1. Alex Cunha Ribeiro <alexr@cpqd.com.br>
16 de mai
para mim
SELF (SI-MESMO) Uma IMAGEM arquetípica do potencial mais pleno do homem e a unidade da
personalidade como um todo. O self, como um princípio unificador dentro da psique humana,
ocupa a posição central de autoridade com relação à vida psicológica e, portanto, do destino do
indivíduo.
Às vezes Jung fala self como origem da vida psíquica; outras vezes refere-se a sua realização como o
objetivo. Sublinhava que era um conceito e não uma formulação filosófica ou teológica, porém a
semelhança de suas opiniões com uma hipótese religiosa precisaram de uma elucidação. Não se
pode considerar o conceito do self separadamente de sua semelhança com uma IMAGEM DE DEUS
e, conseqüentemente, a PSICOLOGIA ANALÍTICA foi confrontada tanto por aqueles que saúdam
uma aceitação dela como um reconhecimento da natureza religiosa do homem, como por outros,
seja médicos, cientistas ou religiosos dogmáticos, que consideram inaceitável uma tal formulação
psicológica.
“O self não é somente o centro, escreve Jung, “mas também a circunferência total que abrange
tanto o consciente como o INCONSCIENTE; é o centro dessa totalidade, como EGO é centro da
mente consciente” (CW 12, parág. 444). Na vida, o self exige ser reconhecido, integrado, realizado;
porém, não há esperança de incorporar mais que um fragmento de uma totalidade tão vasta no
limitado âmbito da CONSCIÊNCIA humana. Portanto, o relacionamento do ego com o self é um
processo incessante. O processo carrega consigo um perigo de inflação, a não ser que o EGO seja
tão flexível quanto capaz de estabelecer fronteiras individuais e conscientes (em oposição a
arquetípicas e inconscientes). A interação permanente entre o ego e self, envolvendo um processo
contínuo de referência ego-self, expressa-se na individualidade da vida de uma pessoa (ver EIXO
EGO-SELF; INDIVIDUAÇÃO).
Para que o self não pareça ser inteiramente benigno, Jung enfatizava que deveria ser comparado a
um demônio, um poder determinante sem consciência; as decisões éticas são relegadas ao homem
(ver MORALIDADE). Portanto, com relação a intervenções do self, que podem advir através de
SONHOS, por exemplo, Jung advertia que uma pessoa deve, tanto quanto possível, estar cônscia
daquilo que ela decide e do que faz. Depois, se responde positivamente, não está simplesmente
submissa ao ARQUÉTIPO nem obedecendo a seu próprio capricho; ou, se se desvia, fica consciente
de que pode estar destruindo não apenas alguma coisa de sua própria invenção, mas uma
oportunidade de valor indeterminado. O poder de exercer tal discriminação é a função da
consciência.
Acompanhando Jung conceitualmente, o self pode ser definido como uma incitação arquetípica
para coordenar, relativizar e intermediar a tensão dos OPOSTOS. Por meio do self, é-se posto em
confronto com a polaridade de bem e MAL, humano e divino (ver SOMBRA). A interação exige um
exercício da liberdade humana máxima perante solicitações aparentemente incompatíveis da vida;
o único, exclusivo e decisivo árbitro é a descoberta do SIGNIFICADO. A capacidade de uma pessoa
de integrar tal imagem sem mediação sacerdotal foi questionada pelo clero, e teólogos criticaram a
inclusão de elementos, tanto positivos como negativos, na imagem de Deus. Porém, Jung defendia
2. com firmeza sua posição apontando que a ênfase cristã só sobre “o bem” havia deixado o homem
ocidental alienado e dividido dentro de si próprio.
Os símbolos do self muitas vezes possuem uma numinosidade (ver NUMINOSO) e conduzem um
sentimento de necessidade que lhes dá uma prioridade transcendente na vida psíquica. Portam a
autoridade de uma imagem de Deus, e Jung percebia que não havia dúvida de que as afirmações
dos alquimistas sobre o lapis, considerado psicologicamente, descrevem o arquétipo do self (ver
ALQUIMIA). Muito embora alegasse haver observado intenção e propósito em manifestações
psíquicas do self, abstinha-se de fazer qualquer afirmação com respeito à fonte última daquele
propósito (ver RELIGIÃO).
A obra teórica de Jung sobre o self foi expandida e usada como conceito de desenvolvimento
(Fordham, 1969, 1976). Ver DESENVOLVIMENTO. Um self primário ou original é postulado como
existente no começo da vida. Esse self primário contém todos os potenciais arquetípicos, inatos,
que podem receber expressão de uma pessoa. Em um meio ambiente apropriado, esses potenciais
iniciam um processo de deintegração emergente do integrado inconsciente original. Buscam
correspondências no mundo externo. O acoplamento resultante de um potencial arquetípico de um
bebê ativo com as respostas reativas da mãe é então reintegrado para se tornar um objeto
internalizado. O processo deintegração/reintegração continua por toda a vida.
Na tenra infância, o grau de excitação criada pela deintegração requer prolongados períodos de
sono reintegrador. Gradativamente, os fragmentos do ego presentes nos deintegrados combinam-
se para formar o ego. Diz-se que o self primário tem sua própria organização defensiva, que
funciona da forma mais marcante em situações em que, do ponto de vista do bebê, houve uma
falha ambiental. Tais defesas protegem o self, não só de um sentido de ataque e perseguição
externos, mas também do medo de implosão gerada por um nível incontrolável de raiva
correspondente uma expectativa não satisfeita, sendo que a privação é experimentada como
ataque.
Como as defesas do ego, as defesas do self podem ser consideradas normais, na opinião de
Fordham. Porém, se persistem ou se tornam superdeterminadas, desenvolve-se uma tendência
para a onipotência que leva à grandiosidade e rigidez; isto é, resultado em um distúrbio narcísico da
personalidade (ver NARCISISMO). Podem, por outro lado, resultar em autismo. Em um outro caso, o
indivíduo é excluído das satisfações do relacionamento porque é a própria diversidade, a condição
de outro, que é sentida como persecutória.
Uma segunda aplicação da tese de Jung ao desenvolvimento foi formulado por Neumann (1973,
escrita em 1959-60). Neumann vê a mãe como portadora da imagem do self do bebê na PROJEÇÃO
inconsciente ou mesmo funcionando “como” o self do bebê. Uma vez que, na tenra infância, a
criança não pode experimentar as características de um self adulto, a mãe reflete ou atua como
“espelho” do self de seu filho. As primeiras experiências conscientes do self derivam de percepções
dela e interações com ela. Ampliando a tese de Neumann, a gradativa separação do bebê de sua
mãe pode ser comparada à emergência do ego a partir do self, e a imagem que ele desenvolve de
seu relacionamento com sua mãe forma a base de sua subseqüente atitude com relação ao self e
ao INCONSCIENTE em geral (ver GRANDE MÃE; IMAGO).
3. Está claro que existe uma diferença conceitual entre os psicólogos analíticos. Alguns tendem a
definir o self como o estado original de integração do organismo. Outros o vêem como uma
imagem de um princípio unificador supra-ordenador. Ambos os grupos fazem uso das freqüentes
referências de Jung à personalidade individual como “emergente” dos potenciais arquetípicos
contidos no self. A obra de Neumann representa uma abordagem imagística; a de Frodham fornece
um modelo.
(CW 9ii é dedicado à fenomenologia do self. Sobre uma comparação das opiniões de Frodham e
Neumann, ver Samuels, 1985a.).