1. O ensino da escrita, da teoria às práticas pedagógicas – Capítulo 1 – Linguagem escrita e
Linguagem oral.
Resumo:
Ao caracterizar a linguagem escrita é necessário ter em conta as relações que mantém com
a linguagem oral, sendo que ambas constituem formas diferentes de exprimir significado e
podem ser consideradas como variedades diatípicas.
É sabido que não existe uma correspondência directa entre as unidades de ambos os
códigos e prova de tal facto é a falta de consonância entre o número de grafemas e o número
de fonemas. Neste sentido, também há aspectos da oralidade que não são passíveis de
representar e demarcar na escrita e vice-versa.
A diferença existente ao nível da situação de comunicação dá origem a outras diferenças
como o conteúdo e a explicitação. Uma comunicação verbal implica um cenário espácio-
temporal preciso onde os interlocutores estão em constante interacção.
Escandell Vidal (1993) estabeleceu uma distinção entre os elementos que são
característicos numa comunicação, classificando-os como elementos de carácter material, o
emissor, o destinatário, o enunciado e o contexto, e elementos de carácter relacional; a
informação pragmática, a intenção e a distinção social.
Entende-se por informação pragmática o conhecimento do mundo que os interlocutores
detêm, isto é o conhecimento resultante de expressões linguísticas de discursos produzidos
num tempo passado. Por sua vez, a distância social é alusiva à relação estabelecida entre os
interlocutores no contexto de uma estrutura social. Finalmente, a intenção faz referência à
relação existente entre o emissor e a sua informação pragmática.
A relação que se estabelece entre os interlocutores fundamenta-se no princípio da
reciprocidade em que existe partilha de conhecimento. É este o princípio que rege qualquer
comunicação.
Na comunicação oral, o emissor e o receptor estão, por norma, presentes no mesmo
contexto e o seu discurso é, usualmente, interpretado como resultado de uma interacção.
Parte desta interacção pode surgir através de elementos não linguísticos ou paralinguisticos e
suprassegmentais, os quais, nem sempre apresentam correspondência escrita.
Numa comunicação oral, possíveis dificuldades comunicativas que possam surgir, são
passíveis de ser ultrapassadas no mesmo momento. Como é de esperar, o mesmo não
2. acontece numa situação escrita em que os momentos de produção e recepção diferem
temporal e espacialmente.
Devido às suas características, aquando a ocorrência de uma situação de comunicação oral,
o discurso surge de uma forma espontânea e sem ser preparada. Ocorre, também, um menor
cuidado com o que se diz e como se diz. Estes factos advêm de uma situação onde existe uma
cadeia de reacções em que é exigida a resposta imediata.
Naturalmente, dá-se o contrário numa situação de comunicação escrita, pois não obedece a
condições temporais, tendo, desta forma, tempo para planificar, estruturar e reformular o
discurso. Posto isto, uma comunicação escrita é, por norma, mais rica sintáctica e
lexicalmente. Ainda assim, não é possível afirmar a superioridade da complexidade de uma em
relação a outra, tratam-se sim, de diferentes tipos de complexidade.
O texto oral e escrito diferem, também, na sua autonomia, pois, enquanto o escrito exige
que o texto seja construído de forma isolada, sem intervenção de um interlocutor na cedência
de pistas, no texto oral a construção discurso é mais fácil, pois existe o apoio e a interacção do
interlocutor.
Esta questão da autonomia, transcende a produção, pois pode ser perspectivada, também,
ao nível da recepção. Assim, a recepção num contexto oral está dependente do sujeito
emissor, pelo contrário, numa situação escrita, o receptor detém mais tempo e liberdade para
descodificar a informação.
Posto isto, dada a autonomia do discurso escrito na perspectiva do contexto situacional,
surgem implicações ao nível da verbalização da informação, assim como ao nível das
estratégias utilizadas para que o discurse resulte fora do contexto imediato, assim aprender a
escrever é aprender a criar potencialidades. Neste sentido, é necessário que o discurso escrito
integre um contexto individual que permita a sua leitura.
Face a estes factos, as diferenças proeminentes entre a leitura e a escrita envolvem, para
além dos aspectos linguísticos e pragmáticos, a dimensão cognitiva, pois a utilização da escrita
depende de capacidades intelectuais. Assim, é possível perceber os motivos pelos quais a
criança aprende a falar muito mais cedo do que aprende a escrever, pois a escrita exige
determinado nível de desenvolvimento cognitivo.
Para além do desenvolvimento cognitivo, a escrito implica, também a capacidade de
abstracção, ao contrário da oralidade que é mais concreta, que só se atinge na fase do
pensamento formal. O uso de uma linguagem escrita e, consequentemente, autónoma, pode
3. ter implicações directas no desenvolvimento e estruturação do pensamento. Assim, é possível
perspectiva-la como uma importante ferramenta intelectual, visto que possibilita o
armazenamento de informação e permite formas diferentes de pensar.
Por fim, poderá afirmar-se que a escrita nasceu da necessidade de guardar informação,
pelo que pode ser caracterizada por uma linguagem de relato em oposição à oralidade que
surge como a primeira linguagem, a linguagem da acção.