HOSPITAL SÃO JOÃO DE DEUS (parte 1): A ESCUTA PSICANALÍTICA NO HOSPITAL GERAL
Lacan, o nó borromeano e a clínica da contemporaneidade
1. Lacan e a
Psicanálise:
interlocuções com a
contemporaneidade
Tema:
Lacan e a contemporaneidade: confluências
Coordenação Alexandre Simões
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2. O que determinará o lugar da
psicanálise no cenário social das
próximas décadas será sua
capacidade de atualizar aquilo
que está na origem da sua
clínica: a sustentação de um
campo de prática que põe
qualquer tipo de experiência
humana sob o crivo da
interrogação.
(BEZERRA JÚNIOR. O ocaso da interioridade e suas repercussões
sobre a clínica. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.).
Transgressões . 2002, p. 238) ALEXANDRE
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3. Uma indagação sempre atual:
quais são as condições do (e para) o
fazer analítico ?
4. Estabelece-se, na contemporaneidade, uma clínica psicanalítica
além do Édipo, uma vez que os elementos verticais e hierarquizadores
orientadores da estrutura
edípica foram deslocados.
Esta clínica, que busca
estabelecer operadores para
as subjetivações na nossa
atualidade, é proposta sob
várias designações:
clínica borromeana,
clínica do gozo,
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clínica do além do Édipo. ® Todos os direitos de
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5. Grandes referências oriundas do ensino de Jacques
Lacan, que nos auxiliam a lidar clinicamente com
as subjetivações na nossa atualidade:
“teoria” dos discursos;
formulações acerca do gozo;
versatilidade do nó borromeu;
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6. As noções de nó, enodamento, enlaçamento e
trança são expostas e desenvolvidas por Lacan
sobretudo em dois seminários (ainda que haja
muitos esboços ao longo de uma ampla trajetória):
R.S.I. (1974-1975) e Le sinthome (1975-1976)
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7. Enlaces e não-enlaces ...
Não-enlace
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8. Enlace simples:
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9. Anéis de Borromeu
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10. Um ponto essencial para vermos, de fato, a
versatilidade do nó:
há muitos outros enlaces possíveis:
O trevo:
O hexafólio:
O quadrifólio:
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11. O nó antes de Lacan:
O nó borromeano não é uma
proposta totalmente nova
feita por Jacques Lacan.
O próprio Lacan menciona
(vide Seminário 20) que o
havia visto inicialmente no
brasão da dinastia da família
Borromeo.
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12. Lacan faz uso da
tríade para propor
uma „medida
comum‟.
Usar esta tríade para
propor uma
articulação ou um
liame data de
tempos muito
antigos
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13. Por exemplo, sabemos que os nórdicos utilizaram a tríade, bem
como Michelangelo (o artista marcava seus blocos de mármore
com o símbolo triádico adjacente à letra M. Nessa situação, os
círculos representavam as três artes: escultura, pintura e
arquitetura, que deveriam permanecer juntas e inseparáveis)
14. Na matemática da Teoria dos Nós, um
entrelaçamento Brunniano é uma trama de
ligação entre três ou mais elementos
geométricos que se separam caso um desses
elementos seja removido.
O adjetivo deriva do artigo Über Verkettung
(Sobre entrelaçamento), escrito em 1892 pelo
matemático alemão Hermann Brunn
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15. Encontramos também o nó
borromeano bem antes disso, como
por exemplo na arte budista afegã do
século II.
Percebe-se também algumas
apresentações do mesmo na mitologia
grega.
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16. Lacan e seu encontro com o nó:
Lacan viu pela primeira vez a imagem
do nó borromeano durante um jantar,
nas armas de uma dinastia milanesa: a
família Borromeu.
Temos três círculos em forma de trevo e
que simbolizam uma tríplice aliança.
Notemos a especificidade:
se um (qualquer um) dos anéis for
retirado ou cortado, os outros três
ficarão soltos, sem que consigam
formar um par. ALEXANDRE
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17. No nó borromeano há a
necessidade de uma certa
matéria para que haja
consistência.
As rodelas estão
superpostas e não entrecruzadas
18. "quando soube desses negócios, do
nó borromeano [...] uma coisa é
certa, foi que eu tive a certeza de ser
aquilo algo precioso, precioso para
mim, para o que tinha a explicar
[...] algo provido de uma
consistência particular, que faltava
ainda ser sustentada, mas que era
para mim reconhecível no que eu
enunciava desde o início de meu
ensino."
