1. CONTEMPORANEIDADE
NAS RELAÇÕES FAMILIARES
Quando nasce-mos,
recebemos, através
de nossos pais, um lugar
dentro de nossa família, com fun-ções
e papéis a serem desempenha-dos,
o que nos confere a sensação,
o sentimento de pertencimento. A
família é responsável por transmi-tir
valores e regras, para conviver-mos
e transitarmos no mundo.
É muito bom o sentimento
de pertencer, mas é fundamental
aprender a se separar também, ou
seja, nos “desmisturarmos” um
pouco dos nossos familiares e da-quilo
que recebemos deles para
treinarmos novas possibilidades de
viver. A partir daí poderemos man-ter
os valores e regras que conside-ramos
pertinentes e, assim,
poderemos criar novos valores.
É na família que começa-mos
nosso processo de diferencia-ção
e individuação e,
posteriormente, faremos o mesmo
nas demais relações que estabele-cemos,
como: social, cultural,
espiritual etc. Vale ressaltar que o
processo de diferenciação e indivi-duação
pode, ou não, ocorrer e será
um processo único para cada indi-víduo.
IMPACTOS DA
Para que esse processo
ocorra, é preciso que eu saiba
quem sou, o que quero da vida,
qual o sentido da vida pra mim.
Precisamos aprender mais sobre
nós mesmos, sobre o “ser gente”,
sobre nossa essência mais que
sobre a aparência.
No mundo contemporâneo
percebemos uma dificuldade de as
pessoas se conectarem com sua
essência, com seu mundo interno,
o que lhes dá a sensação de ficarem
na superfície, empobrecidas emo-cionalmente
e vazias. O preço para
pertencermos ao mundo contem-porâneo
tem sido muito alto, uma
vez que exige a nossa despersona-lização
e a nossa desumanização.
Como resultado, não con-seguimos
esperar por nada, vive-mos
atrasados, corremos o tempo
todo.
O uso de computadores,
smartphones e internet tem contri-buído
muito para pensarmos mais
e sentirmos menos; uma tecnologia
desenvolvida para aproximar
pessoas que, se não utilizada de
forma saudável, acaba por afastá-las.
Tudo isso têm contribuído
muito para uma vida desregrada e
estressante.
Fernanda Seabra (*)
A ação intensa da mídia,
da globalização e da economia ca-pitalista,
tem ditado regras, normas
e valores a serem seguidos. Somos
bombardeados e seduzidos, cons-tantemente,
pela idéia de que se
não seguirmos, por exemplo, a
moda, não seremos ninguém.
A propaganda destinada ao
público infantil representa uma boa
fatia no mercado oportunista, pois
as crianças passam a interferir nas
escolhas daquilo que deveria, ou
não, ser consumido por suas famí-lias.
A televisão tem, cada vez
mais, roubado a infância de nossas
crianças, interferindo diretamente
nos valores das famílias. Ela incen-tiva
a erotização precoce, o con-sumo
de alimentos industrializados
e calóricos, estimula o consu-mismo,
questiona a hierarquia
familiar, expõe nossas crianças a
situações degradantes. Ficamos em
uma posição delicada, como pais e
educadores, com receio de sermos
claros e firmes com as crianças,
temendo não sermos mais amados
por elas.
Q
2. É aí que entramos em um
circulo vicioso, responsável por
desfigurar o valor das relações em
família. Por isso, é necessário
repensarmos nossos valores, como
queremos viver e estabelecer
nossos vínculos, de modo a reduzir
os impactos causados por essas
interferências externas.
Ficamos iludidos, bus-cando
a perfeição, uma comple-tude
que, diga-se de passagem, não
existe. Importante exemplo é o da
exigência do corpo perfeito, em
que, se a mulher não for bonita e
magra, não será feliz, jamais se
sentindo pertencente a “este
mundo”. No mundo moderno, não
temos espaço para viver a tristeza,
perdemos a oportunidade de apren-der
através de nossas dores. É a era
da felicidade obrigatória.
De que maneira podere-mos
criar e desenvolver, enquanto
pais e mães, o pensamento critico
e reflexivo em nossos filhos, em
relação ao mundo moderno, se não
temos tempo para isso e se não
exercitamos tal atitude, primeira-mente,
em nós? Como incutir
valores de conquista e trabalho se
a nossa preocupação é adquirir
“coisas”?
Tal comportamento vai ao
encontro da ideia de “quanto mais
se tem, mais se gasta”. Tentamos
satisfazer os desejos dos filhos, na
tentativa de amenizar nosso des-conforto
e culpa pela nossa ausên-cia.
Vamos ficando confusos com
influências culturais e sociais e,
consequentemente, passamos a
eles essas mesmas informações, o
que os têm levado a uma insatisfa-ção
constante, como se tivéssemos
que buscar, incessantemente, por
coisas que, muitas vezes, nem
fazem sentido para nós.
Não temos tido tempo para
nos olharmos nos olhos, participar
da refeição em família, interagir,
falar de nossas histórias, jogar con-versa
fora. Comemos e engolimos,
“goela a baixo”, padrões que apa-rentemente
parecem ser bons.
Estamos com pouco contato com a
realidade, com as nossas deficiên-cias,
fraquezas e potencialidades.
Estamos vivendo do lado de fora,
assistindo o filme da nossa vida,
sem exercermos o papel principal.
Somente seremos autores
de nossa história a partir do mo-mento
em que começarmos a nos
descontaminar das modas, quando
sairmos do padrão “maria vai com
as outras”, quando pudermos expor
nossos valores sem medo de ser-mos
inadequados e antiquados. É
preciso pensar com a própria
cabeça e sentir com o próprio co-ração.
Aí sim, seremos pessoas me-lhores,
tolerantes, individuadas,
humanizadas e reais.
(*) Psicoterapeuta Familiar Sistêmica
spacofamiliaehumanização@gmail.com
espacofamiliaehumanização.blogspot.com
3. HÁBITO DE DIÁLOGO
Uma das grandes
maravilhas de ser hu-mano
é o seu poder de
dialogar, trocar ideias e experiên-cias,
compartilhar emoções, nego-ciar,
discutir e ...amar.
Somos mais inteligentes
do que falamos. Pois a fala é so-mente
um dos meios de comunica-ção
entre dois seres pensantes. Os
surdos e mudos têm a linguagem
dos sinais, regida pela LIBRAS,
linguagem brasileira de sinais. Há
especialistas em leituras labiais e
em linguagens extraverbais.
Um nenê já gesticula,
solta sons, acena, bate palmas,
mexe a cabeça, sorri, fica sério,
chora, resmunga antes mesmo de
falar. É um fato universal, não im-porta
a cultura. Para mim, o pensa-mento
precede as palavras.
Em geral, o bebê já con-versa
com sua mãe com sons, vo-gais
e poucas consoantes, sem
palavras formadas. Com 12 meses,
já usa as primeiras quatro palavras.
Com 21 meses, seu vocabulário já
conta com 20 palavras; e eles en-tendem
muito mais.
Se uma criança nascesse e
não tivesse nenhum contato com
humanos, como o herói de aventu-ras
Tarzan, o homem macaco
criado por Burroughs, ou Mowgli,
idealizado por RudyardKipling, ela
COMO CRIAR O
COM O FILHOS?
deixaria de desenvolver a área ce-rebral
da fala e seus respectivos
correlatos cerebrais, alguns dos
quais impossíveis de serem
recuperados totalmente, posterior-mente.
É o que acontece com os
sotaques das pessoas que apren-dem
outras línguas após a puber-dade.
Para falar, um nenê tem
que pensar. Quanto mais cedo pen-sar,
mais vai querer falar, e quanto
mais falar, mais vai ter que pensar.
É por isso que um dos meios de
aclarar, organizar e amadurecer as
ideias e desenvolver os pensamen-tos
é simplesmente falar o que es-tiver
pensando. Não se fala uma
ideia sem sentido, mas pensar sem
sentido é muito comum.
Um dos grandes motivos
do esfriamento dos relacionamen-tos
entre pais e filhos é a falta de
comunicação verbal entre eles,
mesmo que estejam emitindo men-sagens
extraverbais o tempo todo.
Quando um pai chega em
casa, irritado, cansado, preferindo
descansar em frente da televisão,
mesmo calado, ele está passando a
mensagem de que não quer nin-guém
por perto.
Quando uma mãe chega
falando em casa, reclamando da
bagunça, direto a preparar algo
para todos comerem, cobrando de
Içami Tiba (*)
tudo e de todos, ela já passou a
mensagem da sua posição e nin-guém
gosta de ficar por perto.
Assim, cada vez mais
todos acabam ficando mais distan-tes
uns dos outros, mesmo que
convivam numa mesma casa. O
que deveria ser um happy hour vira
uma tragic hour.
Algumas dicas emergen-ciais
para que o companheirismo
volte ao lar:
• Todos, ao chegarem em suas
casas, têm meia hora para fazer o
que quiserem, desde que não inco-modem
outros presentes;
• É da responsabilidade de quem
ficou em casa deixá-la em ordem:
exigências crescem de acordo com
a idade. Não é tarefa de mãe arru-mar
bagunças de ninguém;
• O jantar deveria ser o happy
hour: Não está com fome? Peça
que todos se sentem junto, mesmo
assim, pois o que importa é a com-panhia,
a conversa, o alimento da
alma;
• Quem não jantar na hora, vai
ficar sem comer até a manhã do dia
seguinte. Ninguém morre de fome
em casa que tem comida, mas o
comer a qualquer hora estraga
qualquer qualidade de vida;
U
4. • Jantar não é hora de cobranças,
mas sim de contar "causos" inte-ressantes,
piadas, aventuras, dar
feedbacks do que está fazendo,
perguntar como andam os projetos
de cada um, compartilhar lembran-ças
e sonhos;
• Quem não dedica um tempo para
conversar, jogar papo fora, orien-tar,
aconselhar, fazer cobranças e
espera que tudo aconteça, nunca
terá este tempo. Ninguém fabrica
tempo, cada um tem o seu. Já não
há mais tanto tempo para realizar
todos os desejos;
• Após o jantar ninguém sai, nem
assiste TV, nem usa o computador,
nem dorme. É hora de fazer as
obrigações. Não pode dormir en-quanto
não terminar. Nada de
"amanhã cedo eu faço". Sacrifícios
destes mais fortaleceram que ma-taram
filhos. Se forem dormir, os
pais têm que acordá-los para termi-nar;
• Pais bonzinhos são "bobinhos",
pois estão financiando a falta de
formação e de educação (formação
do futuro cidadão ético). Pais pou-padores,
que não impõem o cum-primento
das obrigações dos filhos
nem cobram bons resultados,
podem formar "príncipes espera-dores"
de heranças e de prêmios,
sem comprar bilhetes, no lugar de
terem filhos empreendedores.
