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Marília dos Santos Lopes
DA DESCOBERTA AO SABER
Os conhecimentos sobre África
na Europa dos séculos XVI e XVII
Passagem Editores
Viseu
2002
SUMÁRIO
 
Nota prévia
Introdução
7
9
1.
1.1
"Coisas Maravilhosas e Até Agora Nunca Vistas"
As Viagens Marítimas Portuguesas e a Proliferação
das Informações na Europa
19
20
1.2 A Primeira Fonte dos Descobrimentos: A Antologia
da Novidade
36
2.
2.1
Em Viagem
Norte de África: O Velho Mundo
49
49
2.2 Guiné: A Caminho de um Mundo Novo 69
2.3 Congo: Missionação a Sul do Equador 94
2.4 O Sul de África e os Hotentotes 103
2.5 Monomotapa: O Reino do Ouro 117
2.6 A Etiópia e o Lendário Preste João das Índias 124
3.
3.1
Em Diálogo com as Novidades
Os Horizontes Geográficos
135
135
3.1.1 A Descoberta de um Novo Mundo 136
3.1.2 "Nova África" 150
3.1.3 Do Reconhecimento à Descrição Global do Mundo 160
3.2 Usos e Costumes de todo o Mundo 171
3.2.1 O Africano: Ser Fabuloso ou Gente? 171
3.2.2 "Gabinetes de Curiosidades" em Livro 188
3.3 Deus e as Crenças Alheias 201
3.3.1 Um Desafio ao Cristianismo 201
3.3.2 Cristãos, Muçulmanos, Judeus e Pagãos em África 219
3.4 Dimensões Históricas 231
3.4.1 África na História da Humanidade 231
3.4.2 A História de África 247
3.5 África: Um Tema na Ciência e na Literatura 256
3.5.1 Línguas Exóticas: Reorganização da Nova Babilónia 256
3.5.2 Ciências da Natureza: Registo e Classificação 265
3.5.3 Literatura: Heróis em África 270
Conclusão 285
Bibliografia 291
Fontes 291
Obras de Consulta 303
Nota prévia
Passados dez anos após a conclusão deste trabalho em língua alemã, é um
projecto ousado apresentá-lo ao público português. Apesar de tudo,
optámos por aceitar o desafio, cedendo às solicitações de colegas e alunos,
que, com toda a ingenuidade que a amizade provoca, demonstraram
interesse em conhecê-lo. Vem, assim, a lume a versão portuguesa da
minha tese "Afrika. Eine Neue Welt in deutschen Schriften des 16. und 17.
Jahrhunderts" que, aprovada sob a orientação do Prof. Dr. Eberhard
Schmitt pela Universität Bamberg em 1991, obteve equivalência ao grau
de Doutor em Letras pela Universidade de Coimbra em 1997. Apresento,
portanto, um texto, que é espelho de um saber de há dez anos, tanto em
referências bibliográficas como em reflexões teóricas. Tendo em
consideração as fontes analisadas, em grande parte desconhecidas do
público português, e a temática ainda actual, a década entretanto passada
não retira, penso eu, utilidade à leitura deste estudo.
O projecto inicial implicou uma longa estada de investigação em
Universidades e Bibliotecas alemãs e contou com o apoio de muitas
instituições entre as quais o Deutscher Akademischer Austauschdienst, a
Dr. Günther-Findel-Stiftung da Herzog August Bibliothek em
Wolfenbüttel e a Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses. Aqui lhes deixo expressão do meu
reconhecimento.
Também contou com o apoio de muitas e muitas pessoas, das quais
gostaria de destacar o saudoso Mestre Professor Doutor Luís de
Albuquerque. Se agora encontrar mais um leitor português tão interessado
e benevolente, como foi o meu Mestre na elaboração do projecto, o
esforço da editora teria a sua recompensa.
Viseu, Dezembro de 2001
Introdução
O estudo da História da Expansão Europeia abrange um vasto caudal de
diferentes questões e problemas que metodologicamente poderemos
agrupar em dois eixos temáticos. Enquanto um tem por fim analisar a
história da empresa ultramarina, o outro vocaliza o seu estudo para as
ressonânias culturais deste fénomeno. O interesse em delinear a História
dos Descobrimentos supõe acompanhar as grandes viagens que, zarpando
da Europa, cruzaram mares ignotos até avistarem novas regiões. Um dos
nomes mais evidenciados e, por isso, profusamente associado à Época dos
Descobrimentos é o do navegador Cristovão Colombo, principalmente,
quando se comemoram os 500 anos da descoberta da América. O grande
feito de Colombo sobreeleva-se na memória colectiva a qualquer outro
acontecimento histórico mais antigo ou coetâneo: antes de o mareante
genovês aflorar a América já muitos outros nautas se tinham feito ao mar,
também com o propósito de descobrir a misteriosa e faustosa Índia. A
Vasco da Gama caberia, em 1498, realizar este velho sonho europeu.
Mas o estudo da História da Expansão não se limita única e simplesmente
a uma reconstrução das sucessivas e inauditas descobertas marítimas. A
abordagem histórica alastra-se, pelo contrário, a todos os fenómenos
culturais resultantes, directa ou indirectamente, das viagens, mormente, o
que se convencionou designar por "Auto-descoberta da Europa".1
Isto é: o
impacto do descobrimento de um novo e ignorado mundo no fluir dos
meios intelectuais europeus. Com efeito, o engrandecimento geográfico do
orbe terráqueo e a entrada de novos povos e civilizações na consciência
europeia desencaderia um processo cultural não menos importante que as
consequências provocadas pela chegada dos navios europeus além-mar.
Neste contexto, desenvolveu-se científica e didacticamente nos últimos
anos na Alemanha uma área de investigação, cujo escopo é aprofundar
essencialmente quais as ressonâncias advindas das viagens marítimas na
constituição (e consolidação) do que se viria a chamar a realidade
europeia perante a dos Outros, a não-europeia.2
No que concerne ao
1. Sobre o conceito "Selbstentdeckung Europas" veja-se Karl Heinz Kohl (Ed.), Mythen der
Neuen Welt, Zur Entdeckungsgeschichte Lateinamerikas, Berlim, 1982, sobretudo, pp. 13-21.
2. Veja-se Hans-Joachim König, Wolfgang Reinhard e Reinhard Wendt (Ed.), Der euro-
päische Beobachter außereuropäischer Kulturen, Zur Problematik der Wirklichkeitswahr-
nehmung, Berlim, 1989 e o aturado estudo de Donald F. Lach, Asia in the making of Europe,
2 vols, 5 books, Chicago, 1970-1977. Tendo em atenção o exemplo do continente asiático,
Lach, com um enorme corpus documental, demonstra como o crescente contacto com o
10 INTRODUÇÃO
impacto da empresa descobridora e, naturalmente, da "Cultura dos
Descobrimentos"3
poderemos ainda atestar que e, principalmente no que
tange os séculos XVI e XVII, existe um vasto leque de questões em
aberto, nomeadamente no que se relaciona à recepção dos conhecimentos
do mundo ultramarino em países da Europa Central não directamente
envolvidos na actividade marítima. Não obstante as notáveis investigações
de Eberhard Schmitt4
e de Wolfgang Reinhard,5
a quem cabe o mérito de
terem introduzido, na Alemanha, esta área historiográfica, a grande
maioria de trabalhos académicos tem ainda por mira os descobrimentos e a
sua repercussão no Ultramar. Os estudos inovadores de Urs Bitterli6
abririam então algumas portas à temática relacionada com a ressonância
de outros mundos na Europa, procurando, no entanto, em primeira linha
debuxar o modelo desenvolvido ao longo do que recentemente se tem
designado por encontros culturais. Um especial interesse pelo facto de as
viagens marítimas serem, desde muito cedo, assunto de debate dos
letrados é o tema que Dieter Wuttke desenvolveu recentemente para o
círculo de humanistas alemães,7
que apaixonadamente seguiam o divulgar
das novas geográficas, observação esta que se poderá estender também a
outros grupos de intelectuais das diversas áreas de saber dos séculos XVI
e XVII.
Neste amplo e vasto debate sobre a alteração da imagem conceptual do
orbe terráqueo, os novos conhecimentos referentes ao continente africano
não foram até agora, não obstante ocupem um lugar relevante, tema de
desconhecido traz, em vários campos temáticos, profundas alterações na arte, literatura,
filosofia, em suma, na consciência cultural europeia.
3. Sobre este conceito de "Cultura dos Descobrimentos", veja-se o notável estudo de José
Sebastião da Silva Dias, Os Descobrimentos e a Problemática Cultural do Século XVI,
Coimbra, 1973 e as pesquisas inovadoras de Luís Filipe Barreto, Descobrimentos e Renas-
cimento, Formas de ser e pensar nos séculos XV e XVI, Lisboa, 1983; Os Descobrimentos e a
Ordem do Saber, Uma análise sociocultural, Lisboa, 1987 e Portugal - Pioneiro do Diálogo
Norte/Sul, Para um modelo da Cultura dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1988.
4. Eberhard Schmitt (Ed.), Dokumente zur Geschichte der europäischen Expansion,
Munique, 1984-1989.
5. Wolfgang Reinhard, Geschichte der europäischen Expansion, Estugarda/ Berlim/ Colónia/
Mainz, 1983-1985.
6. Veja-se Urs Bitterli, Die Entdeckung des Schwarzen Afrikaners, Versuch einer
Geistesgeschichte der europäisch-afrikanischen Beziehungen an der Guineaküste im 17. und
18. Jahrhundert, 2ª ed., Zurique, Freiburg, 1980; Die "Wilden" und die "Zivilisierten",
Grundzüge einer Geistes- und Kulturgeschichte der europäisch-überseeischen Begegnung,
Munique, 1976 e Alte Welt - neue Welt, Formen des europäisch-überseeischen
Kulturkontakts vom 15. bis zum 18. Jahrhundert, Munique, 1986.
7. Dieter Wuttke, Humanismus in den deutschsprachigen Ländern und Entdeckungs-
geschichte 1493-1534, Bamberg, 1989.
INTRODUÇÃO 11
uma análise detalhada. Convém salientar alguns trabalhos percussores no
que tange o processo de recepção histórica, como sejam - para além dos já
mencionados trabalhos de Urs Bitterli - as pesquisas da escola de Viena
sob a orientação de Günther Hamann,8
nomeadamente, as teses de Sitta
Klement-Kleinschmidt9
e de Alfred Kohler.10
Uma apresentação
sistemática da imagem de África na literatura europeia do século XVI foi
o tema apresentado por William Graham Lister Randles; tendo o sudoeste
africano como objecto de estudo, Randles investiga os inícios do processo
de contacto com estas novas informações.11
O facto de as fontes concernantes à imagem de África,12
entre elas as
relações de viagens, serem de assaz significado histórico, mormente, para
os estudos etnográficos, levou autores, como Beatrix Heintze e Adam
Jones, a publicarem cuidadas edições, críticas e comentadas,13
que,
juntamente com as reflexões alusivas ao género e teor das fontes,
constituem um valioso e inestimável contributo para a história de África.14
A análise que nos propusemos fazer visa primamente esboçar o processo
de recepção e proliferação das notícias sobre África nos escritos alemães
dos séculos XVI e XVII, tendo em vista perscrutar, tanto quanto possível,
como é que este evento influenciou, e de que forma, a discussão
intelectual coeva. Não temos em mira abordar o processo da empresa
marítima em si, nem mesmo como decorreu o denominado encontro de
culturas, mas antes definir o fenómeno cultural desencadeado pela
chegada das novas geográficas. Isto é: de que maneira, e em que etapas é
que as notícias do novo mundo vieram a público e ainda como se foram
afirmando nos discursos alemães coetâneos. O objectivo fulcral deste
8. Günther Hamann, Der Eintritt der südlichen Hemisphäre in die europäische Geschichte,
Viena, 1968.
9. Sitta Klement-Kleinschmidt, Die ostafrikanische Küste zu Beginn des 16. Jahrhunderts,
entworfen nach dem Tagebuchbericht Hans Mayrs und ergänzt durch zeitgenössische
Quellen, Diss. Viena, 1972.
10. Alfred Kohler, Die Entwicklung des Afrikabildes im Spiegel der einschlägigen historisch
geographischen Quellen süddeutscher Herkunft, Diss. Viena, 1966.
11. William Graham Lister Randles, L'image du Sud-Est Africain dans la Littérature
Européenne au XVIe Siécle, Lisboa, 1959.
12. Veja-se Walter Hirschberg, Monumenta Ethnographica, Frühe völkerkundliche
Bilddokumente: Schwarzafrika (1508-1727), Graz, 1962.
13. Adam Jones, German Sources for West African History 1599-1669, Wiesbaden, 1983 e
do mesmo Brandenburg Sources for West African History 1680-1700, Estutgarda, 1985.
14. Adam Jones, Zur Quellenproblematik der Geschichte Westafrikas 1450-1900, Estugarda,
1990; veja-se também Beatrix Heintze e Adam Jones (Ed.), European Sources for Sub-
Saharan Africa before 1900: Use and Abuse, in: Paideuma, Mitteilungen zur Kulturkunde 33,
Wiesbaden, 1987.
12 INTRODUÇÃO
trabalho visa, por isso, ir de encontro à lógica e à fundamentação, aos
comportamentos justificativos e às estruturas argumentativas apresentados
e desenvolvidos nos escritos dos séculos XVI e XVII. Empenhando-se
veemente em darem a conhecer aos seus leitores as realidades
extraordinárias recém-descobertas, estes textos expressam o vivo desejo
de integrar as novas geográficas na ordem do mundo. Aqui surge um vasto
rol de questões, nomeadamente no que respeita ao conteúdo e significado
das informações esquissadas pelos viajantes, às vias de difusão, aos
mentores da divulgação, aos círculos activantes, aos interesses
motivadores da recepção, bem como às profundas e crassas mudanças
forjadas na visão do mundo que, indubitavelmente, se iriam instaurar nas
correntes de pensamento contemporâneas.
Designar o continente africano de novo mundo e apresentar a recepção
dos conhecimentos referentes a esta parte do globo como exemplo de um
processo cultural vivido na Europa dos séculos XVI e XVII, constitui uma
tese que urge provar. Com efeito, na generalidade, o conceito de Novo
Mundo aplica-se exclusivamente à América. Mas, se olharmos para as
fontes do século XVI e ainda do século XVII, poderemos aferir que a
individualização e a compreensão deste conceito, que originariamente
seria entendido mais amplamente, é o produto de um percurso conceptual.
Na verdade foram os mesmos interesses e as mesmas iniciativas que
levaram as caravelas a partir da Europa e a navegar em diversas direcções
ao encontro de outros continentes. O novo mundo não foi somente
América. Daí que fosse mais correcto falar de Novos Mundos,15
dado que
também a Ásia e - cronologicamente - e, em especial, a África faziam
parte de uma mesma realidade histórica. O hemisfério sul do continente
africano seria para os letrados europeus tão desconhecido como o
continente que recebeu de um geógrafo alemão o nome de Américo
Vespúcio. Aliás, seria este mesmo nauta que, ao testemunhar um
desconhecimento total em relação a estas terras, o denominaria de Novo
Mundo.
África, pelo contrário e, no que respeita às regiões do norte - não podemos
esquecer a história bíblica - seria já bem familiar. Mas o que existia para
além destas regiões? Muito se viria a descobrir, mormente, que a África se
estenderia longamente para sul, que, indo contra o esperado, era habitada.
Estes seriam alguns dos dados que desencaderiam o espanto dos viajantes,
15. Sobre este conceito, veja-se Ulrich Knefelkamp e Hans-Joachim König, Die Neuen
Welten in alten Büchern, Entdeckung und Eroberung in frühen deutschen Schrift- und Bild-
zeugnissen, Bamberg, 1988.
INTRODUÇÃO 13
bem como dos que recebiam os seus relatos. Nasceria, assim, a ideia de
um mundo novo. Sim, como teremos ensejo de ver, os homens dos séculos
XVI e XVII nem sabiam onde localizar tais insólitas informações. Assim
e, uma vez que as viagens marítimas tinham um objectivo comum, os
resultados e as conquistas seriam, inicialmente, apreendidos e
interpretados no seu conjunto. Se se tratavam de notícias vindas da África,
da América ou do Oriente pouco interessava. Na sua globalidade seriam
uma estonteante novidade que merecia a maior atenção.
Além disso, a América não foi a única descoberta que deu azo a que os
europeus se sentissem senhores do mundo e descobrissem, com este
evento, uma nova consciência. Não é nossa intenção diminuir, de algum
modo, o significado da descoberta da América. Apenas consideramos que
quando se escreve - como J.H.Elliot - que a Europa se teria redescoberto
com a descoberta da América,16
se generaliza de alguma maneira. Não
querendo deixar de salientar quão notáveis e fundamentais nos parecem as
investigações de Elliott sobre o impacto da realidade ultramarina na
Europa, gostaríamos de realçar que as suas conclusões, como pensamos
poder comprovar, necessitam de uma contextualização.
Com efeito, não é apenas a América o propulsor deste processo de
avaliação e assimilação da consciência europeia. Daí que nos pareça ser o
momento indicado para salientar alguns aspectos geralmente focados nas
investigações sobre a descoberta da América e que merecem a nossa
atenção. Vejamos um exemplo. O historiador Anthony Pagden escreve:
"The impact of other discoveries had been to the areas they were
discoveries in. Columbus's discovery, however, like the discovery of
printing and Galileo's proof of the heliocentric theory, affected the whole
of European culture."17
A sua afirmação sobre as descobertas de Cristovão Colombo é,
naturalmente, um dado aceite; mas a ausência de referências a outras
iniciativas ultramarinas surpreende de certa forma. Aliás, a distinsão feita
em relação a este nauta não parece ter sido tão definitiva, pois, mais à
frente, no seu escrito - também nas citações - serão referenciados e
descritos acontecimentos considerados igualmente históricos, mormente, a
circum-navegação do Cabo da Boa Esperança e a viagem de Vasco da
Gama. É, por conseguinte, de admirar que Anthony Padgen associe o
início do impacto dos descobrimentos na Europa apenas à descoberta da
América:
16. J.H. Elliott, The Old World and the New 1492-1650, Cambridge, 1970, p. 72.
17. Anthony Pagden, 'The impact of the New World on the Old': The history of an idea, in:
Renaissance and Modern Studies, vol. XXX, 1986, pp. 1-11, sobretudo, p. 7.
14 INTRODUÇÃO
"A new world of European moral and social understanding had begun
with the discovery of the new world of America."18
A posição exposta por J.E. Elliot e Anthony Padgen em relação à América
deverá ser significativa e terminantemente aprofundada e até diferenciada
através de uma análise da recepção das viagens de descobrimentos na
globalidade. Os passos dados para inventar o novo mundo, América,
como descreve Edmundo O'Gorman,19
deixam-se comprovar igualmente
para outros continentes e outras regiões. E mais, não se trata apenas de um
aumento de exemplos e factos, mas antes de um inconstestável reforço
teórico da tese de Elliot, O'Gorman e também de Fraucke Gewecke:20
que
o processo dos descobrimentos, sem querer esquecer factos particulares,
não se poderá compreender se não atendermos às coordenadas europeias
determinantes de todo este fenómeno; coordenadas estas que naturalmente
se iriam adaptando e sofrendo alterações estruturais significativas ao
longo dos anos de presença além-mar. Que a adaptação - e se quisermos a
extensão - do conceito Novo Mundo a outros continentes poderá ser bem
frutuoso e de toda a utilidade comprovam-no os notáveis trabalhos de
Geoffroy Atkinson Les nouveaux horizonts de la Renaissance française21
e de Michel Mollat Les explorateurs du XIIIe au XVIe siècle. Premiers
regards sur des mondes nouveaux.22
O processo de contacto com uma realidade estranha e desconhecida seria
muito mais abrangente do que uma delimitação ao continente americano
poderia dar resposta, uma vez que, ao pôr em causa as concepções
preponderantes, iria obrigar os europeus a uma nova reorientação e
conceptualização da visão do mundo até então vigente. Poder-se-á dizer
que a descoberta de novos mundos, com as suas "novas novedades" faria
estremecer os fundamentos prevalecentes, criando a necessidade de
renovar as estruturas fundadoras do edifício conceptual no intuito de
debuxar e compreender o mundo na sua nova cosmovisão planetária. Na
verdade, com as viagens marítimas viriam à luz do dia pela primeira vez
muitos factos completamente estranhos e desconhecidos que não se
18. Idem, p. 10.
19. Edmundo O'Gorman, The Invention of America, An Inquiry into the Historical Nature of
the New World and the Meaning of its History, Westport, Connecticut, 1961.
20. Fraucke Gewecke, Wie die neue Welt in die alte kam, Estutgarda, 1986 também sobre o
impacto da descoberta da América na Europa. Veja-se ainda F. Chiapelli (ed.), First Images
of America: The Impact of the New World on the Old, Berkeley, Los Angeles, Londres, 1976.
21. Geoffroy Atkinson, Les nouveaux horizons de la Renaissance française, Genève, 1969
(1ª ed. 1935).
22. Michel Mollat, Les explorateurs du XIIIe au XVIe siècle. Premiers regards sur des
mondes nouveaux, Paris, 1984.
