A herança de Medellín e das demais Conferências do Episcopado Latino-americano e caribenho, Puebla, Santo Domingo e Aparecida. IV. A entrada das CEBs na agenda e no horizonte da Igreja Universal V. A herança das CEBs do Brasil, nos seus doze Intereclesiais. I. A HERANÇA DE JESUS E DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES Jesus curou individualmente a sogra de Pedro (Mc 1, 29-31), ressuscitou o filho da viúva de Naim (Lc 7, 11-17), o cego de nascença (Jo 9, 1-41), mas muitas vezes acudiu coletivamente a todos os que acorriam a ele, na esperança de ver curadas suas enfermidades: “À tarde, depois do por do sol, levavam a Jesus todos os doentes e os que estavam possuídos pelo demônio. A cidade inteira se reuniu na frente da casa. Jesus curou muitas pessoas de vários tipos de doença e expulsou muitos demônios” (Mc 1, 32-34). Noutros momentos, comoveu-se diante das necessidades da multidão, pois as pessoas que chegavam de todos os lados eram como “ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34). Na narrativa da segunda multiplicação dos pães em Mateus, Jesus preocupa-se ainda com a fome do povo: “Tenho compaixão da multidão, porque já faz três dias que está comigo e não tem o que comer. Não quero despedi-la em jejum, por receio de que possa desfalecer pelo caminho”(Mt 15, 32). Na narrativa da primeira multiplicação no evangelho de Marcos, ao fim do dia, quando os discípulos queriam despedir o povo, insistiu Jesus com eles: “Vocês é que têm que lhes dar de comer” (Mc 6, 37).                                                              2 Entre os elementos importantes da conjuntura atual, há os de caráter eclesial e os que advêm de transformações na sociedade. Do ponto de vista eclesial, a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em Aparecida, reafirmou a centralidade da comunidade, em suas várias configurações, como a maneira normal de toda a Igreja ser, viver e atuar; reafirmou a relevância e legitimidade das comunidades eclesiais de base, um dos rostos fundamentais da caminhada da Igreja latino-americana inaugurada em Medellín. Na sociedade em geral, o fenômeno da globalização e de uma economia de mercado, ao mesmo tempo dominante e excludente, acompanhada da explosão da comunicação e das redes digitais, com a universalização da internet, vêem modelando as relações econômicas e sociais. O contexto em que as CEBs são chamadas a atuar tornou-se predominantemente urbano em todo o continente, num clima de exacerbado individualismo, de competição religiosa, com o avanço de dois fenômenos concomitantes: o dos que se declaram “sem religião”, inclusive em setores empobrecidos das periferias metropolitanas e o dos movimentos e igrejas pentecostais e neo-pentecostais. Essa nova conjuntura não será abordada nesse texto, por merecer uma exposição mais ampla e documentada.
  • 4. E a partir da partilha dos cinco pães e dois peixes repartidos com a multidão, ainda foram recolhidos doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe, depois que todos se saciaram (Mc 6, 35- 44). Para todos os evangelistas, foram cinco mil homens os que comeram no relato dessa primeira das multiplicações narradas pelos evangelhos. Mateus acrescenta, entretanto, que foram cinco mil homens, “sem contar mulheres e crianças” (Mt. 14,21). Repete isoladamente a mesma observação a propósito da segunda multiplicação dos pães, dizendo que comeram quatro mil homens, “sem contar mulheres e crianças” (Mt 15, 38). Supondo-se que as mulheres foram pelo menos tão numerosas quanto os homens e que vieram carregando em sua maioria pelo menos uma criança, já deveríamos multiplicar por três o número inicial, pensando numa multidão de mais ou menos quinze mil pessoas! Jesus enxerga ainda no encontro entre as pessoas e nas relações que estabelecem entre si de cuidado mútuo, amizade, serviço, ternura ou amor, um primeiro esboço de comunidade e faz uma promessa surpreendente: “[...] onde dois ou três estiverem reunidos no meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18, 20). Da prática das primeiras comunidades nos Atos dos Apóstolos, ficamos sabendo acerca daqueles quatro elementos que não podem faltar em suas vidas e na sua prática: - a Palavra de Deus (doutrina dos apóstolos), - a comunhão e a solidariedade fraternas entre si e com os mais necessitados, - a fração do pão (eucaristia), - a oração, “Eles eram perseverantes em ouvir os ensinamentos dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações. [..] Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas, vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um” (At 2, 42-45). Na experiência das primeiras comunidades e durante os primeiros trezentos anos, o lugar onde nascia e se desenvolvia a comunidade, era a CASA daquelas pessoas que aderiam ao CAMINHO (At 9, 2; 18, 25.26; 19, 9.19, 23). “Povo do Caminho” ou “Povo da Caminhada”, como dizemos, hoje, foi um dos primeiros nomes que receberam os seguidores do Ressuscitado, que já havia chamado a si mesmo de “Caminho”, no evangelho de São João: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). Sobre a centralidade da CASA, como berço e chão das comunidades, os Atos dos Apóstolos e as Cartas de Paulo nos dão inúmeros testemunhos. Retomo do artigo, “CEBs, o que são?” do site <www.cebsuai.org.br>, as referências abaixo: “Em Atos dos Apóstolos, vamos encontrar casas acolhedoras, a serviço da evangelização, como são: - a casa de Judas (9,11); - a casa de Tabita (9,36ss); - a casa de Cornélio (10,1ss); - a casa de Maria, mãe de João Marcos (12,12ss); - a casa de Lídia (16,14ss.40); - a casa de Priscila e Áquila (18,1ss)...
  • 5. Também o apóstolo Paulo, fundador de muitas comunidades e hóspede de tantas casas que o acolheram ao longo de suas viagens missionárias, recordará, com alegria, a acolhida recebida nas igrejas reunidas nas casas: “Saudações a Prisca e Áquila... Saúdem também a igreja que se reúne na casa deles” (Carta aos Romanos 16, 3.5; cf. 1ª Carta aos Coríntios 16,19). “Saúdem os irmãos de Laodicéia, como também Ninfas e a igreja que se reúne na casa dele” (Carta aos Colossenses 4,15). “Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo... à igreja que se reúne na casa de Filemon” (Carta a Filemon 1,1.2)... A CASA é, assim, para as primeiras comunidades cristãs, o lugar de encontro. Encontra-se aberta aos vizinhos, amigos, irmãos e aos necessitados e necessitadas, em especial, as viúvas, onde todos procuram conhecer-se mais e melhor, dividir os problemas e dificuldades à luz da Palavra, para encontrar caminhos que ajudem a transformar o sonho do reino de Deus em realidade vivida por todos. Por isso, a CASA será lugar de abastecimento da fé, onde todos renovam e revigoram suas forças e energias, para cumprir, no mundo, o mandato de Jesus: “Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia!” (Mc 16,15)
  • 6. II. CEBs: HERDEIRAS DE MÚLTIPLAS HERANÇAS ECLESIAIS II.1. A HERANÇA DO CONCÍLIO VATICANO II (1962-1965) O Papa João XXIII (1958-1963), ao anunciar sua decisão de convocar um Concílio ecumênico, para a reforma da Igreja e para buscar a unidade entre os cristãos (25-01-1959) colocou em marcha um grande processo de renovação da Igreja. Para o surgimento das Comunidades Eclesiais de Base, foi crucial a definição conciliar sobre a Igreja, como “Povo de Deus”, na Lumen Gentium (LG, Luz das Nações). A LG define a Igreja, primeiro com inúmeras imagens bíblicas (redil, cuja porta é o Cristo, rebanho do Bom Pastor, lavoura e campo de Deus, construção de Deus, casa de Deus, onde habita sua família, tenda de Deus entre os homens e seu templo santo, Jerusalém celeste e nossa mãe, esposa imaculada do cordeiro) e como fruto da encarnação e da ação do Espírito Santo. A Igreja, “corpo místico de Cristo”, é ao mesmo tempo uma realidade visível e espiritual. O Concílio antepõe ao capítulo III sobre a constituição hierárquica da Igreja e o episcopado, presbíteros e diáconos, o capítulo II, consagrado POVO DE DEUS. Com citação dos Atos dos Apóstolos, abre-o da maneira mais universal possível, pois o povo de Deus tende a abraçar toda a humanidade: “Em qualquer época e em qualquer povo é aceito por Deus todo aquele que O teme e pratica da justiça (cfr At 10, 35)” (LG 9 [24]). O Concílio acrescenta que “Cristo Senhor, Pontífice tomado dentre os homens (cfr Heb 5, 1- 5), fez do novo povo ‘um reino de sacerdotes para Deus Pai´ (Ap 1, 6, cfr 5, 9-10)” (LG 10 [27]). Para esse povo ao qual todos os homens e mulheres são chamados a pertencer, a porta de ingresso é nossa vocação batismal. Do batismo, que cria um “povo sacerdotal”, brotam todos os ministérios, os ordenados e os não ordenados e somos enxertados no único e mesmo tronco, Jesus Cristo, e santificados pelo único e mesmo Espírito. Do batismo, deriva a vocação e a missão para se tecer ecumenicamente os caminhos para a unidade de todos os cristãos e cristãs, em obediência à prece de Jesus: “… para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti” (Jo 17, 21). A LG, no seu número 8, estabelece um paralelo entre Cristo e a Igreja na sua relação com os pobres: “Do mesmo modo que Jesus Cristo consumou a sua obra de redenção na pobreza e na perseguição, assim também, a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho para poder comunicar aos homens os frutos da salvação. Cristo Jesus, tendo ´condição divina… esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo´ (Fl 2, 6-7) e, por causa de nós, ´ele que era rico, fez-se pobre´ (2Cor 8, 9)”. Cristo foi enviado pelo Pai ´para evangelizar os pobres… a proclamar a remissão aos presos´ (Lc 4, 18), ´a procurar e salvar o que estava perdido´ (Lc 19, 10): de modo semelhante a Igreja envolve em seus cuidados amorosos todos os angustiados pela fraqueza humana, e mais, reconhece nos pobres, nos que sofrem, a imagem do seu Fundador, pobre e sofredor, esforça-se por aliviar-lhes a indigência, e neles quer servir a Cristo” (LG 8). De modo eminente, as CEBs tornaram-se a Igreja dos pobres e a presença da Igreja entre os pobres. Com a Dei Verbum, o Concílio ancorou toda a renovação eclesial no reencontro com a Palavra de Deus, sua escuta, meditação, anúncio, celebração. Com a Leitura Popular da Bíblia, a Palavra de Deus tornou-se companheira fiel e constante na caminhada das CEBs. A proposta do Concílio deu nova consciência à nossa pertença eclesial, bem expressa no lema da primeira Campanha da Fraternidade da Igreja do Brasil, em 1964: “TODOS SOMOS IGREJA”.