(*) Psiquiatra, educador, autor dos Best Sellers
“Quem ama educa” e “Educação Família –
Presente e Futuro
5. “Confesso que a
capa de uma revista de
circulação nacional me
espantou”.
Junto à foto de uma garo-tinha,
relaxando numa banheira,
encontro os dizeres: “Banhos de
espuma, massagens e cromoterapia
para crianças podem custar até R$
440,00 nos spas da capital”. Inda-gando-
me se havia entendido bem,
abri a matéria para ler.
Segundo a reportagem
“Um dia de princesa”, um pacote
para meninas a partir de 5 anos, dá
direito a massagens, escalda-pés,
esfoliação corporal, máscara facial
de relaxamento e banho com péta-las
de rosas. E me pergunto: desde
quando crianças de 5 anos preci-sam
disso?
Já outro, oferece o “Day
infantil” para crianças a partir de 2
anos, com duração de quatro horas,
incluindo massagem relaxante,
banho de piscina, manicure, pedi-cure,
penteado e maquiagem com
direito a cílios postiços. COMO É
QUE É???
A falta de bom senso é
preocupante. Pais e mães, pelo
amooor de Deus, deixem seus fi-lhos
crescerem como crianças, sem
exagero, sem mimos absurdos e
caros, com os pés no chão.
Sobrecarregada de ativida-des
extracurriculares, como balé,
judô, inglês, kumon, teclado, etc.,
etc., a menina deveria aproveitar o
tempo que lhe sobra para ser
criança. Brincar de bola, andar des-calça,
rolar com o cachorro no
tapete e até tomar banho de chuva
ou de bacia, como eu costumava
fazer na minha infância. Nada
disso me estragava, e garanto que
“desestressa” mais (se é esse o pro-blema)
que quatro horas de massa-gens
com óleos essenciais, banhos
de espuma e de rosas. Não seria
melhor deixar esses mimos para
adultos, caso sintam necessidade?
Seria ótimo se os pais pu-dessem
assistir com seus filhos
alguns filmes da Disney com di-reito
a pipoca e guaraná, assim
como peças infantis que estives-sem
em cartaz. A meninada adora
e a criança que habita no adulto,
também. Árvores falantes, bichos
divertidos, bruxas más ... Criança
ama a fantasia, então, por que levá-la,
antes do tempo, para um
mundo real de narcisismo e exage-ros?
Criada entre sete meninos,
nunca senti falta de massagens
com óleos essenciais. Andava des-calça,
comia goiaba no pé, com
bicho e tudo, convivia bem com
meus machucados e esfolamentos.
Cabelos embaraçados? Nada que
um creme rinse, hoje chamado de
“condicionador”, não resolvesse.
Poças d’água me divertiam; quanto
mais fundas e barrentas, mais
atraentes se tornavam. Delícia tam-bém
era correr atrás de redemoi-nhos
criados pelos ventos na terra
seca, para conferir se dentro deles
morava o capeta. Crianças felizes
que éramos, adorávamos ir em
busca de emoções.
Enfim, outros tempos,
outra realidade....
Na revista, uma leitora se
manifestou: “Hoje é um banho de
espuma, massagem, cromoterapia
clínica de estética. Amanhã, a ca-deira
do analista e pílulas”.
Concordo, pois, ao cresce-rem,
descobrirão que o mundo real
não é esse “mar de rosas” ou de
“Jacuzzis de rosas”, em spas mi-rabolantes.
O mundo real passa
pelas dificuldades, para poder che-gar
adiante com equilíbrio, força e
serenidade.
Se perguntarmos a
qualquer pai ou mãe sobre o que
esperam para o futuro dos seus
filhos, provavelmente ouviremos
“que eles sejam felizes”. Valor
justo e louvável, mas que leva al-guns
pais ao equivocado caminho
de tentar prover os filhos da felici-dade
permanente, não medindo es-forços
para que suas vidas sejam
um eterno conto de fadas.
Se quisermos que nossos
filhos CRESÇAM e sejam felizes,
precisamos prepará-los para os
grandes desafios que a vida, cedo
ou tarde, lhes irá impor. Um dia,
todos lidarão com as decepções,
com as perdas, com as injustiças,
com as frustrações por sonhos não
concretizados, enfim, com tudo o
que faz a vida ser o que é.
Famílias chegam a se en-dividar
para oferecer aos filhos fes-tas
de aniversário estratosféricas,
viagens incríveis ou os últimos re-cursos
tecnológicos, e tudo isso
sem nada lhes exigir em troca, nem
mesmo um muito obrigado. Será
que educam ou viciam?
(*) Presidente e colunista dos jornais
“Pampulha” e ‘O Tempo”
REDOMAS SE
QUEBRAM
Laura Medioli (*)
C
6. Os últimos 40
anos parecem ter sido os
que mais mudanças trou-xeram
para a família.
Tanto que os pais se perguntam:
qual é, na atualidade, o mais im-portante
objetivo da educação? O
que é ser bom pai hoje? E o que é
um filho legal?
Não faz muito tempo, ser
“um bom menino” significava,
como dizia o palhaço Carequinha,
“não fazer pipi na cama nem fazer
malcriação”, caprichar no trabalho
de casa, arrumar o quarto, respeitar
os mais velhos; tarefas razoavel-mente
fáceis de aprender. Afinal,
valores como honestidade e inte-gridade
não estavam em discussão.
Hoje, significa não apenas saber o
que é certo ou errado, mas também
conseguir se opor a atitudes que
contrariam os princípios da socie-dade
- o que não é fácil para adul-tos
nem para crianças.
Opor-se ao grupo e fazer
escolhas adequadas demandam
forte grau de segurança. Signifi-cam
que nossos filhos têm que
estar certos de que solidariedade,
justiça e honestidade não estão
“fora de moda”. Precisam acreditar
que, mesmo quando parte dos ho-mens
não respeita esses princípios,
não há a mínima condição de
vivermos com segurança sem eles.
Como convencê-los, no
entanto, se a TV, as atitudes
de muitos adultos, alguns
programas humorísticos e até
certas músicas, os bombardeiam
com mensagens antiéticas?
Criar adultos dignos – ta-refa
prioritária da família - de-pende
basicamente de duas coisas:
da maneira pela qual nós, pais,
vivemos o dia-a-dia e da confiança
que temos nos valores que
guiam nossas ações. É necessário
não só sermos íntegros, mas
também não duvidarmos da
força dos nossos princípios.
Quando crianças e jovens
percebem nos seus mais fortes mo-delos
(nós, seus pais!) segurança
inabalável na retidão, na coopera-ção,
na honra – independente do
que estejam fazendo os vizinhos,
parentes e amigos – eles muito
provavelmente também acredita-rão.
Se, ao contrário, já que há
tanta corrupção e impunidade, os
próprios pais começam a lassear
seus conceitos ou a repetir diaria-mente
“que o Brasil não tem jeito”,
em que irão, seus filhos, acreditar?
O perigo maior para um
jovem não são as drogas: é não
crer no futuro e na sociedade. A
falta de esperança, essa sim, é que
pode levar à depressão, ao indivi-dualismo,
ao consumismo exacer-bado,
ao suicídio, à marginalidade
e às drogas. Já a convicção num
caminho produtivo a ser trilhado
faz com que os jovens progridam,
estudem e realizem. Para ter essa
confiança precisam conviver com
pessoas que, não apenas vivam de
acordo com esse modelo, mas
também que não se deixem abalar
pelas notícias negativas veiculadas
pela mídia. Existe sim
gente desonesta, o que não
significa que muitos outros não
sejam dignos e corretos.
Muita gente acha que en-sinar
integridade é impossível, por-que
ignoram que isso se faz
basicamente através de exemplos
de vida. Se os pais vivem de
acordo com princípios, estarão en-corajando
os filhos a seguirem
seus passos. Quer dizer, não men-tindo,
respeitando a lei, não que-rendo
mudar as regras do jogo de
acordo com as conveniências, e,
especialmente, não disseminando
amargura e descrença, simples-mente
porque nem todos agem de
maneira honesta. Na maioria dos
casos, essa forma de viver será su-ficiente
para que seus filhos acre-ditem
nos valores... Afinal, não
podem contestar – vocês vivem de
acordo com o que defendem! É a
nossa integridade que serve de fun-damento
à construção da identi-dade
cidadã de nossos filhos.
Tem coisa mais importante?
(*) Filósofa, Mestre em Educação,Psicóloga,
autora do livro ”Educar sem culpa”
A TAREFA
PRIORITÁRIA DOS PAIS
Antônio Roberto (*)
O
7. Outro dia mesmo,
alguém comentava a rela-ção
atual entre pais e fi-lhos.
Sempre intrigante,
talvez por se tratar de processo
complicado e impreciso. Todos
somos filhos e talvez, pais um dia.
Mas nenhum de nós escapou dessa
condição de filho, pelo menos en-quanto
nascido de alguém. E nas-cemos
por decisão alheia ou por
acidente de percurso.
Mesmo que não somos cria-dos
pelos que nos geraram, sere-mos
cuidados por alguém que os
substituirá ou alguma instituição
que nos acolha e cuide da gente,
até que sejamos independentes.
Isto leva tempo. Algumas pessoas
nunca alcançam a independência.
Acredito que sejam muito infelizes
por isso, embora alguns achem que
possa ser uma situação vantajosa.
Não creio.
Sabemos quem e como
foram nossos cuidadores e pais, e
quase sempre os responsabiliza-mos
ou até culpamos pelo que
somos. Mesmo que eles não te-nham
culpa, jamais poderão provar
serem inocentes. Então, ser pai e
mãe já é naturalmente, ou cultural-mente,
ser culpado. Não devemos
acreditar que essa dívida possa ser
paga. Se acreditarmos, tentaremos
compensar nossos filhos e isso
pode ser ainda pior do que carregar
a dívida.N
unca tente pagá-la. Como
pais, fizemos o melhor que podía-mos
na ocasião e, claro, ninguém
erra porque quer, porque decide
fazer o pior. Pelo menos, alguém
“normal”, pois fazê-lo proposital-mente
seria uma perversão.