INTRODUÇÃO 15
tinham previsto. A estranha e estonteante novidade da existência de países
e povos além-mar surgia assim como um desafio cultural, a que os
europeus tinham de responder. Principalmente a multiplicidade e a
diversidade desta outra realidade humana exigia, dos homens dos séculos
XVI e XVII, uma nova e adequada conceptualização na geografia, na
política, na ciência histórica e, também, na antropologia. De repente,
tomava-se consciência de uma vasta multidão de povos em diferentes
estádios de desenvolvimento, deixando para trás a velha ideia de uma só
humanidade trilhando um único e similar destino. Assim mais do que
nunca urgia indagar sobre a realidade humana, sobre as suas origens e as
do mundo.
No meio de toda esta convulsão inquiridora, as realidades africanas
despertavam, como parte da novidade, assaz curiosidade e interesse. Na
reconstrução de um novo edifício geográfico, histórico e antropológico
não faltariam as informações sobre África; como peça da múltipla
variedade, também elas pertenciam à novidade que urgia conhecer.
Acompanhar o processo cultural desencadeado pelas viagens dos
descobrimentos na Europa é o escopo do presente trabalho. A partir de
uma grande variedade de escritos, fizemos uso de alguns que nem sempre
foram reconhecidos pelos historiadores como verdadeiras e autênticas
fontes. Estamos a referir-nos às relações de viagens que, dado o seu
frequente teor ficcional ou literário, só ultimamente se tornaram um
instrumento de trabalho válido para a ciência histórica. Mas, com estudos
como os de Michael Harbsmeier,23
as relações de viagens passariam a ser
consideradas como um espelho perceptivo da imagem dos seus autores e,
por isso, um inestimável documento sobre as esferas de pensar e ser
europeias. Estas também algumas das conclusões de Peter J. Brenner que
tem vindo a chamar a atenção para o valor e significado destas fontes
documentais.24
No que respeita às cosmografias e aos compêndios geográficos dos
séculos XVI e XVII, assistimos a um caso similar. Na verdade, até há
pouco estas obras seriam, por assim dizer, silenciadas dada a sua falta de
23. Michael Harbsmeier, Reisebeschreibungen als mentalitätsgeschichtliche Quellen,
Überlegungen zu einer historisch-anthropologischen Untersuchung frühneuzeitlicher
deutscher Reisebeschreibungen, in: Maçzak, Antoni/ Teuteberg, Hans Jürgen (Ed.): Reise-
berichte als Quellen europäischer Kulturgeschichte, Aufgaben und Möglichkeiten der
historischen Reiseforschung, Wolfenbüttel, 1982, pp. 1-31.
24. Peter J. Brenner (Ed.), Der Reisebericht, Frankfurt/M., 1989 e Jean Ceard, Jean-Claude
Margolin (Ed.), Voyager à la Renaissance, Paris, 1987.
16 INTRODUÇÃO
autenticidade, originalidade e objectividade temática. Mas que as fontes de
'menor valor', de segundo ou terceiro grau, são inestimáveis para
desvendar compreensiva e claramente as teias coordenadoras de uma
época é, todavia, um facto adquirido, quer para a história da geografia,
como o comprovam os estudos de William Graham Lister Randles,25
quer
para a história da antropologia, como o demonstra Margaret Hodgen.26
Junto das fontes de segundo e terceiro grau - consideradas 'menos
científicas' -, como as cosmografias, teremos a oportunidade de analisar
outras obras que, provenientes de várias disciplinas, reflectem, de igual
modo e, numa fase posterior, a valorização e assimilação das novidades
ultramarinas na sua globalidade - o que tem sido até agora manifestamente
negligenciado.
Este trabalho compõem-se de três blocos temáticos. Cada um destes
apresenta um determinado tipo de fontes, de interesses e questões, o que
se reflectirá, consequentemente, na sua abordagem.
À primeira parte cabe delinear as iniciativas levadas a cabo além-Pirinéus
no anseio de tornar a nova África um tema dos escritos alemães. Importa,
assim, conhecer as vias percorridas pelas informações até chegarem à
Europa Central, como é que estas se tornavam conhecidas na Alemanha,
mormente, quais os círculos que davam continuidade à divulgação, bem
como quais os meios a que se recorria para propagar as novidades. Não
poderemos ainda descurar a actividade impressora alemã, tendo em
atenção os textos que, vindos a lume neste país, se relacionavam, de algum
modo, com os descobrimentos. Tanto um como outro aspecto ajudam a
localizar e a definir os graus de interesse e de curiosidade dos letrados
alemães pelas novas realidades africanas.
Na segunda parte iremos descrever detalhada e, tanto quanto possível,
tematicamente as relações de viagens sobre África publicadas em terras
alemãs. Graças a estes relatos de viajantes de várias nacionalidades
europeias, a estranha diversidade do continente tornar-se-ia um dado
fundamental e conhecido dos meios intelectuais germânicos. Organizados
segundo coordenadas topográficas, os seis capítulos visam dar a conhecer
a imagem específica de cada uma das regiões africanas, tal como eram
esboçadas nos séculos XVI e XVII. Este extracto adquire assim o carácter
de um breve comentário das publicações dos séculos XVI e XVII, em
língua alemã, dedicadas ao continente africano.
25. William Graham Lister Randles, De la Terre plate au globe terrestre, Une mutation
épistémologique rapide 1480-1520, Paris, 1980.
26. Margaret T. Hodgen, Early Antropology in the Sixteenth and Seventeeth Centuries,
Philadelphia, 1964.
INTRODUÇÃO 17
A terceira parte, por fim, trata da recepção, valorização e, consequente,
assimilação das informações retidas nas relações de viagens sobre o
mundo ultramarino. Tendo como manancial documental os escritos dos
séculos XVI e XVII, onde se abordam temas geográficos, antropológicos,
religiosos, históricos e outros assuntos afins, foi nosso intuito desenhar a
imagem por eles forjada de África. Isto é: na ânsia de integrar e recolocar
a novidade na ordem do saber, como se filtram as informações, com que
interesses se debatem as questões metodológicas, quem é que se debruça
sobre estas novas, como e, com que dificuldades, se ensaiam, em cada
caso particular, os primeiros passos na redefinição científica da realidade.
Bamberg, Março de 1991
1. "Coisas Maravilhosas e
Até Agora Nunca Vistas"
Caravelas portuguesas navegando no Atlântico Sul afloram terras ignotas
onde encontram homens até então nunca vistos. Os seus navegadores, os
primeiros a divulgar notícias dos novos mundos ao mundo, intentam fixar
as suas impressões de viagem e relatar sobre os contactos iniciais,
deixando um apontamento das regiões, gentes e civilizações que
encontraram. A sua escrita era, por isso, na maioria dos casos, descritiva,
uma vez que desejavam esquissar a vida no mar, as terras e os povos que
tinham visto ou sobre as quais dispunham de informações. Eram
navegadores, cronistas, comerciantes, missionários, funcionários, soldados
e eruditos, entre outros, que, com as suas descrições de viagens, as suas
crónicas, os seus diários de bordo e as suas histórias, efectuavam uma
recolha e registo do que viam. Alguns relatam acontecimentos vividos
pessoalmente, outros reunem dados adquiridos quer oralmente quer
através de leituras, construindo o texto de um cronista uma outra realidade
frente à descrição de um navegador. Enquanto alguns se movimentam
ainda em estruturas mentais medievais, esclarecendo a novidade segundo
estes mesmos valores, outros informam apenas sobre o que viram ou
viveram, alguns descrevem detalhadamente regiões e povos
desconhecidos, outros transmitem principalmente o dia-a-dia a bordo com
os seus perigos e fascínios e vários intercalam na sua escrita um e outro
aspecto numa aglomeração de diferentes dados.
O conhecimento e a consequente apresentação destas informações sobre
ignotas paisagens, estranhos povos e diferentes formas de organização e
de comportamento nas longínquas regiões da terra constituíam
induibtavelmente um forte estímulo para conhecer e compreender o
mundo na sua nova dimensão geográfica e cultural.
Neste ambiente de curiosidade, os textos portugueses, tornar-se-iam "os
olhos da Europa e do Mundo"1
que importava consultar. Os apontamentos
dos nautas lusitanos, relatos de experiências infindas, tornavam-se uma
inestimável fonte de consulta, um autêntico espelho do mundo de além-
mar, um oportuno e verdadeiro retrato das terras e sociedades africanas,
asiáticas e americanas.
1. Luís Filipe Barreto, Caminhos do Saber no Renascimento Português. Estudos de História
e Teoria da Cultura, Lisboa, 1986, p. 24.
20 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
Não obstante a abertura do mundo perpetuada pelas viagens marítimas
seja um dado já adquirido na historiografia da expansão, existem ainda
algumas interrogações. Isto é, ao debruçarmo-nos sobre o impacto e a
assimilação e definitiva integração dos novos dados poder-se-á ainda
inquirir sobre o modo como seriam recebidas estas insólitas e singulares
notícias na Europa: zarpando da Península Ibérica ao longo do Atlântico,
as caravelas dos Descobrimentos iriam encontrar terras e gentes até então
desconhecidas numa enorme e inacreditável revelação do mundo
conhecido. Que terras se encontravam para além do Equador e que gentes
as habitavam, qual a verdadeira configuração do continente africano, quais
as especiarias encontradas na Índia, como se estabeleciam os contactos
entre os navegadores e os habitantes das diferentes regiões, quais os usos e
costumes, por exemplo, na Guiné, na Etiópia, e a religião no Congo ou no
Egipto? Estas e muitas mais seriam as questões postas aos nautas lusitanos
por curiosos e interessados mercadores, livreiros e eruditos de toda a
Europa. Qual então o papel que coube aos mareantes lusos na transmissão
de tão inéditas e estonteantes informações e também, desde já, quais as re-
percussões que tais estranhas notícias originariam na consciência cultural
alemã nos séculos XVI e XVII?
1.1 As Viagens Marítimas Portuguesas
e a Proliferação das Informações na Europa
Na Europa Central a Alemanha seria um dos países mais interessados em
conhecer as incríveis novidades recém-descobertas. Logo desde o início é,
com muito cuidado e atenção, que procura saber pormenores e detalhes da
actividade descobridora do monarca português. Mas como iriam chegar
estas notícias às cidades alemãs? Na verdade, a difusão das informações
da empresa marítima encontraria rapidamente diversas vias de
comunicação: comerciantes, editores e eruditos procuravam instigar a
recolha e propagação de notícias no desejo de adquirir dados
significativos e capazes de saciar a curiosidade.
Nos finais do século XV e inícios do século XVI, muitos estrangeiros,
atraídos pelas notícias extraordinárias das viagens portuguesas, se
dirigiram a Portugal. É o caso de Martin Behaim, que, tendo vindo para
Lisboa por volta de 1484, se iria associar ao movimento expansionista
AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 21
português, quer na construção de um globo que iria dirigir na sua terra
natal, Nuremberga, com o apoio local de mercadores e eruditos, quer na
recolha de informações que fez junto de mareantes portugueses, como se
pode testemunhar na relação que compilou dos dados fornecidos pelo
mareante Diogo Gomes. Behaim teria ainda participado em viagens
portuguesas e alguns historiadores conferem-lhe uma valiosa colaboração
no desenvolvimento na navegação e naútica portuguesas. Advoga-se,
seguindo as afirmações de João de Barros, de que discípulo do matemático
e astrónomo alemão Regiomontanus (séc. XV), Behaim teria trabalhado
com os mestres Rodrigo e José Vizinho na preparação do regimento do sol
e na determinação de latitudes, bem como nas correspondentes tábuas de
declinações solares.2
A sua estada em Portugal possibilitar-lhe-ia um contacto mais directo com
as novas informações das viagens de descobrimento, resultando do seu
relacionamento pessoal com os navegadores portugueses a redacção de um
texto De prima inventione Guinee, escrito entre 1485-1490 e baseado
exclusivamente nos depoimentos de Diogo Gomes.3
Martin Behaim retém
neste escrito algumas das primeiras informações acerca da costa ocidental
africana, bem como sobre as ilhas atlânticas, fixando, deste modo, de uma
forma precisa e clara as primeiras impressões dos nautas portugueses
respeitantes a novas regiões e a povos até então desconhecidos.
No ano de 1492 regressava a Nuremberga, onde viria a produzir um mapa-
mundo bem como um globo, ambos realizados certamente com o fim de
apresentar em terras alemãs os novos dados dos descobrimentos.4
A sua
estada em Nuremberga coincide precisamente com o ano em que
Hartmann Schedel trabalhava na sua crónica-mundi, que viria a publicar,
2. Sobre Martin Behaim em Portugal, veja-se G.R. Crone, Martin Behaim, navigator and
cosmographer, figment of imagination or historical personage? in: Actas do Congresso
Internacional de História dos Descobrimentos, Lisboa, 1961, vol. II, pp. 117-133; Günther
Hamann, Der Eintritt der südlichen Hemisphäre in die europäische Geschichte, Viena, 1968,
pp. 192-214 e Armando Cortesão, História da Cartografia Portuguesa, vol. I, Coimbra,
1969, pp. 27-29.
3. Veja-se Martin Behaim segundo o relato de Diogo Gomes, Do primeiro Descobrimento da
Guiné, In: José Manuel Garcia (ed.), Viagens dos Descobrimentos, Lisboa, 1983, pp. 25-54.
4. O globo seria financiado pelos magistrados da cidade de Nuremberga. O historiador
Hermann Kellenbenz, Die Beziehungen Nürnbergs zur Iberischen Halbinseln, besonders im
15. und in der erten Hälfte des 16. Jahrhunderts, In: Beiträge zur Wirtschaftsgeschichte der
Stadt Nürnbergs, Nuremberga, 1967, pp. 456-493 defende na página 468 deste seu artigo que
Behaim ter-se-ai deslocado à sua terra natal com a ideia de convencer os comerciantes da
cidade para a realização de uma viagem ultramarina, sendo o globo o material ilustrativo.
Sobre as inscrições globo, veja-se E. G. Ravenstein, Martin Behaim, his life and his globe,
Londres, 1908.
22 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
em 1493, nesta mesma cidade alemã. Embora não se possa comprovar que
o conceituado erudito alemão conhecesse os trabalhos de Behaim, é,
contudo, de admitir que tenha tomado conhecimento, directa ou
indirectamente, com algumas informações respeitantes às viagens
marítimas portuguesas.
Um outro alemão Jerónimo Münzer viria também até Portugal juntamente
com mais três mercadores, Anton Herwart de Augsburgo, Kaspar Fischer
e Nikolaus Welkenstein, ambos de Nuremberga para conhecer as novida-
des das viagens dos Descobrimentos. Antes da sua vinda a Portugal,
Jerónimo Münzer tinha escrito uma carta ao rei D. João II (1493)
convidando-o a deixar que os seus mareantes navegassem para Ocidente,
visto que este seria o verdadeiro caminho para alcançar em curto espaço
de tempo a oriental Catay.5
O amante da antiguidade, Jerómimo Münzer
julgava poder definir o caminho marítimo para a Índia através das obras
de autores clássicos e, no elogio que tece aos mui sábios marinheiros por-
tugueses, refere o ilustre perito da escola de Alexandria, Behaim, homem
que considera capaz de preparar tal empresa.
Durante a sua estada em Portugal no ano de 1494 recolheu muitas
informações que reuniu num escrito. Münzer destaca, nesse seu relato,
entre outros aspectos, a presença exótica e insólita de animais e plantas da
Guiné que espalhados por toda a cidade de Lisboa lhe davam uma
atmosfera singular. O seu vivo interesse pelo mundo ultramarino leva-o a
redigir um outro texto, onde descreve a costa ocidental africana; travando
contacto com pilotos portugueses ou homens directamente ligados à
actividade descobridora, Münzer compilou, com esmero e cuidado, um
importante relato sobre o continente africano.6
A atracção pela novidade e
pelo desconhecido está bem patente neste seu texto numa contínua busca
de informações capazes de saciar a grande expectativa de conhecer.
Alguns anos depois, a descoberta do caminho marítimo para a Índia
chamava ainda mais a atenção dos mercadores alemães para o centro
coordenador da Carreira da Índia. A chegada a Calecute pela armada
portuguesa chefiada por Vasco da Gama seria, por isso, notícia da crónica
de Augsburgo. Assim, no trecho referente a 1499, pode-se ler que nesse
ano o rei de Portugal teria alcançado e descoberto pela primeira vez
5. É possível que Martin Behaim tenha trazido esta carta aquando do seu regresso de
Nuremberga. Veja-se Jerónimo, Münzer, Itinerário, Coimbra, 1932; Ver ainda Luís de
Albuquerque, Os Guias Naúticos de Munique e Évora, Lisboa, 1965.
6. Jerónimo Münzer, op. cit.; veja-se ainda Friedrich Kunstmann, Hieronimus Münzer's
Bericht über die Entdeckung der Guinea, In: Abh. d. Histor. Cl. d. Kgl. Bayer. Akad.d.
Wissensch., Vol. 6, Munique, 1860, pp. 291-362.
AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 23
Calecute na Índia. Continua-se mencionando que o rei português teria
mandado três navios para procurarem a Índia e terra desconhecida e, no
regresso, o comandante, Vasco da Gama, teria trazido ao rei boas
mercadorias que aí teria achado, pois "é em Calecute, na Índia, que as
especiariais crescem. Trouxeram-lhe ainda pimenta e outras especiaria,
mas não muito".7
O comércio das mercadorias orientais atraía assim os mercadores alemães
a abrirem filiais em Lisboa, visto que aqui surgiria não só a possibilidade
de adquirirem novos centros de escoamento para os seus produtos, como
também poderiam dispor de um outro mercado, o das especiarias e artigos
orientais. É, assim, que as famílias Fugger, Welser e Hoechstetter da
cidade de Augsburgo e as famílias Imhoff e Hirschvogel de Nuremberga
enviam os seus representantes para a capital portuguesa, a fim de
participarem na aliciante e promissora empresa marítima.8
Reconhecidos
negociantes de metais, nomeadamente, em prata e cobre, estas casas
comerciais alemãs poderiam fornecer os capitais necessários para a aqui-
sição de mercadorias no Oriente, constituindo naturalmente um importante
e indispensável aliado para a Coroa portuguesa.9
Assim, no acordo
concluído, já no ano de 1503, entre o monarca português e representantes
destas famílias, o soberano reconhecia aos comerciantes alemães o direito
de comprarem e venderem mercadorias em todo o reino isentos de
quaisquer impostos. Mais tarde ser-lhes-ia ainda autorizada a participação
em expedições portuguesas para a Índia. A frota de D. Francisco de
Almeida que partia de Lisboa no ano de 1505 integrava entre as suas naus,
três fretadas por mercadores alemães: a S. Rafael, a Leonarda e a S.
7. "Wann der kunig von Portugall zü dem ersten mal die scheffart auff dem mör gen Kalacut
in India gefunden hat [...] die solten India und fremde land suchen [...] gütte mär, daß sie
Calacut in India, da spetzerei wechst, gefunden haben. Sie brachten pfeffer und ander
spetzerei mit in, doch nit vil". Chroniken der schwäbischen Städte (Augsburgo), Leipzig,
1896, vol. 5, p. 273.
8. Cf. Konrad Haebler, Die überseeischen Unternehmungen der Welser und ihrer
Gesellschafter, Leipzig, 1903 e do mesmo, Die Geschichte der Fugger'schen Handlung in
Spanien, Weimar, 1897; Hermann Kellenbenz, Die Beziehungen Nürnbergs zur Iberischen
Halbinsel..., op. cit.; The portuguese Discoveries and the Italian and German Initiatives in the
Indian trade in the first two Decades of the 16 th Century. In: Congresso International
Bartolomeu Dias e a sua época (Actas), Porto, 1989, vol. III, pp. 609-623 e Die Fugger in
Spanien und Portugal bis 1560. Ein Großunternehmen des 16. Jahrhunderts, 3 vols,
Munique, 1990.
9. Veja-se, Vírginia Rau, Privilégios e legislação portuguesa referentes a mercadores
estrangeiros, in: Fremde Kaufleute auf der Iberischen Halbinseln, ed. Hermann Kellenbenz,
Colónia, Viena, 1970, pp. 15-30.
24 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
Jerónimo.10
A bordo destas naus viajariam três alemães, nomeadamente
Ulrich Imhoff, Balthasar Springer e Hans Mayr. Tanto Springer como
Mayr viriam a deixar um relato sobre esta sua viagem à Índia;11
se o diário
de bordo de Hans Mayr12
ficaria manuscrito, o de Balthasar Springer viria
a lume não só inúmeras vezes como em diversas línguas, tornando-se um
dos mais importantes documentos dos inícios da Carreira da Índia além-
10. Veja-se Franz Hümmerich, Die erste deutsche Handelsfahrt nach Indien 1505/1506,
Munique-Berlim, 1922 e do mesmo, Quellen und Untersuchungen zur Fahrt der ersten
Deuschen nach dem portugiesischen Indien 1505/1506, Munique 1918.
Na crónica de Augsburgo aponta-se qual o contributo das casas alemãs na expedição de 1505.
Encontra-se a seguinte notícia para esse ano:
"Wie der kunig von Portigall etlich schiff gen Kalacut schickt und ließ etlich Teusch und
Walchen acht dahin schiffen.