  • 7. Com o seu documento, a Igreja no Mundo de Hoje, a Gaudium et Spes (GS - Alegria e Esperança), o Concílio também nos mostrou o lugar onde a Igreja deve acampar: no coração do mundo, atenta às angústias e necessidades, alegrias e esperanças dos homens e mulheres de hoje. II. 2. CEBs NA IGREJA DO BRASIL II.2.1. A HERANÇA DO PLANO DE PASTORAL DE CONJUNTO, O PPC (1965) Os bispos do Brasil traduziram e sintetizaram o conjunto da obra e das exigências conciliares em seis linhas de ação pastoral propostas pelo PLANO DE PASTORAL DE CONJUNTO, o PPC, aprovado ainda em Roma, ao final do Concílio, em novembro de 1965: 1. Promover uma sempre mais plena unidade visível no seio da Igreja; 2. Promover a ação missionária, 3. Promover a ação catequética, o aprofundamento doutrinal e a reflexão teológica; 4. Promover a ação Litúrgica; 5. Promover a ação ecumênica; 6. Promover a melhor inserção do povo de Deus como fermento na construção de um mundo segundo os desígnios de Deus3 . Dentro da primeira linha de trabalho, ao tratar do tema da Igreja, surge por primeira vez num documento oficial da Igreja do Brasil e quiçá da Igreja toda, a proposta das comunidades de base. Os bispos acharam que eram elas a maneira de se concretizar muitas das melhores intuições do Concílio, de modo particular, aquela de que a Igreja deve ser sempre, em primeira e última instância, uma COMUNIDADE, com laços de amor, comunhão e de serviços, na multiplicidade dos dons, carismas e ministérios dos batizados que nela ingressam. Diz o PPC: “Nossas paróquias atuais são deveriam ser compostas de várias comunidades locais ou COMUNIDADES DE BASE (realce nosso), dada sua extensão, densidade demográfica e percentagem de batizados a elas pertencentes de direito. Será, pois, de grande importância empreender a renovação paroquial, pela criação ou dinamização destas comunidades de base. NELAS DEVEM SER DESENVOLVIDAS, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, AS SEIS LINHAS FUNDAMENTAIS DA AÇÃO DA IGREJA” (realce nosso)4 . Essa ênfase nas comunidades de base, só cresceu nos anos seguintes, tornando-se o mais das vezes prioridade número um das Diretrizes da CNBB, dos Planos de Pastoral dos Regionais e das Dioceses. O PPC que devia vigorar entre 1966-1970, foi reconfirmado para outros quatro anos (1971- 1974). II.2.2. CEBs E A HERANÇA DAS POSTERIORES DIRETRIZES PARA A AÇÃO PASTORAL DA IGREJA DO BRASIL. Para o quatriênio 1975-1978, a CNBB adotou nova formulação para seu planejamento pastoral, “Diretrizes gerais da Ação Pastoral da Igreja do Brasil”. Manteve, de todo modo, as seis                                                              3 CNBB, Plano de Pastoral de Conjunto 1966-1970. Rio de Janeiro: Livraria Dom Bosco Editora, 1966, pp. 51-88. 4 PPC, p. 58
  • 8. linhas do PPC, mas dando maior espaço às comunidades de base, como exigência para se responder ao grande número de fieis e às enormes extensões territoriais das dioceses e paróquias: “Para que na Igreja local, extensa territorial e populacionalmente, seja visível o mistério de comunhão, é necessário que se estruture em comunidades menores, sempre vinculadas ao ministério apostólico, quais sejam: a paróquia e as comunidades de base”5 . As Diretrizes colocam ainda sua multiplicação como grande desafio pastoral: “Um dos principais desafios da ação pastoral no Brasil é, certamente, a multiplicação das ´comunidades de Base´, que possam responder ao anseio do povo para uma vida plenamente eclesial alimentada pela palavra de Deus e os sacramentos, especialmente a Eucaristia. Essas comunidades assumirão dimensões e formas tais que permitam uma vida realmente comunitária, fraternal, que as torne ‘sinal de comunhão e de unidade’ em seu meio (cf. AA 18, § 2º. E 3º.). Elas são chamadas a constituir, nos diversos lugares e ambientes, ‘comunidades de amor’ e ‘comunidades de fé’: ‘É no amor que tiverdes uns pelos outro que vos reconhecerão meus discípulos’” 6 . Nessas Diretrizes (1975-1978), aparece por primeira vez, num documento oficial da CNBB, a expressão “COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE”, CEBs, como ficarão mais conhecidas. Dentre as atividades propostas para o Setor A – Estruturas de Igreja, aparece a seguinte: “6. Suscitar e apoiar processos pastorais que visem a criação de COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, seja a partir das paróquias, e através de grupos na zona urbana, seja a partir das capelas nas zonas rurais”7 . Arrancando da anterior estrutura eclesial, são apontados dois diferentes espaços para o surgimento das CEBs: a partir das paróquias, através de GRUPOS na zona urbana e a partir das CAPELAS, nas zonas rurais. No desenvolvimento da Linha 3, dedicada à Ação Missionária, aparece a proposta de preparação específica de ANIMADORES DE CEBs8 . Ao traçar diretrizes para a linha 6, Presença da Igreja no Mundo, a ser concretizada no esforço de “Promover a ação profética do Povo de Deus e a consciência de sua responsabilidade como fermento de libertação do mundo, segundo os desígnios de Deus”, as CEBs reaparecem, tanto no âmbito da formação, quanto da ação: “Ação eclesial revela-se essencialmente por um profundo senso de uma permanente educação comunitária. A longa e paciente pedagogia, tendo em vista criar a co-responsabilidade e participação consciente de todos e cada um dos membros da Igreja, e exigência básica do próprio ser eclesial”9 . Esse capítulo termina apresentando a renovação de lideranças e práticas que acontecem nas CEBs, como sinal de que o mesmo processo pode ganhar corpo em outros âmbitos da sociedade civil: “As Comunidades Eclesiais de Base, enquanto manifestam novas forças emergentes superando as antigas e diferentes lideranças são testemunho de que algo semelhante pode ser levado a efeito junto às forças vivas dos meios de comunicação social e instituições educacionais”10 .                                                              5 CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja do Brasil. Documento 4. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 37. 6 Ibidem, p. 37. 7 Ibidem, p. 42. 8 Ibidem, p. 65 9 Ibidem, 79. 10 Ibidem, 82.
  • 9. As novas Diretrizes, aprovadas para o quatriênio seguinte (1979-1982)11 , vêm mais enxutas e num tom profético. Partem da opção preferencial pelos pobres e ecoam fortemente a experiência da Igreja continental em Puebla. Retomam pontos importantes do Sínodo sobre a Evangelização e da Exortação pós-sinodal, Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI. Sobre as CEBs, o tom é mais caloroso e esperançoso: “As CEBs ‘esperança da Igreja’(EN 58), especialmente em nosso país, e outras formas de comunhão na Igreja Particular, continuam sendo o lugar privilegiado de participação livre e responsável em comunhão fraterna, onde as pessoas se abrem à luz da Palavra de Deus, para um novo tipo de vida mais humana e evangélica (cf P 629). Cada comunidade eclesial deveria esforçar-se por constituir para o Continente um exemplo de modo de convivência onde consigam unir-se a liberdade e a solidariedade, onde a autoridade se exerça com o espírito do Bom Pastor, onde se viva uma atitude diferente diante da riqueza, onde se ensaiem formas de organização e estrutura de participação, capazes de abrir caminho para um tipo mais humano de sociedade, e, sobretudo, onde inequivocamente se manifeste que, sem uma radical comunhão com Deus em Jesus Cristo, qualquer outra forma de comunhão puramente humana acaba se tornando incapaz de sustentar-se e termina fatalmente voltando-se contra o próprio homem [36]. A constante renovação da vida comunitária eclesial chamada a ser sinal e sacramento da fraternidade que Cristo trouxe a todos os homens, será também um meio dos mais eficientes para que a Igreja contribua na criação de uma nova sociedade, mais justa e mais fraterna, baseada sobre a participação de todos os cidadãos, em igualdade de condições, na decisão do destino da sociedade (P 1308). O desafio é imenso [37]. É necessário criar no homem brasileiro ‘uma sã consciência social, um sentido evangélico crítico face à realidade, um espírito comunitário e um compromisso social’ (P 1308). O desafio é imenso [38]. Muito ajudou neste sentido o esforço eclesial dos pastores que souberam ser a voz daqueles que não tinham voz nem vez [39]. Agora, porém, além de falar do pobre e pelos pobres, é preciso que estejamos unidos aos pobres” [40]. Mais adiante, quando as Diretrizes tratam da Linha 1 e das diversas estruturas de participação e comunhão, voltam-se para as CEBs: “3. A continuidade e o desenvolvimento das CEBs como modelos concretos de comunhão e participação, sejam manifestações claras da opção pelos pobres (cf. P 642-643) [61/3]. II.2.3. A HERANÇA DO DOCUMENTO 25 DA CNBB: COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE NA IGREJA DO BRASIL . O crescimento das CEBs não chegou sem tensões e sofrimentos, mormente depois da abertura política, da constituição de novos partidos e de uma grande efervescência não somente no campo social, mas também no campo político e político partidário. Era como se a barragem de quase duas décadas de regime militar e o represamento forçado das correntes de opinião e dos mecanismos de ação política na sociedade tivessem se rompido. Nessa torrente, sindicatos, associações, novos partidos e também CEBs, pastorais e movimentos eclesiais tiveram que navegar, sem muitas balizas. Devagar, critérios de participação e normas pastorais foram sendo elaborados e testados, sem eliminar inteiramente os riscos, seja de envolvimento apressado nas batalhas políticas, seja de                                                              11 CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil. Documentos CNBB 15. São Paulo, Paulinas, 1980.
  • 10. retraimento frente ao inarredável compromisso com os pobres e suas causas e o combate em favor da justiça e da promoção humana. Havia também novas questões ligadas à multiplicação de ministérios leigos e à vida eclesial das CEBs. O Conselho Permanente da CNBB, reunido de 23 a 26 de novembro de 1982 discutiu e aprovou um documento que se tornou a referência mais importante para a caminhada das CEBs no Brasil, tendo por título: Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil12 . Nos quatro primeiros parágrafos, os bispos sintetizam sua visão sobre as CEBs e a relevância na vida da Igreja e do povo no Brasil: “1. As Comunidades Eclesiais de Base constituem hoje, em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja, e, por motivos diversos, vai despertando o interesse de outros setores da sociedade. 2. Podemos fazer nossas as palavras dos bispos em Puebla: ‘As comunidades de base que, em 1968, eram apenas uma experiência incipiente, amadureceram e multiplicaram-se. Em comunhão com seus bispos, converteram-se em centros de evangelização e em motores de libertação e desenvolvimento’ (DP 96). 3. Fenômeno estritamente eclesial, as CEBs em nosso país nasceram no seio da Igreja- instituição e tornaram-se ‘um novo modo de ser Igreja’. Pode-se afirmar que é ao redor delas que se desenvolve, e se desenvolverá cada vez mais, no futuro, a ação pastoral e evangelizadora da Igreja. 4. Fator de renovação interna e novo modo de a Igreja estar presente no mundo, elas constituem, por certo, um fenômeno irreversível, senão nos detalhes de sua estruturação, ao menos no espírito que as anima”. O documento desdobra-se em uma introdução e três capítulos: - As Comunidades Eclesiais de Base no Brasil: Origem e caminhada; - A eclesialidade das CEBs; - Alguns aspectos particulares da Pastoral das CEBs Neste último capítulo, são abordados alguns temas relevantes ou conflituosos naquele momento, muitos dos quais permanecem cruciais nos dias de hoje: - As CEBs e os pobres - CEB e dimensão sócio-política da evangelização - As CEBs, a luta comum pela justiça e os movimentos populares - A CEB e os movimentos de leigos - A coordenação e responsabilidade última nas CEBs - As CEBs, alvo de interesse e incompreensão. O documento 25 da CNBB continua sendo uma madura e válida orientação para a caminhada das CEBs na Igreja do nosso país, sobretudo por não camuflar ou esconder as dificuldades e problemas que podem acontecer na vida das comunidades e que precisam ser enfrentados conjuntamente por elas e pela Igreja toda, na ajuda mútua e na eventual correção fraterna. III. CEBs, E SUA HERANÇA LATINO-AMERICANA DE MEDELLÍN A APARECIDA                                                              12 CNBB, Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil. Documento CNBB 25. São Paulo: Paulinas, 1982.