Erramos porque não sabe-mos
como fazer o melhor em tal ou
tal situação. E errar não é tão da-noso.
Provavelmente, nunca errar
ou acreditar nessa possibilidade,
pode ser também pior. Se acreditar
dono da verdade, como se ela fosse
única, é tentar anular outras possi-bilidades.
Nunca saberemos quem será o
filho que tivemos e nenhuma fór-mula
ou receita poderá nos ajudar.
É como uma aposta que fazemos,
investindo no futuro que não é
nosso e sim de um outro que não
sabemos o que desejará.
Tantos pais, por não sabe-rem
ser pais, tratam os filhos como
amigos. E disto podemos estar cer-tos:
filhos não são os amigos. São
seres humanos que precisam ser
educados, por nascerem sem noção
de nada. E a educação ensina o
certo, o errado, e é preciso insistir
muito para as crianças aceitarem o
que pode ou não pode.
Elas querem experimentar
o mundo, o que é gostoso, o praze-roso,
independentemente das con-sequências
, pois ainda não
absorveram o princípio da reali-dade.
Funcionam no registro do
princípio do prazer. Como fazê-los,
então, abandonar o prazer pelo
dever? Com o tempo, a insistência,
a autoridade e principalmente com
amor, pois, se não for por amor,
não cola. Não será uma troca inte-ressante.
Não valerá a pena.
E somente com amor con-seguiríamos
deles algum pro-gresso,
pois para impor regras de
comportamento e socialização é
preciso firmeza, pulso e é aí que
muitos pais fracassam. Têm de
fazer cortes nas pessoas que amam.
Se pudessem, dariam aos filhos
apenas satisfação, fazendo-os acre-ditar
num mundo onde tudo é feito
par agradá-los.
A criança que se acredita o
centro do universo e não se acos-tuma
com frustrações, cresce como
uma majestade e permanece sem
noção. Depois de grandes, não vão
querer saber de outra coisa...
Assim, ter filhos é um de-safio
enorme e de grande respon-sabilidade.
Se soubéssemos de
antemão todos os riscos, talvez de-cidiríamos
não tê-los. Mas, é que
às vezes, para continuar o que quer
que seja, é preciso ignorar a ver-dade
toda. Vale para a perpetuação
da espécie.
E não somente isso. Depois
de tudo o que penamos para educá-los,
ver que eles se tornaram inde-pendentes,
capazes e diferentes de
tudo que planejamos ou quisemos
para eles, é muito bom nos certifi-carmos
de que se tornaram adultos
com sua própria história para es-crever.
(*) Psicanalista, colunista do jornal
“Estado de Minas”
MISTÉRIOS
DA CRIAÇÃO
Regina Teixeira Costa (*)
O
8. “MAS TODO MUNDO FAZ!”,
“MAS TODO MUNDO TEM!”
Esses são argu-mentos
poderosos que
os filhos utilizam, há
algumas gerações, para testar os
limites que os pais colocam.
Muitos se sentem pressionados
e cedem, temendo que os filhos
sejam excluídos do grupo de
amigos. Lembram-se de se
sentirem humilhados e inferio-rizados
quando eram despresti-giados
por seus próprios pares
quando não tinham a mochila
ou a calça da marca valorizada
na época, com raiva dos pais
que lhes negavam o acesso aos
bens de consumo que represen-tavam
o passaporte de aceitação
no grupo. E, agora, sofrem ao
verem os filhos com medo de
serem rejeitados e excluídos.
Dependendo da época,
mudam os conteúdos, mas o
processo é idêntico: roupas,
tênis, mochilas e estojos de
marca continuam sendo presti-giados
na nossa sociedade de
consumo, mas outros bens
passaram a ser incluídos na
lista: smartphones, iPads, iPods,
entre outros.
Após uma palestra em
uma escola de classe média alta,
fui cercada por um grupo de
mães preocupadas com suas fi-lhas
de dez anos, que se sentiam
excluídas do grupo por não es-tarem
tão conectadas quanto as
outras, que se comunicavam por
meio de aparelhos de última ge-ração,
para combinar progra-mas,
disseminar fofocas ou
trocar ideias: o computador e os
telefones convencionais já eram
considerados obsoletos, como
meios de comunicação.
A pressão para fazer
parte de uma rede de relaciona-mentos
também é grande, bur-lando
a lei da idade mínima:
“Todos os meus amigos fazem
parte, só eu vou ficar de fora?
Maria Tereza Maldonado (*)
Vou ser discriminado!” argu-menta
o menino de nove anos,
ansioso por divulgar as fotos da
viagem de férias, sem a menor
noção dos riscos, envolvidos
pela superexposição de infor-mações
sobre a vida pessoal.
Em seu livro Vida para
consumo, o sociólogo Zygmunt
Bauman, profundo estudioso da
sociedade contemporânea, diz
que vivemos em uma sociedade
que estimula a nudez física e
psíquica. Por conta disso, as
pessoas passam a expor deta-lhes
de sua vida privada em pú-blico.
“Se eu posso dar o que
eles pedem, por que não?”,
questionavam algumas mães
temerosas de frustrar desejos
imperativos por objetos consi-derados
indispensáveis. “Mãe,
quando você era criança essas
coisas nem existiam, mas agora
não dá para viver sem isso!”.
E
9. E o que fazer com a
preocupação de ver os filhos ex-cluídos
do convívio, por não
trocarem mensagens o dia todo
pelos smartphones? O bullying
manifestado pela exclusão dos
que não possuem os objetos
considerados essenciais é uma
realidade em muitas escolas, re-velando
as práticas discrimina-tórias
presentes na sociedade
que despreza quem “tem
menos”, mesmo que “seja
mais” (inteligente, interessante,
solidário, entre outras qualida-des
pessoais).
“Você não é todo
mundo!”; “eu não sou todos os
pais que deixam os filhos terem
ou fazerem o que você está que-rendo!”
– estes são os argumen-tos
tradicionais que os pais
apresentam para reforçar o
“não”. Mas o desafio precisa
prosseguir, para incluir uma
reflexão crítica sobre o consu-mismo
e o fortalecimento de
recursos, para que a criança
consiga se incluir nos grupos,
mesmo sem os objetos de de-sejo
cultuados. A simples posse
desses objetos não garante a
inclusão no grupo, até porque
rapidamente estes são substituí-dos
por novos modelos, tor-nando
o anterior (e o seu dono)
descartável.
Convidei esse grupo de
mães preocupadas, a imaginar
uma situação infelizmente cada
vez mais comum já no início da
adolescência: “Pai, se não tiver
cerveja na minha festa de ani-versário,
ninguém vai apare-cer!”
“Todos os meus amigos
dirigem o carro dos pais com
quinze anos, por que vocês não
deixam que eu aprenda logo de
uma vez?” E, então, nessas si-tuações
desafiantes, os pais vão
ceder aos desejos dos
filhos, para que eles sejam su-postamente
aceitos pelo
grupo, mesmo que isso envolva
riscos e ações impróprias para a
idade?
É bom saber que, no cé-rebro
adolescente, a percepção
de risco e a capacidade de auto-proteção
ainda estão em cons-trução.
É igualmente importante
lembrar que os pais são amo-rosa
e legalmente responsáveis
pelos seus filhos.
Mais importante do que
ceder aos desejos do filho é
convidá-lo a desenvolver a inte-ligência
dos relacionamentos.
Como pode convencer os ami-gos
de que vale a pena irem à
sua festa de aniversário, mesmo
sem bebidas alcoólicas? Como
continuar sendo aceito pelos
amigos, quando recusa as dro-gas
que passam a circular livre-mente
entre eles? Como
desenvolver recursos pessoais
para construir uma sólida au-toestima
e se apresentar como
uma pessoa de valor, mesmo
sem usar roupas e acessórios de
marcas prestigiadas?
Aprender a transitar
entre a necessidade de pertencer
a um grupo e o trabalho de
construir uma identidade
pessoal, fundamentada na ética
do ser, é uma das grandes con-quistas
do desenvolvimento de
todos nós.
(*) Mestre em psicologia, escritora
e membro da Associação Brasileira de Terapia
Familiar
10. A ARTE DE EDUCAR
O escritor, pales-trante,
especialista em re-l
a c i o n a m e n t o
comportamental e inter-pessoal,
Antônio Roberto escreveu
o artigo abaixo, em resposta a uma
mãe de nome Ana Maria, de Con-tagem,
MG, que lhe disse: “Estou
confusa e bastante temerosa na
educação dos meus filhos. Atual-mente,
muita coisa vem nos assus-tando
e tenho medo de orientá-los
de forma errada”.
Educar nunca foi uma ta-refa
fácil. Hoje, porém, a relação
educadora entre pais e filhos se re-veste
de maior complexidade e
maiores desafios. Nós, pais, não
fomos preparados para o mundo
atual, globalizado, em profundas
mudanças. Antigos valores, arrai-gados
em nossas cabeças, como
obediência, proteção e controle,
estão dando lugar a novos valores,
como autonomia, individualidade,
capacidade de escolher e mobili-dade.
Recebemos diariamente
inúmeras cartas de pais falando da
dificuldade de educar os filhos.
Queixam-se da timidez, da rebel-dia,
da teimosia, da agressividade
das crianças e dos adolescentes.
Todos nós sabemos que os filhos
são resultados dos pais. Talvez daí
a preocupação que temos na cria-ção
dos filhos. Eles são aquilo que
fizemos deles. Um exemplo vale
mais que mil palavras. Os filhos
aprendem com o que somos e não
com o que falamos. É um grande
desafio darmos exemplo dos valo-res
que pregamos, estabelecer limi-tes
de convivência com as crianças
e jovens, criar pessoas melhores
que nós, em um mundo de profun-das
convulsões e mudanças.
A educação dos filhos,
porém, não pode ser objeto de
tanta ansiedade. Para começar, de-vemos
considerar nossa imperfei-ção
humana e, por conseqüência,
não existem pais perfeitos nem
filhos perfeitos. E a grande tarefa
paterna e materna é o próprio cres-cimento.