1505 a de 25. marzo da hatt der künig von Portigal zü Lisabona außgesant gen Kalacut 19
schiff. Mit den selbigen haben etliche teusch und walchen kaufleutt 3 schiff mitgesant auff ir
kostung, darauff haben sie kauffmanschaft geladen und par gelt, das sie mitgesant haben
spetzerei zü kaffen, und das in sunst darauff gangen ist auff die 3 schiff, tüt als in somm 65
400 crusadi, das ist so vil duc.; von dieser somm hatt den Walchen, das send Florentiner und
Jenoveser gewesen, zügehert duc. 29 400, so hatt den Teutschen zügehort in somm duc. 36
000.
Wer die Teutschen gewesen send, und wie vil jettliche geselschaft darauff gehabt hatt, statt
hernach geschrieben:
Der Welser und Fechlin von Augspurg und
Memmingen cpa
duc. 20000
der Fugger von Augspurg cpa duc. 4000
der hechstetter von Augspurg cpa duc. 4000
der Grossenpröttischen von Augspurg cpa duc. 4000
der Imhof von Nirenberg cpa duc. 3000
der Hirtzfogel von Nirenberg cpa duc. 2000
Somm duc. 36000
Item als die schiff gen Kalacut oder India komen send, da haben sie ir war oder kafmanschaft
zü gelt gemacht und haben ir gelt angelegt an pfeffer und ander spetzerei, das haben sie
herauß gesiert.
Und im 1506. jar a die 22. mazo send die obgeschriben 3 schiff wider gen Lisabona komen.
also hatt der kunig von Portigall anfangs vir sein gerechtigkait von alller spetzeri den vierten
tail genomen, darnach hatt er den zwaintzigisten tail auch von allem genomen, das selb hatt er
im ain kloster geben, darnach hatt er erst über 3 und etlichs über vier jar den kaffleutten ir
spetzerei geantwort, nachdem die schiff komen send.
Ich [Wilhelm Rem] hab von ainem glabhaftigen gehert, der auch tail daran gehabt hatt, daß
sie 175 pro cent gewunen haben, das ist also zü verstan, daß sie an 100. duc. alweg 175 duc.
über alle kostung gewunen haben."
Chroniken der schwäbischen Städte, Leipzig, 1896, 5 vol. (Augsburgo), pp. 277-79.
11. Veja-se Christoph von Imhoff, Nürnbergs Indienpioniere. Reiseberichte von der ersten
oberdeutschen Handelsfahrt nach Indien (1505/1506), In: Pirckheimer-Jahrbuch, 1986, 2
vol., pp. 11-44.
12. Hans Mayr é por vezes referenciado como agente comercial alemão, embora no texto se
lhe refira como escrivão do rei português.
AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 25
Pirinéus.13
Na verdade, este texto - que nas edições flamenga e alemã seria
acompanhado por ilustrações dos povos visitados -14
tal como os relatos e
cartas dos comerciantes radicados em Lisboa, contribuiria signifi-
cativamente para a difusão, na Europa Central, das notícias referentes às
viagens dos portugueses.
Um outro estrangeiro radicado em Lisboa era o impressor de origem
alemã, Valentim Fernandes.15
Escudeiro da rainha D. Leonor e notário de
D. Manuel I,16
Valentim Fernandes ocupou não só um destacado lugar na
corte portuguesa, como desempenhou um papel relevante de agente
comercial e tradutor do rei. Além disso, manteve os seus contactos com as
cidades alemãs de Nuremberga e, principalmente, de Augsburgo, onde
residia um grupo de humanistas, entre eles, o Stadtschreiber Konrad
Peutinger, a quem Valentim Fernandes enviaria diversas informações
referentes às descobertas, como se pode testemunhar, por exemplo, na
carta datada de 16 de Agosto de 1505, em que presta informações sobre a
preparação e os objectivos da viagem de D. Francisco de Almeida para a
Índia.17
Este homem atento à descoberta de novos mundos reuniria ainda
importantes informações, como sejam relações sobre Ceuta e sobre a costa
ocidental africana em geral, um resumo da crónica de Zurara, o texto de
Diogo Gomes e Martin Behaim, informações de navegadores respeitantes
às ilhas atlânticas e um roteiro de Lisboa até à Mina bem como sobre a
Índia, como seja, o diário de bordo do alemão já referenciado, Hans Mayr,
13. Die Merfart und erfarung nüwer Schiffungen und Wege zü viln onerkanten Inseln und
Künigreichen/ von dem groszmechtigen Portugalichen Kunig Emanuel Erforscht/ bestritten
und Ingenommen... Durante muitos anos considerou-se este texto da autoria de Américo
Vespúcio, até que Henry Harrise, Americus Vespuccius - A critical and documentary review
of two recent englisch books concerning that navigator, Londres, 1895 o indentificou como
sendo o texto de Balthasar Springer, provando que as alterações teriam sido feitas pelo editor.
Sobre estes textos, veja-se, entre outros, Renate Kleinschmidt, Balthasar Sprenger - eine
quellenkritische Untersuchung, Viena, 1966.
14. As ilustrações da edição alemã seriam da autoria de Hans Burgkmair. Veja-se, Walter
Hirschberg, Monumenta Ethnographica, Frühe völkerkundliche Bilddokumente:
Schwazafrika (1508-1727), Graz, 1962.
15. Sobre o impressor, veja-se Artur Anselmo, Les Origines de l'Imprimerie au Portugal,
Paris, 1983, pp. 153-214, do mesmo, L'activité typographique de Valentim Fernandes au
Portugal (1495-1518), Paris, 1984 e ainda Konrad Haebler, Die deutschen Buchdrucker des
XV. Jahrhunderts im Auslande, Munique, 1924.
16. Sobre estas actividades de Valentim Fernandes, veja-se António A. Banha de Andrade,
Mundos novos do mundo, Lisboa, 1972, p. 349.
17. Publicada in: Konrad Peutinger Briefwechsel (ed. Erich König), Munique, 1923, pp. 56-
58. Veja-se ainda B. Greiff, Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541,
Augsburgo, 1861, p. 171.
26 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
e uma relação anónima acerca das Maldivas, manuscrito este que se viria a
encontrar na posse de Konrad Peutinger que assim teve em primeira mão
uma importante colecção de textos ilustrativos dos conhecimentos
geográficos adquiridos nas viagens marítimas portuguesas.18
Esta colectânea vem no seguimento do Marco Polo, publicação que
Valentim Fernandes organizara a partir de 1501 e que, para além de se
tratar de uma das primeiras edições europeias,19
constitue um documento
ímpar da imprensa coeva. Valentim Fernandes, ao introduzir e editar
outros textos relativos às viagens até ao Oriente que, não só completavam
o escrito poliniano, como ainda visavam uma caracterização do momento
presente, soube inseri-lo no contexto coetâneo. No prólogo dedicado a D.
Manuel I, Valentim Fernandes deixa transparecer o seu vivo entusiasmo
pelas viagens portuguesas.20
É o fascínio resultante de "novos e
maravilhosos" descobrimentos de terras desconhecidas, de outros povos e
costumes que, a partir deste momento, entraram em contacto com Lisboa,
fazendo desta cidade um ponto de escala entre a Europa, a Ásia e a
África.21
Na Europa Central caberia, em contrapartida, aos portugueses dar a
conhecer as novidades da empresa marítima. É o caso de Damião de Góis
que, ao longo de vinte e três anos, iria estabelecer contactos com os
maiores vultos do meio intelectual europeu coetâneo, cultivando grandes
amizades num diálogo diversificado e sem fronteiras. Damião de Góis
contaria, entre os seus amigos, personalidades como Erasmo, de quem se
tornou um dedicado admirador e amigo; Lutero e Philipp Melanchton, que
Góis visitou em Wittenberg; o historiador Beatus Renanus, o geógrafo e
músico Henricus Glareanus e o geógrafo Sebastian Münster seriam alguns
exemplos a mencionar. Góis viria ainda a corresponder-se com o erudito
Bonifazius Amerbach, amigo e editor de Erasmo, com o cardeal e
humanista italiano Pietro Bembo e com o pontífice Paulo III.22
O convívio
18. Veja-se J. A. Schmeller, "Über Valenti Fernadez Alemã" In: Abh. d. Philos.-Philolog. cl.
d. königl. bayer. Akad. d. Wiss., 4 vol., 1 parte, Munique, 1844 e O Manuscrito de Valentim
Fernandes, ed. António Baião, Lisboa, 1940.
19. Anteriores traduções de Marco Polo datavam do ano de 1477 em Nuremberga, 1481 em
Augsburgo e 1485 em Anvers.
20. O texto inicia com as palavras do apóstolo S. Lucas, 5, 26: "Vimos oje coisas
maravilhosas". Valentim Fernandes, Marco Polo, Lisboa, 1502, ed. Lisboa, 1961.
21. Esta publicação inclui para além do prólogo e do texto de Marco Polo, a relação do
veneziano Nicolo de Conti, que viajara nos inícios do século XV até à Índia, possuindo o rei
português uma cópia da relação que este entregara ao papa Eugénio IV e uma carta do
comerciante italiano Hieronimus di Stefano de Génova sobre o Cairo e Aden.
22. Veja-se Amadeu Torres, (ed.), As cartas latinas de Damião de Góis, Paris, 1982.
AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 27
com estes eruditos possibilitar-lhe-ia um conhecimento das correntes inte-
lectuais e religiosas em debate na Europa, atmosfera esta que vinha de
encontro ao seu espírito aberto e interessado pelas "coisas da
humanidade".
Góis não se limitou, no entanto, a absorver todas as informações e
influências, sem que ele próprio colaborasse para este clima de permuta de
ideias. A convivência com diversos humanistas não foi simplesmente a de
um espírito interessado e passivo, que apenas se deixava informar junto
dos homens de letras, instruindo-se sobre as suas actividades literárias e
culturais, mas pelo contrário a de alguém que procurava igualmente
contribuir para um amplo e adequado conhecimento da humanidade.
Damião de Góis representava um país que acabara de recolher novos
dados sobre o orbe terráqueo e as gentes que o habitavam, sendo, pois, os
Descobrimentos Portugueses não só um dos temas que discute além-
fronteiras - como se atesta na sua correspondência -,23
mas também um
dos principais motivos para a publicação das suas obras.
A pedido do arcebispo sueco, Johannes Magnus, com quem debateu temas
teológicos, publicaria, em Antuérpia, uma tradução latina da relação que o
etíope Mateus deixara em Portugal aquando da sua visita a Lisboa.24
Em
Lovaina, Góis traria a lume um opúsculo sobre os acontecimentos
ocorridos na defesa de Diu contra os Turcos, do que se voltará a ocupar
dez anos mais tarde.25
Ambas as publicações visam divulgar os feitos dos
portugueses na Índia, procurando construir uma imagem clara e concisa
destes eventos históricos capaz de esclarecer e saciar a curiosidade
europeia face às actividades portuguesas no Oriente. Alguns anos mais
tarde edita um outro texto, desta vez , sobre a Etiópia com o intuito de
23. Sobre o seu relacionamento, entre outros, com Beatus Rhenanus e as suas discussões
acerca da religião etíope, veja-se Albin Beau, As relações germânicas do Humanismo de
Damião de Góis, Coimbra, 1941, p. 135.
24. Legatio Magni Indorum Imperatoris Presbyteri Joannis ad Emanuelem Lusitaniae
Regem, Anvers, 1532 (Lovaina 1533). Damião de Góis teria a oportunidade de conhecer, em
Dantzig o prelado católico e historiador, Johannes Magnus que, se refugiara em Roma, uma
vez que na sua terra natal, a Suécia, o perseguiam. O seu interesse pela religião do Preste
João seria o assunto de longas conversas com Damião de Gós, de quem esperava aprender
mais pormenores. Veja-se Amadeu Torres, op. cit., pp. 233-34 e Jean Aubin Damião de Góis
et l' Archevéque d'Upsal, In: José V. de Pina Martins (ed.), Damião de Góis. Humaniste
européen, Braga, 1982, pp. 254-328.
25. Commentarii Rerum gestarum in India citra Gangem a Lusitanis, anno 1538, Lovaina,
1539, texto que viria a lume em versão alemã, dois anos depois, na cidade de Augsburgo;
ainda De Bello Cambaico, commentari três, Lovaina, 1549.
28 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
apresentar detalhada e pormenorizadamente as particularidades do
cristianismo etíope.26
A publicação desta obra ia de encontro a uma grande curiosidade pelas
terras da Etiópia e a um interesse particular pelas questões teológicas,
compreensível numa época de atribulada discussão religiosa. Para além
disso, estas publicações correspondiam a uma crassa necessidade de
conhecer os insólitos e extraordinários dados da configuração do mundo.
É significativo o reconhecimento, que as obras deste humanista português
despertam em terras além-Pirinéus, como se pode comprovar pelo número
de edições verificadas em toda a Europa, bem como pelas traduções feitas
dos seus textos.27
Damião de Góis é, sem dúvida, um dos autores
portugueses mais conhecido e referenciado em obras estrangeiras, sendo
inúmeras vezes citado como fonte básica para a redacção de narrativas
históricas ou obras de carácter geográfico.28
Um dos últimos textos da autoria de Damião de Góis a ser publicado no
estrangeiro nasce de uma descrição, a seu ver, polémica e inadequada da
Península Ibérica da pena do geógrafo e teólogo Sebastian Münster. As
afirmações deste conhecido autor alemão sobre a nação portuguesa
provocaram uma reacção patriótica de Damião de Góis que, ao publicar
Hispania,29
procura repor a verdade, criticando a incorrecção e a
superficialidade das informações anteriormente impressas. Sebastian
Münster, que Damião de Góis tinha conhecido em Basileia juntamente
com Simon Grynaeus - autor de uma colectânea sobre os Descobrimentos
-,30
viria após esta intervenção a corrigir o seu texto.
Os humanistas alemães inauguram um largo e aceso debate sobre as
viagens marítimas ibéricas e as suas cartas reflectem o grande impacto
causado por esta empresa descobridora.31
Homens como o já referenciado
Konrad Peutinger, membros do círculo humanista de Nuremberga
26. Fides, Religio, Moresqve Aethiopvm, Lovaina, 1540.
27. Veja-se Francisco Leite Faria, Estudos Bibliográficos sobre Damião de Góis e a sua
época, Lisboa, 1977. Só no que respeita à obra Fides, Leite Faria menciona 16 edições
completas e 11 incompletas.
28. É o caso, por exemplo, de Sebastian Münster, que se serve da obra de Damião de Góis
para redigir, na Cosmographia, o capítulo sobre a Etiópia. A certa altura pode-se ler: "Quem
quiser ler algo mais sobre o seu credo e ser, deve ver o livro de Damianus de Portugal, que foi
publicado no ano de Cristo 1541, do qual retirei as passagens principais" (usei a edição
Basileia, 1588, Folha Mccccxx)
29. Damião de Góis, Hispania, Lovaina, 1542.
30. Simon Grynaeus, Novus Orbis, Basileia, 1532.
31. Veja-se Dieter Wuttke, Humanismus in den deutschsprachige Ländern und
Entdeckungsgeschichte 1493-1534, Bamberg, 1989.
AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 29
Hartmann Schedel, Hieronymus Münzer, Willibald Pirckheimer ou
Johannes Cochläus, Jobst Ruchamer, Joachim Vadianus e Christoph
Scheurl, entre outros seguem atenta e aplicadamente o desenrolar dos
acontecimentos históricos, intentando permanecer em contínuo contacto
com as últimas novidades.32
A 19 de Março de 1507, o ecleseástico de Bamberg, Lorenz Behiam,
escreve entusiasticamente ao humanista e amigo Willibald Pirckheimer a
respeito de um texto publicado em Roma, apenas, há cinco meses em que
se relatam algumas das actividades portuguesas no Oriente.33
Também
Albrecht Dürer aponta zelosamente, no seu diário de viagem aos Países
Baixos,34
as coisas maravilhosas e novas vindas de África e da Índia que
viu e conheceu na cidade onde termina a rota de Calecute: Antuérpia.
Além disso, este artista viria a tornar famoso o rinoceronte enviado pelo
rei português ao papa ao fazer um desenho deste animal que ele próprio
nunca viu, mas do qual viu um desenho.35
Hartmann Schedel, em Nuremberga, recolhe informações para a sua
crónica. Martin Behaim lança a ideia de construir um globo, onde se
debuxem os dados e os conhecimentos dos nautas portugueses. O autor do
Elogio da Loucura envolve-se em longos debates sobre o cristianismo em
regiões longínquas (dos Lapões até á Etiópia) numa reflexão sobre o
hieratismo religioso recém-descoberto. Konrad Peutinger, o erudito de for-
mação humanista e secretário do Imperador Maximiliano I, defende a
participação das casas comerciais alemãs nas viagens portuguesas para a
Índia.36
Os Fugger, uma das famílias de mercadores mais influentes do sul
da Alemanha e de grande poderio no comércio ibérico, criam, com o seu
hábito de coleccionar escritos e livros, uma das mais importantes
32. Veja-se Elisabeth Rücker, Nürnberger frühhumanisten und ihre Beschäftigung mit
Geographie. Zur Frage einer Mitarbeit von Hieronymus Münzer und Conrad Celtis am Text
der Schedelschen Weltchronik, In: Rudolf Schmitz e Fritz Krafft (Ed.), Humanismus und
Naturwissenschaft, Boppard, 1980, pp. 181-192.
33. Trata-se provavelmente do texto Gesta proxime per Portugalenses in India Ehiopia et
allis orientalibus terris a serenissimo Emanuel, Portugalie Rege. O curto intervalo de tempo
entre a publicação e a leitura, não esquecendo a distância de alguns mil kilómetros, ilustra,
sobremaneira, o interesse pelas notícias e o intenso diálogo que os letrados europeus
desenvolviam. Veja-se, Willibald Pirckheimer Briefwechsel, ed. Emil Reicke, 2 vols.,
Munique, 1940-1956, 1 vol., pp. 516-18.
34. Albrecht Dürer, Schriften und Briefe, Leipzig, 1982, pp. 55-101.
35. Sobre a influência de motivos exóticos na arte, veja-se Götz Pochat, Der Exotismus
während des Mittelalters und der Renaissance, Voraussetzungen, Entwicklung und Wandel
eines bildnerischen Vokabulars, Stockholm, 1970.
36. Entwürfe für Schreiben an Maximilian. In: Conrad Peutinger. Beiträge zu einer
politischen Biographie. (Ed.) Heinrich Lutz, Augsburgo, s. d.
30 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
bibliotecas da Idade Moderna.37
Numa inesgotável sede de saber recorrem
às redes de contactos comerciais que espalharam por toda a Europa, a fim
de obterem as publicações coevas, compilando vestígios e testemunhos do
mundo; Jacob Fugger que conhecia Damião de Góis, procurou, junto de
Peutinger, que este pudesse ler o Manuscrito de Valentim Fernandes.
As primeiras notícias reveladas pelos mareantes ibéricos continham muitas
outras verdades acerca da terra e dos homens. Os nautas falam de outros
contornos dos até então conhecidos no que respeita às costas africanas,
afirmam que a região ao sul do Equador seria habitada e contam que
afloraram um novo continente e muitas outras regiões totalmente
desconhecidas, dados estes que se iriam tornar num vital fundamento para
novas reflexões epistemológicas; e nestas reflexões participavam
humanistas de toda a Europa.38
No dealbar do século XVI, as viagens marítimas tornavam-se um assíduo
tema da imprensa europeia; inicialmente pequenos textos informativos,
como o pequeno relato sobre o melhor caminho entre Lisboa e Calecute,
vindo a lume em 1505.39
Neste escrito sobre a Índia, terra onde a pimenta
cresceria "semelhante às uvas",40
mencionava-se, desde já, que, a partir de
agora, os portugueses tinham nas suas mãos o negócio das especiarias, que
os venezianos até aqui costumavam trazer por terra.41
É tambem neste mesmo ano que a viagem de Américo Vespúcio, realizada
com o apoio do rei D. Manuel I, vinha a público. O texto que o piloto
enviara para Lorenzo di P. Francesco de' Medici, participando-lhe a
37. Veja-se Paul Lehmann, Eine Geschichte der alten Fuggerbibliotheken, 2 vols, Tübingen,
1956-1960.
38. Veja-se Michel Mollat, Humanisme et Grándes Découvertes (XVe -XVIe Siècles), In:
Francia, vol. 3, Munique, 1976, pp. 221-135; Luís de Matos, La Littérature des
Découvertes,in: Michel Mollat e Paul Adam (Ed.), Les Aspects Internationaux de la
Découverte Océanique aux XVe et XVIe siécles, Paris, 1966, pp. 23-30
39. Den rechten Weg auß zu faren von Lißbona gen Kallakuth. von meyl zu meyl. Auch wie
der kunig von Portigal yetz newlich galeen vnd naßen wider zu ersuchen vnd bezwingen
newe land vnnd jnsellen durch kallakuth in Indien zufaren. Durch sen haubtmann also bestelt
als hernach getruckt stet gar von seltzsamen dingen, Nuremberga, 1505 (Georg Stuchs). Fác-
simile, ed. John Parker, Mineapolis, 1956.
