1. História 38
O CAMINHO
De Roque Jacintho
Tema: Caridade Material e Caridade Moral
No meio da floresta, Chim, o coelho, vivia suspirando. Lera em algumas páginas do livro que o
Senhor Vento lhe trouxera à porta da casa, noticias de
mundos venturosos. Ficara sabendo, desde então, que
existem lugares alem de sua terra natal, onde os habitantes
eram limpos, muito limpos e, com isso, passara a notar o
pó e a lama que o recobriam. Ainda mais abismado ficará
ao inteirar-se de que, naqueles mundos, os seres não
precisavam andar sobre os pés. E nem se arrastar
morosamente como os répteis. Dispunham de outros meios
de locomoção. Tudo também era fartura. Foi então que
começou a suspirar.
Guardava dentro do coração, o desejo de tornar-se
semelhante àqueles seres e, como faltassem algumas
páginas do volume em que se instruía porque o Senhor Vento as distribuíra em outros locais,
ignorava o CAMINHO que poderia conduzi-lo até lá. Perguntou sobre o caminho a um e outro de seus
companheiros, julgando que alguns poderiam Ter lido as páginas que faltavam. O sapinho saltitante
não sabia de nada e nem estava interessado em saber.
A senhora Lesma indignada protestou:
_ È impossível existir esse mundo.
Mas eu li - afirmou Chim.
São carambolices de escritores. O papel aceita tudo e
muito me admira vê-lo tão confiante. Alem disso, de que
modo eu, poderia movimentar-me lá. Se lá ninguém se
arrasta?
Chim coçou a cabeça, desconhecendo a resposta. O
certo é viver minha vidinha, disse a senhora Lesma, dando
por finalizada a entrevista. Fora dito aqui, nada existe.
E o nosso coelho seguiu estrada afora, em busca de seu amigo Dr. Chipanzé. O caminho para
a casa do Dr. era longo, Tinha que atravessar uma trilha longa e cheia de curvas. Mas Chim não
desanimava, porque queria muito saber o CAMINHO para os mundos felizes. Tinha certeza que o
sabido Chipanzé saberia ensinar, pois era uma criatura cheia de conhecimentos.
Finalmente chegou. Após os cumprimentos formais e as indagações do coelho, disse o Dr.
Chipanzé, muito imponente com seu monóculo, Se houvesse alguma coisa além, estaria aqui nos
meus alfarrábios. Mostrando sua biblioteca, e falou: Todas as coisas reais do mundo estão aqui E fora
destas afirmações dos grandes sábios, nada mais existe.
Mas eu li, afirmou Chim convicto. O Dr. Fez-se de médico e
mandou.
Abra a boca!
Chim abriu.
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2. Hum... você está com a garganta inflamada, e isso deve perturba-lo. Olhou bem para o coelho
e tornou a mandar.
Cruze as pernas.
Chim obedeceu.
Seus reflexos....- murmurou o Dr. Batendo na rótula, você está excitado!
O que quer dizer Dr. Isso tudo quer dizer que você está doente. E doentes daqueles que tem
alucinações, sonhando com mundos que não existem.
Estou doente mesmo?
I-NE-VI-TA-VEL-MEN-TE. Sofre uma crise de
sonharias!
Mas não se preocupe! Algumas consultas que lhe
faça e estas pílulas... Tome e seu estado será resolvido.
Muito desolado saiu Chim.
O coelho voltava para casa, com a receita do Dr.
Chipanzé no bolso, quando cruzou com o Velho
Hipopótamo, que tremia muito, com sua bengalinha
na mão. Imediatamente Chim fez-lhe a pergunta sobre o CAMINHO Ah! Meu filho, respondeu
tremendo o Velho Hipopótamo.
Arrumando os óculos. Depois que a dona idade me fez o que fez, tenho pensado muito nesse
mundo feliz.
Então não sou eu só a pensar?
Longe disso meu filho.... A dona Idade apresentou-me outro dia um senhor muito sisudo,
chamado JUISO me falou desse mundo.
E ensinou o CAMINHO?
Deixe-me ver....HUMMM....Sabe Chim, ando com
a memória um tanto fraca, além disso tremo tanto que
algumas idéias me caem fora da cabeça....A!....
Lembrei-me.....Quando perguntei, qual o segredo para
chegar ao mundo feliz, o Senhor Juízo me disse que as
crianças poderiam ensinar-me a direção bem certa.