  • 11. III.1. AS CEBs EM MEDELLÍN Ao iniciar-se a quarta e última sessão do Concílio, os bispos da América Latina e do Caribe pediram ao Papa Paulo VI que convocasse uma II Conferência Geral do Episcopado Latino- americano para tratar da recepção do Concílio na realidade do povo desse continente. Paulo VI acedeu ao pedido e a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano aconteceu em Medellín na Colômbia, de 25 de agosto a 07 de setembro de 1968. Importante em Medellín foi a decisão por parte dos Bispos de propor, em fidelidade ao Concílio, uma Igreja plantada no coração do mundo. Aprofundaram a seguir essa perspectiva, levantando a questão: Qual é o lugar da Igreja, num mundo dividido entre países da abundância e os países da escassez e da miséria, entre os desenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento; em nações divididas entre minorias vivendo padrões de riqueza e consumo de primeiro mundo e grandes maiorias mergulhadas em pobreza e miséria desumanas? Neste mundo dividido, os bispos proclamaram que a Igreja devia ouvir o grito que vinha do povo, clamando por libertação, devendo colocar-se do lado dos pobres e de sua luta por libertação, em todas as dimensões. Vale a pena retomar a sintética e abrangente descrição das CEBs nas Conclusões de Medellín: “... Por conseguinte, o esforço pastoral da Igreja deve estar orientado para a transformação dessas comunidades [de base] em ‘família de Deus’, começando por tornar-se presente nelas como fermento, por meio de um núcleo, mesmo pequeno, que constitua uma comunidade de fé, esperança e caridade (LG 8). Assim, a comunidade cristã de base é o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também pelo culto que é sua expressão. É ela, portanto, célula inicial de estruturação eclesial e foco de evangelização e atualmente fator primordial de promoção humana e desenvolvimento (MED 15, 10). Depois de Medellín, as outras Conferências do Episcopado Latino-americano, em Puebla, no México (1979), em Santo Domingo, na República Dominicana (1992) e em Aparecida (2007), no Brasil, reforçaram a opção pelos pobres e o compromisso libertador da Igreja, em relação às suas necessidades e carências. III.2. AS CEBS EM PUEBLA Num momento de extrema tensão eclesial, em que o secretário geral do CELAM, Mons. Lopez Trujillo, em articulação com setores importantes do episcopado colombiano, mexicano, argentino, centro-americano buscava condenar as CEBs como “igreja paralela”, “igreja popular”, separada e em contraposição à hierarquia, o conjunto do episcopado desautorizou essa linha. Encontramos em Puebla, posicionamentos que refletem a rica e variegada experiência das CEBs no continente, assim como as tensões existentes, acompanhadas de algumas advertências. Puebla liga o surgimento dos movimentos comunitários à longa caminhada pastoral da Igreja no continente, onde o protagonismo do laicato se concretizou nas inúmeras irmandades e confrarias. Afirma o documento na sua introdução histórica que estas foram: “... espinha dorsal da vida religiosa dos crentes e a fonte remota, mas fecunda dos atuais movimentos comunitário da Igreja latino-americana” (P 09). Constata ainda que elas amadureceram e se multiplicaram:
  • 12. “As comunidades eclesiais de base que em 1968 eram apenas uma experiência incipiente amadureceram e multiplicaram-se, sobretudo, em alguns países. Em comunhão com seus bispos e como o pedia Medellín, converteram-se em centros de evangelização e em motores de libertação e de desenvolvimento” (P 96). Os bispos reconhecem igualmente sua fecundidade: “A vitalidade das CEBs começa a dar seus frutos: é uma das fontes de onde brotam os ministérios confiados aos leigos: animação de comunidades, catequese e missão” (P 97). Lamentam que, por vezes, houve descuido na formação e tensões na esfera política: “Em alguns lugares não se deu atenção conveniente ao trabalho de formação das CEBs. É lamentável que em algumas partes, interesses visivelmente políticos as pretendam manipular e afastar da autêntica comunhão com seus bispos” (P 98). De todos os modos, ao tratarem das tendências da evangelização no futuro, afirmam que a Igreja: “Reconhecerá a validade da experiência das CEBs e estimulará seu desenvolvimento em comunhão com seus pastores” (P 156). Liga mais adiante CEBs e Pastoral familiar, na luta por superar o agudo individualismo que marca a realidade contemporânea: “Nota‐se uma reação em muitos países tanto no despontar da pastoral familiar quanto na multiplicação das CEBs, onde se torna possível – a nível de experiência humana – uma intensa vivência da realidade da Igreja como família de Deus” (P 239). Na terceira parte do documento, Puebla volta-se para a Evangelização na Igreja da América Latina, colocando-a sob o signo da feliz expressão cunhada por Dom Luciano Mendes de Almeida da comissão de redação daquela Conferência: “Comunhão e Participação”. Os bispos dedicam todo um capítulo aos centros de comunhão e participação, incluindo aí, depois da família, “as comunidades eclesiais de base, paróquia, igreja particular”. De modo mais direto, a reflexão sobre as CEBs encontra-se no bloco que vai do número 629 ao 643. Ao final do número 640, os bispos levantam a questão que ainda hoje se repete em muitos ambientes eclesiais: “... quando é que uma pequena comunidade pode ser considerada verdadeira comunidade eclesial de base, na América Latina?” (P 640). Ao longo do número 641, tentam dar a sua resposta, concluindo com citação da Evangelii Nuntiandi, o primeiro documento a acolher a realidade das CEBs ao nível da Igreja universal: “A comunidade eclesial de base, enquanto comunidade, integra famílias, adultos e jovens, numa íntima relação interpessoal na fé. Enquanto eclesial, é comunidade de fé, esperança e caridade: celebra a palavra de Deus, e se nutre da eucaristia, ponto culminante de todos os sacramentos; realiza a Palavra de Deus na vida, através de solidariedade e compromisso com o mandamento novo do Senhor e torna presente e atuante a missão eclesial e a comunhão visível com os legítimos pastores, por intermédio do ministério da coordenadores aprovados. É de base por ser constituída de poucos membros, em forma permanente e à guisa de célula da grande comunidade. ´Quando merecem o seu título de eclesialidade, elas podem reger, em solidariedade fraterna, sua própria existência espiritual e humana´(EN 58).” (P 641) III.3. AS CEBS EM SANTO DOMINGO
  • 13. Na IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano,em 1992, as CEBs encontraram seu lugar na segunda parte, que trata de “Jesus Cristo, evangelizador, vivo em sua Igreja”, dentro do capítulo da “Nova evangelização”, quando este aborda o tema “Comunidades eclesiais vivas e dinâmicas”. Em seqüência, aparecem a Igreja Particular (SD 55 a 57), a Paróquia (SD 58 a 60) e as Comunidades Eclesiais de Base (SD 61 a 63) contempladas em três curtos parágrafos. As CEBs são apresentadas como elemento da estrutura paroquial: “A Comunidade Eclesial de Base é célula viva da paróquia, entendida como comunhão orgânica e missionária” (SD 61). Esse modo de entender as CEBs apenas no dentro do horizonte paroquial, já fora expresso anteriormente no documento, ao ser definida a missão da paróquia: “A paróquia tem a missão de evangelizar, de celebrar a liturgia, de fomentar a promoção humana, de fazer progredir a inculturação da fé nas famílias, nas CEBs, nos grupos e movimentos apostólicos, e através deles, em toda a sociedade. A paróquia, comunhão orgânica e missionária, é assim uma rede de comunidades” (SD 59). Ao lado do conceito novo e estimulante para a vida paroquial, de se propor a paróquia, como “rede de comunidades”, essa perspectiva reflete de certo modo, a entrada em vigor do novo Código de Direito Canônica em 1985, em que a menor estrutura eclesiástica, com personalidade jurídica, canonicamente reconhecida, é a paróquia (Canon 515 § 3). Essa lacuna no Código, levou um pouco, por toda a parte, a um movimento de perplexidade perante as CEBs, de interrogação sobre os termos de sua eclesialidade, dentro de uma estrutura canônica que não a contemplava e à busca de sua “paroquialização”, ou seja de sua absorção e enquadramento dentro das estruturas paroquiais tradicionais. Foi muito menor o movimento inverso de se questionar justamente essas estruturas paroquiais, para tornar a paróquia, como propunha Santo Domingo, uma “rede de comunidades”. Santo Domingo reconhece o protagonismo dos leigos nas CEBs, chamados a animá-las: “A CEB, em si mesma, ordinariamente integrada por poucas famílias, é chamada a viver como comunidade de fé, de culto e de amor; será animada por leigos, homens e mulheres adequadamente preparados no processo comunitário; os animadores estarão em comunhão com o pároco respectivo e o bispo” (SD 61). Insiste, por outro lado na estreita vinculação dos leigos ao respectivo pároco e bispo. Sob o prisma da comunhão recíproca e respeitosa que deve reinar na Igreja, a insistência é inteiramente legítima. Nalguns lugares, porém, comunhão foi interpretada como subordinação pura e simples, gerando um processo de decapitação das lideranças comunitárias mais adultas e amadurecidas, com retorno a formas ultrapassadas de autoritarismo clerical, na relação entre paróquia e comunidades, entre pároco e lideranças comunitárias. Padeceram as anteriores formas de organização mais autônoma das comunidades, as responsabilidades compartilhadas em conselhos democraticamente eleitos pelos membros das comunidades e a gestão comunitária e não paroquialmente centralizada dos recursos. Sob outro ângulo, a mesma insistência, atravessada por uma ponta de suspeita, retorna no número seguinte: “Quando não existe uma clara fundamentação eclesiológica e uma busca sincera de comunhão, estas comunidades deixam de ser eclesiais e podem ser vítimas de manipulação ideológica e política” (SD 62). Santo Domingo conclui, enfatizando dois pontos que considera necessários:
  • 14. “—Ratificar a validade das comunidades eclesiais de base, fomentando nelas o espírito missionário e solidário e buscando sua integração com a paróquia, com a diocese e com a Igreja universal, em conformidade com os ensinamentos da Evangelii Nuntiandi (cf. n. 58). -- Elaborar planos de ação pastoral que assegurem a preparação de animadores leigos que assistam estas comunidades, em íntima comunhão com o pároco e com o bispo” (SD 63). Em três outros lugares, a Conferência retorna à temática das CEBs: Em primeiro lugar, quando se refere à atuação dos leigos e leigas na Igreja e ao seu empenho missionário: “Hoje, como um sinal dos tempos, vemos um grande número de leigos comprometidos na Igreja: exercem diversos ministérios, serviços e funções nas comunidades eclesiais de base ou atividades nos movimentos eclesiais. Cresce sempre mais a consciência de sua responsabilidade no mundo e na missão ´ad gentes´. Aumenta assim o sentido evangelizador dos fiéis cristãos. Os jovens evangelizam os jovens. Os pobres evangelizam os pobres” (SD 95). Em segundo lugar, ao descrever a situação e atuação das mulheres: “Na família e na construção do mundo, hoje, ganha terreno uma maior solidariedade entre homens e mulheres, mas fazem falta passos mais concretos rumo à igualdade real e à descoberta de que ambos se realizam na reciprocidade.Tanto na família, como as comunidades eclesiais de base e nas diversas organizações de um país, as mulheres são as que sustentam e promovem a vida, a fé e os valores” (SD 106). Nos compromissos pastorais, Santo Domingo considera urgente: “Desenvolver a consciência dos sacerdotes e dirigentes leigos para que aceitem e valorizem a mulher na comunidade eclesial e na sociedade, não só pelo que elas fazem, mas, sobretudo, pelo que elas são” (SD 108). Finalmente, ao abordar os desafios pastorais da cidade, Santo Domingo recomenda: “Multiplicar as pequenas comunidades, os grupos e movimentos eclesiais e as comunidades eclesiais de base”. Santo Domingo oscila entre uma abordagem positiva e encorajadora das CEBs e outra perpassada por advertências e mecanismos de controle. Nesse sentido, a Conferência de Aparecida trouxe uma retomada da anterior perspectiva aberta por Medellín e Puebla e uma lufada de ar fresco no modo de reconhecer a caminhada das CEBs, seu testemunho profético, sua vinculação às primeiras comunidades, seu caráter martirial e de células iniciais de estruturação eclesial, expressão da opção pelos pobres, numa igreja comprometida com as lutas pela justiça. III.4. AS CEBs EM APARECIDA Em Aparecida, foi proposta uma Igreja “discípula” de Jesus e toda ela missionária, com especial apelo às CEBs13 , para se colocarem à frente do novo esforço missionário da Igreja, tudo isto sintetizado em três parágrafos muito densos, de tom positivo e encorajador: “178. Na experiência eclesial da América Latina e do Caribe, as Comunidades Eclesiais de Base têm sido escolas que têm ajudado a formar discípulos e missionários do Senhor, com o testemunho da entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros. Elas abraçam a                                                              13 Pouco antes da V Conferência, o teólogo chileno, Ronaldo Muñoz, recentemente falecido, escreveu instigante estudo, em cujo centro encontrava-se o modelo de Igreja revelado nas CEBs: “Para uma eclesiologia latino-americana”, in SOTER e AMERINDIA (orgs.), Caminhos da Igreja América Latina e no Caribe – Novos Desafios. São Paulo: Paulinas, 2006, pp. 303-321.