40. "Item vermerckt wy alle spetzerey in jndia wechst pfeffer wechs trauben weyß gleich wie
die holderper/ sy springen zu zeitten grüne gleich wie er von pawm kumpt gen lißwona".
41. Na crónica de Augsburgo da autoria de Clemens Sender encontra-se a seguinte referência
para o ano de 1503 "Es sind von Venedig gen Augspurg brieff komen, wie 23 schiff werent
aus Calacut gen Lisabona komen, die spetzerei fürten. die merfart thet der kinig von Portugal,
dann er lange jar het gesücht mit groser arbait und kosten, bis er den weg gen calacut, da der
pfeffer wegst, erlernet hat. es was den Venediger fast wider. Chroniken der schwäbischen
Städte, Leipzig, 1894, 4 vol. (Augsburgo), pp. 100-101.
AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 31
descoberta de um Mundus Novus viria a lume em edições latinas 42
e
alemãs: Von der neü gefunden Region so wol ein welt genempt mag
werden, durch den christlichen künig von Portigal wunderbarlich
erfunden.43
A actividade descobridora dos portugueses despertava, assim,
um largo interesse, como o relato de Vespúcio. Mas não só neste caso.
Conhecemos outros exemplos como o da carta do rei D. Manuel I ao
cardeal Alpedrinha, D. Jorge da Costa, no momento embaixador de
Portugal em Roma. Esta carta, em que o monarca português transmite ao
cardeal os êxitos da viagem de D. Francisco de Almeida, seria logo
publicada nesta cidade italiana, bem como um ano mais tarde (1507), em
latim, nas cidades de Colónia e Nuremberga e também numa edição em
língua alemã nesta mesma cidade do sul da Alemanha.44
As cartas do rei
Venturoso ao papa Júlio e ao papa Leão X viriam igualmente a lume em
inúmeras edições.45
É o que acontece com a carta de 1513, em que o
soberano português relata ao pontífice os feitos de Afonso de
Albuquerque, da qual se conhecem vinte e quatro edições latinas e quatro
alemãs.46
A juntar-se a estas publicações de carácter notícioso viriam,
pouco a pouco, outras obras cujo objectivo seria dar uma imagem global
das viagens. É o caso dos Paesi Nouamente retrouati et Nouo Mondo da
Alberico Vesputio Florentino intitulado47
que, quer em latim quer em
42. Américo Vespúcio, Mundus Novus, Augsburgo, 1504. Sobre as várias edições, veja-se
José Alberto Aboal Amaro, Amerigho Vespucci. Ensayo de Bibliografia Crítica, Madrid,
1962.
43. Basileia, Fueter 1505; outras ed. Leipzig 1505: Das sind die new gefunden menschen
oder volcker In form und gestalt. Als sie hier stend durch den Christlichen Künig von
Portugall, gar wunderlich erfunden. Sobre as diferentes edições, veja-se, Die wunderbare
Neue Welt. German Books and Related Materials about the Americas in the John Carter
Brown Library. 1493 to 1840, Providence, 1988.
44. A edição latina intitulada Gesta proxime per Portugalenses in India Ethiopia alijs
orientalibus terris; e a alemã: Geschichte kurtzlich durch die von Portugalien jn India/
Morenland/ vnd andern erdtrich der auffgangs von dem durchleutigisten Emanuele Konig
portugalie ...
45. A Epistola serenissimi Regis Portugalie ad Iulium papam Secundum de victoria cõtra
infideles, Roma, Paris, 1507. No mesmo ano em Estrasburgo na oficina de Johan Knoblach
com o título Taprobane Insule Orientalis Ethiopis acquisitio... Um ano mais tarde em alemão
em edição isolada (s.L.): Ein abschrift eines sandtbriefes so vnserm allerheyligsten vater dem
papst Julio e ainda na antologia Newe unbekanthe landte..., Nuremberga, 1508.
46. Epistola... De Victoriis .. in India & Malacha, Roma, Viena, Colónia, Estrasburgo (?)
Nuremberga, Erfurt, 1513; Basileia, 1532 (Novus Orbis). Em alemão: Abtruck ains
lateinischen sandtbrieues an babstliche heiligkeit... Augsburgo e Nuremberga 1513; Estras-
burgo, 1534 (Die New Welt).
47. Vicenza, 1507.
32 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
alemão, 48
poderiam informar os leitores sobre as viagens ao longo da
costa africana até à Índia, bem como sobre a inesperada descoberta de um
novo continente.
Obras como esta não seriam lidas sem que gerassem profundas reacções.
Numa carta datada de 1514, o humanista Willibald Pirckheimer dirigindo-
se ao conde Hermann von Nuenar exalta o enorme significado da des-
coberta do caminho marítimo para a Índia. Ao sublinhar a passagem do
Atlântico Sul, Pirckheimer quer saber se o compasso funciona ao sul do
Equador e ainda como seria utilizado, questão esta que coloca ao conde
von Nuenar, de quem aguarda uma explicação cuidada.49
Numa carta ao seu amigo Rudolf Agricola, Joachim Vadianus, por sua
vez, constata o facto de que, após as navegações de Portugal, se poderia
afirmar que a terra seria redonda. Joachim Vadianus seria um dos
primeiros autores, que em face das observações dos navegadores
portugueses, iria pôr em causa a teoria prevalecente da distribuição das
águas na terra.50
Baseando-se na circum-navegação de África pelos
portugueses, Joachim Vadianus comprova a existência de vida humana
nas regiões ao sul da linha equatorial, facto este que, até há pouco, iria
contra todas as concepções existentes.
Na cartografia encontramos também rapidamente ressonâncias da empresa
marítima. Nos mapas-mundi que o geógrafo Martin Waldseemüller
publicou em 1507 constata-se desde já uma crassa influência das viagens
dos Descobrimentos. E a sua Geografia (1513), editada em primeira linha
como uma reedição de Ptolomeu, tornar-se-ia um verdadeiro marco da
cartografia europeia, uma vez que às vinte e sete tábuas do geógrafo
alexandrino, Waldseemüller associa cinco referentes aos descobrimentos
portugueses e espanhóis.
Um outro exemplo é o impressor Johan Grüninger que pede a Willibald
Pirckheimer que lhe envie informações sobre o Cabo da Boa Esperança,
pois também ele necessita de material para a edição de uma nova Carta
marina.51
Grüninger escreve assim a um compatriota, também impressor,
Anton Koberger, relatando-lhe que, com a ajuda de Pirckheimer e de
outros historiadores e mercadores, pensa vir a obter mais informações e
48. Itinerarium.Portugallensium e Lusitania in Jndia, Milão, 1508, Basileia, 1532, 1536.;
alemão: Newe unbekanthe landte.. Nuremberga, 1508.
49. W. Pirckheimer, Briefwechsel, op. cit., 2 vol., pp. 326-27.
50. Publicada na sua edição de Pompónio Mela, Viena, 1518, (primeira 1512), pp. 124-25.
51. J. Grüninger a W. Pirckheimer 14 Junho 1524. In: Oskar Hase, Die Koberger. Eine
Darstellung des Buchhändlerischen Geschäftsbetriebes in der Zeit des Überganges vom
Mittelalter zur Neuzeit, Leipzig, 1885, pp. CXXIX-CXX.
AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 33
gravuras para a Carta marina.52
Aqui temos um exemplo claro e preciso de
como os intelectuais europeus buscavam ansiosamente novas informações
sobre as alterações geográficas e culturais do mundo, mantendo por isso,
um permanente e intensivo intercâmbio possível graças à epistologia, um
dos mais profícuos e frutuosos meios de comunicação. O impressor
Johann Grüninger residente em Estrasburgo, estabelece, com efeito, con-
tactos com o seu colega, Anton Koberger e com o historiador Wilhelm
Pirckheimer, ambos de Nuremberga, a fim de obter o material de que
precisa. Além disso, refere que irá receber a ajuda de comerciantes que
igualmente se prestaram a mandar-lhe material. Numa outra carta, datada
de 26 de Fevereiro de 1525, Grüninger escreve que aguarda notícias e
informações de comerciantes radicados em Lisboa, que lhe prometeram
arranjar dados in loco, mormente sobre Calecute.53
A distância não
representa, pois, qualquer obstáculo para estes homens sedentos de saber.
Quer sejam livreiros, comerciantes ou eruditos, eles associam as suas
iniciativas numa crassa vontade de conhecer mais novidades referentes às
descobertas além-mar e, por conseguinte, à configuração do mundo
ultramarino; num esforço colectivo estes amantes das letras são capazes de
superar as distâncias que os afasta do centro das novidades.54
Em muitos
casos eram os mercadores que mais facilmente se poderiam dirigir às
fontes de informação originais, tendo pois a possibilidade de adquirir em
52. J. Grüninger a H. Koberger 25. Julho 1524. In: Oskar Hase, op. cit., p. CXXXI. "[...] hoff
als vff den ptholemeus vnd vff daß Carthamarina büch würt ein Cronic der Welt, ob ir hulffen
darzü durch birckheimer vnd andere hystorici vnd kaufflüt me zu erfarn auch von kauffluten
wie ich üch etlich figuren u besichtigen geschickt, mein es würd ein kürtzwylig buch werden"
Grüninger refere-se à carta Marina de Lorenz Fries, como também às edições de Ptolomeu da
autoria de W. Pirckheimer. Sobre as publicações de J. Grüninger, veja-se Jean Mueller,
Bibliographie Strasbourgeoise. Bibliographie des ouvrages imprimés à Strasbourg (Bas
Rhin) au XVIe siècle, 3 vols., Baden-Baden, 1981-1986, em especial 2 vl., pp. 22-50.
53. J. Grüninger a W. Pirckheimer 26 Fevereiro 1525. In: Oskar Hase, op. cit., p. CXXXIX.
"[...] ich hab ein newe Cartha marina hüpsch lon schneiden die ir gern sehen werden wer vff
diß meß getrukt worden, hat vorm ptholomeus nit sein mögen so bald sie uaß ist wil ich ewer
wirde ein hüpsche schenken vnd uch biten zü helfen mit dem büch darüber wil ich uch mein
meinung hernach schreiben, ich hab vil stett, lüt, sitten vnd wesen in fromden land, Kaliqut
hüpsch conterfeit vnd als geschnitten aber kan lißbona noch nit hon ob kauflüt by üch wern
daß mans zuweg brecht, ich hab vil jntineraria, ich mein meinung auch tütsch zu truken."
54. Um exemplo muito significativo é o da cidade de Nuremberga, que contava, por um lado
com extenso rol de contactos espalhados pelo mundo e, por outro lado, aqui residia um grupo
de pessoas vivamente interessadas nas novidades das viagens de descobertas. Veja-se Ute
Monika Schwob, Kulturelle Beziehungen zwischen Nürnberg und den Deutschen im Südosten
im 14. bis 16. Jahrhundert, Munique, 1969 e Lore Sporhan-Krempel, Nürnberg als
Nachrichtenzentrum zwischen 1400 und 1700, Nuremberga, 1968.
34 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
primeira mão, junto de mareantes ou de personalidades relacionadas com a
empresa descobridora, os novos dados sobre o mundo.55
Às viagens portuguesas reservava-se, com efeito, um lugar destacado na
discussão cultural além-Pirinéus. Para os letrados europeus estava fora de
dúvida que o conhecimento advindo dos descobrimentos ibéricos esti-
mulava uma nova dinâmica epistemológica. Ao requerer uma
confrontação com as representações até então existentes dos limites e
perfis da humanidade e do mundo, a ciência exigia um novo horizonte e
uma nova atitude científica. Os múltiplos empenhos dos humanistas no
sentido de formular uma imagem verdadeira e exacta sobre o mundo e a
humanidade reclamam a recepção e transmissão de informações das várias
áreas do saber, nomeadamente, do mundo recém-descoberto. Conscientes
de que não só o mundo da Antiguidade Clássica lhes traria o verdadeiro
saber e capazes de se deixar embriagar por novos princípios e parâmetros
metodológicos, os eruditos cultivavam o diálogo como veículo possível de
comunhão intelectual no conhecimento das "coisas da humanidade".
55. Lucas Rem, um dos agentes das casas comerciais alemãs em Lisboa, iria, depois do seu
regresso à Alemanha, estreitar o relacionamento entre Erasmo e Damião de Góis. Sobre
Lucas Rem, que era familiar do cronista da cidade de Augsburgo, Wilhem Rem, veja-se B.
Greiff, Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541, Augsburgo, 1861. Na
correspondência coeva encontram-se numerosas referências ao estreito relacionamento entre
eruditos e comerciantes. Não podemos negligenciar que os mercadores, dada a sua profunda
formação humanista, seriam, muitas vezes, - e gostariam de se compreender como tal -
verdadeiros representantes culturais, veja-se Götz Freiherrr von Pölnitz, Augsburger
Kaufleute und Bankherren der Renaissance, In: Augusta 955-1955, Augsburgo, 1955, pp.
187-218. Um dos exemplos mais claros desta simbiose entre a actividade comercial e a
propagação de informações encontra-se nos Fugger=zeitungen; espalhados pelos diversos
centros comerciais, os agentes dos Fugger enviavam cartas, por exemplo, da Índia, Lisboa,
Amsterdão, ou Espanha com as notícias mais actuais: Sobre esta colecção, veja-se Victor
Klarwill, Fugger=zeitungen. Ungedruckte Briefe an das Haus Fugger aus den Jahren 1568-
1605, Viena, Leipzig, Munique, 1923.
1.2 A Primeira Fonte dos Descobrimentos:
A Antologia da Novidade
A tradução de várias obras portuguesas e espanholas, na Alemanha, iria
despoletar decisivamente a difusão de uma grande quantidade de
informações, permitindo que, também neste país, se pudesse estabelecer
um adequado contacto com a realidade descoberta além-mar. Vistos na
sua função de repórter da novidade, os textos ibéricos eram tidos em
grande consideração na Europa, neste caso na Alemanha, que os iria
requestar penhoradamente na busca de material sobre os novos
acontecimentos históricos. A leitura de obras, onde se anotam as primeiras
impressões ao longo do Atlântico e se informa sobre o fascinante Oriente
e a curiosa América, requeria-se indispensável. Ao traduzirem os textos,
os autores alemães estavam conscientes da importância cultural e
científica deste seu gesto: darem a muitos leitores a possibilidade de verem
as novas realidades físicas e humanas.
Na verdade, estes escritos, particularmente, as relações de viagens,
surgiam cada vez mais como inestimáveis fontes da empresa marítima.
Assim, e para que se efectuasse uma divulgação efectiva realizar-se-
-iam várias publicações com o objectivo de dar a conhecer, se possível, na
íntegra e, em primeira mão, estes eventos históricos. O vivo interesse
suscitado por estas obras reflecte-se na frequência das edições alemãs, que
apesar de algum distanciamento entre a publicação original e a tradução,
se publicam dentro de um prazo relativamente curto e em várias edições.
Um dos principais motivos para a publicação destes textos era, segundo os
seus autores e editores, a necessidade de transmitir rapidamente as novas
sob o mundo e a humanidade. Os autores salientam precisamente a
vontade de divulgar obras de grande riqueza informativa e documental que
se deveriam publicar quanto antes dado que revelam as "coisas
maravilhosas e até agora nunca vistas", principalmente "ilhas
maravilhosas, bonitas e divertidas com gente nua e negra, com maneiras e
usos estranhos e nunca vistos".1
A divulgação de informações manifesta-se urgente, visto que estas
aventam novas verdades, verdades estas que curiosamente apresentavam
duas facetas: por um lado são insólitas notícias de gentes que não se sabe
1. "[...] wunderbarliche vnd byshere vnerhörte dinge [...] wunderbarliche schöne vnd lustige
inseln/ mit nackenden schwarzen lewten seltzamer vnd unerhörten sitten und weyse" Newe
Unbekanthe landte..., Nuremberga, 1508, prólogo.
A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 37
se se podem chamar de gentes ou não, por outro lado o relato de homens
que tinham visto essas terras e gentes com os seus próprios olhos. De
facto, a novidade expressa nestes textos apresentava-se simultaneamente
como algo de maravilhoso e de estranho, extraordinário e desconhecido.
Inesperadamente os navios afloram terras e ilhas maravilhosas agora
povoadas por povos de costumes insólitos e bem diferentes dos
conhecidos. Esta dualidade de algo extraordinário e, ao mesmo tempo,
estranho e diferente, dado que desconhecido, vai atrair a admiração e o
interesse de muitos letrados. Apresentar as novas verdades constitue, pois,
a preocupação primária do tradutor ou do editor.
Além disso, os editores entendem ainda ser da sua responsabilidade
publicarem obras, como as relações de viagens, capazes de contribuir para
uma certa rectificação ou complementarização de conceituados traços da
configuração do espaço geográfico terrestre. Na verdade, as viagens
marítimas forneciam novos conteúdos no que respeita ao horizonte já
conhecido, definindo outros debuxos provenientes da experiência
empírica. Os autores-viajantes tinham visto com os seus próprios olhos o
que transmitem nas obras e, daí que nos títulos e prólogos das traduções se
sublinhe a confiança completa na veracidade dos testemunhos formulados.
Os editores e tradutores tecem, por isso, nas suas introduções elogiosas
considerações às "navegações", mencionando, em especial, o enorme
significado que representam para a humanidade os progressos alcançados
pelos portugueses nas suas viagens por mares desconhecidos e ao longo de
margens costeiras nunca anteriormente visitadas; na sua opinião, estas
suas viagens viriam a permitir o relacionamento e as trocas com outros
povos, de forma a que todo o mundo se visse como num espelho. O
avanço pelo Atlântico possibilitara, a seu ver, um diálogo civilizacional
entre as várias partes do mundo, facto que não passaria despercebido pelo
que os autores alemães exprimem acesos e rasgados louvores à arte de
navegar, referenciando com apreço as árduas iniciativas de portugueses e
espanhóis.
Olhar e compreender o mundo nesta sua nova dimensão torna-se o lema
dos letrados coevos. Já no dealbar do século XVI, o humanista alemão
Simon Grynaeus apontava a necessidade de conhecer todos os povos do
mundo, frisando que o conhecimento de outros povos, outros costumes e
credos seria, a seu ver, mais proveitoso do que a leitura de "muitos outros
livros que nos nossos tempos se teriam escrito sobre a fé".2
2. "[...] viel andern Büchern die zu unsern Zeitten von dem Glauben geschrieben wurden".
Simon Grynaeus, Die New Welt..., Estrasburgo, 1534, prólogo.
38 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
A recepção da cultura dos Descobrimentos demora, no entanto, algum
tempo, decorrendo em várias etapas representativas do ambiente cultural
germânico. Inicialmente importa reunir um vasto caudal de dados capazes
de formular uma primeira visão de conjunto dos acontecimentos.
Compilando, lado a lado, os textos mais significativos das viagens de
Descobrimentos, poder-se-ia delinear uma visão geral do encontro com a
novidade elaborando-se, o que poderemos chamar, a primeira antologia
das viagens marítimas.
A descoberta de novos mundos, inicialmente propagada por nautas,
mercadores, livreiros e eruditos em pequenos textos informativos, viria a
ser coligida numa publicação exemplar. Tendo em mente apreender o
desenrolar do percurso histórico organiza-se uma visão de conjunto das
diferentes etapas de expansão no mundo ultramarino. Em 1508 vinha,
pois, a lume em Nuremberga a Newe unbekandte..., versão alemã de um
título publicado no ano anterior na Itália: os Paesi novamente retrovati.3
Tal como Jobst Ruchamer, o tradutor, afirma no seu prólogo é a novidade
das informações que o leva a verter rapidamente este livro para o alemão
na ânsia de que outros leitores possam conhecer este mundo novo. O facto
de se tratar de realidades completamente ignoradas, como a existência de
ilhas habitadas de homens, afinal, adamitas surge como algo de extraor-
dinário e estonteante, até então considerado impossível. Daí que
informações como esta venham a significar, por um lado, a introdução de
dados contrários aos defendidos pelos autores da Antiguidade Clássica,4
logo em contradição com eles, por outro lado, venham a inaugurar uma
nova ordem do saber. Os novos dados ao formularem que a terra a sul da
linha equatorial seria habitada - teoria refutada pelos autores da
Antiguidade Clássica -, geravam, indubitavelmente uma confrontação com
os quadros do saber herdado e encorajavam ao conhecimento do mundo
na sua dimensão universal. As viagens dos Descobrimentos avivam a
confiança no ser humano que não hesita em avançar por mares e terras
ignotos, contribuindo para a criação de um mundo novo.
Esta obra em seis livros apresenta nos dois primeiros a relação de Luís de
Cadamosto sobre a sua viagem ao longo da costa ocidental africana até ao
Senegal e Cabo Verde, de onde seguiria, até ao rio Gâmbia, então acom-
3. Fracanzio da Montalboddo, Paesi novamente retrovati..., Vicenza, 1507.
4. Sobre os conhecimentos relativos ao continente africano antes do descobrimentos
portugueses, veja-se Michael Herkenhorff, Der dunkle Kontinent. Das Afrikabild im
Mittelalter bis zum 12. Jahrhundert, Pfaffenweiler, 1990; Luís de Albuquerque, Introdução à
História dos Descobrimentos Portugueses, 3ª edição revista, Lisboa, s.d., em especial, pp.
105-179.