Algo que atrapalha consi-deravelmente
nesse assunto é a
idéia de que os pais, por serem
adultos, nada têm a aprender. Du-rante
um encontro com jovens,
pesquisei o que mais os incomo-dava
na relação com os pais. A
grande maioria respondeu que era
o fato de os pais saberem tudo. A
única alternativa hoje, em todos os
campos, e especificamente na edu-cação,
é os pais se deslocarem da
fixa posição de ensinar e viajar um
pouco no espaço do aprender.
São inúmeras as publica-ções
hoje disponíveis sobre o as-sunto.
A maioria dos pais nunca leu
um livro sobre educação e, às
vezes, nem acha que isso é impor-tante.
O resultado é que a única ba-gagem
de que dispõem é a
educação que tiveram, numa outra
época e com pais que também não
aprenderam a educar.
Um norte-americano,
Alvim Tofler, escreveu um livro,
há 35 anos, chamado Choque do
futuro. Ele dizia: “Nos próximos
anos, haverá uma mudança tão
intensa na sociedade, tão profunda,
tão rápida e tão global, que as
Maria Tereza Maldonado (*)
pessoas ficarão chocadas”. Não há
um lugar onde esse choque ocorreu
com tanta intensidade quanto na
educação. Há hoje uma verdadeira
revolução na relação com as crian-ças
e jovens. A educação tradicio-nal
se baseava em duas finalidades
principais: ensinar o filho a subsis-tir
e, para isso, ensiná-lo a compe-tir.
A nova educação parte de
outro pressuposto. Se o objetivo
fundamental da vida é a felicidade,
não basta o sucesso social e mate-rial.
Temos de educar o filho tam-bém
para o sucesso pessoal.
Educá-lo enquanto pessoa signi-fica
educá-lo para a felicidade. E,
por isso mesmo, a ênfase no valor
da autonomia. Ensinar o filho a es-colher,
em vez de escolher no lugar
dele. Daí a importância de valori-zar
o emocional. Não adianta nos-sos
filhos obterem muitas
informações (e isso o mundo lhes
oferece com muita competência
pela Internet e outros meios digi-tais)
se não tiverem inteligência
emocional.
A felicidade e o amor à ca-pacidade
de se relacionar bem
fazem parte do campo psicológico.
Educar o filho psicologicamente
para a vida é um dos maiores desa-fios
da sociedade hoje. Para isso,
como pais, também deveremos
crescer emocionalmente, ou seja,
aumentar nossa capacidade de nos
relacionarmos com os filhos com
amor, bondade e verdade. Nossos
filhos serão o que nós formos no
processo de nosso desenvolvi-mento.
O
11. É quase unanimi-dade
entre nós, brasilei-ros:
o país não padece de
carência de leis. Leis, nós
as temos em excesso. O que não
temos é Estado que as faça cum-prir.
Nem mesmo o direito mais
comezinho numa democracia, o di-reito
de ir e de vir, nós o temos ga-rantido:
quaisquer 3 ou 4 gatos
pingados, por razões que absoluta-mente
não nos dizem respeito,
fecham uma via pública, rua ou es-trada,
interditam prédios, privados
ou não e todos nós, bovinamente,
temos que nos submeter. É o pa-drão
Brasil.
Pois bem, para alegria
daqueles que não prescindem da
tutela enxerida do Estado, depois
de acaloradas discussões, de absur-das
expectativas, e também do
inconformismo pela intervenção
de um Estado burocraticamente
usurpador, eis que, dia 26 de junho
passado, materializou-se na Lei
13.010 o Projeto de Lei
7672/2010, conhecido como Lei
da Palmada.
Limitando-se basicamente
a alterações na Lei 8069, de
13.07.90, documento que criou o
Estatuto da Criança e do Adoles-cente,
de “palmada” mesmo não
tem nem menção. Mas, para não
fugir da demagogia barata, recebeu
o nome de “Lei menino
Bernardo”, atrelando-se, desca-rada
e indevidamente a morte do
garoto à aplicação desmesurada de
um costume discutível, mas que
ainda persiste, algures, como “re-curso
educacional” em nosso
país.
(Por oportuno, o menino
Bernardo, aqui homenageado, é
aquele garoto gaúcho de 11 anos
de idade, que poderia ter sido
salvo, quando recorreu ao Poder
Público de sua cidade, contra as
iniquidades que estavam sendo
perpetradas contra a sua pessoa, no
recinto daquilo que era o seu lar de
criança órfã de mãe. Acabou bar-baramente
assassinado, num con-luio
de pai, madrasta e amigos:
essa a conclusão da polícia).
Em nenhuma ocasião sus-peitou-
se, na mídia ou fora dela, de
que o garoto perdeu a vida porque
tenha sido vítima de tratamento
equivocado, eivado de normas
educativas desvirtuadas e antisso-ciais;
morreu porque o mataram, a
sangue frio. E se queriam mesmo
homenageá-lo, que se desse o
nome de “menino Bernardo” ao
Código Penal Brasileiro. É ali, no
Art. 121, que está catalogada a
ação monstruosa que lhe tirou a
vida: “Matar alguém”.
E a que se prende essa
nova Lei? Basicamente “assegu-rar
às crianças e adolescentes o
direito de serem educados e cui-dados
sem o uso de castigo físico
ou de tratamento cruel ou degra-dante,
como formas de correção,
disciplina, educação ou qualquer
outro pretexto, pelos pais, pelos
integrantes da família ampliada,
pelos responsáveis, pelos agentes
públicos executores de medidas
socioeducativas ou por qualquer
pessoa encarregada de cuidar
deles, tratá-los, educá-los ou pro-tegê-
los.”O
legislador teve o cui-dado
de definir que castigo físico é
aquela “ação de natureza discipli-nar
ou punitiva, aplicada com o
uso de força física sobre o edu-cando,
que resulte em sofrimento
físico ou lesão”: é aí que o Estado
vai encaixar a palmada. Então, te-remos
os questionamentos: palma-das,
sendo variadas, não têm o
mesmo poder deletério. Tem a
“palmadona” e tem a “palmadi-nha”.
Quem irá avaliar o potencial
de sofrimento da palmada? O de-legado?
O Promotor? O psicólogo?
O Conselho Tutelar? Será criada a
“palmabrás”, para unificar os con-ceitos
em todo o país?
Se o nosso Código Penal,
que já cuida “das lesões corporais
e da periclitação da vida e da
saúde”, assegurando penas de de-tenção
e reclusão aos autores des-ses
crimes, não consegue ter
eficácia, imaginemos a força dessa
nova lei, onde ela, as penas, resu-mem-
se a por encaminhamento
dos autores a cursos e programas
correcionais, tratamento psicoló-gico
e advertência.
Eu me pergunto: nos re-motos
rincões deste imenso Brasil,
carentes até de professores do pri-meiro
grau, quem serão os juízes
dessas ações?
Tenho por mim que essa é
uma lei que, perdida em meio ao
nosso cipoal jurídico/jurássico, não
vai pegar. Como inúmeras outras
neste país.
(*) Associado da EPB / BH
LEI DA PALMADA,
LEI MENINO BERNARDO
Abílio Campanha Botelho (*)
É
12. Filhos podem
nos proporcionar vi-vências
e experiências
afetivas de riqueza incalculável.
Fazem-nos refletir sobre pontos
de vista dos mais variados, nos
mostram o quanto conseguimos
ser tanto frágeis como fortes,
irritadiços e pacientes, largados
e neuróticos, permissivos e
superprotetores.
Costumamos ter, dessas
características, algumas mais
marcantes que outras, o que
pode tornar nossas relações
mais tranquilas ou mais confli-tuosas.
O fato é que, não im-porta
como sejam, é raro
encontrarmos pais e mães que,
apesar de todas as dificuldades
por que já passaram, por causa
de seus filhos e decepções com
a paternidade e maternidade,
prefeririam nunca tê-los tido.
Porém, alguns buscam
na experiência de ter filhos, o
preenchimento do vazio que a
vida a dois, muitas vezes, pode
trazer. Os filhos se tornam o
centro das atenções, quando o
saudável seria fazer de toda a
família a peça principal.
O relacionamento do casal não
deve ser negligenciado, pois
quanto mais equilibrado, mais
sucesso terá a dinâmica fami-liar.
O que se vê, muitas
vezes, são casais que se sentem
perdidos, quando os filhos cres-cem
e deixam o núcleo familiar,
indo morar sozinhos ou com ou-tras
pessoas. Ao mesmo tempo
em que é esperado, e até certo
ponto desejado, (que um dia os
filhos deixem a casa paterna),
muitos pais se deprimem
quando caem na realidade e per-cebem
que não mais adminis-tram
a vida das
“crianças”, como fizeram du-rante
tanto tempo. E o pior,
terão de administrar, a partir da-quele
momento, a vida a dois.
O que fazer quando
resta apenas o
casal, sozinho, dentro de casa,
em meio a quartos e lugares à
mesa vazios? Qualquer relação
sofre inúmeras modificações ao
longo das décadas, o que nos
impede de responder que seria
possível voltar a viver como era
no início do casamento (o que
deve ser visto como uma vanta-gem).
Descobre-se que os fi-lhos
que vieram para preencher
o vazio na relação do casal, se
foram, deixando um vazio ainda
maior, pois enquanto o casal se
dedicava apenas ou principal-mente
a educá-los e amá-los, se
esqueceu de alimentar a própria
relação ou optou por negligen-ciar
as necessidades inerentes
da vida a dois.
Os pais costumam ainda
cobrar dos filhos uma atenção
maior; afinal, se dedicaram toda
a vida a eles, filhos, é dever
e hora de receberem a recom-pensa.
Os conflitos que se ini-ciaram
lá atrás, entre o
casal, que não sabia o que fazer
sozinho, sem filhos, se agravam
agora: afinal, um vazio preen-che-
se apenas por aquele que o
sente, independentemente de
quem esteja ao seu lado, seja
seu cônjuge, filho, pai, mãe,
qualquer um a quem se ame.
(*) Jornalista, Mestre e Doutora em Ciência da
Informação pela Escola de Ciência da Informa-ção
da Universidade de Minas Gerais, colunista
do jornal “Estado de Minas
FILHOS -
PARA QUE TÊ-LOS
Patrícia Espírito Santo (*)
F
“Os pais costumam cobrar
dos filhos uma atenção maior”
13. CASAIS PRECISAM FICAR
ATENTOS AO QUE FALAM COM
E PERTO DOS FILHOS
A n t i g a m e n t e
as crianças dormiam cedo,
comiam separado e
quando se intrometiam na con-versa
dos adultos ouviam:
“Isso não é assunto de
criança”. Os papéis eram definidos
e os pais não tinham tantas dúvi-das.
