4. Mito n° 1
“A língua portuguesa
falada no Brasil
apresenta uma unidade
surpreendente”
5. Mito n° 1
“A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade
surpreendente”
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Este é o maior e o mais sério dos mitos que compõem a
mitologia do preconceito lingüístico no Brasil. Ele está tão
arraigado em nossa cultura que até mesmo intelectuais de
renome, pessoas de visão crítica e geralmente boas
observadoras dos fenômenos sociais brasileiros, se deixam
enganar por ele.
Esse mito e muito prejudicial a educacão porque, ao não
reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no
Brasil, a escola tenta impor sua norma linguistica como se ela
fosse, de fato, a lingua comum a todos os mais de 200 milhões de
brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem
geográfica, de sua situação socioeconomica, de seu grau de
escolarização etc.
6. Mito n° 1
“A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade
surpreendente”
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Ora, a verdade é que no Brasil, embora a língua falada
pela grande maioria da população seja o português, esse
português apresenta um alto grau de diversidade e de
variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial
do país — que gera as diferenças regionais.
Como a educação ainda é privilégio de muito pouca gente
em nosso país, uma quantidade gigantesca de brasileiros
permanece à margem do domínio de uma norma culta. Assim,
da mesma forma como existem milhões de brasileiros sem
terra, sem escola, sem teto, sem trabalho, sem saúde,
também existem milhões de brasileiros sem acesso a essa língua,
que é a norma literária, culta.
8. É a mesma concepção torpe segundo a qual o Brasil é um
país subdesenvolvido porque sua população não é uma raça
“pura”, mas sim o resultado de uma mistura — negativa — de
raças, sendo que duas delas, a negra e a indígena, são
“inferiores” à do branco europeu, por isso nosso “povinho” só
pode ser o que é.
Ora, há muito tempo a ciência destruiu o mito da raça pura, que é um
conceito absurdo, sem nenhuma possibilidade de verificação na realidade
de nenhum povo, por mais isolado que seja. Assim, uma raça que não é
“pura” não poderia falar uma língua “pura”.
Mito n° 2
“Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português”
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9. Mito n° 2
“Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português”
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O brasileiro sabe português, sim. O que acontece é que
nosso português é diferente do português falado em Portugal.
O único nível em que ainda é possível uma compreensão
quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua
escrita formal, porque a ortografia é praticamente a mesma,
com poucas diferenças. Mas um mesmo texto lido em voz alta
por um brasileiro e por um português vai soar completamente
diferente.
10. Nosso país é 92 vezes e meia maior que Portugal, e nossa
população é quase 20 vezes superior! Quando se trata de
língua, temos de levar em conta a quantidade: só na cidade
de São Paulo vivem mais falantes de português do que em
toda a Europa! Além disso, o papel do Brasil no cenário
político-econômico mundial é, de longe, muito mais
importante que o de Portugal. Não tem sentido nenhum,
portanto, continuar alimentando essa fantasia de que os
portugueses são os verdadeiros “donos” da língua, enquanto
nós a utilizamos (e mal!) apenas por “empréstimo”.
Mito n° 2
“Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português”
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12. Mito n° 3: “Português é muito difícil”
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Como o nosso ensino da língua sempre se baseou
na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos
na escola em boa parte não correspondem à língua que
realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos
que “português é uma língua difícil”: porque temos de
decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para
nós.
No dia em que nosso ensino de português se concentrar
no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil
é bem provável que ninguém mais continue a repetir essa
bobagem.
13. Se tanta gente continua a repetir que “português é difícil”
é porque o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em
conta o uso brasileiro do português. Um caso típico é o da
regência verbal. O professor pode mandar o aluno copiar
quinhentas mil vezes a frase: “Assisti ao filme”. Quando esse
mesmo aluno puser o pé fora da sala de aula, ele vai dizer ao
colega: “Ainda não assisti o filme do Zorro!”
Porque a gramática brasileira não sente a necessidade daquela
preposição a, que era exigida na norma clássica literária, 100
anos atrás, e que ainda está em vigor no português falado em
Portugal, a dez mil quilômetros daqui! É um esforço árduo e
Inútil tentar impor uma regra que não encontra justificativa na gramática
intuitiva do falante.
Mito n° 3: “Português é muito difícil”
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14. Mito n° 4
“As pessoas sem instrução
falam tudo
errado”
15. Mito n° 4: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”
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Se dizer Cráudia, praca, pranta é considerado “errado”, e,
por outro lado, dizer frouxo, escravo, branco, praga é
considerado “certo”, isso se deve simplesmente a uma
questão que não é lingüística, mas social e política — as'
pessoas que dizem Cráudia, praca, pranta pertencem a uma
classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem
acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por
isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que
pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada
“feia”,”pobre”,”carente”, quando na verdade é apenas
diferente da língua ensinada na escola.
16. Mito n°5
“O lugar onde melhor se fala
português
no Brasil é o Maranhão”
17. Não sei quem foi a primeira pessoa que proferiu essa
grande bobagem, mas a realidade é que até hoje ela continua
sendo repetida por muita gente por aí, inclusive gente culta,
que não sabe que isso é apenas um mito sem nenhuma
fundamentação científica.
O que acontece com o português do Maranhão em
relação ao português do resto do país é o mesmo que
acontece com o português de Portugal em relação ao
português do Brasil: não existe nenhuma variedade nacional,
regional ou local que seja intrinsecamente “melhor”, “mais
pura”, “mais bonita”, “mais correta” que outra.
Mito n°5: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o
Maranhão”
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18. Mito n° 6
“O certo é falar assim
porque se escreve assim”
19. Mito n° 6: “O certo é falar assim porque se escreve assim”
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Diante de uma tabuleta escrita COLÉGIO é provável que um
pernambucano, lendo-a em voz alta, diga CÒlégio, que um
carioca diga CUlégio, que um paulistano diga CÔlégio. E agora?
Quem está certo?
Ora, todos estão igualmente certos. O que
acontece é que em toda língua do mundo existe um
fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada
do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas
as pessoas falam a própria língua de modo idêntico.
Infelizmente, existe uma tendência (mais um preconceito!)
muito forte no ensino da língua de querer obrigar o
aluno a pronunciar “do jeito que se escreve”, como se essa
fosse a única maneira “certa” de falar português.
20. Mito n° 7
“É preciso saber gramática
para falar e escrever bem”
21. Mito n° 7: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”
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É difícil encontrar alguém que não concorde com a
declaração acima. Ela vive na ponta da língua da grande
maioria dos professores de português e está formulada em
muitos compêndios gramaticais.
Se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está longe de
ser verdade), e os bons escritores seriam especialistas em
gramática. Ora, os escritores são os primeiros a dizer que gramática
não é com eles!
23. Mito n°8: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”
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Ora, se o domínio da norma culta fosse realmente um
instrumento de ascensão na sociedade, os professores de
português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e
política do país, não é mesmo? Afinal, supostamente, ninguém
melhor do que eles domina a norma culta. Só que a verdade
está muito longe disso como bem sabemos nós, professores, a
quem são pagos alguns dos salários mais obscenos de nossa
sociedade.
Achar que basta ensinar a norma culta a uma criança
pobre para que ela “suba na vida” é o mesmo que achar que
é preciso aumentar o número de policiais na rua e de vagas
nas penitenciárias para resolver o problema da violência
urbana.