A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 39
panhado pelo genovês Antoniotto Usidomare. No texto de Luís de
Cadamosto teremos o ensejo de conhecer a primeira descrição referente a
estas regiões da costa africana, bem como o diálogo estabelecido entre os
viajantes e os povos costeiros, sendo por certo esta a razão da sua inclusão
nesta obra. Aqui encontraremos ainda os textos referentes às expedições
de Pedro Álvares Cabral, Américo Vespúcio e Cristovão Colombo, como
também cartas escritas, em grande parte, durante a viagem de Pedro
Álvares Cabral, entre estas, uma epístola do rei português ao sumo
pontífice, onde se afloram questões relacionadas com o comércio das
especiarias. Por fim, esta edição acrescenta uma tabela relativa à origem e
ao preço de cada um dos produtos orientais, distanciando-se curiosa e
significativamente do texto original.
A composição desta obra, ao desenhar a costa ocidental africana,
reconstruir a imagem da Índia e traçar o perfil de um novo continente
segundo descrições de viajantes que viram e descreveram os locais
visitados, constituiria um documento ímpar para o conhecimento das
novas regiões e gentes, isto é, para a definição do encontro com a
novidade.
Esta antologia, vinda a lume em várias edições, permaneceria uma
composição única, a que se adicionariam alguns dados mais recentes. É o
caso da edição de 1532/1534,5
em que a antologia será a grande parte do
corpus documental. Simon Grynaeus, o seu autor,6
com vista a apresentar
o mundo na sua totalidade, reedita esta antologia, a que irá compilar
interessantemente textos concernantes ao mundo já conhecido. Um
conhecimento global do orbe terráqueo tornava necessária uma recolha
não só das novidades reveladas pelas viagens dos descobrimentos, mas
também dos fundamentos do mundo já existentes ou redefinidos, mas até
há pouco desconhecidos. Esta sua publicação compõe-se, por isso, de duas
partes distintas, mas perfeitamente complementares. Isto é, com as viagens
por mar e por terra, o globo adquire uma nova dimensão e,
consequentemente, uma outra configuração. O mundo tal como era
conhecido e o mundo recém-descoberto reformulam-se. No vivo desejo de
transmitir informações referentes às diversas regiões do mundo, Simon
5. Simon Grynaeus, Novus Orbis..., Basileia, 1532. Tradução em língua alemã de Michael
Herr, Die New Welt..., Estrasburgo, 1534.
6. Simon Grynaeus em primeira linha um teólogo, leccionou as cátedras de teologia e de
grego na Universidade de Heidelberga e, mais tarde, na de Basileia. Foi um profundo
conhecedor dos autores clássicos, tendo editado obras de Aristóteles, Platão, Euclides,
Ptolomeu, Plutarco, Aristofanes, Tito Lívio, entre outros. Além disso, S. Grynaeus foi um dos
teólogos prostestantes mais activos durante a Reforma. O seu discurso de humanista e de
reformador são as duas vias de uma mesma atitude existencial.
40 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
Grynaeus7
compila esta obra que viria a público com uma carta-mundi da
autoria de Sebastian Münster - também uma iniciativa de caracterizar, aqui
visualmente, o espaço terrestre.
Simon Grynaeus reune na sua colecção, o texto de Luís de Cadamosto,
bem como os também já traduzidos por Jobst Ruchamer, escritos de
Cristovão Colombo, de Américo Vespúcio Mundus Novus e as relações
sobre a Índia, a que agora junta Ludovico Varthema,8
Marco Polo, Petrus
Martyres e outros relatos sobre os "povos poderosos do mundo antigo
conhecido".9
O autor edita ainda uma carta de D. Manuel I ao pontifíce
Leão, em que o soberano português lhe comunica os feitos dos
portugueses na Índia.10
Tendo em consideração a diversidade regional,
Simon Grynaeus atenta recolher a imagem global, no intuito de construir
uma nova concepção espacial do mundo. O tradutor da edição alemã,
Michael Herr,11
dá forma a esta concepção no seu título:
"O novo mundo, as terras e ilhas até agora desconhecidas por todos os
escritores antigos do mundo, há pouco tempo, todavia, descobertas pelos
portugueses e espanhóis no mar de baixo. Juntamente com usos e
costumes dos povos habitantes. Também o que descobriram de produtos e
mercadorias entre eles, trazendo-os para a nossa terra. Aqui encontra-se
também a origem e a nossa antiga tradição dos povos poderosos e
7. Veja-se Max Böhme, Die großen Reisesammlungen des 16. Jahrhunderts und ihre
Bedeutung, Amsterdão, 1968, em especial, pp. 49-60, em que se anota que Simon Grynaeus
teria sido ajudado por Hervagio e J. Huttich na elaboração desta obra. Henry Harrisse, Bi-
blioteca Americana, A description of works relating to America published between the years
1492 and 1551, Nova Yorque, 1967 adianta, por sua vez, que Simon Grynaeus só teria
redigido o prólogo desta mesma obra, pelo que alguns autores baseados neste facto a
mencionem como a "Collectio Huttichio-Grynaeo-Hervagiano. Sobre esta colecção, veja-se
também Michel Korinman, Simon Grynaeus et le "Novus Orbis": Les Puvoirs d'une
Collection, In: Jean Céard e Jean-Claude Margolin (Ed.), Voyager à la Renaissance, Paris,
1987, pp. 419-431.
8. A obra de Ludovico Varthema seria editada pela primeira vez, em Roma, no ano de 1510.
Ludovico Varthema viajara entre os anos 1503-1507 pela Síria, Arábia, Pérsia e Índia, tendo
reunido várias informações, que então viriam a público. No ano 1515 seria traduzida e
publicada na Alemanha sob o título Die ritterlich und lobwirdig rays des gestrengen und
über all anderweyt erfarnen ritters und Landfarers herren Ludovico Vartomans...
9. "[...] gwaltigsten völcker der altbekanten welt".
10. Esta carta já tinha sido publicada no ano de 1521: Epistula invictissimi regis portugaliae
ad Leonem.
11. O autor, Michael Herr, para além de ser médico, comunga igualmente de uma dedicação
pelos autores clássicos, tendo publicado traduções das obras de Plutarco e de Seneca. Seria
ainda o tradutor da relação de viagem de Ludovico Vartema. Note-se o facto de se encontrar
mais uma vez um médico como tradutor. Com efeito, a medicina contemporânea era essen-
cialmente uma ocupação com os textos clássicos, revelando-se, deste modo, importante a sua
função interpretativa e linguística.
A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 41
príncipes do mundo antigo conhecido, assim, como os Tártaros, Mosco-
vitas, Russos, Prussianos, Húngaros, Eslavos, etc.".12
No prólogo, Simon Grynaeus defende a opinião de que seria
imprescendível estudar todas as regiões do mundo e todos os povos
recém-descobertos se se pretendia alcançar um maior e mais profundo
conhecimento da humanidade; o contacto e a confrontação com outros
costumes, outros credos oferecia, a seu ver, valiosos pontos de análise e
comparação, deveras, indispensáveis ao conhecimento dos povos europeus
e à concepção humana em geral.
O livro de Simon Grynaeus, publicado uma só vez em alemão, conheceria
várias edições em latim13
e ainda uma versão holandesa, no ano de 1563.
Cotejando a edição italiana e as alemãs respectivamente de 1508 e 1534,
verificamos algumas divergências que convém salientar. Vejamos. Se já
na edição de 1508 se poderiam assinalar algumas alterações em relação à
edição italiana no que respeita aos títulos dos respectivos capítulos, sendo
estes como que um pequeno resumo do capítulo afim, e embora não se
pretenda efectuar uma análise exaustiva dos métodos e qualidades das
traduções, o certo é que urge assinalar uma frequente interferência do
tradutor, neste caso Jobst Ruchamer. Assim, quando Luís de Cadamosto
refere que no final da sua descrição do reino do Senegal:"Di altri animali
non ne ho avuto informazione salvo de' sopradetti",14
Ruchamer precisa,
mencionando a inexistência de girafas ou outros animais selvagens, como
se esta frase também tivesse saído da pena de Cadamosto.15
Verifica-se
uma necessidade, por parte do tradutor, de precisar a informação
recorrendo a exemplos de animais conhecidos mas extraordinários e
12. Título em alemão: Die New Welt, der Landschaften vnnd Insulen, so bis hie her allen
altweltbeschrybern vnbekannt, jungst aber von den Portugalesern vnnd Hispaniern jm
nidergenglichen Meer herfunden. sambt den sitten vnnd Gebreuchen der Inwonenden
Völcker: auch was Gütter oder Waren man bey jnen funden, vnd jnn vnsere Landt brach hab.
Do bey findt man auch hie den Vrsprung vnd alt herkummen der fürnemsten gwaltigsten
Völker der altbekanten Welt, als do seindt die Tartaren, Moscouiten, Reussen, Preussen,
Hungern, Sschlafen, Etc.
13. Edições latinas nos anos de 1537, 1555 e 1616. Nesta última edição seria reunido um
outro texto português, o de Gaspar Barreiros, Commentarivs de Ophyra Regione, Coimbra,
1561. Nesta obra G. Barreiros procura abordar a questão da localização de Ofir segundo as
perspectivas de vários autores. Este texto tinha sido publicado pela primeira vez em Coimbra,
no ano de 1561, fazendo parte da sua Chorographia e em 1600 em Antuérpia como texto
isolado.
14. Navegações de Luís de Cadamosto, ed. Giuseppe C. Rossi, Lisboa, 1944, p. 52 (segundo
a edição de Vicenza, 1507).
15. "Ich habe auch vernümen das dysem lendem kein Zyraffen/ vnd mancherley andere wilde
Tiere". Newe unbekanthe Landte..., Nuremberga, 1508, Cap. xxix. (sem pág).
42 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
invulgares. Ao referenciar a girafa, Ruchamer chama a atenção para a
busca incessante de animais exóticos característicos de terras longínquas e
distantes. É visível ainda uma certa dificuldade em verter determinadas
palavras ainda não correntes do quotidiano europeu.
No que tange à edição de 1534 deparamos de igual modo com uma
interferência do tradutor. Apostando numa reprodução total do texto, o
portador de novas realidades procura atribuir mesmo aos nomes regionais
e geográficos uma designação alemã, retocando, muitas vezes, com
informações. Assim, não se fala de "mohren", o mouro da Guiné, mas de
"schwarzen mohren" de mouros negros, visto que o conceito poderia ser
equívoco. Quando descreve a cidade de Tunes, acrescenta que é a capital
da Barbaria em África e ao mencionar o rio Nilo comenta que Plínio se lhe
referenciaria no quinto livro da sua História Natural.16
Estes pequenos
comentários denotam a tentativa de tornar o texto, a seu ver, mais
compreensível, ou seja, autentificar conceitos consoante uma autoridade
no intuito de os aproximar da realidade conhecida. Isto é: Luís de
Cadamosto escreve o seu texto sem recorrer a qualquer autoridade, mas
Michael Herr necessita de citar Plínio para comprovar as afirmações do
nauta veneziano ao serviço do monarca português. Neste cotejo
deparamos, pois, com duas atitudes epistemológicas: enquanto Luís de
Cadamosto se baseia naquilo que ele próprio observou ou ouviu dizer, os
tradutores alemães, tanto Jobst Ruchamer como Michael Herr, recorrem
aos depoimentos da Antiguidade Clássica para confirmarem ou
complementarizarem as notícias dos relatos de viagens. Se num caso o
conhecimento se apoia na experiência pessoal, no outro é o saber
heurístico fundado na análise e interpretação que determina o acto de
conhecer.
No mesmo ano da tradução de Michael Herr (1534) viria a público o
Weltbuch de Sebastian Franck, obra esta que, como o próprio título indica,
visa formular uma descrição do mundo repartida por quatro capítulos,
correspondentes precisamente aos quatro continentes. Nesta publicação,
Sebastian Franck, que pretende realizar um compêndio dos conhecimentos
contemporâneos, procede a mais uma edição da antologia da novidade.
E curiosamente será no capítulo em que aborda o continente americano
que o autor inseriu os textos relativos às viagens dos Descobrimentos,
onde assim poderemos reencontrar os nomes de Luís de Cadamosto, Pedro
Álvares Cabral, Cristovão Colombo e Américo Vespúcio, em suma, a
16. "Inn Klein Africa, das ist ein haupstatt der Barbarey"; Plinius hat auch davon geschreiben
jm funfften büch seiner Natürlichen Historien" Simon Grynaeus, Die New Welt, Estrasburgo,
1534, Cap. XIIII (sem pág.)
A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 43
célebre antologia italiana. A publicação destes textos não é, per si,
estranha, dado que já tinham sido impressos e eram conhecidos; singular
é, sem dúvida, o facto de num capítulo sobre a América, aparecerem rela-
tos referentes às costas africanas e ao Oriente.
O Weltbuch de Sebastian Franck será reeditado, sem qualquer alteração,
em 1542 e 1567. As razões prementes para a publicação da antologia na
Itália continuam a ser as mesmas ao longo do século XVI pelo que esta
obra permanece, na Europa, como a visão de conjunto das viagens além-
mar. Ela constituiria o primeiro registo da novidade dos Descobrimentos
sem fronteiras espaciais ou temporais.17
O interesse editorial pela empresa descobridora não esmoreceria e, mais
tarde, surgiriam outras colecções de viagens igualmente desejosas em
contribuirem para a divulgação dos feitos marítimos. Ao compilarem
escritos representativos das descobertas além-mar, as colecções de viagens
visavam manter aceso este interesse pelo mundo ultramarino e daí o
empenho dos seus organizadores em obterem informações ilustrativas
sobre estes novos mundos do mundo. Recordemos Valentim Fernandes, os
Paesi novamente retrovati e as suas versões em língua alemã, os volumes
de Giovanni Battista Ramusio, Sigmund Feyerabend, Levinus Hulsius e da
família Bry.
A colecção de Giovanni Battista Ramusio constitui um importante
contributo no que respeita à grande quantidade de informações recolhidas,
bem como à organização do material. As Navigazioni et Viaggi surgem no
ano de 1550 em Veneza, mais precisamente o seu primeiro volume,
seguindo-se em 1556 o terceiro,18
enquanto o segundo só apareceria em
1559. O quarto volume nunca viria a ser editado.19
No primeiro volume, Giovanni B. Ramusio colige as grandes notícias
referente à circum-navegação de África, à chegada dos portugueses à
Índia e ao descobrimento da América. No segundo volume este atento
letrado torna conhecidas outras descrições portuguesas,20
como é o caso
17. Após a primeira edição em Vicenza, 1507, seguem-se outras edições na Itália (1508,
1512, 1517, 1519, 1521) na Alemanha (1508, 1534, 1542, 1567) na França (1515, 1516,
1521, 1528, 1529) e em latim nos anos de 1508, 1532, 1537, 1555 e 1616 (esta última com
grandes alterações).
18. Volume que Joachim Heller utilizou para traduzir o texto de Francisco Álvares e Andrea
Corsali.
19. Veja-se G. B. Ramusio, Navigazioni et Viaggi, ed. Marica Milanesi, 6 vols, Torino, 1978-
1980.
20. Ramusio estabeleceria vários contactos, a fim de recolher o máximo de material existente
sobre as viagens marítimas. O seu interesse pela relação de Francisco Álvares leva-o a dirigir-
se a Damião de Góis, na Holanda, pedindo-lhe um exemplar. Este envia-lhe, de facto, uma
cópia do seu texto, mas pouco depois seria editada a obra de Francisco Álvares em Portugal
44 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS"
de Il libro delle Indie orientali di Duarte Barbosa, de Il sommario di
Regni, città popoli orientali di Tomè Pires21
e de alguns capítulos de João
de Barros Sei capitoli dell Asia di João de Barros, cuja obra já tinha sido
publicada em Lisboa, no ano de 1552, bem como os escritos de Francisco
Álvares e de Andrea Corsali. Os textos de Duarte Barbosa e de Tomé
Pires impressos pela primeira vez nesta obra revelam valiosas informações
sobre a costa oriental africana e a Índia, sendo Duarte Barbosa o primeiro
português a escrever sobre Sofala e o reino do Monomotapa.
Logo, no prólogo, Giovanni Battista Ramusio tece um rasgado e caloroso
elogio ao cronista João de Barros pelo valioso material recolhido e
apresentado nas suas obras, salientando, em especial, o enorme valor
documental dos aspectos geográficos tão destacados e desenvolvidos por
este historiador português, questão esta fulcral na selecção que Giovanni
Battista Ramusio fez da Ásia. O erudito italiano iria, assim, privilegiar
alguns textos relativos à costa ocidental africana e hinterland, à situação
geográfica da Índia e da costa oriental africana, um capítulo sobre o conti-
nente asiático, onde aborda em pormenor o reino da China, e termina esta
selecção com Sofala e o reino do Monomotapa.22
O terceiro volume
aborda a Índia ocidental segundo textos de Ferdinando Oviedo, Fernando
Cortés e Jacques Cartier.
A obra de Giovanni Battista Ramusio apresenta, de facto, no seu plano
algo de novo. O material não é, pois, organizado segundo as etapas da
empresa marítima, como acontece nos Paesi novamente retrovati, nem
pretende ser uma tentativa de descrever o mundo numa estreita articulação
entre o mundo antigo e o novo, como em Simon Grynaeus. É, na verdade,
a ideia da homogeneidade do mundo e de preencher as zonas pouco
conhecidas que coordena a ordenação de material.23
(1540), que Ramusio encomendaria igualmente, trabalhando, desta forma, com os dois
exemplares. As iniciativas levadas a cabo para reunir o material respeitante à viagem de
Francisco Álvares seriam por ele próprio registadas no seu prólogo, também traduzido por
Joachim Heller.
21. As relações de Duarte Barbosa e de Tomé Pires seriam publicadas em Portugal somente
no século XIX e XX, respectivamente.
22. As suas descrições geográficas precisas sobre o continente africano, em especial sobre
Monomotapa e Sofala, viriam a ter grande influência na cartografia. Veja-se Avelino da
Teixeira Mota, A Cartografia Antiga da África Central e a Travessia entre Angola e
Moçambique (1500-1860), Lourenço Marques, 1964, pp. 25-28.
23. Veja-se a introdução da edição de Marica Milanesi, op. cit., e ainda da mesma autora,
"Giovanni Battista Ramusios Sammlung von Reiseberichten des Entdeckungszeitalters 'Delle
Navigazioni e Viaggi' (1550-1559) neu betractet", In: Reiseberichte als Quellen europäischer
Kulturgeschichte, ed. Antoni Maçzak e Hans Jürgen Teuteberg, Wolfenbüttel, 1982, pp. 33-
44.