Despediram-se após as informações.
Chim reanimado, correu até o jardim da
infância.
Claro que sei afirmou o pequeno Sagüi inquieto e saltitante dentro de sua roupinha de retalhos,
mas tenho que ir brincar com meus coleguinhas. Diga-me sagui onde o caminho para os mundos
felizes.
Sagui pensou, pensou, e disse: Sua mãe não lhe ensinou a fazer orações?
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3. Sim afirmou prontamente o coelho ficando vermelho e confessando: Mas esqueci. Fale então
primeiro com Dona Memória Ela trará para você a
Oração Esquecida, e, na companhia de Oração
esquecida, você verá que acaba vindo algum gênio desse
mundo feliz. Ele mesmo ensinará o caminho certo.
Chim seguiu fielmente a intrusão do pequeno Sagui.
Dona memória trouxe sua companheira, a oração
esquecida. Uma luz se formou a frente de Chim.
Desta luz surgiu um espírito iluminado muito belo e
resplandecente.
Você me chamou Chim? O coelho estava
engasgado e receoso. Não temas, sou apenas um daqueles que habitam os mundos felizes do
Universo, com os quais você sonha. Estive inclusive, a acompanha-lo durante o dia.
Seguiu-me?
Segui-o e inspire-o em sua busca.
Viu as pílulas que o Dr. Chipanzé me receitou?
Vi, - Nosso mundo, por enquanto, está alem da
ciência dele. Não que algo façamos para separar-nos.
Acontece que na companhia do Bichinho do Orgulho, o
Dr. Chipanzé há de seguir morosamente. Só no futuro,
ele compreenderá que você não estava sofrendo de
sonharite aguda, mas que despertava para os anseios de
libertar-se de seus próprios enganos.
Qual o caminho, para chegar até vocês?
A CARIDADE! È o único CAMINHO que nos leva na direção do infinito.
CARIDADE?
Sim, ser bom, fraterno, amigo, socorrendo a todos.
Já um grande missionário que veio em visita a Terra, destinado a ensinar disse: FORA DA
CARIDADE NÂO HÀ SALVAÇÂO.
Se esse é o CAMINHO, serei caridoso.
Ótimo! Voltarei para vê-lo, depois que você se puser
a trabalhar, porque CARIDADE jamais será simples
promessa ou mero desejo. Deverá ser realização imediata,
para que seja mais fácil e compreensivo nosso
entendimento. Sem dizer mais nada, o espírito
desmaterializou-se.
Chim deitou-se, resolvido a ser caridoso.
Mostrava nova disposição, e para ser grato, fez uma
oração ao Pai Celestial, rogando inspiração para o seu novo
propósito dentro da vida.
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4. No dia seguinte, Chim passou para o serviço. Armou um grande seleiro, onde armazenaria
cenouras em grande quantidade para depois, distribui-las aos viandantes famintos. Com isso pensava
com seus botões, estaria extremamente caridoso. Para com todos.
Terminada a construção, movimentou-se para abastece-la.
Dirigiu-se então a casa do Sr. Leão. Lá expôs o seu programa de assistência e recebeu
autorização para, no quintal colher quanta cenoura houvesse. Porém, falou o dono da casa zeloso,
Não me pise uma só plantinha!
Chim garantiu que seria cuidadoso. Ao penetrar nos campos cultivados, porém, não conseguiu
evitar pisotear algumas plantas mais tenras. E com o incidente, o Leão saltou sobre ele, aos gritos e
ameaças.
Chim foi atirado a rua com cenoura e tudo. Revoltado com o tratamento, o coelho gritou contra
a brutalidade do seu enraivecido hospedeiro e,
censurando a sua ferocidade, rumou para o celeiro com as
primeiras cenouras.
No dia seguinte, bateu à porta de Dona Onça.
Ora, ora, disse a onça, após ouvi-lo. Cenoura
acredito que não tenho. Posso procurar em seu campo?
Claro que sim, e se encontrar, leve tudo, Chim. Ele foi
realmente. Dona Onça todavia, que era gulosa por
coelhos assados, tratou de acender o seu forno e
passou a segui-lo sorrateiramente.
Emboscava-se atras das arvores, ensaiando botes, enquanto Chim procurava as cenouras.