Hoje, época em que todos
querem ser jovens, e em que
vemos garotos e garotas, imatu-ros,
já montando família, a distân-cia
entre pais e filhos diminuiu
tanto, que os casais se atrapalham
ao definir o que podem ou não
falar com as crianças. E isso, cá
entre nós, é um assunto muito im-portante.
Claro que essa defini-ção
depende da idade dos filhos.
Crianças pequenas devem ser pou-padas
de problemas, devem ter
a certeza de que os pais estão
ali para protegê-las.
Por isso, é prudente o
casal evitar brigas na frente delas
e, mais que isso, brigas em função
de algo relacionado a elas, uma de-sobediência,
por exemplo, o que
causa enorme ansiedade na
criança. Mas também não é o caso
de nunca deixar o filho saber de
nada. Não deve haver fingimento.
Se a criança vê que os pais não
se falam e pergunta à mãe: “Você
está com raiva do papai?”.
Ela deve responder natu-ralmente:
“Sim, estamos brigados,
mas você não precisa se preocu-par,
vamos resolver entre nós,
fique tranquila”.
Pais podem e devem de-monstrar
se estão tristes ou alegres.
No caso de uma perda, um animal
que morre, uma doença na famí-lia,
a criança deve ser informada e
incentivada a expressar sua tris-teza.
Se acontece uma grande ale-gria,
um casamento, um novo
irmão, também deve poder ficar
alegre, se congratular. É sempre
bom expressar sentimentos, o
que não é bom é que a criança par-ticipe
de fofocas ou se preocupe
com disputas familiares. Esses não
são assuntos para as crianças. Com
elas, outras conversas podem
ser incentivadas. Sobre a história
da família, por exemplo.
Elas precisam saber
quem são ou foram seus avós e
bisavós, de que culturas vieram,
como foi a infância dos pais, como
era sua vida quando tinham a idade
deles. Isso dá estrutura, ajuda a va-lorizar
as origens. Também não é
ruim conversar sobre a vida finan-ceira
da família, desde que não seja
para se queixar .
Haveria assuntos proibi-dos?
Sim. Entre eles, criticar um
dos pais ou avós, reclamar de
falta de dinheiro, atribuir culpa ao
pai ou à mãe pela vida que a famí-lia
leva e dar detalhes sobre a
vida sexual dos pais. Este último
tema costuma surgir quando há
uma separação e o pai ou a
mãe, empolgados com um
novo romance, começam
Leniza Castello Branco (*)
falar sobre sua vida íntima. Que-rem
ser amigos dos filhos, mas não
é o caso. Pai e mãe não são “os
amigos”, são pai e mãe para sem-pre.
Se acontecer uma separa-ção,
os filhos devem ser postos
a par, mas sem detalhes e nunca
expressando raiva ou culpando o
parceiro. Deve ficar claro que foi
o casal que se separou e que nin-guém
se separa de filho.
Na adolescência,
surgem outras questões. Hoje
é comum adolescentes terem pais
que querem ser tão jovens quanto
eles. Isso é um problema. Mesmo
que vivam momentos parecidos,
como novos romances, esse não
é um assunto, como já foi dito,
para filhos. Pais que querem viver
uma segunda adolescência, junto
com a dos filhos, e se vestem como
eles, frequentam os mesmos luga-res,
esquecendo que são pais,
causam insegurança nos
jovens, que também não irão que-rer
crescer.
Pais maduros, que vive-ram
a adolescência na época certa,
por sua vez, podem ajudar os
filhos a crescer e a assumir suas
responsabilidades.
(*) Psicóloga e Analista Junguiana na capital
paulista, membro da Sociedade Brasileira de
Psicologia Analítica (SBPA)
Fonte: Revista Caras / 07 Ago 2013
A
14. BRINCADEIRA SÉRIA:
CRIANÇAS,
MÍDIA LOCAL E
SUSTENTABILIDADE
(*) Rodrigo Scapolatempore
É um grande cli-chê
falar que as crianças
são o futuro do país. Mas
um clichê necessário. Acontece
que muito mais do que futuro, elas
devem nortear o nosso presente e
nos tornar pessoas melhores; cida-dãos
comprometidos com nossa
comunidade. Sejam nossos filhos,
sobrinhos ou irmãos, os pequenos
devem ser nossa maior motivação
para pensarmos em criar, agora,
um mundo melhor. E, como sem-pre
defendemos, o mundo melhor
passa, necessariamente, e priorita-riamente,
por nossa vivência local,
pela vizinhança e pelo exercício da
“micro-cidadania”.
“Micro-cidadania?” Você
deve estar se perguntando. Sim, é
isto mesmo, e no bom sentido.
Trago este termo ousado para re-forçar
que é no nosso “menor am-biente”
de convivência, ou seja,
com a família, em casa, no seu pré-dio
e no bairro, que começamos a
dar exemplo, a partir de nossas re-lações
sociais mais próximas. E o
termo, a bem da verdade, não tem
a ver com menos comprometi-mento
ou com mínimo esforço-ci-dadão.
Muito pelo contrário. Tem
a ver com fazer mais com menos.
Afinal, não dá para pensar numa
cidade harmoniosa se o seu bairro,
ou sua vizinhança, está um caos.
Certo?
E as crianças, o que têm
com isso? Elas são simplesmente o
exemplo vivo do produto social
que, em breve, teremos criado. É
por isso que as mídias locais
devem atuar, com orgulho, sempre
em prol da família e da cidadania,
voltadas ao bem estar local. Com a
atuação conjunta de imprensa, mo-radores
e comerciantes, associa-ções
e poder público, é possível
fazer do seu bairro e da sua vizi-nhança
um local ainda melhor,
hoje, agora, e, assim, no futuro.
Por isso, é necessário que
as mídias segmentadas divulguem
com mais afinco várias ações de
entidades locais que protegem nos-sas
crianças carentes e acreditamos
que esta é uma das missões mais
nobres do jornalismo comunitário.
Incentivar a inserção dos pequenos
na política mirim é um dos grandes
passos que podemos dar em dire-ção
ao verdadeiro processo da sus-tentabilidade.
E as escolas, no seu
dever, precisam entender a impor-tância
de incentivar o jornal local
que, como mídia séria e de credi-bilidade,
deve direcionar sempre
seu norte aos conceitos que os edu-cadores
atuais tanto procuram.
(*) Editor-Chefe do Jornal do Gutierrez, presta
consultorias na área de jornalismo comunitário
e empresarial.
É
15. Ao falarmos de
família, de sua constru-ção,
de seus anseios e di-ficuldades,
nos deparamos, muitas
vezes, com um complexo de situa-ções
que nos faz pensar com
quem dividir nossas dúvidas, a
quem buscar, a quem recorrer. Pen-sar,
enfim, em quem poderia nos
auxiliar, trazendo soluções para
problemas difíceis.
Aí é quando nos remete-mos
à nossa fé e buscamos, na
pessoa de Jesus, (independente-mente
de credo religioso), um
caminho a seguir.
A história nos conta que
Jesus veio para nos salvar, dando
sua própria vida por nós. Mas, em
sua passagem pela terra, Ele apli-cou
métodos que facilitaram sua
comunicação com as pessoas,
homens, muitas vezes, duros de
coração, difíceis, resistentes aos
ensinamentos.
Podemos dizer que Jesus
foi um pedagogo, usou a pedago-gia
da Flexibilidade, ou seja, sua
metodologia se adaptava a uma
situação determinada.
Especificamente, seu mé-todo
apresentava o conteúdo de
seu ensino, o Reino e seu projeto
de amor, e sua própria identidade.
Raramente fazia discursos
ou pregações de “Comunicação
unilateral”, como costumamos
dizer. Ele ensinava a partir de uma
situação específica: uma conversa,
uma pergunta, uma necessidade e,
muitas vezes, a partir da resistência
de seus ouvintes.
Suas parábolas entravam
no imaginário do outro e davam
respostas às mais variadas pergun-tas.
Fazendo uma analogia
com os dias de hoje, Jesus, como
mestre pedagogo, nos mostra atitu-des
que as famílias (pai/mãe)
devem ter para com seus filhos,
visando um maior e melhor enten-dimento.
Senão vejamos:
1 - Adotar o ensino personalizado,
centrado na criança, atendendo às
suas dúvidas, às suas necessida-des,
derrubando expectativas,
usando linguagem prática e
ilustrada, fazendo com que o
ensino se torne mais acessível e
compreensível.
2 - Ensinar através de métodos e
recursos variados, usando repeti-ções,
simbologias, trocadilhos, me-táforas,
provérbios, comparações,
enigmas, parábolas, etc.( Jesus, di-versas
vezes, para auxiliar a com-preensão
de sua mensagem, fazia
uso da linguagem visual, sementes,
passarinhos, campos, montanhas,
moedas, peixes, água, etc.), enfim,
optar pelo ensino baseado na re-flexão.
3 - Despertar na criança a curio-sidade,
ou seja, responder aos
questionamentos com um novo
questionamento, assegurando ao
ouvinte tirar suas próprias conclu-sões,
sempre orientando com o
ensinamento centrado em valores
familiares próprios.
4 - Ensinar, a partir do relaciona-mento
afetuoso, da interação com
o outro, de uma forma autêntica.
Demonstrar, através de uma convi-vência
positiva e afetuosa, princí-pios
e formas para um diálogo
franco.
5 - Lembrar, sobretudo, que o en-sinamento
de Jesus (que hoje serve
para nós, pais) se dava pelo próprio
exemplo:
a) “Orem como eu oro”;
b) “Amem como eu os amo”;
c) “Sirvam como eu sirvo”;
d) “Carreguem sua cruz como eu
carrego a minha”;
e) “Cuidem das ovelhas assim
como eu o faço”.
Seguramente, os melhores
mestres/pais são exemplos vivos
do conteúdo de seu ensino, algo
que arrasta, não simplesmente
“gente”, mas “homens” prontos a
exercerem o aprendizado.
Assim, como pais, deve-mos
pensar acerca da nossa missão
e, a partir do Mestre Jesus, procu-rar
seguir seus ensinamentos, tão
atuais e significativos nos dias de
hoje... e amar... como Jesus.