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Conhecimentos sobre África na Europa dos séculos XVI e XVII

  • 1. Marília dos Santos Lopes DA DESCOBERTA AO SABER Os conhecimentos sobre África na Europa dos séculos XVI e XVII Passagem Editores Viseu 2002
  • 2. SUMÁRIO   Nota prévia Introdução 7 9 1. 1.1 "Coisas Maravilhosas e Até Agora Nunca Vistas" As Viagens Marítimas Portuguesas e a Proliferação das Informações na Europa 19 20 1.2 A Primeira Fonte dos Descobrimentos: A Antologia da Novidade 36 2. 2.1 Em Viagem Norte de África: O Velho Mundo 49 49 2.2 Guiné: A Caminho de um Mundo Novo 69 2.3 Congo: Missionação a Sul do Equador 94 2.4 O Sul de África e os Hotentotes 103 2.5 Monomotapa: O Reino do Ouro 117 2.6 A Etiópia e o Lendário Preste João das Índias 124 3. 3.1 Em Diálogo com as Novidades Os Horizontes Geográficos 135 135 3.1.1 A Descoberta de um Novo Mundo 136 3.1.2 "Nova África" 150 3.1.3 Do Reconhecimento à Descrição Global do Mundo 160 3.2 Usos e Costumes de todo o Mundo 171 3.2.1 O Africano: Ser Fabuloso ou Gente? 171 3.2.2 "Gabinetes de Curiosidades" em Livro 188
  • 3. 3.3 Deus e as Crenças Alheias 201 3.3.1 Um Desafio ao Cristianismo 201 3.3.2 Cristãos, Muçulmanos, Judeus e Pagãos em África 219 3.4 Dimensões Históricas 231 3.4.1 África na História da Humanidade 231 3.4.2 A História de África 247 3.5 África: Um Tema na Ciência e na Literatura 256 3.5.1 Línguas Exóticas: Reorganização da Nova Babilónia 256 3.5.2 Ciências da Natureza: Registo e Classificação 265 3.5.3 Literatura: Heróis em África 270 Conclusão 285 Bibliografia 291 Fontes 291 Obras de Consulta 303
  • 4. Nota prévia Passados dez anos após a conclusão deste trabalho em língua alemã, é um projecto ousado apresentá-lo ao público português. Apesar de tudo, optámos por aceitar o desafio, cedendo às solicitações de colegas e alunos, que, com toda a ingenuidade que a amizade provoca, demonstraram interesse em conhecê-lo. Vem, assim, a lume a versão portuguesa da minha tese "Afrika. Eine Neue Welt in deutschen Schriften des 16. und 17. Jahrhunderts" que, aprovada sob a orientação do Prof. Dr. Eberhard Schmitt pela Universität Bamberg em 1991, obteve equivalência ao grau de Doutor em Letras pela Universidade de Coimbra em 1997. Apresento, portanto, um texto, que é espelho de um saber de há dez anos, tanto em referências bibliográficas como em reflexões teóricas. Tendo em consideração as fontes analisadas, em grande parte desconhecidas do público português, e a temática ainda actual, a década entretanto passada não retira, penso eu, utilidade à leitura deste estudo. O projecto inicial implicou uma longa estada de investigação em Universidades e Bibliotecas alemãs e contou com o apoio de muitas instituições entre as quais o Deutscher Akademischer Austauschdienst, a Dr. Günther-Findel-Stiftung da Herzog August Bibliothek em Wolfenbüttel e a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Aqui lhes deixo expressão do meu reconhecimento. Também contou com o apoio de muitas e muitas pessoas, das quais gostaria de destacar o saudoso Mestre Professor Doutor Luís de Albuquerque. Se agora encontrar mais um leitor português tão interessado e benevolente, como foi o meu Mestre na elaboração do projecto, o esforço da editora teria a sua recompensa. Viseu, Dezembro de 2001
  • 5. Introdução O estudo da História da Expansão Europeia abrange um vasto caudal de diferentes questões e problemas que metodologicamente poderemos agrupar em dois eixos temáticos. Enquanto um tem por fim analisar a história da empresa ultramarina, o outro vocaliza o seu estudo para as ressonânias culturais deste fénomeno. O interesse em delinear a História dos Descobrimentos supõe acompanhar as grandes viagens que, zarpando da Europa, cruzaram mares ignotos até avistarem novas regiões. Um dos nomes mais evidenciados e, por isso, profusamente associado à Época dos Descobrimentos é o do navegador Cristovão Colombo, principalmente, quando se comemoram os 500 anos da descoberta da América. O grande feito de Colombo sobreeleva-se na memória colectiva a qualquer outro acontecimento histórico mais antigo ou coetâneo: antes de o mareante genovês aflorar a América já muitos outros nautas se tinham feito ao mar, também com o propósito de descobrir a misteriosa e faustosa Índia. A Vasco da Gama caberia, em 1498, realizar este velho sonho europeu. Mas o estudo da História da Expansão não se limita única e simplesmente a uma reconstrução das sucessivas e inauditas descobertas marítimas. A abordagem histórica alastra-se, pelo contrário, a todos os fenómenos culturais resultantes, directa ou indirectamente, das viagens, mormente, o que se convencionou designar por "Auto-descoberta da Europa".1 Isto é: o impacto do descobrimento de um novo e ignorado mundo no fluir dos meios intelectuais europeus. Com efeito, o engrandecimento geográfico do orbe terráqueo e a entrada de novos povos e civilizações na consciência europeia desencaderia um processo cultural não menos importante que as consequências provocadas pela chegada dos navios europeus além-mar. Neste contexto, desenvolveu-se científica e didacticamente nos últimos anos na Alemanha uma área de investigação, cujo escopo é aprofundar essencialmente quais as ressonâncias advindas das viagens marítimas na constituição (e consolidação) do que se viria a chamar a realidade europeia perante a dos Outros, a não-europeia.2 No que concerne ao 1. Sobre o conceito "Selbstentdeckung Europas" veja-se Karl Heinz Kohl (Ed.), Mythen der Neuen Welt, Zur Entdeckungsgeschichte Lateinamerikas, Berlim, 1982, sobretudo, pp. 13-21. 2. Veja-se Hans-Joachim König, Wolfgang Reinhard e Reinhard Wendt (Ed.), Der euro- päische Beobachter außereuropäischer Kulturen, Zur Problematik der Wirklichkeitswahr- nehmung, Berlim, 1989 e o aturado estudo de Donald F. Lach, Asia in the making of Europe, 2 vols, 5 books, Chicago, 1970-1977. Tendo em atenção o exemplo do continente asiático, Lach, com um enorme corpus documental, demonstra como o crescente contacto com o
  • 6. 10 INTRODUÇÃO impacto da empresa descobridora e, naturalmente, da "Cultura dos Descobrimentos"3 poderemos ainda atestar que e, principalmente no que tange os séculos XVI e XVII, existe um vasto leque de questões em aberto, nomeadamente no que se relaciona à recepção dos conhecimentos do mundo ultramarino em países da Europa Central não directamente envolvidos na actividade marítima. Não obstante as notáveis investigações de Eberhard Schmitt4 e de Wolfgang Reinhard,5 a quem cabe o mérito de terem introduzido, na Alemanha, esta área historiográfica, a grande maioria de trabalhos académicos tem ainda por mira os descobrimentos e a sua repercussão no Ultramar. Os estudos inovadores de Urs Bitterli6 abririam então algumas portas à temática relacionada com a ressonância de outros mundos na Europa, procurando, no entanto, em primeira linha debuxar o modelo desenvolvido ao longo do que recentemente se tem designado por encontros culturais. Um especial interesse pelo facto de as viagens marítimas serem, desde muito cedo, assunto de debate dos letrados é o tema que Dieter Wuttke desenvolveu recentemente para o círculo de humanistas alemães,7 que apaixonadamente seguiam o divulgar das novas geográficas, observação esta que se poderá estender também a outros grupos de intelectuais das diversas áreas de saber dos séculos XVI e XVII. Neste amplo e vasto debate sobre a alteração da imagem conceptual do orbe terráqueo, os novos conhecimentos referentes ao continente africano não foram até agora, não obstante ocupem um lugar relevante, tema de desconhecido traz, em vários campos temáticos, profundas alterações na arte, literatura, filosofia, em suma, na consciência cultural europeia. 3. Sobre este conceito de "Cultura dos Descobrimentos", veja-se o notável estudo de José Sebastião da Silva Dias, Os Descobrimentos e a Problemática Cultural do Século XVI, Coimbra, 1973 e as pesquisas inovadoras de Luís Filipe Barreto, Descobrimentos e Renas- cimento, Formas de ser e pensar nos séculos XV e XVI, Lisboa, 1983; Os Descobrimentos e a Ordem do Saber, Uma análise sociocultural, Lisboa, 1987 e Portugal - Pioneiro do Diálogo Norte/Sul, Para um modelo da Cultura dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1988. 4. Eberhard Schmitt (Ed.), Dokumente zur Geschichte der europäischen Expansion, Munique, 1984-1989. 5. Wolfgang Reinhard, Geschichte der europäischen Expansion, Estugarda/ Berlim/ Colónia/ Mainz, 1983-1985. 6. Veja-se Urs Bitterli, Die Entdeckung des Schwarzen Afrikaners, Versuch einer Geistesgeschichte der europäisch-afrikanischen Beziehungen an der Guineaküste im 17. und 18. Jahrhundert, 2ª ed., Zurique, Freiburg, 1980; Die "Wilden" und die "Zivilisierten", Grundzüge einer Geistes- und Kulturgeschichte der europäisch-überseeischen Begegnung, Munique, 1976 e Alte Welt - neue Welt, Formen des europäisch-überseeischen Kulturkontakts vom 15. bis zum 18. Jahrhundert, Munique, 1986. 7. Dieter Wuttke, Humanismus in den deutschsprachigen Ländern und Entdeckungs- geschichte 1493-1534, Bamberg, 1989.
  • 7. INTRODUÇÃO 11 uma análise detalhada. Convém salientar alguns trabalhos percussores no que tange o processo de recepção histórica, como sejam - para além dos já mencionados trabalhos de Urs Bitterli - as pesquisas da escola de Viena sob a orientação de Günther Hamann,8 nomeadamente, as teses de Sitta Klement-Kleinschmidt9 e de Alfred Kohler.10 Uma apresentação sistemática da imagem de África na literatura europeia do século XVI foi o tema apresentado por William Graham Lister Randles; tendo o sudoeste africano como objecto de estudo, Randles investiga os inícios do processo de contacto com estas novas informações.11 O facto de as fontes concernantes à imagem de África,12 entre elas as relações de viagens, serem de assaz significado histórico, mormente, para os estudos etnográficos, levou autores, como Beatrix Heintze e Adam Jones, a publicarem cuidadas edições, críticas e comentadas,13 que, juntamente com as reflexões alusivas ao género e teor das fontes, constituem um valioso e inestimável contributo para a história de África.14 A análise que nos propusemos fazer visa primamente esboçar o processo de recepção e proliferação das notícias sobre África nos escritos alemães dos séculos XVI e XVII, tendo em vista perscrutar, tanto quanto possível, como é que este evento influenciou, e de que forma, a discussão intelectual coeva. Não temos em mira abordar o processo da empresa marítima em si, nem mesmo como decorreu o denominado encontro de culturas, mas antes definir o fenómeno cultural desencadeado pela chegada das novas geográficas. Isto é: de que maneira, e em que etapas é que as notícias do novo mundo vieram a público e ainda como se foram afirmando nos discursos alemães coetâneos. O objectivo fulcral deste 8. Günther Hamann, Der Eintritt der südlichen Hemisphäre in die europäische Geschichte, Viena, 1968. 9. Sitta Klement-Kleinschmidt, Die ostafrikanische Küste zu Beginn des 16. Jahrhunderts, entworfen nach dem Tagebuchbericht Hans Mayrs und ergänzt durch zeitgenössische Quellen, Diss. Viena, 1972. 10. Alfred Kohler, Die Entwicklung des Afrikabildes im Spiegel der einschlägigen historisch geographischen Quellen süddeutscher Herkunft, Diss. Viena, 1966. 11. William Graham Lister Randles, L'image du Sud-Est Africain dans la Littérature Européenne au XVIe Siécle, Lisboa, 1959. 12. Veja-se Walter Hirschberg, Monumenta Ethnographica, Frühe völkerkundliche Bilddokumente: Schwarzafrika (1508-1727), Graz, 1962. 13. Adam Jones, German Sources for West African History 1599-1669, Wiesbaden, 1983 e do mesmo Brandenburg Sources for West African History 1680-1700, Estutgarda, 1985. 14. Adam Jones, Zur Quellenproblematik der Geschichte Westafrikas 1450-1900, Estugarda, 1990; veja-se também Beatrix Heintze e Adam Jones (Ed.), European Sources for Sub- Saharan Africa before 1900: Use and Abuse, in: Paideuma, Mitteilungen zur Kulturkunde 33, Wiesbaden, 1987.
  • 8. 12 INTRODUÇÃO trabalho visa, por isso, ir de encontro à lógica e à fundamentação, aos comportamentos justificativos e às estruturas argumentativas apresentados e desenvolvidos nos escritos dos séculos XVI e XVII. Empenhando-se veemente em darem a conhecer aos seus leitores as realidades extraordinárias recém-descobertas, estes textos expressam o vivo desejo de integrar as novas geográficas na ordem do mundo. Aqui surge um vasto rol de questões, nomeadamente no que respeita ao conteúdo e significado das informações esquissadas pelos viajantes, às vias de difusão, aos mentores da divulgação, aos círculos activantes, aos interesses motivadores da recepção, bem como às profundas e crassas mudanças forjadas na visão do mundo que, indubitavelmente, se iriam instaurar nas correntes de pensamento contemporâneas. Designar o continente africano de novo mundo e apresentar a recepção dos conhecimentos referentes a esta parte do globo como exemplo de um processo cultural vivido na Europa dos séculos XVI e XVII, constitui uma tese que urge provar. Com efeito, na generalidade, o conceito de Novo Mundo aplica-se exclusivamente à América. Mas, se olharmos para as fontes do século XVI e ainda do século XVII, poderemos aferir que a individualização e a compreensão deste conceito, que originariamente seria entendido mais amplamente, é o produto de um percurso conceptual. Na verdade foram os mesmos interesses e as mesmas iniciativas que levaram as caravelas a partir da Europa e a navegar em diversas direcções ao encontro de outros continentes. O novo mundo não foi somente América. Daí que fosse mais correcto falar de Novos Mundos,15 dado que também a Ásia e - cronologicamente - e, em especial, a África faziam parte de uma mesma realidade histórica. O hemisfério sul do continente africano seria para os letrados europeus tão desconhecido como o continente que recebeu de um geógrafo alemão o nome de Américo Vespúcio. Aliás, seria este mesmo nauta que, ao testemunhar um desconhecimento total em relação a estas terras, o denominaria de Novo Mundo. África, pelo contrário e, no que respeita às regiões do norte - não podemos esquecer a história bíblica - seria já bem familiar. Mas o que existia para além destas regiões? Muito se viria a descobrir, mormente, que a África se estenderia longamente para sul, que, indo contra o esperado, era habitada. Estes seriam alguns dos dados que desencaderiam o espanto dos viajantes, 15. Sobre este conceito, veja-se Ulrich Knefelkamp e Hans-Joachim König, Die Neuen Welten in alten Büchern, Entdeckung und Eroberung in frühen deutschen Schrift- und Bild- zeugnissen, Bamberg, 1988.
  • 9. INTRODUÇÃO 13 bem como dos que recebiam os seus relatos. Nasceria, assim, a ideia de um mundo novo. Sim, como teremos ensejo de ver, os homens dos séculos XVI e XVII nem sabiam onde localizar tais insólitas informações. Assim e, uma vez que as viagens marítimas tinham um objectivo comum, os resultados e as conquistas seriam, inicialmente, apreendidos e interpretados no seu conjunto. Se se tratavam de notícias vindas da África, da América ou do Oriente pouco interessava. Na sua globalidade seriam uma estonteante novidade que merecia a maior atenção. Além disso, a América não foi a única descoberta que deu azo a que os europeus se sentissem senhores do mundo e descobrissem, com este evento, uma nova consciência. Não é nossa intenção diminuir, de algum modo, o significado da descoberta da América. Apenas consideramos que quando se escreve - como J.H.Elliot - que a Europa se teria redescoberto com a descoberta da América,16 se generaliza de alguma maneira. Não querendo deixar de salientar quão notáveis e fundamentais nos parecem as investigações de Elliott sobre o impacto da realidade ultramarina na Europa, gostaríamos de realçar que as suas conclusões, como pensamos poder comprovar, necessitam de uma contextualização. Com efeito, não é apenas a América o propulsor deste processo de avaliação e assimilação da consciência europeia. Daí que nos pareça ser o momento indicado para salientar alguns aspectos geralmente focados nas investigações sobre a descoberta da América e que merecem a nossa atenção. Vejamos um exemplo. O historiador Anthony Pagden escreve: "The impact of other discoveries had been to the areas they were discoveries in. Columbus's discovery, however, like the discovery of printing and Galileo's proof of the heliocentric theory, affected the whole of European culture."17 A sua afirmação sobre as descobertas de Cristovão Colombo é, naturalmente, um dado aceite; mas a ausência de referências a outras iniciativas ultramarinas surpreende de certa forma. Aliás, a distinsão feita em relação a este nauta não parece ter sido tão definitiva, pois, mais à frente, no seu escrito - também nas citações - serão referenciados e descritos acontecimentos considerados igualmente históricos, mormente, a circum-navegação do Cabo da Boa Esperança e a viagem de Vasco da Gama. É, por conseguinte, de admirar que Anthony Padgen associe o início do impacto dos descobrimentos na Europa apenas à descoberta da América: 16. J.H. Elliott, The Old World and the New 1492-1650, Cambridge, 1970, p. 72. 17. Anthony Pagden, 'The impact of the New World on the Old': The history of an idea, in: Renaissance and Modern Studies, vol. XXX, 1986, pp. 1-11, sobretudo, p. 7.
  • 10. 14 INTRODUÇÃO "A new world of European moral and social understanding had begun with the discovery of the new world of America."18 A posição exposta por J.E. Elliot e Anthony Padgen em relação à América deverá ser significativa e terminantemente aprofundada e até diferenciada através de uma análise da recepção das viagens de descobrimentos na globalidade. Os passos dados para inventar o novo mundo, América, como descreve Edmundo O'Gorman,19 deixam-se comprovar igualmente para outros continentes e outras regiões. E mais, não se trata apenas de um aumento de exemplos e factos, mas antes de um inconstestável reforço teórico da tese de Elliot, O'Gorman e também de Fraucke Gewecke:20 que o processo dos descobrimentos, sem querer esquecer factos particulares, não se poderá compreender se não atendermos às coordenadas europeias determinantes de todo este fenómeno; coordenadas estas que naturalmente se iriam adaptando e sofrendo alterações estruturais significativas ao longo dos anos de presença além-mar. Que a adaptação - e se quisermos a extensão - do conceito Novo Mundo a outros continentes poderá ser bem frutuoso e de toda a utilidade comprovam-no os notáveis trabalhos de Geoffroy Atkinson Les nouveaux horizonts de la Renaissance française21 e de Michel Mollat Les explorateurs du XIIIe au XVIe siècle. Premiers regards sur des mondes nouveaux.22 O processo de contacto com uma realidade estranha e desconhecida seria muito mais abrangente do que uma delimitação ao continente americano poderia dar resposta, uma vez que, ao pôr em causa as concepções preponderantes, iria obrigar os europeus a uma nova reorientação e conceptualização da visão do mundo até então vigente. Poder-se-á dizer que a descoberta de novos mundos, com as suas "novas novedades" faria estremecer os fundamentos prevalecentes, criando a necessidade de renovar as estruturas fundadoras do edifício conceptual no intuito de debuxar e compreender o mundo na sua nova cosmovisão planetária. Na verdade, com as viagens marítimas viriam à luz do dia pela primeira vez muitos factos completamente estranhos e desconhecidos que não se 18. Idem, p. 10. 19. Edmundo O'Gorman, The Invention of America, An Inquiry into the Historical Nature of the New World and the Meaning of its History, Westport, Connecticut, 1961. 20. Fraucke Gewecke, Wie die neue Welt in die alte kam, Estutgarda, 1986 também sobre o impacto da descoberta da América na Europa. Veja-se ainda F. Chiapelli (ed.), First Images of America: The Impact of the New World on the Old, Berkeley, Los Angeles, Londres, 1976. 21. Geoffroy Atkinson, Les nouveaux horizons de la Renaissance française, Genève, 1969 (1ª ed. 1935). 22. Michel Mollat, Les explorateurs du XIIIe au XVIe siècle. Premiers regards sur des mondes nouveaux, Paris, 1984.
  • 11. INTRODUÇÃO 15 tinham previsto. A estranha e estonteante novidade da existência de países e povos além-mar surgia assim como um desafio cultural, a que os europeus tinham de responder. Principalmente a multiplicidade e a diversidade desta outra realidade humana exigia, dos homens dos séculos XVI e XVII, uma nova e adequada conceptualização na geografia, na política, na ciência histórica e, também, na antropologia. De repente, tomava-se consciência de uma vasta multidão de povos em diferentes estádios de desenvolvimento, deixando para trás a velha ideia de uma só humanidade trilhando um único e similar destino. Assim mais do que nunca urgia indagar sobre a realidade humana, sobre as suas origens e as do mundo. No meio de toda esta convulsão inquiridora, as realidades africanas despertavam, como parte da novidade, assaz curiosidade e interesse. Na reconstrução de um novo edifício geográfico, histórico e antropológico não faltariam as informações sobre África; como peça da múltipla variedade, também elas pertenciam à novidade que urgia conhecer. Acompanhar o processo cultural desencadeado pelas viagens dos descobrimentos na Europa é o escopo do presente trabalho. A partir de uma grande variedade de escritos, fizemos uso de alguns que nem sempre foram reconhecidos pelos historiadores como verdadeiras e autênticas fontes. Estamos a referir-nos às relações de viagens que, dado o seu frequente teor ficcional ou literário, só ultimamente se tornaram um instrumento de trabalho válido para a ciência histórica. Mas, com estudos como os de Michael Harbsmeier,23 as relações de viagens passariam a ser consideradas como um espelho perceptivo da imagem dos seus autores e, por isso, um inestimável documento sobre as esferas de pensar e ser europeias. Estas também algumas das conclusões de Peter J. Brenner que tem vindo a chamar a atenção para o valor e significado destas fontes documentais.24 No que respeita às cosmografias e aos compêndios geográficos dos séculos XVI e XVII, assistimos a um caso similar. Na verdade, até há pouco estas obras seriam, por assim dizer, silenciadas dada a sua falta de 23. Michael Harbsmeier, Reisebeschreibungen als mentalitätsgeschichtliche Quellen, Überlegungen zu einer historisch-anthropologischen Untersuchung frühneuzeitlicher deutscher Reisebeschreibungen, in: Maçzak, Antoni/ Teuteberg, Hans Jürgen (Ed.): Reise- berichte als Quellen europäischer Kulturgeschichte, Aufgaben und Möglichkeiten der historischen Reiseforschung, Wolfenbüttel, 1982, pp. 1-31. 24. Peter J. Brenner (Ed.), Der Reisebericht, Frankfurt/M., 1989 e Jean Ceard, Jean-Claude Margolin (Ed.), Voyager à la Renaissance, Paris, 1987.