  • 15. experiência das primeiras comunidades, como estão descritas nos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47). Medellín reconheceu nelas uma célula inicial de estruturação eclesial e foco de fé e evangelização. Enraizadas no coração do mundo, são espaços privilegiados para a vivencia comunitária da fé, mananciais de fraternidade e de solidariedade e alternativa à sociedade atual fundada no egoísmo e na competição desapiedada. 179. Queremos decididamente reafirmar e dar novo impulso à vida e missão profética e santificadora das CEBs, no seguimento missionário de Jesus. Elas têm sido uma das grandes manifestações do Espírito na Igreja da América Latina e do Caribe depois do Vaticano II. As comunidades eclesiais de base, no seguimento missionário de Jesus, têm a Palavra de Deus como fonte de sua espiritualidade e a orientação de seus pastores como guia que assegura a comunhão eclesial. Demonstram seu compromisso evangelizador e missionário entre os mais simples e afastados, e são expressão visível da opção preferencial pelos pobres. São fonte e semente de variados serviços e ministérios a favor da vida na sociedade e na Igreja”14 . O alento trazido por Aparecida repercutiu em todo o continente e esteve muito vivo no Intereclesial de Porto Velho, ajudando a se superar certo clima pesado em alguns lugares, onde as CEBs se sentiam por vezes sufocadas, colocadas de lado ou teimando em sobreviver em clima adverso. IV. AS CEBs NA AGENDA E HORIZONTE DA IGREJA UNIVERSAL IV.1 – O Sínodo da Evangelização e a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi O Sínodo da Evangelização de 1974, convocado praticamente a uma década de distância do encerramento do Vaticano II, mostrou um rosto surpreendentemente rico e diversificado da Igreja, espelhando assim a fecundidade das orientações conciliares, no sentido de as igrejas particulares procurarem responder aos desafios concretos de sua realidade local, nacional e continental, criando assim um rosto próprio. Enquanto as jovens igrejas da África colocavam no centro dos desafios para a evangelização, a superação dos traumas do colonialismo europeu e a busca pela inculturação, como caminho para o desabrochar dos traços de uma igreja com rosto africano, as igrejas da Ásia viam no diálogo com as grandes religiões, o hinduísmo, o budismo, o islamismo, as religiões tradicionais da China e da Oceania, a grande interpelação para o anúncio do evangelho naquele continente. Europa Ocidental, Estados Unidos e Canadá identificavam no crescente secularismo de suas culturas urbanas, técnico-científicas, que passaram a prescindir de Deus, e no materialismo prático de suas sociedades mergulhadas cada vez mais no consumismo e na busca individualista do bem- estar, da riqueza e do prazer, o maior obstáculo para a evangelização. Países da Europa do leste e da Ásia, sob o domínio de estados totalitários e militantemente ateus, que acantonavam a religião aos espaços estritamente privados, expulsando-a da esfera pública, viam nestas estruturas políticas dos regimes comunistas, o empecilho maior para a sobrevivência das igrejas e para sua tarefa evangelizadora.                                                              14 O texto aqui reproduzido é o que foi aprovado por todos os bispos delegados a Aparecida no dia 31-05-07, com apenas um voto contrário e duas abstenções. O texto oficial contém, infelizmente, acréscimos, modificações e supressões que não foram nem discutidos e muito menos aprovados pelos bispos da V Conferência, mas repetidamente repropostos por uma minoria que, por décadas, criou um clima adverso às CEBs no CELAM e em alguns setores da Cúria Romana. Esta visão não foi acolhida pelos bispos em Aparecida, mas foi reinserida no documento depois de terminada a Conferência. Cfr. MUNOZ, Ronaldo, As mudanças no documento de Aparecida, in AMERINDIA, V Conferência de Aparecida – Renascer de uma esperança. São Paulo: Ameríndia – Paulinas, 2008.
  • 16. A América Latina, por sua vez, denunciou o escândalo das estruturas econômicas e políticas de países pretensamente cristãos que mantinham a maioria da população em níveis de extrema pobreza, verdadeiro insulto à dignidade humana, como o principal obstáculo ao anúncio do evangelho e do rosto compassivo e libertador de Deus. Da vivência eclesial latino-americana, vieram algumas das passagens mais luminosas da EM, como a que vincula a evangelização à totalidade da vida humana: “Mas a evangelização não seria completa se ela não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social dos homens. É por isso que a evangelização comporta uma mensagem explícita, adaptada às diversas situações e continuamente atualizada: sobre os direitos e deveres de toda pessoa humana e sobre a vida familiar, sem a qual o desabrochamento pessoal quase não é possível; sobre a vida em comum na sociedade; sobre a vida internacional, a paz, a justiça e o desenvolvimento; uma mensagem sobremaneira vigorosa nos nossos dias, ainda sobre a libertação” (EN 23). Do Sínodo, provem ainda a feliz formulação, retomada no documento de Puebla e em tantos documentos posteriores da Igreja: “Entre evangelização e promoção humana – desenvolvimento, libertação – existem de fato, laços profundos: laços de ordem antropologia, dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e econômicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da Criação do plano da Redenção um e outro a abrangerem situações bem concretas da injustiça que há de ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade: como se poderia, realmente proclamar o mandamento novo, sem promover na justiça e na paz o verdadeiro progresso do homem? Nós mesmos tivemos o cuidado de salientar isto mesmo, ao recordar que é impossível aceitar ‘que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar os problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, pelo que se refere à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso, porventura, acontecesse, seria ignorar a doutrina do Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre e se encontra em necessidade’(SEDOC 7, 702). Pois bem: aquelas mesmas vozes que, com zelo, inteligência e coragem, ventilaram este tema candente, no decorrer do referido Sínodo, com grande alegria nossa, forneceram os princípios iluminadores para bem se captar o alcance e o sentido profundo da libertação, conforme ela foi anunciada e realizada por Jesus de Nazaré e conforme a Igreja apregoa” (EN 31). Além dessa contribuição no eixo da libertação, as Igrejas da América Latina trouxeram sua experiência das CEBs no âmbito pastoral e eclesiológico, como dom precioso à caminhada da Igreja toda, como o reconheceu o Sínodo e depois Paulo VI na sua exortação apostólica: “O Sínodo ocupou-se largamente destas ‘pequenas comunidades’ e por que é que elas hão de ser destinatárias especiais da evangelização e ao mesmo tempo evangelizadoras” (EN 58). O Sínodo sentiu-se desafiado a realizar um discernimento no pulular de comunidades de muitos tipos e perfis, bastante diferentes entre si e variando muito de região para região: “Assim, nalgumas regiões, elas brotam e desenvolvem-se, salvo algumas exceções, no interior da Igreja, e são solidárias com a vida da mesma Igreja e alimentadas pela sua doutrina e conservam-se unidas aos seus pastores. Nestes casos assim, elas nascem da necessidade de viver mais intensamente ainda a vida da Igreja; ou então do desejo e da busca de uma dimensão mais humana do que aquela que as comunidades eclesiais mais amplas dificilmente poderão revestir, sobretudo em grandes metrópoles urbanas contemporâneas, onde é mais favorecida a vida de massa e o anonimato ao mesmo tempo. Elas poderão muito simplesmente prolongar, a seu modo, no plano espiritual e religioso o culto, o aprofundamento da fé, a caridade fraterna, a oração, comunhão com os Pastores e a pequena comunidade sociológica, a aldeia, ou outras similares. Ou então elas
  • 17. intentarão congregar para ouvir e meditar a Palavra, para os sacramentos e para o vínculo da ágape, alguns grupos que a idade, a cultura, o estado civil ou a situação social tornam mais ou menos homogêneos, como, por exemplo, casais, jovens, profissionais e outros; ou ainda, pessoas que a vida faz encontrarem-se já reunidas nas lutas pela justiça, pela ajuda aos irmãos pobres, pela promoção humana etc. Ou, finalmente, elas reúnem os cristãos naqueles lugares em que a escassez de sacerdotes não favorece a vida ordinária de uma comunidade paroquial. Tudo isto, porém, é suposto no interior de comunidades constituídas da Igreja, sobretudo das Igrejas particulares e das paróquias” (EN 58). A Exortação dedica um parágrafo àquelas comunidades que se separaram da comunhão eclesial: “Elas não poderiam, sem se dar um abuso de linguagem, se intitular comunidades eclesiais de base, mesmo que elas, sendo hostis à hierarquia, porventura tivessem a pretensão de perseverar na unidade da Igreja. Essa designação pertence às outras, ou seja, àquelas que se reúnem em Igreja, para se unir à Igreja e para fazer aumentar a Igreja” (EN 58). Todo o restante da conclusão está dedicado às CEBs: “Estas últimas comunidades, sim, serão um lugar de evangelização, para benefício das comunidades mais amplas, especialmente das Igrejas particulares, e serão uma esperança para a Igreja universal, como nós tivemos ocasião de dizer ao terminar o Sínodo, à medida que: elas procurem o seu alimento na Palavra de Deus e não se deixem enredar pela polarização política ou pelas ideologias que estejam na moda, prestes para explorar o seu imenso potencial humano evitem a tentação sempre ameaçadora da contestação sistemática e do espírito hipercrítico, sob pretexto de autenticidade e de espírito de colaboração; permaneçam firmemente ligadas à Igreja local em que se inserem, e à Igreja universal, evitando assim o perigo, por demais real, de se isolarem em si mesmas, e depois de se crerem a única autêntica Igreja de Cristo e, por conseqüência, perigo de anatematizarem as outras comunidades eclesiais; mantenham uma comunhão sincera com os Pastores que o Senhor dá à sua Igreja, e