Sem nada encontrar, ele subiu em uma pequena arvore. Lá de cima veria todo o campo, Tão
entretido estava no galho em que fazia de seu mirante, que não percebeu Dona Onça, subindo
mansamente, traiçoeiramente, e mal viu quando ela saltou para apanha-lo. O galho, contudo era fraco
e ambos caíram
Chim correndo e gritando, fugiu com algumas poucas cenouras, jurando que nunca mais
pisaria na casa de alguém tão vil e tão falso, qual a dona Onça.
Agora, visitaria Dona Sucuri. Ao sair de casa porem,
já meio atrasado, escorregou numa casca de banana e,
com o impulso, foi atirado dentro de um taxo de sabão que
estava esfriando. Chim ficou aborrecido com o incidente.
Resmungou, resmungou, mas como estava decidido a
completar o celeiro em pouco tempo, não se deteve em
limpar-se e, assim, cheirando a sabão, chegou à furna de
Dona Sucuri.
Posso entrar? Perguntou da porta.
Pode queridinho! Animou Dona Sucuri, reconhecendo a voz de Chim e pensando que entrar ele
podia, mas sair é que seria difícil, já que corriam mais de vinte dias que Dona Sucuri não ingeria nada
tão delicioso quanto a carne tenra de um coelho. Pode entrar queridinho! Ele agradeceu e falou de
seu plano de assistência.
Que maravilha! Fingiu Dona Sucuri, Adivinhei os seus planos Chim. Tanto é verdade que, no
fundo desta minha furna, estou com um mundo de cenouras.
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5. Que bom! Aplaudiu Chim.
Dona Sucuri sorria.
Vá ate lá e carregue quanto puder.
Efetivamente Chim encontrou as cenouras. Encheu duas
sacolas, a mais não poder, e já as punha as costas,
vergando sobe seu peso, fazendo mil
agradecimentos, quando Dona Sucuri sempre
sorrindo o chamando de queridinho, o enlaçou pela
cintura.
Ei, o que é isto? Protestou Chim
esperneando. Vou ajuda-lo! E sorrindo sempre, ela fechou
o laço em torno do pobre coelho.
Vou ajuda-lo e...abocanha-lo também, seu grande tolo1 Quando dona Sucuri apertou mais o laço...
zupt... Chim escorregou fora, porque estava todo liso de sabão. E disparou para longe da furna.
Hipócrita, danada! Ele gritava enquanto fugia.
O celeiro estava quase repleto de cenouras.
Procurou, então, Dona Raposa e foi encontra-la
acamada.
Ah! Chim....gemia Dona Raposa. Tive uma
indigestão violenta.... Comi alguns ovos e cá estou
marcada a pauladas, porque o "seu" Zico me apanhou
com a boca na botija!
Chim falou de imediato de seu plano de assistêncial!
Você bem vê que eu não sou rica! Desculpou-se a
doente. O que tenho, mal dá para meu sustento.
Falta uma apenas...suplicou Chim humildemente.
Não que eu seja miserável, Chim saiu-se ela jeitosamente, mas se não pensar no meu futuro,
quem acaba pobre sou eu. E, afinal, preciso de muita energia, porque não são brincadeiras entrar no
galinheiro de "seu" Zico.
Chim continuou insistindo e começou a maldizer a usura.
Dona Raposa, por outro lado justificava-se
sempre.
Nunca encontrei ninguém, mais sovina, Dona
Raposa.
Dito isto, o coelho retirou-se, fazendo bater a
porta. Na entrada, porém, encontrou uma cenoura
perdida à margem do caminho, esquecida por todos e,
muito feliz com o achado, saiu correndo para completar o
seu celeiro.
Chim deitou-se, naquela noite, muito risonho. No dia seguinte iniciaria o seu serviço de
caridade. O senhor vento, veio bater na sua janela, com muita força, avisando que o céu está
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6. nublado! Vai chover! Vai chover! Começaram a cair
relâmpagos na floresta. Chim agasalhou-se, e correu a
trancar o celeiro para salvar as cenouras da chuva forte.
A Dona Enchente vem vindo! Salve-se quem puder!
Chim tremendo, ficou a escorar a porta do celeiro.
Ai Dona Enchente fez-se valentona. Arrombou a
porta, e carregou todas as cenouras, destruindo o seu
plano de CARIDADE e até derrubou o celeiro que chim
construíra com tanto carinho.
Ele ficou desolado. Olhava, muito aborrecido, Dona
enchente carregar as suas provisões crendo que se veria impedido de alcançar o MUNDO FELIZ,
deixava que o desanimo fizesse ninho em seu coração.