  • 12. 16 INTRODUÇÃO autenticidade, originalidade e objectividade temática. Mas que as fontes de 'menor valor', de segundo ou terceiro grau, são inestimáveis para desvendar compreensiva e claramente as teias coordenadoras de uma época é, todavia, um facto adquirido, quer para a história da geografia, como o comprovam os estudos de William Graham Lister Randles,25 quer para a história da antropologia, como o demonstra Margaret Hodgen.26 Junto das fontes de segundo e terceiro grau - consideradas 'menos científicas' -, como as cosmografias, teremos a oportunidade de analisar outras obras que, provenientes de várias disciplinas, reflectem, de igual modo e, numa fase posterior, a valorização e assimilação das novidades ultramarinas na sua globalidade - o que tem sido até agora manifestamente negligenciado. Este trabalho compõem-se de três blocos temáticos. Cada um destes apresenta um determinado tipo de fontes, de interesses e questões, o que se reflectirá, consequentemente, na sua abordagem. À primeira parte cabe delinear as iniciativas levadas a cabo além-Pirinéus no anseio de tornar a nova África um tema dos escritos alemães. Importa, assim, conhecer as vias percorridas pelas informações até chegarem à Europa Central, como é que estas se tornavam conhecidas na Alemanha, mormente, quais os círculos que davam continuidade à divulgação, bem como quais os meios a que se recorria para propagar as novidades. Não poderemos ainda descurar a actividade impressora alemã, tendo em atenção os textos que, vindos a lume neste país, se relacionavam, de algum modo, com os descobrimentos. Tanto um como outro aspecto ajudam a localizar e a definir os graus de interesse e de curiosidade dos letrados alemães pelas novas realidades africanas. Na segunda parte iremos descrever detalhada e, tanto quanto possível, tematicamente as relações de viagens sobre África publicadas em terras alemãs. Graças a estes relatos de viajantes de várias nacionalidades europeias, a estranha diversidade do continente tornar-se-ia um dado fundamental e conhecido dos meios intelectuais germânicos. Organizados segundo coordenadas topográficas, os seis capítulos visam dar a conhecer a imagem específica de cada uma das regiões africanas, tal como eram esboçadas nos séculos XVI e XVII. Este extracto adquire assim o carácter de um breve comentário das publicações dos séculos XVI e XVII, em língua alemã, dedicadas ao continente africano. 25. William Graham Lister Randles, De la Terre plate au globe terrestre, Une mutation épistémologique rapide 1480-1520, Paris, 1980. 26. Margaret T. Hodgen, Early Antropology in the Sixteenth and Seventeeth Centuries, Philadelphia, 1964.
  • 13. INTRODUÇÃO 17 A terceira parte, por fim, trata da recepção, valorização e, consequente, assimilação das informações retidas nas relações de viagens sobre o mundo ultramarino. Tendo como manancial documental os escritos dos séculos XVI e XVII, onde se abordam temas geográficos, antropológicos, religiosos, históricos e outros assuntos afins, foi nosso intuito desenhar a imagem por eles forjada de África. Isto é: na ânsia de integrar e recolocar a novidade na ordem do saber, como se filtram as informações, com que interesses se debatem as questões metodológicas, quem é que se debruça sobre estas novas, como e, com que dificuldades, se ensaiam, em cada caso particular, os primeiros passos na redefinição científica da realidade. Bamberg, Março de 1991
  • 14. 1. "Coisas Maravilhosas e Até Agora Nunca Vistas" Caravelas portuguesas navegando no Atlântico Sul afloram terras ignotas onde encontram homens até então nunca vistos. Os seus navegadores, os primeiros a divulgar notícias dos novos mundos ao mundo, intentam fixar as suas impressões de viagem e relatar sobre os contactos iniciais, deixando um apontamento das regiões, gentes e civilizações que encontraram. A sua escrita era, por isso, na maioria dos casos, descritiva, uma vez que desejavam esquissar a vida no mar, as terras e os povos que tinham visto ou sobre as quais dispunham de informações. Eram navegadores, cronistas, comerciantes, missionários, funcionários, soldados e eruditos, entre outros, que, com as suas descrições de viagens, as suas crónicas, os seus diários de bordo e as suas histórias, efectuavam uma recolha e registo do que viam. Alguns relatam acontecimentos vividos pessoalmente, outros reunem dados adquiridos quer oralmente quer através de leituras, construindo o texto de um cronista uma outra realidade frente à descrição de um navegador. Enquanto alguns se movimentam ainda em estruturas mentais medievais, esclarecendo a novidade segundo estes mesmos valores, outros informam apenas sobre o que viram ou viveram, alguns descrevem detalhadamente regiões e povos desconhecidos, outros transmitem principalmente o dia-a-dia a bordo com os seus perigos e fascínios e vários intercalam na sua escrita um e outro aspecto numa aglomeração de diferentes dados. O conhecimento e a consequente apresentação destas informações sobre ignotas paisagens, estranhos povos e diferentes formas de organização e de comportamento nas longínquas regiões da terra constituíam induibtavelmente um forte estímulo para conhecer e compreender o mundo na sua nova dimensão geográfica e cultural. Neste ambiente de curiosidade, os textos portugueses, tornar-se-iam "os olhos da Europa e do Mundo"1 que importava consultar. Os apontamentos dos nautas lusitanos, relatos de experiências infindas, tornavam-se uma inestimável fonte de consulta, um autêntico espelho do mundo de além- mar, um oportuno e verdadeiro retrato das terras e sociedades africanas, asiáticas e americanas. 1. Luís Filipe Barreto, Caminhos do Saber no Renascimento Português. Estudos de História e Teoria da Cultura, Lisboa, 1986, p. 24.
  • 15. 20 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" Não obstante a abertura do mundo perpetuada pelas viagens marítimas seja um dado já adquirido na historiografia da expansão, existem ainda algumas interrogações. Isto é, ao debruçarmo-nos sobre o impacto e a assimilação e definitiva integração dos novos dados poder-se-á ainda inquirir sobre o modo como seriam recebidas estas insólitas e singulares notícias na Europa: zarpando da Península Ibérica ao longo do Atlântico, as caravelas dos Descobrimentos iriam encontrar terras e gentes até então desconhecidas numa enorme e inacreditável revelação do mundo conhecido. Que terras se encontravam para além do Equador e que gentes as habitavam, qual a verdadeira configuração do continente africano, quais as especiarias encontradas na Índia, como se estabeleciam os contactos entre os navegadores e os habitantes das diferentes regiões, quais os usos e costumes, por exemplo, na Guiné, na Etiópia, e a religião no Congo ou no Egipto? Estas e muitas mais seriam as questões postas aos nautas lusitanos por curiosos e interessados mercadores, livreiros e eruditos de toda a Europa. Qual então o papel que coube aos mareantes lusos na transmissão de tão inéditas e estonteantes informações e também, desde já, quais as re- percussões que tais estranhas notícias originariam na consciência cultural alemã nos séculos XVI e XVII? 1.1 As Viagens Marítimas Portuguesas e a Proliferação das Informações na Europa Na Europa Central a Alemanha seria um dos países mais interessados em conhecer as incríveis novidades recém-descobertas. Logo desde o início é, com muito cuidado e atenção, que procura saber pormenores e detalhes da actividade descobridora do monarca português. Mas como iriam chegar estas notícias às cidades alemãs? Na verdade, a difusão das informações da empresa marítima encontraria rapidamente diversas vias de comunicação: comerciantes, editores e eruditos procuravam instigar a recolha e propagação de notícias no desejo de adquirir dados significativos e capazes de saciar a curiosidade. Nos finais do século XV e inícios do século XVI, muitos estrangeiros, atraídos pelas notícias extraordinárias das viagens portuguesas, se dirigiram a Portugal. É o caso de Martin Behaim, que, tendo vindo para Lisboa por volta de 1484, se iria associar ao movimento expansionista
  • 16. AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 21 português, quer na construção de um globo que iria dirigir na sua terra natal, Nuremberga, com o apoio local de mercadores e eruditos, quer na recolha de informações que fez junto de mareantes portugueses, como se pode testemunhar na relação que compilou dos dados fornecidos pelo mareante Diogo Gomes. Behaim teria ainda participado em viagens portuguesas e alguns historiadores conferem-lhe uma valiosa colaboração no desenvolvimento na navegação e naútica portuguesas. Advoga-se, seguindo as afirmações de João de Barros, de que discípulo do matemático e astrónomo alemão Regiomontanus (séc. XV), Behaim teria trabalhado com os mestres Rodrigo e José Vizinho na preparação do regimento do sol e na determinação de latitudes, bem como nas correspondentes tábuas de declinações solares.2 A sua estada em Portugal possibilitar-lhe-ia um contacto mais directo com as novas informações das viagens de descobrimento, resultando do seu relacionamento pessoal com os navegadores portugueses a redacção de um texto De prima inventione Guinee, escrito entre 1485-1490 e baseado exclusivamente nos depoimentos de Diogo Gomes.3 Martin Behaim retém neste escrito algumas das primeiras informações acerca da costa ocidental africana, bem como sobre as ilhas atlânticas, fixando, deste modo, de uma forma precisa e clara as primeiras impressões dos nautas portugueses respeitantes a novas regiões e a povos até então desconhecidos. No ano de 1492 regressava a Nuremberga, onde viria a produzir um mapa- mundo bem como um globo, ambos realizados certamente com o fim de apresentar em terras alemãs os novos dados dos descobrimentos.4 A sua estada em Nuremberga coincide precisamente com o ano em que Hartmann Schedel trabalhava na sua crónica-mundi, que viria a publicar, 2. Sobre Martin Behaim em Portugal, veja-se G.R. Crone, Martin Behaim, navigator and cosmographer, figment of imagination or historical personage? in: Actas do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, Lisboa, 1961, vol. II, pp. 117-133; Günther Hamann, Der Eintritt der südlichen Hemisphäre in die europäische Geschichte, Viena, 1968, pp. 192-214 e Armando Cortesão, História da Cartografia Portuguesa, vol. I, Coimbra, 1969, pp. 27-29. 3. Veja-se Martin Behaim segundo o relato de Diogo Gomes, Do primeiro Descobrimento da Guiné, In: José Manuel Garcia (ed.), Viagens dos Descobrimentos, Lisboa, 1983, pp. 25-54. 4. O globo seria financiado pelos magistrados da cidade de Nuremberga. O historiador Hermann Kellenbenz, Die Beziehungen Nürnbergs zur Iberischen Halbinseln, besonders im 15. und in der erten Hälfte des 16. Jahrhunderts, In: Beiträge zur Wirtschaftsgeschichte der Stadt Nürnbergs, Nuremberga, 1967, pp. 456-493 defende na página 468 deste seu artigo que Behaim ter-se-ai deslocado à sua terra natal com a ideia de convencer os comerciantes da cidade para a realização de uma viagem ultramarina, sendo o globo o material ilustrativo. Sobre as inscrições globo, veja-se E. G. Ravenstein, Martin Behaim, his life and his globe, Londres, 1908.
  • 17. 22 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" em 1493, nesta mesma cidade alemã. Embora não se possa comprovar que o conceituado erudito alemão conhecesse os trabalhos de Behaim, é, contudo, de admitir que tenha tomado conhecimento, directa ou indirectamente, com algumas informações respeitantes às viagens marítimas portuguesas. Um outro alemão Jerónimo Münzer viria também até Portugal juntamente com mais três mercadores, Anton Herwart de Augsburgo, Kaspar Fischer e Nikolaus Welkenstein, ambos de Nuremberga para conhecer as novida- des das viagens dos Descobrimentos. Antes da sua vinda a Portugal, Jerónimo Münzer tinha escrito uma carta ao rei D. João II (1493) convidando-o a deixar que os seus mareantes navegassem para Ocidente, visto que este seria o verdadeiro caminho para alcançar em curto espaço de tempo a oriental Catay.5 O amante da antiguidade, Jerómimo Münzer julgava poder definir o caminho marítimo para a Índia através das obras de autores clássicos e, no elogio que tece aos mui sábios marinheiros por- tugueses, refere o ilustre perito da escola de Alexandria, Behaim, homem que considera capaz de preparar tal empresa. Durante a sua estada em Portugal no ano de 1494 recolheu muitas informações que reuniu num escrito. Münzer destaca, nesse seu relato, entre outros aspectos, a presença exótica e insólita de animais e plantas da Guiné que espalhados por toda a cidade de Lisboa lhe davam uma atmosfera singular. O seu vivo interesse pelo mundo ultramarino leva-o a redigir um outro texto, onde descreve a costa ocidental africana; travando contacto com pilotos portugueses ou homens directamente ligados à actividade descobridora, Münzer compilou, com esmero e cuidado, um importante relato sobre o continente africano.6 A atracção pela novidade e pelo desconhecido está bem patente neste seu texto numa contínua busca de informações capazes de saciar a grande expectativa de conhecer. Alguns anos depois, a descoberta do caminho marítimo para a Índia chamava ainda mais a atenção dos mercadores alemães para o centro coordenador da Carreira da Índia. A chegada a Calecute pela armada portuguesa chefiada por Vasco da Gama seria, por isso, notícia da crónica de Augsburgo. Assim, no trecho referente a 1499, pode-se ler que nesse ano o rei de Portugal teria alcançado e descoberto pela primeira vez 5. É possível que Martin Behaim tenha trazido esta carta aquando do seu regresso de Nuremberga. Veja-se Jerónimo, Münzer, Itinerário, Coimbra, 1932; Ver ainda Luís de Albuquerque, Os Guias Naúticos de Munique e Évora, Lisboa, 1965. 6. Jerónimo Münzer, op. cit.; veja-se ainda Friedrich Kunstmann, Hieronimus Münzer's Bericht über die Entdeckung der Guinea, In: Abh. d. Histor. Cl. d. Kgl. Bayer. Akad.d. Wissensch., Vol. 6, Munique, 1860, pp. 291-362.
  • 18. AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 23 Calecute na Índia. Continua-se mencionando que o rei português teria mandado três navios para procurarem a Índia e terra desconhecida e, no regresso, o comandante, Vasco da Gama, teria trazido ao rei boas mercadorias que aí teria achado, pois "é em Calecute, na Índia, que as especiariais crescem. Trouxeram-lhe ainda pimenta e outras especiaria, mas não muito".7 O comércio das mercadorias orientais atraía assim os mercadores alemães a abrirem filiais em Lisboa, visto que aqui surgiria não só a possibilidade de adquirirem novos centros de escoamento para os seus produtos, como também poderiam dispor de um outro mercado, o das especiarias e artigos orientais. É, assim, que as famílias Fugger, Welser e Hoechstetter da cidade de Augsburgo e as famílias Imhoff e Hirschvogel de Nuremberga enviam os seus representantes para a capital portuguesa, a fim de participarem na aliciante e promissora empresa marítima.8 Reconhecidos negociantes de metais, nomeadamente, em prata e cobre, estas casas comerciais alemãs poderiam fornecer os capitais necessários para a aqui- sição de mercadorias no Oriente, constituindo naturalmente um importante e indispensável aliado para a Coroa portuguesa.9 Assim, no acordo concluído, já no ano de 1503, entre o monarca português e representantes destas famílias, o soberano reconhecia aos comerciantes alemães o direito de comprarem e venderem mercadorias em todo o reino isentos de quaisquer impostos. Mais tarde ser-lhes-ia ainda autorizada a participação em expedições portuguesas para a Índia. A frota de D. Francisco de Almeida que partia de Lisboa no ano de 1505 integrava entre as suas naus, três fretadas por mercadores alemães: a S. Rafael, a Leonarda e a S. 7. "Wann der kunig von Portugall zü dem ersten mal die scheffart auff dem mör gen Kalacut in India gefunden hat [...] die solten India und fremde land suchen [...] gütte mär, daß sie Calacut in India, da spetzerei wechst, gefunden haben. Sie brachten pfeffer und ander spetzerei mit in, doch nit vil". Chroniken der schwäbischen Städte (Augsburgo), Leipzig, 1896, vol. 5, p. 273. 8. Cf. Konrad Haebler, Die überseeischen Unternehmungen der Welser und ihrer Gesellschafter, Leipzig, 1903 e do mesmo, Die Geschichte der Fugger'schen Handlung in Spanien, Weimar, 1897; Hermann Kellenbenz, Die Beziehungen Nürnbergs zur Iberischen Halbinsel..., op. cit.; The portuguese Discoveries and the Italian and German Initiatives in the Indian trade in the first two Decades of the 16 th Century. In: Congresso International Bartolomeu Dias e a sua época (Actas), Porto, 1989, vol. III, pp. 609-623 e Die Fugger in Spanien und Portugal bis 1560. Ein Großunternehmen des 16. Jahrhunderts, 3 vols, Munique, 1990. 9. Veja-se, Vírginia Rau, Privilégios e legislação portuguesa referentes a mercadores estrangeiros, in: Fremde Kaufleute auf der Iberischen Halbinseln, ed. Hermann Kellenbenz, Colónia, Viena, 1970, pp. 15-30.
  • 19. 24 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" Jerónimo.10 A bordo destas naus viajariam três alemães, nomeadamente Ulrich Imhoff, Balthasar Springer e Hans Mayr. Tanto Springer como Mayr viriam a deixar um relato sobre esta sua viagem à Índia;11 se o diário de bordo de Hans Mayr12 ficaria manuscrito, o de Balthasar Springer viria a lume não só inúmeras vezes como em diversas línguas, tornando-se um dos mais importantes documentos dos inícios da Carreira da Índia além- 10. Veja-se Franz Hümmerich, Die erste deutsche Handelsfahrt nach Indien 1505/1506, Munique-Berlim, 1922 e do mesmo, Quellen und Untersuchungen zur Fahrt der ersten Deuschen nach dem portugiesischen Indien 1505/1506, Munique 1918. Na crónica de Augsburgo aponta-se qual o contributo das casas alemãs na expedição de 1505. Encontra-se a seguinte notícia para esse ano: "Wie der kunig von Portigall etlich schiff gen Kalacut schickt und ließ etlich Teusch und Walchen acht dahin schiffen. 1505 a de 25. marzo da hatt der künig von Portigal zü Lisabona außgesant gen Kalacut 19 schiff. Mit den selbigen haben etliche teusch und walchen kaufleutt 3 schiff mitgesant auff ir kostung, darauff haben sie kauffmanschaft geladen und par gelt, das sie mitgesant haben spetzerei zü kaffen, und das in sunst darauff gangen ist auff die 3 schiff, tüt als in somm 65 400 crusadi, das ist so vil duc.; von dieser somm hatt den Walchen, das send Florentiner und Jenoveser gewesen, zügehert duc. 29 400, so hatt den Teutschen zügehort in somm duc. 36 000. Wer die Teutschen gewesen send, und wie vil jettliche geselschaft darauff gehabt hatt, statt hernach geschrieben: Der Welser und Fechlin von Augspurg und Memmingen cpa duc. 20000 der Fugger von Augspurg cpa duc. 4000 der hechstetter von Augspurg cpa duc. 4000 der Grossenpröttischen von Augspurg cpa duc. 4000 der Imhof von Nirenberg cpa duc. 3000 der Hirtzfogel von Nirenberg cpa duc. 2000 Somm duc. 36000 Item als die schiff gen Kalacut oder India komen send, da haben sie ir war oder kafmanschaft zü gelt gemacht und haben ir gelt angelegt an pfeffer und ander spetzerei, das haben sie herauß gesiert. Und im 1506. jar a die 22. mazo send die obgeschriben 3 schiff wider gen Lisabona komen. also hatt der kunig von Portigall anfangs vir sein gerechtigkait von alller spetzeri den vierten tail genomen, darnach hatt er den zwaintzigisten tail auch von allem genomen, das selb hatt er im ain kloster geben, darnach hatt er erst über 3 und etlichs über vier jar den kaffleutten ir spetzerei geantwort, nachdem die schiff komen send. Ich [Wilhelm Rem] hab von ainem glabhaftigen gehert, der auch tail daran gehabt hatt, daß sie 175 pro cent gewunen haben, das ist also zü verstan, daß sie an 100. duc. alweg 175 duc. über alle kostung gewunen haben." Chroniken der schwäbischen Städte, Leipzig, 1896, 5 vol. (Augsburgo), pp. 277-79. 11. Veja-se Christoph von Imhoff, Nürnbergs Indienpioniere. Reiseberichte von der ersten oberdeutschen Handelsfahrt nach Indien (1505/1506), In: Pirckheimer-Jahrbuch, 1986, 2 vol., pp. 11-44. 12. Hans Mayr é por vezes referenciado como agente comercial alemão, embora no texto se lhe refira como escrivão do rei português.