também com o Magistério que o Espírito de Cristo lhes confiou; jamais se considerem como o destinatário único ou como o único agente da evangelização, ou por outra, como o único depositário do Evangelho; mas, conscientes de que a Igreja é muito mais vasta e diversificada, aceitem que esta Igreja se encarna de outras maneiras, que não só através delas; elas progridam cada dia na consciência do dever missionário e em zelo, aplicação e irradiação neste aspecto; elas se demonstrem em tudo universalistas e nunca sectárias. Com estas condições assim exigentes, sem dúvida alguma, mas exaltantes, as comunidades eclesiais de base corresponderão à sua vocação mais fundamental; de ouvintes do Evangelho que lhes é anunciado e de destinatárias privilegiadas da evangelização, próprias se tornarão, sem tardança, anunciadoras do Evangelho” (EN 58). IV.2. Mensagem do Papa João Paulo II às CEBs do Brasil Quando de sua primeira visita ao Brasil, em julho de 1980, João Paulo II trouxe preparado, em meio aos 53 discursos, homilias, saudações e pronunciamentos, uma mensagem a ser dirigida especificamente para as CEBs do Brasil. Não chegou, entretanto, a pronunciá-la em nenhum dos muitos lugares que visitou, já que elas permeavam a realidade de cada uma das igrejas locais e estavam presentes por todos os pontos por ele visitados, sem que estivesse previsto um encontro específico, como o realizado com os religiosos e os moradores da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro; com os jovens em Belo Horizonte; com as comunidades de imigrantes poloneses,
  • 18. ucranianos, italianos e alemães em Curitiba, com os trabalhadores em São Paulo, com os seminaristas em Aparecida ou com os indígenas em Manaus. Em sua mensagem, o Papa resgata inicialmente a importância e relevância das CEBs: “Alegra-me, antes de tudo, poder renovar agora aquela confiança que meu saudoso predecessor, o papa Paulo VI, quis manifestar em relação às Comunidades Eclesiais de Base. A elas consagrou um parágrafo denso, rico de conteúdo, luminoso em seus conceitos e altamente significativo em sua magistral Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (n. 58). Ele recolhia neste texto tudo quanto sobre essas comunidades se havia discutido no decorrer do Sínodo dos Bispos de 1974, no qual a Divina Providência quis que eu assumisse tarefas de grande responsabilidade15 . Já no decurso da viagem pastoral ao México, três meses após a eleição para o Supremo Pontificado, eu tivera a oportunidade de declarar que as Comunidades Eclesiais de Base podem ser um valioso instrumento de formação cristã e de penetração capilar do Evangelho na sociedade (Cf. Insegnamenti di Giovanni Paolo II, 1979, pp. 252 ss). Elas o serão na medida em que se mantiverem fieis àquela identidade fundamental tão bem descrita por Paulo VI no citado parágrafo da Evangelii Nuntiandi” (n. 2).16 Depois de renovar a confiança expressa por Paulo VII, o Papa concentrou-se nos oito parágrafos seguintes de sua mensagem, em expressar sua preocupação quanto a manterem as CEBs sua identidade eclesial, não se envolverem em política ou com ideologias, cuidarem de sua formação e preservarem os laços de comunhão com seus pastores, terminando com um apelo aos agentes de pastoral que acompanham as CEBs: “Acrescentarei que, em todos os casos, um líder de comunidade Eclesial de Base, muito mais do que um mestre, é uma testemunha: a comunidade tem o direito de receber dele exemplo persuasivo de vida cristã, de fé operosa e irradiante de esperança transcendente, de amor desinteressado. Que ele seja ademais um homem que crê na oração e que reza. Na simplicidade e modéstia destas palavras, vai brevemente delineado, amados irmãos, todo um programa. Confio-o à vossa reflexão e, rezando por vós, recomendo-os à assistência divina. Não faltem às vossas comunidades e à vós que as representais os dons que o Espírito concede para a edificação da Igreja (Cf. 1 Cor 14, 12). Que este Espírito faça brotar e crescer em vós, como princípio vital de vossa autêntica eclesialidade um grande amor à mesma Igreja, amor filial, maduro e simples, ao mesmo tempo, terno e absoluto capaz de alegria e de sacrifício. Seja este amor a inspiração de vossa vida” (ibidem, n. 10). IV. A HERANÇA DOS INTERECLESIAIS                                                              15 O então Cardeal Karol Wojtyla de Cracóvia foi o responsável pela Relatio conclusiva do Sínodo que serviu de base para a posterior Exortação Apostólica de Paulo VI. A Relatio não foi aprovada pelo plenário, terminando o Sínodo, sem a tradicional divulgação das conclusões a que haviam chegado os padres sinodais. O impasse levou os bispos a entregarem ao Papa as propostas dos “circuli minori”, os grupos de trabalho organizados por diferentes idiomas, solicitando-lhe um “serviço” até então inexistente nos anteriores Sínodos, como o confessa o próprio Paulo VI, no início da EN: “Queremos fazer isso (a Exortação), ainda um ano depois da terceira Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos, dedicado, como é sabido – à evangelização: e fazemo-lo também porque isso nos foi demandado pelos próprios padres sinodais. Efetivamente, ao concluir-se essa memorável Assembléia, eles decidiram confiar ao Pastor da Igreja universal, com grande confiança e simplicidade o fruto de todo o seu labor, declarando que esperavam do Papa um impulso novo, capaz de suscitar, numa Igreja ainda mais arraigada na força e na potência imorredoura de Pentecostes, tempos novos de evangelização” (EN 2). A partir de então, deixou de haver a divulgação da palavra própria dos bispos reunidos no Sínodo, sintetizada e votada na Relatio finalis. para haver apenas a Exortação pós-sinodal, sob a responsabilidade direta do Papa. 16 João Paulo II, Mensagem deixada às Comunidades Eclesiais de Base no Brasil (10-07-1980), in Todos os Pronunciamentos do Papa no Brasil – Texto integral segundo a CNBB. São Paulo: Loyola, 1980, 6ª. Ed., pp. 257-258.
  • 19. Em cada comunidade que brotou em tantos lugares de norte a sul do Brasil, há alguns elementos próprios que fazem parte de sua história e de sua estrutura. Algumas delas nasceram da entrega e dedicação de determinadas pessoas que ofereceram sua casa para acolher a comunidade nascente. Outras foram regadas com o testemunho de pessoas que deram sua vida e derramaram o seu sangue, como aconteceu com o Pe. Josimo Tavares nas comunidades da região do Bico do Papagaio no Tocantins; do Ivair Higino, irmão do Pe. Geraldo, assassinado em 1988 no Acre; do Pe. Ezequiel Ramin, comboniano italiano, por defender lavradores e indígenas de Rondônia. Algumas das comunidades começaram a se encontrar em nível nacional e a partilhar sua experiência nos Encontros Intereclesiais das CEBs. O Documento 25 da CNBB reconhece nesse encontrar-se ao nível nacional “... aspecto altamente positivo enquanto dinamiza, aprofunda e sustenta o ânimo das comunidades que dão, igualmente, um testemunho da vitalidade e ardor pelo Evangelho a toda a Igreja. Igualmente, os encontros nacionais têm contado sempre com a presença de bispos que os tem acompanhado” (Doc. 25, n. 85) Vê também a necessidade de que a coordenação geral de cada encontro fosse mais assumida pelo Regional ou diocese que o acolhe (ibidem, n. 86). A recomendação tornou-se realidade, já a partir do V Intereclesial, em Canindé, no Ceará, quando a natural liderança de Dom Aloísio Lorscheider, cardeal arcebispo de Fortaleza, atraiu o concurso e a ativa e entusiasta cooperação das dioceses todas do Ceará e do Piauí. No primeiro Intereclesial, em Vitória, no Espírito Santo, em 1975, estiveram presentes delegados de 13 dioceses. No penúltimo, em Ipatinga, MG, vieram de 240 dioceses e, no último, em Porto Velho, RO, de quase todas as 272 dioceses, como está assinalado em sua Carta final. Esses encontros intereclesiais recolheram e enfatizaram alguns elementos estruturais das comunidades de base aqui no Brasil ou respostas corajosas e proféticas que as comunidades deram aos desafios da conjuntura. Recordamos os temas e lemas dos 11 Intereclesiais anteriores e do 12º., em Porto Velho, na região amazônica. Podemos intuir o quanto eles revelam acerca da estrutura, da vida e da inspiração atual de nossas comunidades. Tomamos da página Retrospectiva dos Intereclesiais no site www.cebsuai.org.br da Arquidiocese de Juiz de Fora, a boa síntese abaixo sobre os mesmos: “1º Intereclesial: Aconteceu na cidade de Vitória (ES), de 06 a 08 de janeiro de 1975, com o tema: UMA IGREJA QUE NASCE DO POVO PELO ESPÍRITO DE DEUS. Dele participaram 70 pessoas, representantes de 11 dioceses. Foi enfatizada a importância da participação. 2º Intereclesial: Também realizado na cidade de Vitória (ES), de 29 de julho a 1º de agosto de 1976, com o tema: IGREJA, POVO QUE CAMINHA. Contou com 100 participantes. No processo de nova consciência sócio-eclesial, o 2º Intereclesial favoreceu a compreensão de que a fé não pode ser separada da vida e que a Palavra de Deus se revela também na história do Povo. 3º Intereclesial: Foi em João Pessoa (PB), de 19 a 23 de julho de 1978, com o tema: IGREJA, POVO QUE SE LIBERTA. Dele participaram 200 pessoas. Em relação aos encontros anteriores, houve uma significativa mudança. Grande parte da assembléia era constituída de gente simples. Assessores e bispos colocavam-se no lugar de ouvintes da palavra dos pobres e pequenos, de sua história e paixão, de seus sonhos e esperanças. 4º Intereclesial: Aconteceu em Itaici (SP), de 20 a 24 de abril de 1981, com o tema: IGREJA, POVO OPRIMIDO QUE SE ORGANIZA PARA A LIBERTAÇÃO. 300 pessoas estavam presentes. O encontro deixa claro que as CEBs, em razão de sua identidade religiosa, não podem se transformar em células partidárias, mas tampouco podem deixar de lado sua educação política. As CEBs devem ser lugar de vivência, aprofundamento e celebração da fé, mas também lugar onde se confrontam vida e prática com a Palavra de Deus, no sentido de se verificar a coerência da ação