(*) Advogada, Educadora, Pós-graduada em
Direito Educacional, Casal DR / EPB / São
A FAMÍLIA...
FRUTO DO AMOR DE JESUS...
O VERDADEIRO PEDAGOGO
Regina Lustre Azevedo Gabriele (*)
A
16. A família é um
sistema vivo, formado
por suas partes que são os
subsistemas. Subsistema pai, sub-sistema
mãe e subsistema filhos
que, juntos, formam a família. A
existência dos filhos só é possível
a partir das partes pai e mãe. Ao
nascer, o bebê não tem condições
próprias de sobrevivência e neces-sita
ser alimentado, cuidado e pro-tegido
por outras pessoas. Assim,
além dessas partes (subsistemas
pai, mãe e filhos) existirem, é
essencial que desempenhem suas
funções (filhos precisam de pais
atuantes/presentes), umas em
relação às outras. E isso é possível
através das relações.
Existem relações dentro
das famílias e dessas com outros
sistemas maiores (escola, igreja,
trabalho, clubes, etc.). Podem-se
ver famílias que fazem uma boa
troca com ambientes externos. Ou-tras
são completamente fechadas,
presas em si mesmas, impedidas
de crescer e não permitem que seus
membros cresçam com o mundo.
Temos aqui uma paranóia sutil,
como se o mundo representasse
uma ameaça.
Por outro lado, encontram-se,
também, famílias excessiva-mente
abertas, as quais se tornam
vulneráveis, pelo grande número
de invasões sofridas. O que dife-rencia
o primeiro do segundo
exemplo acima são os tipos de
fronteiras, também chamados de
limites. Esses são estabelecidos
pelas famílias, no seu interior e
com os outros sistemas externos.
As fronteiras garantem as
diferenciações e o processo de
individuação dentro da família.
Fazer parte de uma família signi-fica
compartilhar regras, costumes
e valores, mas a diferenciação/
individuação é importante, pois se
trata do processo de permissão
para cada membro ter suas carac-terísticas
particulares, que serão
construídas ao longo da existên-cia.
Assim, é imprescindível
que as fronteiras familiares tenham
certo grau de permeabilidade (nem
muito aberta e nem muito
fechada), permitindo as trocas den-tro
da família e com sistemas
maiores.
O nascimento de uma
criança na família iniciará uma re-lação,
daqueles que protegem com
aquele que precisa ser cuidado e
protegido. Assim, filhos pequenos
precisam ser protegidos e os pais
precisam desempenhar esse papel
de protetores. Mas à medida que os
filhos vão crescendo, haverá a
necessidade de se mudar essa rela-ção.
Os pais passarão de uma po-sição
mais ativa para uma mais
passiva, ou seja, de protetores a
consultores, para uma função de
suporte e apoio. Os filhos, de pro-tegidos
a consultantes, caminham
para sua libertação e individualiza-ção.
Esse movimento fica claro na
adolescência e a presença de gru-pos
de colegas, da escola, das
“baladas” fica cada vez mais evi-dente.
A entrada desses grupos é
extremamente importante para
ajudá-los no processo de indivi-duação
e afirmação da sua singu-laridade.
Inicia-se a vontade de
pensar e expressar diferentemente
da família. É a primeira tentativa,
mais forte, de constituir um EU, de
buscar uma identidade própria, daí
a importância da entrada de diver-sos
ambientes externos.
Por isso é que a flexibili-dade
dos pais para a abertura das
fronteiras e permissão de trocas
dos filhos com outros ambientes é
necessária.
Além disso, o respeito à
privacidade dos filhos (criar fron-teiras,
também, entre os membros
da família) deve ser ressaltado,
principalmente, nessa fase. Filhos
têm direito a intimidade e nem
tudo será contado aos pais, assim
como esses, também, não devem
contar tudo da sua intimidade aos
filhos. Pais não são “os amigos”
dos filhos.
Fronteiras no interior da
família e dessa com outros am-bientes
(nem abertas demais e nem
fechadas), serão a possibilidade de
construir relações mais saudáveis
e respeitosas.
(*) Psicóloga Clínica com formação em Psico-terapia
Familiar Sistêmica Camila
rl2@hotmail.com
www.camila-lobato.blogspot.com
FRONTEIRAS
FAMILIARES
Camila Ribeiro Lobato (*)
A
17. Se receber críticas, a
criança pode passar a omitir os
acontecimentos aos pais. Mas, se
for incentivada a refletir sobre seus
atos e a confrontá-los, ela mesma,
com o que aprende deles, vai revê-los
e a análise dessa revisão tende
a levar a uma mudança de atitude.
Tal mudança deve ser acompa-nhada
pelos pais, estimulada e
reforçada positivamente.
É nos diálogos diários e no
acompanhamento de todo o pro-cesso
de construção de valores e
crenças - e também no acompanha-mento
dos processos de revisão e
mudança de hábitos e atitudes
inadequadas da criança - que os
pais vão saber, claramente, como
estão seus filhos e como eles se
comportam dentro e fora de casa.
Aí está a base de uma edu-cação
sólida. Essa educação, assim
construída, requer um trabalho
cotidiano. Deixar acumular as
experiências e atitudes negativas
ou indesejáveis da criança pode
fazer com que elas se enraízem e
se cristalizem, o que dificulta os
processos de mudança.
Se a sociedade influencia
a família, por outro lado, a família
também influencia a sociedade. A
família tem a primazia nos
processos educacionais. Ela tem o
privilégio, dentre todas as institui-ções
que visam a educação e o
aperfeiçoamento humano, na cons-trução
de personalidades responsá-veis
e saudáveis, sob todos os
pontos de vista. É preciso que a
família assuma, urgentemente, sua
responsabilidade na formação de
cada um de seus membros, para
que possamos ver uma sociedade
mais humana e educada.
(*) Psicóloga, professora de
psicologia, escritora
18. A CONVIVÊNCIA FAMILIAR
E OS AMBIENTES EXTERNOS
Externo e interno: qual é a distância entre eles?
Crianças e jovens apren-dem
com seus pais, principal-mente,
a partir do que observam
e, vão extraindo, em seu
cotidiano, de suas falas e atitu-des
- o que se dá no decorrer de
dias, meses e anos, seja na mesa
de refeição, na sala de TV, nos
passeios, comemorações etc.
Os pais, em geral, tecem
comentários e analisam fatos,
desde os mais corriqueiros até
os de cunho político, econô-mico,
esportivo, religioso e
moral. E é, nesses momentos,
que influenciam seus filhos
significativamente, semeando
ideias e sentimentos, contri-buindo
para o direcionamento
de suas escolhas futuras.
A família, compreen-dida
como um microcosmo
social, é igualmente estruturada
por regras, direitos, valores e
tradições - uma construção que
se dá num tempo e num espaço
específicos. Assim, muito do
que serviu para as gerações
anteriores, passa por inevitáveis
mudanças na criação de novas
estruturas familiares: desde a
arquitetura da casa, sua decora-ção
e utensílios, até o tipo de
comunicação do grupo familiar,
a escolha de metas e a maneira
de se educar filhos.
Os determinantes sócio-históricos
são considerados os
principais organizadores da
família. Estudos apontam para o
seu surgimento, seus conflitos,
suas transformações, desestru-turações
e reestruturações em
diferentes períodos e culturas
humanas. Assim, as funções
paternas e maternas, as expecta-tivas
de realização social dos
filhos, ou seja, as regras exter-nas
vão sendo construídas, cul-turalmente,
pelos homens e
determinam a rota e o mapa a se
desenhar e a se cumprir também
no âmbito familiar. De tempos
em tempos novos designs apa-recem,
não sem conflitos e de-safios,
pois a história segue
como se tivesse vida própria.
Cabe ao homem compreendê-la,
reconhecendo-se como um
dos protagonistas de sua cons-trução.
Maria Cristina Fellet (*)
Assim sendo, em toda
cena familiar, adultos conver-sam
sobre os fatos políticos,
econômicos e sociais de seu
tempo, com maior ou menor
senso crítico, com argumentos
bem alicerçados ou não; cientes
ou não da diversidade de pontos
de vista.
É aqui que os filhos,
sem mesmo o saberem, vão
moldando o seu olhar, sua per-cepção,
o seu interno. E quem
sabe, no futuro, irão reconhecer
a possível força construtiva que
poderão exercer em sua escola,
família e trabalho ... ou não.
Externo e interno: faces
de uma mesma moeda! Hoje,
como sempre, cada indivíduo se
forma a partir de ideias e opi-niões
compartilhadas pelo seu
grupo social.
Nos tempos atuais, com
o advento da internet, constata-se
uma verdadeira invasão de
informações, que são, segundo
os analistas, tão grandes em
número quanto em superficiali-dade....
19. Será que existe um filtro
para que muitas dessas informa-ções
possam ser excluídas (as
desnecessárias) e aquelas, con-sideradas
pertinentes e de “boa
fonte,” possam virar conheci-mento?
E, ainda, com maturi-dade
e aprofundamento, se
transformarem em sabedoria?
Porque o conhecimento é uma
tradução, uma decodificação,
um esforço cognitivo que ana-lisa
e transforma as informações
recebidas. Já a sabedoria é a uti-lização
desse conhecimento,
sustentada por valores humanos
essenciais.
Portanto, ao se discutir a
influência dos ambientes exter-nos
na convivência familiar, é
importante compreender que o
ambiente interno, ou seja, a sub-jetividade,
será sempre formada
nesse contexto e a partir dele.
Considera-se que uma
informação que chega ao coti-diano
familiar pode produzir, da
mesma forma, um comentário
preconceituoso ou crítico, vio-lento
ou respeitoso, com bases
autoritárias ou democráticas,
idealizando, mesmo, ações des-trutivas
ou solidárias.
Crianças e jovens ficam
atentos, às vezes sem perceber,
às conversas informais dos pais
acerca do mundo externo. Atitu-des
das mais diversas ordens
vão sendo “engravidadas” e
gestadas a partir daí.
Pensar, sentir e agir – eis
aí, portanto, um tripé construído
a partir de agentes externos. E
se tais agentes forem avaliados
criticamente, com respeito à
intersubjetividade e ao direcio-namento
ético, eles poderão,
certamente, organizar “inter-nos”
na direção do bem comum.
Trata-se da aventura humana
que desafia alcançar os seus
mais almejados pilares - simul-taneamente
externos e internos
- os da liberdade, da igualdade
e da fraternidade.