Chim estava triste ainda, quando Dona Memória e Dona Oração Esquecida vieram anima-lo.
Vamos todos juntos atrair o bom espírito que ensinou ser a CARIDADE o caminho para o mundo feliz.
Realmente assim aconteceu.
O espírito se fez presente.
Chim muito afoito, nem esperou a saudação e
falou.
Fiz tudo para iniciar a CARIDADE. Construi
celeiro, visitei doadores e juntei cenouras! Umas das que
estavam armazenadas, apodreceram as que
restaram, veio Dona Enchente e as carregou.
O espírito ouvia pacientemente.
Por isso, fui impedido de realizar os meus planos. Não tive tempo e nem terei outras
oportunidades.
Chim, ponderou o espírito amigo. È louvável que procuremos alimentar os que têm fome. Esse
é um passo em direção a CARIDADE. Não há dúvida1 Mas se caridade fosse somente isso, que seria
dos pobres, aos quais faltassem recursos para doar aos semelhantes?
Acredita que eles não tenham o direito de salvar-se?
Ora, mas eu....
Desde o nosso primeiro encontro Chim, repetidas
vezes estamos criando oportunidades de você exprimir
a caridade. No entanto em nenhuma vez se identificou
com os nossos esforços de traze-lo até nós.
O coelho estava encabulado.
Não entendo.... falou sinceramente.
Você não visitou o Sr Leão?
Oh! Sim! Mas ele foi agressivo comigo.
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7. Diante da agressividade, A PACIÊNCIA é a resposta
da CARIDADE em ação, Chim. Sê fosse TOLERANTE com
o Leão, teria sido caridoso pela primeira vez.
Depois de uma pequena pausa, o espírito indagou:
Você não visitou Dona Onça?
Claro! E lembro-me muito bem do bote que a
traiçoeira me deu.
Mas diante da traição, você deveria mostrar-se manso
e Pacificador, meu caro Chim, porque MANSITUDE E
BONDADE, podem transformar.
A Onça traiçoeira em um amigo nosso.
Outra pausa.
Você não visitou Dona Sucuri?
Visitei...mas quase que ela me abocanha!
O seu mergulho no tacho de sabão, explicou o
espírito, foi providencia que tomamos a seu favor, se
bem que você reclamou "contra a falta de sorte". E se,
diante da máscara do falso sentimento, da falsa doçura
de Dona sucuri, você se houvesse contido, ela poderia Ter
melhorado um pouquinho Chim. Foi a terceira
oportunidade de Ter sido CARIDOSO.....
E por último levamos você a casa de Dona Raposa. A velha matreira estava doente de tanto
comer ovos da granja de "seu" Zico. Alem de ser companhia indesejável, negou-se terminantemente
a colaborar comigo.
A enfermidade de dona Raposa, era um recurso para conserva-la na cama e faze-la refletir.
Estava pronta para ouvi-lo meu filho. Quando se mostrou manhosa e irredutível, você deveria ajuda-
la. Somente vendo alguém interessar-se por suas dificuldades, é que ela poderia mudar o seu
destino.
Chim, que não sabia mais o que falar, acabou dizendo:
Mas se não fosse a Dona Enchente....
O sábio espírito compreendeu e declarou: Sim se
não fosse a Dona Enchente, você poderia distribuir as
cenouras aos famintos da floresta. Mas devemos
agradecer os imprevistos, neles reconhecendo um sinal
do Pai a nosso favor, a fim de não nos deter-mos a
amealhar laboriosamente apenas os bens materiais,
julgando que somente com eles exprimiremos os
sentimentos do amor fraternos.
E, muito compenetrado o espírito ponderou:
Quando inspiramos a você a idéia de distribuir cenouras, foi para leva-lo a conviver com alguns
doadores, que também são grandes necessitados da CARIDADE MORAL.
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8. A favor deles, doadores dos bens materiais, A CARIDADE MORAL, se faria presente por seu
intermédio.
Chim, pendeu a cabeça tristemente.
Suspirava tanto por encontrar o CAMINHO.
Nada porem está perdido, disse o espírito, lendo-lhe
o pensamento de desanimo. Amanhã a Dona Enchente se
terá retirado da floresta e você poderá começar tudo de
novo, começando pela casa do Sr Leão.
Chim acendeu os olhos.
Aceitou a sugestão e deitou-se na cama.
Dormiu então, esperançoso e feliz.
FIM.
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