  • 20. política com o plano de Deus. 5º Intereclesial: Foi em Canindé (CE), de 04 a 08 de julho de 1983, com o tema: IGREJA, POVO UNIDO, SEMENTE DE UMA NOVA SOCIEDADE. Contou com 500 participantes, inclusive com representantes de outros países da América Latina. A reflexão central do encontro foi que, na luta por uma nova sociedade, as CEBs encontram na motivação evangélica a razão última de todo seu empenho. 6º Intereclesial: Aconteceu em Trindade (GO), de 21 a 25 de julho de 1986, com o tema: CEBs, POVO DE DEUS EM BUSCA DA TERRA PROMETIDA. Contou com 1.647 participantes, incluindo representantes dos Povos Indígenas e de Igrejas Evangélicas. Marca registrada deste encontro são as grandes temáticas ligadas à caminhada das CEBs: seu estatuto eclesiológico; CEBs e política partidária; a especificidade da luta das mulheres, negros e índios; e, por fim, a questão latino-americana e o ecumenismo. 7º Intereclesial: Foi em Duque de Caxias (RJ), de 10 a 14 de julho de 1989, como o tema: POVO DE DEUS NA AMÉRICA LATINA A CAMINHO DA LIBERTAÇÃO. 2.500 pessoas participaram deste encontro, que teve sua temática geral subdividida em três questões específicas: a situação da América Latina, a relação entre fé e libertação, a eclesialidade das CEBs e sua dimensão ecumênica. 8º Intereclesial: Aconteceu em Santa Maria (RS), de 08 a 12 de setembro de 1992, com o tema: POVO DE DEUS RENASCENDO DAS CULTURAS OPRIMIDAS. 2.800 pessoas estavam presentes. Cada bloco encarregou-se de um tema: índios, negros, migrantes, trabalhadores e mulheres. Esta experiência inovadora de evangelização a partir dos povos e culturas oprimidas não ocorreu sem momentos de forte dificuldade e tensão, conforme o que testemunha o documento final: “Tudo que é novo nasce com dor de parto, mas também traz alegria”. Em especial dos blocos dos negros e das mulheres vieram as reivindicações mais contundentes. 9º Intereclesial: Aconteceu em São Luiz (MA), 15 a 19 de julho de 1997, com o tema: CEBs, VIDA E ESPERANÇA NAS MASSAS. Contou com 2.800 participantes. O tema foi subdividido em 6 eixos, formando a base do trabalho nos blocos temáticos. São eles: CEBs e catolicismo popular; CEBs e religiões afro; CEBs e pentecostalismo; CEBs e cultura de massa; CEBs: excluídos e movimento popular; CEBs e a questão indígena. 10º Intereclesial: Foi em Ilhéus (BA), de 11 a 15 de julho de 2000, com o tema: CEBs, POVO DE DEUS, 2000 ANOS DE CAMINHADA. Dele participaram 3.036 pessoas. Recordou-se o sonho de Jesus e a vida de comunidade assumida por seus seguidores e seguidoras de ontem e de hoje. O encontro avaliou e celebrou os 500 anos de evangelização no Brasil e os 25 anos dos Intereclesiais, através das temáticas: CEBs, memória e caminhada; sonho e compromisso. Tudo isso para celebrar, festejar, avaliar e abrir novos horizontes para que um dia possamos colher os frutos da justiça, da partilha, da igualdade, da ternura, do carinho e da festa. 11º Intereclesial: Teve lugar em Ipatinga (MG), de 19 a 23 de julho de 2005, com o tema: CEBs, ESPIRITUALIDADE LIBERTADORA e o lema: SEGUIR JESUS NO COMPROMISSO COM OS EXCLUÍDOS, e a participação de aproximadamente 4.000 pessoas. O encontro foi avaliado, no seu conjunto, como um “Novo Pentecostes” que, alimentado por uma espiritualidade autenticamente libertadora, uniu e reuniu povos e línguas, raças e nações, para celebrar o amor do Deus Libertador, parceiro dos pobres e oprimidos, renovando em todos e todas o empenho de “seguir Jesus no compromisso com os excluídos”. 12º Intereclesial: O Trem das CEBs caminha agora para Porto Velho (RO), para onde se prevê, de
  • 21. 21 a 25 de julho de 2009, a realização do 12º Intereclesial, que abordará o tema: “ECOLOGIA E MISSÃO”, tendo como lema: DO VENTRE DA TERRA O GRITO QUE VÊM DA AMAZÔNIA”17 . V. A NOVIDADE DO XII INTERECLESIAL A novidade de Porto Velho é unir dois temas bem atuais: o desafio da ECOLOGIA para o nosso mundo de hoje e o da MISSÃO para a Igreja toda, dando-se especial ênfase para estes dois desafios na REGIÃO AMAZÔNICA. Inserimos ao final deste texto, a Carta Final do XII Intereclesial., em que um dos destaques foi a palavra que os bispos presentes dirigiram aos participantes e, através deles, às CEBs de todo o Brasil: “Os 56 bispos participantes do Intereclesial, reunidos na sexta-feira à noite com os assessores e os membros da Ampliada Nacional das CEBs, avaliaram muito positivamente o Intereclesial, destacando especialmente a seriedade e o empenho dos participantes no debate da temática do encontro, a espiritualidade expressa nas bonitas celebrações diárias nos “rios”, o clima sereno e fraterno e o grande envolvimento das comunidades das dioceses do regional Noroeste da CNBB na organização e realização do encontro. A presença de 331 padres que participaram do Intereclesial levou os bispos a exprimirem o desejo de que, neste ano sacerdotal, todos os padres do Brasil renovem o compromisso de acompanhar as CEBs, empenhadas em testemunhar os valores do Reino, como discípulas e missionárias. Constatando que, a partir da Conferência de Aparecida, as CEBs ganharam reconhecimento e novo alento em todo o continente, os bispos tiveram também palavras de apoio e incentivo para a continuação da caminhada das comunidades no Brasil, reforçadas pelo presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha. Diante da agressão continuada da Amazônia, juntamente com todos os participantes do encontro, manifestaram sua preocupação com a construção da barragem de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, os projetos de outras barragens no Xingu, Tapajós, Araguaia e noutros rios e a continuada devastação da floresta pelo avanço da pecuária, das plantações de soja e cana, e da extração ilegal de madeira”.                                                              17 Sobre os Intereclesiais, cf. TEIXEIRA, Faustino (Dudu), Os Encontros Intereclesiais de CEBs no Brasil (São Paulo: 1996. Sobre as CEBs em geral no Brasil, há extensa literatura nacional e internacional: TEIXEIRA, Faustino (Dudu), A Fé na Vida. Um estudo teológico-pastoral sobre a experiência das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil (São Paulo 1987); Comunidades Eclesiais de Base – bases teológicas (Petrópolis 1988);); REGAN, David, Experiência Cristã das Comunidades de Base – Mistagogia (São Paulo 1995); J. MARINS/C. CHANONA, Carolee/T. TREVISAN, The Church from the roots – Basic Ecclesial Communities (Quezon City3 1997; C. POITRAS, La communauté ecclésiale de base au Brésil à la recherche de ses fondements théologiques et pastoraux. L’apport de Jean-Paul Audet. (Thèse de doctorat. Faculté des Études Supérieurs –Université de Montreal 1997); F. WEBER Gewagte Inkulturation. Basisgemeinden in Brasilien. Eine pastoralgeschichtliche Zwischenbilanz (Mainz, 1996); F. WEBER (Hg.), Frischer Wind aus dem Süden. Impulse aus den Basisgemeinden (Innsbruck-Wien 1998). Para uma revisão crítica, cf. C. BOFF et alii, As Comunidades de Base em questão (São Paulo 1997); I. LESBAUPIN (Org.), Igreja, comunidade e massa (São Paulo 1996); C. LEVY “CEBs in Crisis: Leadership Structures in São Paulo Area”, in J. BURDICK/ W.E HEWITT, The Church at the Grassroots in Latin América – Perspectives on Thirty Years of Activism (Westport, Connecticut, London, 2000, 167-182; J. BURDICK, Looking for God in Brazil: The Progressive Catholic Church in Urban Brazil’s Religious Arena. (Berkeley 1993).
  • 22. Com o texto integral da Carta do XII Intereclesial, em anexo, concluímos esse breve apanhado da caminhada das CEBs e da reflexão eclesial que a acompanhou nos documentos da Igreja brasileira, latino-americana e caribenha e do magistério conciliar, sinodal e papal.
  • 23. ANEXO Carta às Irmãs e aos Irmãos das CEBs e a todo Povo de Deus Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados...” (Mt 5, 3.6) 1. Nós, participantes do XII Intereclesial das CEBs, daqui das margens do Rio Madeira, no coração da Amazônia, saudamos com afeto as irmãs e irmãos de todos os cantos do Brasil e dos demais países do continente, que sonham conosco com novos céus e nova terra, num jeito novo de ser igreja, de atuar em sociedade e de cuidar respeitosa e amorosamente de toda a criação! 2. Fomos convocados de 21 a 25 de julho de 2009, pelo Espírito e pela Igreja irmã de Porto Velho/RO, para nos debruçar sobre o tema que nos guiou por toda a preparação do Intereclesial em nossas comunidades e regionais: “CEBs: Ecologia e Missão – Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”. Acolhendo as delegações e celebrando os povos da Amazônia 3. Encheu-nos de entusiasmo ver chegando, depois de dois, três e até cinco dias de viagem os delegados, em sua maioria de ônibus fretados, ou ainda em barcos e aviões. Em muitos ônibus, vieram acompanhados de seus bispos e encontraram, ao longo do caminho, acolhida festiva e refrigério em paradas nas dioceses de Rondonópolis, Cuiabá e Cáceres no Mato Grosso, Jataí em Goiás, Uberlândia em Minas Gerais e, entrando em Rondônia, nas comunidades de Vilhena, Pimenta Bueno, Cacoal, Presidente Médici, Ji-Paraná, Ouro Preto e Jaru. Apresentamos carinhoso agradecimento pela fraterna e generosa acolhida de todas as delegações pelas famílias, comunidades e paróquias de Porto Velho, o infatigável trabalho e dedicação do Secretariado e das equipes de serviço, em que se destacaram tantos jovens. 4. Somos 3.010 delegados, aos quais se somam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. Dos delegados de quase todas as 272 dioceses do Brasil, 2.174 são leigos, sendo 1.234 mulheres e 940 homens; 197 religiosas, 41 religiosos irmãos, 331 presbíteros e 56 bispos, dentre os quais um da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, além de pastores, pastoras e fiéis dessa Igreja, da Igreja Metodista, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja Unida de Cristo do Japão. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico de nossa Assembléia encontra-se espelhado no rosto das 38 nações indígenas aqui presentes e no de irmãos e irmãs de nove países da América Latina e do Caribe, de cinco da Europa, de um da África, de outro da Ásia e da América do Norte. Queremos ressaltar a presença marcante da juventude de todo o Brasil por meio de suas várias organizações.