(LACAN, 1974-75, aula de 18/03/1975)
19. Isto não deixa de ser muito sugestivo
pois nos leva a pensar a clínica pela
perspectiva da articulação, da ponte que
envolve corpos, objetos, coisas, etc.
20. O nó borromeu é uma forma de operação a
guiar o manejo da clínica, ao invés de um
ideal a ser alcançado.
Através do nó, podemos pensar amplamente em
efeitos subjetivos, oriundos tanto dos
significantes quanto do objeto e, desta forma,
propor operações sobre o gozo (cortes, recortes,
suturas).
21. Ou seja,
uma clínica que vai do „algo
a reparar‟ (Lacan nos anos 50) a
„algo a inventar‟ (Lacan nos anos 70)
22. Um paciente obsessivo e sua (des)coleção
Um senhor, prestes a completar seus sessenta anos de idade, me
procurou interessado na psicanálise, uma vez que começou a sentir a
vida enfadonha e destituída de atrativos.
Ele tem quatro filhos, todos já adultos e, com a exceção da filha caçula
que ainda está na casa dos pais, já tendo seus afazeres e rotinas bem
autônomos. O paciente, atuante em dois empregos (com funções bem
distintas) encontra-se exasperado, sendo que há anos não mais almoça,
uma vez que sai de uma jornada de trabalho pela manhã e se insere na
outra, ocupando-se do início da tarde até o seu final.
Poucos amigos, diz sentir no corpo e na vida um grande peso que,
segundo ele, vem de sua linhagem. Ele me explica esta situação,
dizendo que seu sobrenome indica pessoas que são oriundas de uma
mesma cidade e que são notórias por serem um “povo agressivo,
violento, com algumas mortes já contabilizadas”.
23. Ele fala pouco de sua relação com a esposa (hoje, uma mulher aposentada
que fica boa parte do tempo em casa), mas diz ter uma relação saudável,
desde que ele seja respeitado: gosta, em alguns momentos, de se isolar, de
ficar quieto cuidando de suas coisas, de “ter o seu tempo”.
Dentre estas coisas, diz ter na sua casa um cômodo que se apresenta, de
certo modo, como seu domínio privado. Neste local (que vai funcionar
como um perímetro de gozo), ele coleciona uma série de objetos que são
descartados pelos seus familiares (tios, primos, avós) e que, durante
décadas, são coletados por este homem. Objetos que trazem um misto de
prazer, de coisas que comportam um atmosfera amistosa de seus tempos
de infância e adolescência mas que, por outro lado, são também épocas de
desvalor, de sofrimento e de extirpação. Ali, ele tem seringas antigas,
discos de vinil, papeis, fotos, objetos de decoração, medalhas, ampulhetas,
relógios, etc. Enfim, percebe-se um corpo que demarca, sob várias formas,
ferrugens, mofos e, sobretudo, o seu nome de família.
24. O paciente é um tanto quanto marginal a esta nomeação, pois ao mesmo
tempo que diz ter um “estopim curto” e ser “explosivo” (marcas
identificatórias que o atrelam à família) traz a história de ser filho
bastardo (ele e seu irmão) e de ter uma certidão de nascimento sem o
nome do pai, o que lhe causou muito constrangimento na vida escolar,
sempre que era requisitado a mostrá-la.
Após algumas intervenções que buscavam um tanto quanto localizar o
difuso mal-estar deste paciente nada teve um alcance tão expressivo
quanto o dia em que lhe solicitei que trouxesse suas quinquilharias à
análise. Ele se espanta e me pergunta se é uma metáfora ou não. Digo-
lhe que não.
A partir daí, em mais de uma sessão (mas sem fazer disto um exercício
repetitivo), iam sendo trazidos objetos, destroços, farrapos e máquinas
restauradas.
Pela alteração que isto promoveu em uma série de outras circunstâncias
de sua vida (ainda que haja ainda um conjunto de altos e baixos),
poderia ser perguntado se não temos um „algo a inventar‟ tal como nos
incita o Lacan que dialoga com a contemporaneidade.
25. Chegamos ao fim deste trajeto. Até breve!
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