(*) Psicóloga
20. A CONVIVÊNCIA FAMILIAR
E OS AMBIENTES EXTERNOS:
UMA INFLUÊNCIA RECÍPROCA
É sabido que o
meio externo exerce
grande influência sobre a
família. A sociedade, com
todos os seus aparatos de comuni-cação,
influencia a família em suas
crenças, valores, modo de vida,
relações e hábitos.
Muitas vezes essa influência
é negativa. Então a família precisa
parar e discutir, entre seus mem-bros,
questões sociais importantes
e confrontá-las com seus hábitos,
valores e crenças, inclusive os
ético-morais; esquecemo-nos,
porém, de que essa influência não
é unilateral, ela é recíproca: a
sociedade influencia a família e a
família influencia a sociedade.
Como a família influencia
a sociedade? Que influências nega-tivas
ela exerce no meio externo,
fora dos muros familiares?
Vivemos uma época em que
a responsabilidade da família em
educar seus membros tornou-se
relativa; a tarefa de educar tem
sido confiada a terceiros; ela está
entregue a babás (virtuais, inclu-sive),
creches, etc.
Essa desatenção de alguns
pais com a educação de seus filhos
pode trazer consequências indese-jáveis,
não apenas nas relações
familiares, mas, também, na socie-dade
mais ampla. Diariamente
lemos notícias de atos de vanda-lismo
e de violência que ocorrem
em nossas ruas, vizinhanças,
centros comerciais e vias públicas.
As brigas e discussões podem se
iniciar por motivos banais, total-mente
contornáveis. Onde está o
bom humor? O bom senso? O res-peito
por si mesmo e pelo outro?
Onde estão as famílias de pessoas
que perdem o autocontrole nas vias
públicas, nos espaços sociais?
É na família que aprende-mos
o respeito, a ética, a cidadania,
a sustentabilidade, a ter cortesia
dentro e fora de casa. São os pais,
principalmente com seus exem-plos,
mais do que com palavras,
que passam valores a seus filhos. A
partir da assimilação desses valo-res
e da prática deles em todos os
ambientes, a vida social se torna
mais agradável. Na família apren-demos
a usar as coisas sem dani-ficá-
las e a preservar os bens
públicos, a contornar pequenos
problemas e a evitar grandes
discussões, inclusive nos relacio-namentos
sociais e de trabalho.
A família precisa pensar
nas relações que estabelece entre
seus membros e em sua atuação no
meio externo. Esses apenas repro-duzem,
nos espaços públicos,
aquilo que vivenciam nas relações
mais íntimas. Violência gera vio-lência
e, às vezes, forma-se uma
bola de neve que invade todos os
espaços da sociedade e cresce
imensuravelmente. É na família
que reside uma das mais poderosas
estratégias para a modificação
desse quadro: o compromisso com
a educação e a formação ético-moral
dos filhos.
Todas as divergências, por
Stefânie Arca Garrido Loureiro (*)
maiores que sejam e mesmo que
envolvam muitas pessoas e grupos,
começam no indivíduo; a educação
desse indivíduo esteve sob a
responsabilidade de seus pais ou
daqueles que lhes substituíram.
Essa educação começa na infância,
desde o primeiro ano de vida e
segue até a fase adulta.
A Psicologia mostra a impor-tância
da convivência familiar nos
primeiros anos de vida da criança.
O famoso psiquiatra e pesquisador,
Erik Erikson, enfatiza determina-dos
sentimentos e habilidades que
são adquiridos, especialmente, nos
primeiros anos de vida. Dentre eles
está a noção de certo e errado, a
base para a moralidade, para a cria-tividade,
para a capacidade de crer
- de ter fé em algo - a iniciativa, a
autonomia, a confiança em si e nos
outros.
É importante que os pais
estejam presentes e que acompa-nhem
cada momento da vida de
seus filhos. É necessário abrir,
diariamente, espaço para o diá-logo,
para que a criança e o adoles-cente
falem de suas experiências
fora de casa, de seu dia, de seus
sentimentos. Não se deve ter uma
posição crítica, mas acolhedora. A
postura dos pais deve levar a
criança, se necessário, a pensar no
que fez e que ela mesma avalie,
sob o olhar firme e afetuoso deles,
se o que fez durante o dia foi
adequado e condiz com o que
aprendeu.
O
21. INFLUÊNCIAS DA MOBILIDADE
URBANA E DA OCUPAÇÃO
TERRITORIAL NA CONVIVÊNCIA
Dentre os onze
países mais populosos, o
Brasil é o que apresenta a
maior taxa de população urbana do
mundo, atingindo o valor de 84,4
% no censo IBGE 2010. Como
consequência, as cidades estão
cada vez maiores, aumentando a
distância entre a residência das
pessoas e os seus locais de traba-lho,
de lazer, de educação e dos
centros de saúde. Mais tempo se
perde para o ir e vir. Menos tempo
se tem para o convívio familiar.
Em um passado próximo,
onde as cidades eram menores e
mais acolhedoras, as famílias eram
maiores e seus membros moravam
mais perto entre si; avós, tios, ir-mãos,
primos e demais pessoas da
confiança dos pais serviam e aju-davam
no apoio e na rotina diária
da criação dos filhos.
Com a concentração da
população urbana, segundo o
IBGE, a formação clássica da fa-mília,
‘casal com filhos’, deixou de
ser maioria no Brasil. Hoje predo-minam
outros tipos. As famílias
são pequenas, formadas por casais
sem filhos, ou formadas por um
dos genitores e seus filhos. A mu-dança
na constituição familiar re-flete
os avanços sociais, sanitários,
culturais, políticos e econômicos
que têm a cidade como fonte.
Com a família menor, a
cidade com diversidade urbanística
e arquitetônica é ainda mais
desejável. A família pequena pre-cisa
do apoio das disponibilidades
coletivas. Para ela torna-se essen-cial
uma cidade bem mantida, bem
conservada, mais densa, que ofe-reça
espaços públicos com vitali-dade
e que permita a solidariedade
humana, nas várias faixas etárias e
camadas sociais.
No entanto, o que ainda
observamos na organização territo-rial
da maioria dos municípios
mais habitados, é a cidade extensa,
com a implantação de novos
bairros, de grandes conjuntos habi-tacionais,
de grandes condomínios,
socialmente homogêneos e mono-funcionais.
Isso exige sistema de
mobilidade urbana capaz de satis-fazer
o desejo de deslocamento das
pessoas.
Nesse sentido, acredita-mos
serem positivas e necessárias
a implantação e manutenção
de mais e melhores meios de trans-porte
coletivo (sobre pneus e sobre
trilhos); mais e melhores calçadas
para os pedestres; mais e melhores
ciclovias; e, mais e melhores pla-nejamentos
e ocupações territoriais
das cidades.
Os congestionamentos são
cada vez maiores e atingem nú-mero
crescente de cidades (e não
só as metrópoles).
Na intenção de minimizar
esse problema, sugerimos que as
pessoas reflitam sobre a atual cul-tura
do automóvel. Defendemos
um convívio inteligente com tal
meio de transporte individual,
optando as pessoas, quando possí-vel,
por outro modo de locomo-ção.
Diante dos pontos coloca-dos,
fica evidenciado que os am-bientes
urbanos são cada vez mais
importantes na inovação, no em-prego
e em uma vida social mais
rica e diversificada. No entanto, as
cidades, apesar de seu extraordiná-rio
dinamismo, não são capazes de
oferecer horizontes promissores à
maior parte daqueles que nelas
habitam.D
esejamos um melhor
cenário para o convívio familiar,
onde avós, pais, filhos e netos des-frutem
de maior tempo juntos, o
suficiente para que os valores,
limites e raízes sejam fortalecidos
e favoreçam a educação e o pre-paro
dos seus membros, para o
exercício de uma cidadania plena.
Temos convicção de que a
melhoria da mobilidade urbana e
da ocupação territorial contribuirá
no aumento do tempo livre das
pessoas, permitindo-lhes convívio
familiar maior, em quantidade e
em qualidade.
As famílias merecem e a
sociedade agradecerá.
(*) Associados da EPB / BH
FAMILIAR
Sônia e Antonio Prata (*)
D
22. Atendendo a
crianças e adolescentes
na clínica, constante-mente
recebo pais angus-tiados
com determinados
comportamentos dos filhos. Faço
abaixo um recorte de algumas das
queixas:
•“ela está revoltada demais, não
respeita nossa autoridade, só quer
saber de assistir Rebeldes... se a
gente não a deixa fazer algo, ela
insiste, insiste... e nos vence pelo
cansaço” (relato de um casal a
respeito da filha, de 12 anos).
•“ele não pára de comer, está an-sioso,
e a gente não pode falar
nada que ele chora” (mãe falando
sobre o filho de 8 anos).
• “a senhora acha que meu filho
pode ser gay? Não...eu não tenho
preconceito, eu respeito, mas na
minha família nunca teve disso
não... e isso não é de Deus.” (pai,
sobre o filho de 18 anos).
• “ela está com ciúme da irmãzi-nha
que nasceu...está só apron-tando,
agressiva...já falei com ela
que eu a amo do mesmo jeito...eu
entendo o ciúme dela, eu com-preendo,
tadinha...mas já falei com
ela que é bobagem esse ciúme...”
(mãe, fazendo relato à terapeuta,
na presença da filha, de 10 anos).
Obviamente, os fragmen-tos
acima são apenas “pontas dos
icebergs” de cada uma das histó-rias.
Não me proponho, aqui, a
fazer uma análise destes casos,
mas desejo abordar um dos aspec-tos
que nos chama a atenção em
todos eles.
É expressiva a dificuldade
dos pais em acolher e escutar os
filhos. Nos quatro casos acima,
perguntei aos pais se eles já
haviam tentado escutar a respeito
do que estava ocorrendo. Todos
responderam afirmativamente.
Pedi que descrevessem como foi a
escuta. Ao final, todos reconhece-ram
que ouviram e falaram...mas
não escutaram. Rubem Alves, em
seu texto “Escutatória”, dizia que
somos mestres na falatória e
iniciantes na arte de “silenciar por
dentro” para ouvir o outro.
Observo que, quando se trata do
diálogo com crianças e adolescen-tes,
a dificuldade é ainda maior.
Vivemos em uma lógica adulto-cêntrica.