  • 24. 5. “Sejam benvindos/as nesta terra de muitos rios, igarapés e de muitas matas, onde está a Arquidiocese de Porto Velho, que se faz hoje a Casa das Comunidades Eclesiais de Base”. Assim, fomos recebidos, na celebração de abertura pela equipe da celebração e por Dom Moacyr Grechi, com muita música e canto, ao cair da noite, ao lado dos trilhos da Estrada de Ferro Madeira- Mamoré que lembra para os trabalhadores, que a construíram e para os indígenas e migrantes nordestinos, o sofrido ciclo da borracha na Amazônia. Foram evocadas ali e, seguidamente nos dias seguintes, as palavras sábias do provérbio africano: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias”. 6. Pelas mãos de representantes dos povos indígenas, dos quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, posseiros e de migrantes do campo e da cidade foram plantadas ao lado do altar, três grandes tochas. Nelas, foram acesas milhares de velas dos participantes, cujas luzes se espalharam pelos degraus da esplanada, enquanto ouvíamos o canto do Cristo dos Seringais: “Na densa floresta vai um caminheiro Cristo seringueiro a seringa a cortar... “, Os versos eram entrecortados pelo refrão: “E vem a esperança que surja a bonança, Não seja explorado o suor na balança”. “E vem a esperança que surja a mudança E o homem refaça com Deus a aliança”. Ouvindo os gritos das comunidades da Amazônia e comungando com seus sonhos 7. Com o apito da sirene da Madeira-Mamoré, o trem das CEBs retomou sua caminhada, reunindo-se no dia seguinte, na grande plenária do PORTO, aclamado pela Assembléia, “PORTO DOM HELDER CAMARA”, pelo centenário do seu nascimento (1909-2009) e em resgate de sua profética atuação. Iniciamos esse primeiro dia, dedicado ao VER, partindo do grito profético da terra e dos povos da Amazônia, símbolos da humanidade, na sua rica diversidade, deixando-nos guiar na celebração pelo som dos maracás, tambores e flautas e pela dança de louvor a Deus de nossos irmãos e irmãs indígenas. Dali, partimos para os locais dos mini-plenários de 250 participantes, nas paróquias e escolas. Eles levavam os nomes de doze RIOS da bacia amazônica: Madeira, Juruá, Purus, Oiapoque, Guamá, Tocantins, Tapajós, Itacaiunas, Guaporé, Gurupi, Araguaia e Jari. 8. Divididos nos Rios em 12 CANOAS, com duas dezenas de participantes cada uma, partilhamos as experiências, gritos e lutas das comunidades em relação à nossa Casa comum, a partir do bioma amazônico e dos outros biomas do Brasil (cerrado, caatinga, pantanal, pampas, mata atlântica e manguezais da zona costeira), da América Latina e do Caribe. Vimos nossa Casa ameaçada pelo desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações de soja, cana, eucalipto e outras monoculturas, sobre áreas de florestas; pela ação predatória de madeireiras, pelas queimadas, poluição e envenenamento das águas, peixes e humanos pelo mercúrio dos garimpos, pelos rejeitos das mineradoras e pelo lixo nas cidades. Encontra-se ameaçada também pelo crescente tráfico de drogas, de mulheres e crianças e pelo extermínio de jovens provocado pela violência urbana. 9. Somamos nosso grito ao das populações locais, para que a Amazônia não seja tratada como colônia, de onde se retiram suas riquezas e amazonidades, em favor de interesses alheios,
  • 25. mas que seja vista em pé de igualdade, no concerto das grandes regiões irmãs, com sua contribuição específica em favor da vida dos povos, em especial de seus 23 milhões de habitantes, para que tenham o suficiente para viver com dignidade. 10. Fazemos um apelo para que os governantes sejam sensíveis ao grito que brota do ventre da Terra e, pautados por uma ética do cuidado, adotem uma política de contenção de projetos que agridem a Amazônia e seus povos da floresta, quilombolas, ribeirinhos, migrantes do campo e da cidade, numa perspectiva que efetivamente inclua os amazônidas, como colaboradores verdadeiros na definição dos rumos da Amazônia. 11. Tomamos consciência também de nossas responsabilidades em relação ao reto uso da água, da terra, do solo urbano e à superação do consumismo, respondendo ao apelo, para que todos vivamos do necessário, para que ninguém passe necessidade. 12. Constatamos, com alegria, a multiplicação de iniciativas em favor do meio ambiente, como a de humildes catadores de material reciclável, no meio urbano, tornando-se profetas da ecologia e as de economia solidária, agricultura orgânica e ecológica. Saudamos os muitos sinais de uma “Terra sem males”, fazendo-nos crescer na esperança de que “outro mundo é possível, necessário e urgente”. 13. De tarde, realizamos a Caminhada dos Mártires, em direção ao local onde o rio Madeira foi desviado e em cujo leito seco, ao som dos estampidos das rochas dinamitadas, está sendo concretada a barragem da hidrelétrica. Celebrou-se ali Ato Penitencial por todas as agressões contra a natureza e a vida humana. Defronte às pedreiras que acolhiam as águas das cachoeiras de Santo Antônio, agora totalmente secas, ao lado da primeira capela construída na região, foram proclamadas as Bem-aventuranças evangélicas (Mt 5, 1-12), sinal da teimosa esperança dos pequenos, os preferidos de Deus. 14. No segundo dia, prosseguimos com o VER, com uma pincelada sobre a conjuntura atual na esfera sócio-política e econômica, apresentada por Pedro Ribeiro de Oliveira; na perspectiva das mulheres, por Julieta Amaral da Costa e do ponto de vista ecológico, por Leonardo Boff. Atendendo ao convite de Jesus: “Vinde e vede” (Jo, 1, 39), após a pergunta dos discípulos, “Mestre, onde moras?” (Jo 1, 38), partimos em grupos, em visita às muitas realidades locais: populações indígenas, comunidades afro-descendentes, ribeirinhas, extrativistas, grupos vivendo em assentamentos rurais ou em áreas de ocupação urbana; bairros da periferia; hospitais, prisões, casas de recuperação de pessoas com dependência química e ainda a trabalhos com menores ou pessoas com deficiência. O retorno foi rico na partilha de experiências, nas quais descobrimos sinais de vida nova. Reiteramos que os projetos dos grandes, principalmente as barragens das usinas hidrelétricas, as usinas nucleares geradoras de lixo atômico que põe em risco a população local, são projetos do capital transnacional que não favorecem os pequenos. Apoiados na sabedoria milenar dos povos indígenas, nos sentimos animados a repetir com eles: “Nunca deixaremos de ser o que somos”. Nós, como CEBs no meio dos simples e pequenos, reafirmamos nossa teimosa opção pelos pobres e pelos jovens, proclamada há trinta anos em Puebla, resistindo e lutando para superar nossas dificuldades, sustentados pela fé no Deus que se revelou a nós como Trindade, a melhor comunidade. 15. No terceiro dia, as celebrações da manhã aconteceram nos rios, resgatando memórias da espiritualidade dos povos da região e das experiências colhidas no caminho missionário percorrido no dia anterior, nas visitas às muitas realidades eclesiais e sociais de Rondônia. A oração foi alentada pela promessa do Êxodo: “Decidi vos libertar... vos farei subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra, onde corre leite e mel” (Ex. 3, 8). Em cada canoa, os relatos iam revelando uma igreja preocupada com a justiça social e a defesa da vida nos testemunhos de gente simples em todos aqueles lugares visitados. Esses relatos aqueceram nosso coração e nos desafiaram a perseverar na caminhada das CEBs.
  • 26. 16. À tarde, fomos tocados por vários testemunhos. Em primeiro lugar, pela sentida oração dos Xerente do Tocantins que celebraram seu ritual pelos mortos, homenageando o amigo e missionário, Pe. Gunter Kroemer. Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, retomou em sua história a trajetória dos negros no Brasil, suas dores, resistências e esperanças de um mundo melhor, nos seus Quilombos da liberdade. Marina Silva, senadora pelo Acre e ex-ministra do Meio Ambiente, contou sua caminhada de menina analfabeta do seringal para a cidade de Rio Branco e de lá para São Paulo, mas principalmente sua incessante busca, a partir da fé herdada de sua avó, alimentada pela experiência das CEBs, da leitura da Palavra de Deus e pelo exemplo de Chico Mendes, de bem viver e de colocar-se publicamente a serviço, em favor do povo amazônida. Por fim, depois da apresentação de Dom Tomás Balduíno, em que ressaltou o papel de Dom Pedro Casaldáliga da Prelazia de São Félix do Araguaia na fundação, junto com outros, do CIMI, da CPT e de Pastorais Sociais, acompanhamos pelo vídeo seu testemunho e nos emocionamos com suas palavras de esperança e confiança em Jesus e na utopia do seu Reinado. 17. Neste dia, ocorreu também o encontro da Pastoral da Juventude de todo o Brasil e outro também muito significativo entre bispos, assessores e Ampliada Nacional das CEBs. Momento fecundo do estreitamento de laços e abertura a novos passos em nossa caminhada, em que foi expressa a alegria e alento trazidos pela presença significativa de tantos bispos. Desse encontro, os bispos presentes resolveram enviar sua palavra às comunidades: Palavras dos Bispos às CEBs 18. Os 56 bispos participantes do Intereclesial, reunidos na sexta-feira à noite com os assessores e os membros da Ampliada Nacional das CEBs, avaliaram muito positivamente o Intereclesial, destacando especialmente a seriedade e o empenho dos participantes no debate da temática do encontro, a espiritualidade expressa nas bonitas celebrações diárias nos “rios”, o clima sereno e fraterno e o grande envolvimento das comunidades das dioceses do regional Noroeste da CNBB na organização e realização do encontro.
  • 27. A presença de 331 padres que participaram do Intereclesial levou os bispos a exprimirem o desejo de que, neste ano sacerdotal, todos os padres do Brasil renovem o compromisso de acompanhar as CEBs, empenhadas em testemunhar os valores do Reino, como discípulas e missionárias. Constatando que, a partir da Conferência de Aparecida, as CEBs ganharam reconhecimento e novo alento em todo o continente, os bispos tiveram também palavras de apoio e incentivo para a continuação da caminhada das comunidades no Brasil, reforçadas pelo presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha. Diante da agressão continuada da Amazônia, juntamente com todos os participantes do encontro, manifestaram sua preocupação com a construção da barragem de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, os projetos de outras barragens no Xingu, Tapajós, Araguaia e noutros rios e a continuada devastação da floresta pelo avanço da pecuária, das plantações de soja e cana, e da extração ilegal de madeira. Nas diferenças, o mesmo Deus que nos convoca para a Justiça e a Paz 19. Na manhã do último dia, fomos guiados pelo texto do Apocalipse: “O anjo mostrou para mim, um rio de água viva... O rio brotava do trono de Deus e do cordeiro...; de cada lado do rio estão plantadas árvores da vida... suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22, 1-2). Bebemos no manancial da fé que nos une a todos e todas, na única família humana, como filhos e filhas da mesma Mãe-Terra, a Pacha- Mama dos povos andinos, a Terra sem Males dos Povos Guarani, na busca, sonho e construção do Reino de Deus anunciado por Jesus. 20. Juntos, representantes das Religiões Indígenas e dos Cultos Afro-brasileiros, de Judeus, Cristãos Ortodoxos, Católicos e Evangélicos, Muçulmanos, de mulheres e homens de boa vontade e de todas as crenças, no diálogo e respeito à diversidade da teia da vida, acolhemos os gritos da Amazônia e de todos os biomas e reafirmamos nossa solidariedade e compromisso com a justiça geradora da paz. 21. Caminhamos como povo de Deus que conquista a Terra Prometida e a torna espaço de fartura e fraternura, acolhendo todas as expressões da vida. Nossos Compromissos 22. Comprometemo-nos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares: as dos povos indígenas, pela demarcação e homologação de suas terras e respeito por suas culturas; as dos afro-descendentes, pelo reconhecimento e demarcação das terras quilombolas; as das mulheres, por sua dignidade e igualdade e avanço em suas articulações locais, nacionais e internacionais; as dos ribeirinhos pela legalização de suas posses; as dos atingidos pelas barragens, pelo direito à terra equivalente, restituição de seus meios de sobrevivência perdidos e indenização por suas benfeitorias; as dos sem terra, apoiando-os em suas ocupações e em sua e nossa luta pela reforma agrária, contra o latifúndio e os grileiros; as dos Movimentos Ecológicos, contra a devastação da natureza, pela defesa das águas e dos animais.