No caso acima, onde a
menina estava com ciúme da irmã
recém-nascida, auxiliei a mãe a
sustentar uma postura acolhedora
com a filha e, novamente, ouvir
sua queixa. A filha conseguiu
dizer, chorando, que já não mais se
sentia amada. A mãe, muito emo-cionada
e sem saber o que fazer
com isso, defendeu-se: “ô filha...eu
não deixei de te amar...que boba-gem...”.
Foi preciso auxiliar a mãe
a se entregar àquele momento de
intimidade, em que a menina de
dez anos, corajosamente, dizia de
sua dor (uma dor que não era
bobagem). Quando ela conseguiu
acolher a filha em seus braços e no
silêncio de suas lágrimas, aconte-ceu
a escuta, aconteceu o encontro.
Talvez um passo para a cura.
Não, não é fácil escutar.
Especialmente quando o que o
outro tem a dizer é potencialmente
ameaçador para nós. Escutar é algo
paradoxal, porque é complexo,
mas de uma simplicidade extrema.
Requer coragem. Os pais do pri-meiro
relato se encorajaram e
escutaram a filha dizer que eles
não tinham autoridade sobre ela e
nem sobre a própria casa, já que
todos os parentes interferiam nas
decisões deles. Tiveram que repen-sar
a relação conjugal.
A mãe do segundo relato
conseguiu perceber, na fala do
filho, que ela era tão ou mais
ansiosa que ele. Desabou em lágri-mas,
reconhecendo a sua própria
depressão. O pai do jovem de
dezoito anos ainda não conseguiu
escutar do filho que é homosse-xual.
Parece ser o limite desse pai,
que permanece, a cada jogo de
futebol, desferindo chavões homo-fóbicos
mascarados de piada. É a
forma sutil, mas extremamente
agressiva, com a qual ele tenta ini-bir
o filho a dizer-lhe a verdade
sobre sua orientação afetivo se-xual.
A dificuldade de escutar o
filho é gerada por vários aspectos.
Vivemos em uma sociedade an-siosa,
onde é difícil parar, silenciar,
para ouvir o outro.
Muitos de nós fomos cria-dos
em famílias que primavam por
uma rigorosa hierarquia, onde os
mais novos não tinham o poder da
palavra. E outros fatores psicológi-cos
nos impedem de entrar em
contato com a dor do outro. Essa
lógica da “falatória” gera disfun-ções
em todas as nossas relações,
sobretudo nas parentais.
Os comportamentos ou
sintomas das crianças e adolescen-tes
são sinalizadores que, se escu-tados,
podem modificar para
melhor a dinâmica familiar. Para
isso, os pais necessitam ter a cora-gem
de perceber suas próprias
incoerências. Ou seja, só se pode
escutar um filho quando se tem
ousadia e autoamor de escutar-se
a si mesmo.
(*) Graduada em Terapia Ocupacional pela
UFMG, com especialização em Psicodrama,
qualificação avançada em Saúde Mental e for-mação
em Intervenção Sistêmica.
patiterapia@yahoo.com.br
A DOR DE UM FILHO,
A DOR DOS PAIS
Patrícia Antunes Tavares (*)
A
23. APRENDENDO E ENSINANDO
A CONVIVER NO
MUNDO VIRTUAL
Em 1992, foi en-viada
a primeira mensa-gem
de SMS,
inaugurando um novo espaço de
interação e alterando, de forma
inexorável, os padrões de compor-tamento
e o estilo de vida das pes-soas.
Com um simples apertar de
um botão, rompem-se fronteiras
geográficas e instantaneamente
nos inserimos numa rede sem limi-tes,
onde informações, games, re-lações,
interatividade, aprendizagem
e entretenimento são continua-mente
ofertados e atualizados. A
tecnologia digital conectada em
rede constitui um sistema global de
comunicação, troca de informa-ções,
serviços e recursos indispen-sáveis
ao ser humano. Não
podemos e não sabemos mais viver
apartados do ambiente virtual e de
suas facilidades e possibilidades,
mas precisamos aprender a convi-ver
no ciberespaço com crítica e
discernimento.
Como educadores, esta-mos
assustados diante da primeira
geração de crianças e adolescentes
on-line que nasceu, emocional e
intelectualmente, pertencente ao
universo digital. A familiaridade e
a adesão apaixonada às novas
tecnologias os inscreve como
autores num mundo de distâncias
e limites subtraídos, tempos relati-vizados,
identidades simuladas,
felicidades e imagens inventadas,
proliferadas e protegidas pela
crença do anonimato. Nasce o filho
digital no cenário da difusão
tecnológica contemporânea e
emerge o desafio de ser educador
de uma geração portadora de uma
cultura singular, a cibercultura.
Paradoxal é a conduta pa-rental.
Ao mesmo tempo em que os
pais revelam-se extremamente cui-dadosos
e preocupados com o
mundo real, levando e buscando os
filhos, protegendo-os da ostensiva
oferta de drogas lícitas e ilícitas,
atentos aos seus amigos, interessa-dos
em conhecer outros pais, con-sumindo
teorias psicológicas de
como bem educar os filhos e cer-cando-
os de conselhos e da ajuda
dos especialistas, esses mesmos
pais pouco acompanham ou não
monitoram os filhos no mundo vir-tual.
Flávia Barros Fialho (*)
De alguma forma, acredi-tamos
que o fato de os filhos esta-rem
em nossas casas, fisicamente
próximos e ao alcance dos nossos
olhos, estão protegidos e seguros.
Esquecemo-nos que eles estão
num mundo sem limites, sem fron-teiras
e sem demora. Tudo é instan-tâneo,
simultâneo e imediato, rico
e vasto de possibilidades, aventu-ras
e perigos. Como pais precisa-mos
ser presença educativa nos
ciberespaços, orientando nossos
filhos para um uso seguro, ético e
saudável das novas tecnologias de
informação e de comunicação,
especialmente a internet.
Crianças e adolescentes,
no isolamento supostamente se-guro
dos seus quartos, interagem
com pessoas de idades, princípios,
valores e identidades desconheci-das.
Nossos filhos estão expostos a
internautas cujas intenções podem
ser ilegais ou criminosas. O mundo
virtual, assim como o mundo real,
é também espaço para a banaliza-ção
do sexo, da violência, da pedo-filia
e do consumismo.
E
24. Não é por acaso que já sur-giram
as Delegacias de Repressão
aos Crimes Virtuais, a Central
Nacional de Denúncias de Cri-mes
Cibernéticos e a Promotoria
Estadual de Combate aos Crimes
Cibernéticos que, desde 2008, ano
de sua criação, apoiada em dados
estatísticos, afirma que são as
crianças e os adolescentes as prin-cipais
vítimas de delitos virtuais,
tanto por falta de orientação ade-quada
sobre o uso da internet, tanto
pelo não acompanhamento por
parte dos pais.
Tolice nossa acreditar que nossos
filhos, que passam horas plugados
e conectados, não são vítimas em
potencial. A própria natureza cu-riosa,
impulsiva ou transgressora
dos nossos filhos os coloca em si-tuação
de vulnerabilidade e risco.
Soma-se a isso o fato de que crian-ças
e adolescentes, motivados pelo
“anonimato”, “protegidos” por
seus nicknames (apelidos), fazem
no virtual muito do que não teriam
coragem de fazer no encontro e no
contato real com o outro. Não é por
acaso que o cyberbullying é, hoje,
a forma de violência que mais
cresce no mundo, gerando grande
sofrimento e inúmeros processos
judiciais. A ação educativa pode
traduzir-se em cuidados simples e
eficazes. A seguir apresento um
conjunto de sugestões para que
vocês, pais, acompanhem e orien-tem
seus filhos navegantes.
Estabelecer uma rotina
clara e consistente, definindo os
dias e os horários de entrada e o
tempo de conexão, seja para os
jogos ou para o bate-papo.
Equilibrar o tempo de con-vivência
virtual com o tempo de
convivência familiar, reservando
tempo para o diálogo, o brincar, os
passeios e as refeições em família.
Na hora de dormir, nos
momentos das refeições ou durante
a realização dos deveres ou do
estudo diário, manter os atraentes
recursos tecnológicos, como celu-lares
e computadores, desligados .
Instalar o computador em
locais da casa em que haja maior
circulação de pessoas, evitando
quartos ou lugares mais isolados.
Indicar e conversar com os
filhos sobre os sites mais adequa-dos
à sua faixa etária, dizendo a
eles que vocês, pais, irão acompa-nhá-
los nas navegações, verifi-cando
o histórico de seus acessos.
Não precisam fazer nada escon-dido,
afinal, legalmente são vocês
que respondem judicialmente por
eles.
Navegar com o filho para
conhecer seus sites de preferência,
as pessoas com as quais ele se
relaciona, as preferências virtuais
e a natureza dos conteúdos posta-dos.
Orientar os filhos para não
postarem fotos, vídeos ou informa-ções
particulares ou íntimas, nem
tampouco repassar conteúdos que
possam expor terceiros. Tudo o
que “cai” na rede torna-se de do-mínio
público e não é possível
arrepender-se e voltar atrás, pois já
saiu do seu domínio.
Esclarecer ao filho que
mensagens ou comentários com
termos agressivos, ameaçadores,
depreciativos sobre ou endereça-dos
a terceiros não é brincadeira,
mas um ato de agressão que pode
ser interpretado como ato crimi-noso.
Nunca fornecer senhas,
número de documentos pessoais,
endereço, escola onde estuda,
locais onde realiza atividades
extras ou qualquer dado referente
à rotina ou aos planos de viagem e
passeios pessoais e familiares.
Não aceitar convites de es-tranhos
para encontros, festas ou
passeios.D
enunciar qualquer con-teúdo,
mensagem ou imagem,
estranho, inapropriado, constran-gedor,
pornográfico, violento, no
disque 100 ou no site
www.denuncia.org.br
A tarefa de educar é, sem
dúvida, árdua, desafiadora e nada
fácil. Precisamos, pela via do
diálogo e da observação constante,
ser referência e presença de limite,
tanto no mundo real quanto no
mundo virtual. Por mais que as
relações estejam mais democráti-cas
e afetivas, vale lembrar que a
relação pais e filhos não é marcada
pela igualdade, já que temos papéis
e lugares distintos no contexto
familiar e social.
É por isso que os educado-res
somos nós, os adultos.
(*) Psicóloga, Pedagoga, Especia-lista
em Psicologia Educacional e
Mestre em Sociologia da Educação