  • 28. 23. Queremos defender e apoiar o movimento FLORESTANIA, no respeito à agrobiodiversidade e aos valores culturais, sociais e ambientais da Amazônia. 24. Assumimos também o compromisso de respaldar modelos econômicos alternativos na agricultura, na produção de energias limpas e ambientalmente amigáveis; de participar na luta sindical, reforçando a ação dos sindicatos do campo e da cidade, com suas associações e cooperativas e sua luta contra o desemprego, com especial atenção à juventude. 25. Convocamos a todos nós para o trabalho político de base, para a militância em movimentos sociais e partidos ligados às lutas populares; para participar nas lutas por políticas públicas ligadas à educação, saúde, moradia, transporte, saneamento básico, emprego, reforma agrária e para tomar parte nos conselhos de cidadania, nas pastorais sociais, no movimento pela não redução da maioridade penal, no Grito dos Excluídos, nas iniciativas do 1º. de Maio e das Semanas Sociais. 26. Comprometemo-nos ainda a fortalecer e multiplicar nossas Comunidades Eclesiais de Base, criando comunidades eclesiais e ecológicas de base nos bairros das cidades e na zona rural, promovendo a educação ambiental em todos os espaços de nossa atuação; a intensificar a formação bíblica; a incentivar uma Igreja toda ela ministerial, com ministérios diversificados confiados a leigas e leigos assumindo seu protagonismo, como sujeitos privilegiados da missão; a fortalecer o diálogo ecumênico e inter-religioso superando a intolerância religiosa e os preconceitos. 27. Queremos, a partir das CEBs, repensar a pastoral urbana, como um dos grandes desafios eclesiais; assumir o testemunho e a memória dos nossos mártires e empenhar-nos na Missão Continental proposta pela V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho, em Aparecida. Rumo ao XIII Intereclesial no Ceará 28. Acompanhados pelas comunidades e famílias que nos receberam e caravanas de todo o Regional, celebramos a Eucaristia, presença sempre viva do Crucificado/Ressuscitado, comprometendo-nos com todos os crucificados de nossa sociedade, com suas lutas por libertação, para construirmos outro mundo possível, como testemunhas da Páscoa do Senhor, acompanhados pela proteção e benção da Mãe de Deus, celebrada no Círio de Nazaré e invocada na região amazônica, com outros tantos nomes; no Brasil, com o título de Aparecida, e na nossa América, com o de Virgem de Guadalupe. 29. Escolhida a Igreja do Crato, que irá acolher, nas terras do Padim Pe. Cícero, o XIII Intereclesial, recolocamos nos trilhos o trem das CEBs, rumo ao Ceará, enviando a vocês, irmãos e irmãs das comunidades, nosso abraço fraterno, e cheio de revigorada esperança. AMÉM! AXÉ! AUERÊ! ALELUIA!
  • 29. ANEXO II CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL 48ª Assembleia Geral da CNBB Brasília, 4 a 13 de maio de 2010  48ª AG(Doc) MENSAGEM AO POVO DE DEUS SOBRE AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE Introdução “As Comunidades Eclesiais de Base”, dizíamos em 1982, constituem “em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja (...)” (Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, CNBB, doc. 25,1). Após a Conferência de Aparecida (2007) e o 12º Intereclesial (Porto Velho-2009), queremos oferecer a todos os nossos irmãos e irmãs uma mensagem de animação, embora breve, para a caminhada de nossas CEBs. Queremos reafirmar que elas continuam sendo um “sinal da vitalidade da Igreja” (RM 51). Os discípulos e as discípulas de Cristo nelas se reúnem para uma atenta escuta da Palavra de Deus, para a busca de relações mais fraternas, para celebrar os mistérios cristãos em sua vida e para assumir o compromisso de transformação da sociedade. Além disso, como afirma Medellín, as comunidades de base são “o primeiro e fundamental núcleo eclesial (...), célula inicial da estrutura eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção humana (...)” (Medellín 15). Por isso, “Como pastores, atentos à vida da Igreja em nossa sociedade, queremos olhá-las com carinho, estar à sua escuta e tentar descobrir através de sua vida, tão intimamente ligada à história do povo no qual elas estão inseridas, o caminho que se abre diante delas para o futuro”. (CNBB 25,5) Os desafios postos às CEBs hoje: a sociabilidade básica no clima cultural contemporâneo Com as grandes mudanças que estão acontecendo no mundo inteiro e em nosso país, as CEBs enfrentam hoje novos desafios: numa sociedade globalizada e urbanizada, como viver em comunidade? Nascidas num contexto ainda em grande parte rural, serão capazes de se adaptar aos centros urbanos, que têm um ritmo de vida diferente e são caracterizados por uma realidade plural? Dentro desse contexto, há outro desafio: como transmitir às novas gerações as experiências e valores das gerações anteriores, inclusive a fé e o modo de vivê-la? Só uma Igreja com diferentes jeitos de viver a mesma Fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade contemporânea. O século XX foi, sem dúvida, o século da globalização. Suas consequências para a vida cotidiana são tantas que hoje se fala que o mundo vive não mais uma época de mudanças, mas “uma mudança de época, cujo nível mais profundo é o cultural” (DAp 44). De fato, “a ciência e a técnica quando colocadas exclusivamente a serviço do mercado (...) criam uma nova visão da realidade” (DAp 45), mas isso não significa um passo em direção ao desenvolvimento integral proposto pela encíclica Populorum progressio e reafirmado pelo Papa Bento XVI em Caritas in Veritate, porque a lógica
  • 30. do mercado corrói a estrutura de sociabilidade básica que se expressa nas relações de tipo comunitário. À medida que ele avança, expulsa as relações de cooperação e solidariedade e introduz relações de competição nas quais o mais forte é quem leva vantagem. Desta forma, é preciso valorizar as experiências de sociabilidade básica: as relações fundadas na gratuidade que se expressa na dinâmica de oferecer-receber- retribuir. O cultivo da reciprocidade tem como espaço primeiro aquele onde a vizinhança territorial é importante para a vida cotidiana, como em áreas rurais, bairros de periferia e favelas. É a solidariedade entre vizinhos – melhor dizendo, entre vizinhas – que assegura o cuidado com crianças, idosos e doentes, por exemplo. Não por acaso, esses espaços periféricos favorecem o desenvolvimento de associações de vizinhança e movimentos que reivindicam melhorias de equipamento urbano, bem como das próprias Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). São as relações de reciprocidade que, promovendo a solidariedade que é a força dos pobres e pequenos, permite que se diga que "gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias". O percurso histórico das CEBs no Brasil A experiência das CEBs não surgiu de um planejamento prévio, mas de um impulso renovador, como um sopro do Espírito, já presente na Igreja no Brasil. Esse impulso renovador se manifesta de forma crescente nos anos 50 e 60 do século 20. Na verdade, os tempos se tornaram maduros para uma nova consciência histórica e eclesial: primeiro, pela emergência de um novo sujeito social na sociedade brasileira, o sujeito popular, que ansiava à participação; segundo, pela emergência de um novo sujeito eclesial, portador de uma nova consciência na Igreja. Ele ansiava participar ativa e corresponsavelmente da vida e da missão da Igreja. Esse sujeito provoca novas descobertas e conversões pastorais (CNBB 25,7). Nelas se revigoravam ou restauravam as relações de reciprocidade, de modo a favorecer a reconstrução das estruturas da vida cotidiana, do mundo da vida, em um contexto social adverso. A interação entre a CEB enquanto organismo eclesial e a comunidade local de vizinhos é uma das grandes contribuições da Igreja à conquista dos direitos de cidadania em nosso País. Ao acolher pastoralmente a população rural ou migrante em capelas e salões improvisados nos quais elas se sentissem “em casa”, a Igreja lhes ofereceu uma possibilidade de organizar-se autonomamente, quando as empresas e os poderes públicos só viam nela o potencial de mão-de-obra a ser empregada no processo de industrialização. A experiência dos Intereclesiais Os Encontros Intereclesiais das CEBs são patrimônio teológico e pastoral da Igreja no Brasil. Desde a realização do primeiro, em 1975 (Vitória – ES), reúnem diversas dioceses para troca de experiência e reflexão teológica e pastoral acerca da caminhada das CEBs. Foram doze encontros nacionais, diversos encontros de preparação em várias instâncias (paróquias, dioceses, regionais) e, desde a realização do 8º Intereclesial ocorrido em Santa Maria – RS (1992), são realizados seminários de preparação e aprofundamento dos temas ligados ao encontro. Manifestação visível da eclesialidade das CEBs, os Encontros Intereclesiais congregam bispos, religiosos e religiosas, presbíteros, assessores e assessoras, animadores e animadoras de comunidades, bem como convidados de outras igrejas
  • 31. cristãs e tradições religiosas. Neles se expressa a comunhão entre os fiéis e seus pastores. Espiritualidade e vivência eucarística “O Concílio Vaticano II, eminentemente pastoral, provocou um grande impacto na Igreja. Suas grandes idéias-chaves trouxeram a fundamentação teológica para a intuição, já sentida na prática, de que a renovação pastoral deve se fazer a partir da renovação da vida comunitária e de que a comunidade deve se tornar instrumento de evangelização”. (CNBB 25,11) A exigência do Vaticano II é de razão estritamente teológica, de ordem trinitária. A essência íntima de Deus não é a solidão, mas a comunhão de três divinas Pessoas. A comunhão – koinonia, communio – constitui a realidade e a categoria fundamental que permeia todos os seres e que melhor traduz a presença do Deus- Trindade no mundo. É a comunhão que faz a Igreja ser “comunidade de fiéis”. Por isso, o Vaticano II faz derivar a união do Povo de Deus da unidade que vigora entre as três divinas Pessoas (LG 4). A Trindade nos coloca, desde o início, no coração do mistério de comunhão. O Papa João Paulo II, falando aos bispos em Puebla, em 28 de janeiro de 1979, proclamou: “Nosso Deus em seu mistério mais íntimo não é uma solidão, mas uma família... e a essência da família é o amor”. A comunhão e a comunidade devem estar presentes em todas as manifestações humanas e em todas as concretizações eclesiais. Por isso mesmo, a Eucaristia está no centro da vida de nossas comunidades de base. É o sacramento que expressa comunhão e participação de todos e todas, como numa grande família, ao redor da Mesa do Pai. Há comunidades que recebem a comunhão eucarística graças a presença do Santíssimo no local ou pelo serviço de um ministro extraordinário da sagrada comunhão. Como nossas CEBs, em sua maioria, “não têm oportunidade de participar da Eucaristia dominical”, por falta de ministros ordenados, “elas podem alimentar seu já admirável espírito missionário participando da ‘celebração dominical da Palavra’, que faz presente o mistério pascal no amor que congrega (cf. 1 Jo 3, 14), na Palavra acolhida (cf. Jo 5, 24-25) e na oração comunitária (cf. Mt 18,20)” (DAp 253). A realidade das CEBs se expressa na liturgia e também na diaconia e na profecia. A diaconia educa, cura as feridas, multiplica e distribui o pão e chama para a solidariedade e a comunhão. A profecia anuncia o desígnio de Deus e denuncia os abusos, a mentira, a injustiça, a exploração e exige a conversão. Por isso, sofre perseguição, difamação, morte. Temos duas testemunhas recentes desse duplo ministério dos discípulos e discípulas de Jesus Cristo: Dra. Zilda Arns e Irmã Dorothy Stang. Há muito conhecidas por nossas comunidades pobres pelo Brasil afora, elas inspiraram a ação das CEBs. Elas entregaram a vida e nos deixaram seu testemunho de fé e amor aos pobres, fracos, desamparados e discriminados. Esta espiritualidade também possibilitou a produção de uma rica manifestação artística em nossas comunidades – músicas, poesias, pinturas, símbolos – típicos da prática religiosa e cultural de nosso povo, e que também são instrumentos de evangelização e de missão. Vivência e Anúncio da Palavra de Deus e o Testemunho de fé “A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). A acolhida da Palavra de Deus e a vivência comunitária da fé são indissociáveis nas CEBs. A Bíblia