  • 20. AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 25 Pirinéus.13 Na verdade, este texto - que nas edições flamenga e alemã seria acompanhado por ilustrações dos povos visitados -14 tal como os relatos e cartas dos comerciantes radicados em Lisboa, contribuiria signifi- cativamente para a difusão, na Europa Central, das notícias referentes às viagens dos portugueses. Um outro estrangeiro radicado em Lisboa era o impressor de origem alemã, Valentim Fernandes.15 Escudeiro da rainha D. Leonor e notário de D. Manuel I,16 Valentim Fernandes ocupou não só um destacado lugar na corte portuguesa, como desempenhou um papel relevante de agente comercial e tradutor do rei. Além disso, manteve os seus contactos com as cidades alemãs de Nuremberga e, principalmente, de Augsburgo, onde residia um grupo de humanistas, entre eles, o Stadtschreiber Konrad Peutinger, a quem Valentim Fernandes enviaria diversas informações referentes às descobertas, como se pode testemunhar, por exemplo, na carta datada de 16 de Agosto de 1505, em que presta informações sobre a preparação e os objectivos da viagem de D. Francisco de Almeida para a Índia.17 Este homem atento à descoberta de novos mundos reuniria ainda importantes informações, como sejam relações sobre Ceuta e sobre a costa ocidental africana em geral, um resumo da crónica de Zurara, o texto de Diogo Gomes e Martin Behaim, informações de navegadores respeitantes às ilhas atlânticas e um roteiro de Lisboa até à Mina bem como sobre a Índia, como seja, o diário de bordo do alemão já referenciado, Hans Mayr, 13. Die Merfart und erfarung nüwer Schiffungen und Wege zü viln onerkanten Inseln und Künigreichen/ von dem groszmechtigen Portugalichen Kunig Emanuel Erforscht/ bestritten und Ingenommen... Durante muitos anos considerou-se este texto da autoria de Américo Vespúcio, até que Henry Harrise, Americus Vespuccius - A critical and documentary review of two recent englisch books concerning that navigator, Londres, 1895 o indentificou como sendo o texto de Balthasar Springer, provando que as alterações teriam sido feitas pelo editor. Sobre estes textos, veja-se, entre outros, Renate Kleinschmidt, Balthasar Sprenger - eine quellenkritische Untersuchung, Viena, 1966. 14. As ilustrações da edição alemã seriam da autoria de Hans Burgkmair. Veja-se, Walter Hirschberg, Monumenta Ethnographica, Frühe völkerkundliche Bilddokumente: Schwazafrika (1508-1727), Graz, 1962. 15. Sobre o impressor, veja-se Artur Anselmo, Les Origines de l'Imprimerie au Portugal, Paris, 1983, pp. 153-214, do mesmo, L'activité typographique de Valentim Fernandes au Portugal (1495-1518), Paris, 1984 e ainda Konrad Haebler, Die deutschen Buchdrucker des XV. Jahrhunderts im Auslande, Munique, 1924. 16. Sobre estas actividades de Valentim Fernandes, veja-se António A. Banha de Andrade, Mundos novos do mundo, Lisboa, 1972, p. 349. 17. Publicada in: Konrad Peutinger Briefwechsel (ed. Erich König), Munique, 1923, pp. 56- 58. Veja-se ainda B. Greiff, Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541, Augsburgo, 1861, p. 171.
  • 21. 26 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" e uma relação anónima acerca das Maldivas, manuscrito este que se viria a encontrar na posse de Konrad Peutinger que assim teve em primeira mão uma importante colecção de textos ilustrativos dos conhecimentos geográficos adquiridos nas viagens marítimas portuguesas.18 Esta colectânea vem no seguimento do Marco Polo, publicação que Valentim Fernandes organizara a partir de 1501 e que, para além de se tratar de uma das primeiras edições europeias,19 constitue um documento ímpar da imprensa coeva. Valentim Fernandes, ao introduzir e editar outros textos relativos às viagens até ao Oriente que, não só completavam o escrito poliniano, como ainda visavam uma caracterização do momento presente, soube inseri-lo no contexto coetâneo. No prólogo dedicado a D. Manuel I, Valentim Fernandes deixa transparecer o seu vivo entusiasmo pelas viagens portuguesas.20 É o fascínio resultante de "novos e maravilhosos" descobrimentos de terras desconhecidas, de outros povos e costumes que, a partir deste momento, entraram em contacto com Lisboa, fazendo desta cidade um ponto de escala entre a Europa, a Ásia e a África.21 Na Europa Central caberia, em contrapartida, aos portugueses dar a conhecer as novidades da empresa marítima. É o caso de Damião de Góis que, ao longo de vinte e três anos, iria estabelecer contactos com os maiores vultos do meio intelectual europeu coetâneo, cultivando grandes amizades num diálogo diversificado e sem fronteiras. Damião de Góis contaria, entre os seus amigos, personalidades como Erasmo, de quem se tornou um dedicado admirador e amigo; Lutero e Philipp Melanchton, que Góis visitou em Wittenberg; o historiador Beatus Renanus, o geógrafo e músico Henricus Glareanus e o geógrafo Sebastian Münster seriam alguns exemplos a mencionar. Góis viria ainda a corresponder-se com o erudito Bonifazius Amerbach, amigo e editor de Erasmo, com o cardeal e humanista italiano Pietro Bembo e com o pontífice Paulo III.22 O convívio 18. Veja-se J. A. Schmeller, "Über Valenti Fernadez Alemã" In: Abh. d. Philos.-Philolog. cl. d. königl. bayer. Akad. d. Wiss., 4 vol., 1 parte, Munique, 1844 e O Manuscrito de Valentim Fernandes, ed. António Baião, Lisboa, 1940. 19. Anteriores traduções de Marco Polo datavam do ano de 1477 em Nuremberga, 1481 em Augsburgo e 1485 em Anvers. 20. O texto inicia com as palavras do apóstolo S. Lucas, 5, 26: "Vimos oje coisas maravilhosas". Valentim Fernandes, Marco Polo, Lisboa, 1502, ed. Lisboa, 1961. 21. Esta publicação inclui para além do prólogo e do texto de Marco Polo, a relação do veneziano Nicolo de Conti, que viajara nos inícios do século XV até à Índia, possuindo o rei português uma cópia da relação que este entregara ao papa Eugénio IV e uma carta do comerciante italiano Hieronimus di Stefano de Génova sobre o Cairo e Aden. 22. Veja-se Amadeu Torres, (ed.), As cartas latinas de Damião de Góis, Paris, 1982.
  • 22. AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 27 com estes eruditos possibilitar-lhe-ia um conhecimento das correntes inte- lectuais e religiosas em debate na Europa, atmosfera esta que vinha de encontro ao seu espírito aberto e interessado pelas "coisas da humanidade". Góis não se limitou, no entanto, a absorver todas as informações e influências, sem que ele próprio colaborasse para este clima de permuta de ideias. A convivência com diversos humanistas não foi simplesmente a de um espírito interessado e passivo, que apenas se deixava informar junto dos homens de letras, instruindo-se sobre as suas actividades literárias e culturais, mas pelo contrário a de alguém que procurava igualmente contribuir para um amplo e adequado conhecimento da humanidade. Damião de Góis representava um país que acabara de recolher novos dados sobre o orbe terráqueo e as gentes que o habitavam, sendo, pois, os Descobrimentos Portugueses não só um dos temas que discute além- fronteiras - como se atesta na sua correspondência -,23 mas também um dos principais motivos para a publicação das suas obras. A pedido do arcebispo sueco, Johannes Magnus, com quem debateu temas teológicos, publicaria, em Antuérpia, uma tradução latina da relação que o etíope Mateus deixara em Portugal aquando da sua visita a Lisboa.24 Em Lovaina, Góis traria a lume um opúsculo sobre os acontecimentos ocorridos na defesa de Diu contra os Turcos, do que se voltará a ocupar dez anos mais tarde.25 Ambas as publicações visam divulgar os feitos dos portugueses na Índia, procurando construir uma imagem clara e concisa destes eventos históricos capaz de esclarecer e saciar a curiosidade europeia face às actividades portuguesas no Oriente. Alguns anos mais tarde edita um outro texto, desta vez , sobre a Etiópia com o intuito de 23. Sobre o seu relacionamento, entre outros, com Beatus Rhenanus e as suas discussões acerca da religião etíope, veja-se Albin Beau, As relações germânicas do Humanismo de Damião de Góis, Coimbra, 1941, p. 135. 24. Legatio Magni Indorum Imperatoris Presbyteri Joannis ad Emanuelem Lusitaniae Regem, Anvers, 1532 (Lovaina 1533). Damião de Góis teria a oportunidade de conhecer, em Dantzig o prelado católico e historiador, Johannes Magnus que, se refugiara em Roma, uma vez que na sua terra natal, a Suécia, o perseguiam. O seu interesse pela religião do Preste João seria o assunto de longas conversas com Damião de Gós, de quem esperava aprender mais pormenores. Veja-se Amadeu Torres, op. cit., pp. 233-34 e Jean Aubin Damião de Góis et l' Archevéque d'Upsal, In: José V. de Pina Martins (ed.), Damião de Góis. Humaniste européen, Braga, 1982, pp. 254-328. 25. Commentarii Rerum gestarum in India citra Gangem a Lusitanis, anno 1538, Lovaina, 1539, texto que viria a lume em versão alemã, dois anos depois, na cidade de Augsburgo; ainda De Bello Cambaico, commentari três, Lovaina, 1549.
  • 23. 28 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" apresentar detalhada e pormenorizadamente as particularidades do cristianismo etíope.26 A publicação desta obra ia de encontro a uma grande curiosidade pelas terras da Etiópia e a um interesse particular pelas questões teológicas, compreensível numa época de atribulada discussão religiosa. Para além disso, estas publicações correspondiam a uma crassa necessidade de conhecer os insólitos e extraordinários dados da configuração do mundo. É significativo o reconhecimento, que as obras deste humanista português despertam em terras além-Pirinéus, como se pode comprovar pelo número de edições verificadas em toda a Europa, bem como pelas traduções feitas dos seus textos.27 Damião de Góis é, sem dúvida, um dos autores portugueses mais conhecido e referenciado em obras estrangeiras, sendo inúmeras vezes citado como fonte básica para a redacção de narrativas históricas ou obras de carácter geográfico.28 Um dos últimos textos da autoria de Damião de Góis a ser publicado no estrangeiro nasce de uma descrição, a seu ver, polémica e inadequada da Península Ibérica da pena do geógrafo e teólogo Sebastian Münster. As afirmações deste conhecido autor alemão sobre a nação portuguesa provocaram uma reacção patriótica de Damião de Góis que, ao publicar Hispania,29 procura repor a verdade, criticando a incorrecção e a superficialidade das informações anteriormente impressas. Sebastian Münster, que Damião de Góis tinha conhecido em Basileia juntamente com Simon Grynaeus - autor de uma colectânea sobre os Descobrimentos -,30 viria após esta intervenção a corrigir o seu texto. Os humanistas alemães inauguram um largo e aceso debate sobre as viagens marítimas ibéricas e as suas cartas reflectem o grande impacto causado por esta empresa descobridora.31 Homens como o já referenciado Konrad Peutinger, membros do círculo humanista de Nuremberga 26. Fides, Religio, Moresqve Aethiopvm, Lovaina, 1540. 27. Veja-se Francisco Leite Faria, Estudos Bibliográficos sobre Damião de Góis e a sua época, Lisboa, 1977. Só no que respeita à obra Fides, Leite Faria menciona 16 edições completas e 11 incompletas. 28. É o caso, por exemplo, de Sebastian Münster, que se serve da obra de Damião de Góis para redigir, na Cosmographia, o capítulo sobre a Etiópia. A certa altura pode-se ler: "Quem quiser ler algo mais sobre o seu credo e ser, deve ver o livro de Damianus de Portugal, que foi publicado no ano de Cristo 1541, do qual retirei as passagens principais" (usei a edição Basileia, 1588, Folha Mccccxx) 29. Damião de Góis, Hispania, Lovaina, 1542. 30. Simon Grynaeus, Novus Orbis, Basileia, 1532. 31. Veja-se Dieter Wuttke, Humanismus in den deutschsprachige Ländern und Entdeckungsgeschichte 1493-1534, Bamberg, 1989.
  • 24. AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 29 Hartmann Schedel, Hieronymus Münzer, Willibald Pirckheimer ou Johannes Cochläus, Jobst Ruchamer, Joachim Vadianus e Christoph Scheurl, entre outros seguem atenta e aplicadamente o desenrolar dos acontecimentos históricos, intentando permanecer em contínuo contacto com as últimas novidades.32 A 19 de Março de 1507, o ecleseástico de Bamberg, Lorenz Behiam, escreve entusiasticamente ao humanista e amigo Willibald Pirckheimer a respeito de um texto publicado em Roma, apenas, há cinco meses em que se relatam algumas das actividades portuguesas no Oriente.33 Também Albrecht Dürer aponta zelosamente, no seu diário de viagem aos Países Baixos,34 as coisas maravilhosas e novas vindas de África e da Índia que viu e conheceu na cidade onde termina a rota de Calecute: Antuérpia. Além disso, este artista viria a tornar famoso o rinoceronte enviado pelo rei português ao papa ao fazer um desenho deste animal que ele próprio nunca viu, mas do qual viu um desenho.35 Hartmann Schedel, em Nuremberga, recolhe informações para a sua crónica. Martin Behaim lança a ideia de construir um globo, onde se debuxem os dados e os conhecimentos dos nautas portugueses. O autor do Elogio da Loucura envolve-se em longos debates sobre o cristianismo em regiões longínquas (dos Lapões até á Etiópia) numa reflexão sobre o hieratismo religioso recém-descoberto. Konrad Peutinger, o erudito de for- mação humanista e secretário do Imperador Maximiliano I, defende a participação das casas comerciais alemãs nas viagens portuguesas para a Índia.36 Os Fugger, uma das famílias de mercadores mais influentes do sul da Alemanha e de grande poderio no comércio ibérico, criam, com o seu hábito de coleccionar escritos e livros, uma das mais importantes 32. Veja-se Elisabeth Rücker, Nürnberger frühhumanisten und ihre Beschäftigung mit Geographie. Zur Frage einer Mitarbeit von Hieronymus Münzer und Conrad Celtis am Text der Schedelschen Weltchronik, In: Rudolf Schmitz e Fritz Krafft (Ed.), Humanismus und Naturwissenschaft, Boppard, 1980, pp. 181-192. 33. Trata-se provavelmente do texto Gesta proxime per Portugalenses in India Ehiopia et allis orientalibus terris a serenissimo Emanuel, Portugalie Rege. O curto intervalo de tempo entre a publicação e a leitura, não esquecendo a distância de alguns mil kilómetros, ilustra, sobremaneira, o interesse pelas notícias e o intenso diálogo que os letrados europeus desenvolviam. Veja-se, Willibald Pirckheimer Briefwechsel, ed. Emil Reicke, 2 vols., Munique, 1940-1956, 1 vol., pp. 516-18. 34. Albrecht Dürer, Schriften und Briefe, Leipzig, 1982, pp. 55-101. 35. Sobre a influência de motivos exóticos na arte, veja-se Götz Pochat, Der Exotismus während des Mittelalters und der Renaissance, Voraussetzungen, Entwicklung und Wandel eines bildnerischen Vokabulars, Stockholm, 1970. 36. Entwürfe für Schreiben an Maximilian. In: Conrad Peutinger. Beiträge zu einer politischen Biographie. (Ed.) Heinrich Lutz, Augsburgo, s. d.
  • 25. 30 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" bibliotecas da Idade Moderna.37 Numa inesgotável sede de saber recorrem às redes de contactos comerciais que espalharam por toda a Europa, a fim de obterem as publicações coevas, compilando vestígios e testemunhos do mundo; Jacob Fugger que conhecia Damião de Góis, procurou, junto de Peutinger, que este pudesse ler o Manuscrito de Valentim Fernandes. As primeiras notícias reveladas pelos mareantes ibéricos continham muitas outras verdades acerca da terra e dos homens. Os nautas falam de outros contornos dos até então conhecidos no que respeita às costas africanas, afirmam que a região ao sul do Equador seria habitada e contam que afloraram um novo continente e muitas outras regiões totalmente desconhecidas, dados estes que se iriam tornar num vital fundamento para novas reflexões epistemológicas; e nestas reflexões participavam humanistas de toda a Europa.38 No dealbar do século XVI, as viagens marítimas tornavam-se um assíduo tema da imprensa europeia; inicialmente pequenos textos informativos, como o pequeno relato sobre o melhor caminho entre Lisboa e Calecute, vindo a lume em 1505.39 Neste escrito sobre a Índia, terra onde a pimenta cresceria "semelhante às uvas",40 mencionava-se, desde já, que, a partir de agora, os portugueses tinham nas suas mãos o negócio das especiarias, que os venezianos até aqui costumavam trazer por terra.41 É tambem neste mesmo ano que a viagem de Américo Vespúcio, realizada com o apoio do rei D. Manuel I, vinha a público. O texto que o piloto enviara para Lorenzo di P. Francesco de' Medici, participando-lhe a 37. Veja-se Paul Lehmann, Eine Geschichte der alten Fuggerbibliotheken, 2 vols, Tübingen, 1956-1960. 38. Veja-se Michel Mollat, Humanisme et Grándes Découvertes (XVe -XVIe Siècles), In: Francia, vol. 3, Munique, 1976, pp. 221-135; Luís de Matos, La Littérature des Découvertes,in: Michel Mollat e Paul Adam (Ed.), Les Aspects Internationaux de la Découverte Océanique aux XVe et XVIe siécles, Paris, 1966, pp. 23-30 39. Den rechten Weg auß zu faren von Lißbona gen Kallakuth. von meyl zu meyl. Auch wie der kunig von Portigal yetz newlich galeen vnd naßen wider zu ersuchen vnd bezwingen newe land vnnd jnsellen durch kallakuth in Indien zufaren. Durch sen haubtmann also bestelt als hernach getruckt stet gar von seltzsamen dingen, Nuremberga, 1505 (Georg Stuchs). Fác- simile, ed. John Parker, Mineapolis, 1956. 40. "Item vermerckt wy alle spetzerey in jndia wechst pfeffer wechs trauben weyß gleich wie die holderper/ sy springen zu zeitten grüne gleich wie er von pawm kumpt gen lißwona". 41. Na crónica de Augsburgo da autoria de Clemens Sender encontra-se a seguinte referência para o ano de 1503 "Es sind von Venedig gen Augspurg brieff komen, wie 23 schiff werent aus Calacut gen Lisabona komen, die spetzerei fürten. die merfart thet der kinig von Portugal, dann er lange jar het gesücht mit groser arbait und kosten, bis er den weg gen calacut, da der pfeffer wegst, erlernet hat. es was den Venediger fast wider. Chroniken der schwäbischen Städte, Leipzig, 1894, 4 vol. (Augsburgo), pp. 100-101.
  • 26. AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 31 descoberta de um Mundus Novus viria a lume em edições latinas 42 e alemãs: Von der neü gefunden Region so wol ein welt genempt mag werden, durch den christlichen künig von Portigal wunderbarlich erfunden.43 A actividade descobridora dos portugueses despertava, assim, um largo interesse, como o relato de Vespúcio. Mas não só neste caso. Conhecemos outros exemplos como o da carta do rei D. Manuel I ao cardeal Alpedrinha, D. Jorge da Costa, no momento embaixador de Portugal em Roma. Esta carta, em que o monarca português transmite ao cardeal os êxitos da viagem de D. Francisco de Almeida, seria logo publicada nesta cidade italiana, bem como um ano mais tarde (1507), em latim, nas cidades de Colónia e Nuremberga e também numa edição em língua alemã nesta mesma cidade do sul da Alemanha.44 As cartas do rei Venturoso ao papa Júlio e ao papa Leão X viriam igualmente a lume em inúmeras edições.45 É o que acontece com a carta de 1513, em que o soberano português relata ao pontífice os feitos de Afonso de Albuquerque, da qual se conhecem vinte e quatro edições latinas e quatro alemãs.46 A juntar-se a estas publicações de carácter notícioso viriam, pouco a pouco, outras obras cujo objectivo seria dar uma imagem global das viagens. É o caso dos Paesi Nouamente retrouati et Nouo Mondo da Alberico Vesputio Florentino intitulado47 que, quer em latim quer em 42. Américo Vespúcio, Mundus Novus, Augsburgo, 1504. Sobre as várias edições, veja-se José Alberto Aboal Amaro, Amerigho Vespucci. Ensayo de Bibliografia Crítica, Madrid, 1962. 43. Basileia, Fueter 1505; outras ed. Leipzig 1505: Das sind die new gefunden menschen oder volcker In form und gestalt. Als sie hier stend durch den Christlichen Künig von Portugall, gar wunderlich erfunden. Sobre as diferentes edições, veja-se, Die wunderbare Neue Welt. German Books and Related Materials about the Americas in the John Carter Brown Library. 1493 to 1840, Providence, 1988. 44. A edição latina intitulada Gesta proxime per Portugalenses in India Ethiopia alijs orientalibus terris; e a alemã: Geschichte kurtzlich durch die von Portugalien jn India/ Morenland/ vnd andern erdtrich der auffgangs von dem durchleutigisten Emanuele Konig portugalie ... 45. A Epistola serenissimi Regis Portugalie ad Iulium papam Secundum de victoria cõtra infideles, Roma, Paris, 1507. No mesmo ano em Estrasburgo na oficina de Johan Knoblach com o título Taprobane Insule Orientalis Ethiopis acquisitio... Um ano mais tarde em alemão em edição isolada (s.L.): Ein abschrift eines sandtbriefes so vnserm allerheyligsten vater dem papst Julio e ainda na antologia Newe unbekanthe landte..., Nuremberga, 1508. 46. Epistola... De Victoriis .. in India & Malacha, Roma, Viena, Colónia, Estrasburgo (?) Nuremberga, Erfurt, 1513; Basileia, 1532 (Novus Orbis). Em alemão: Abtruck ains lateinischen sandtbrieues an babstliche heiligkeit... Augsburgo e Nuremberga 1513; Estras- burgo, 1534 (Die New Welt). 47. Vicenza, 1507.
  • 27. 32 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" alemão, 48 poderiam informar os leitores sobre as viagens ao longo da costa africana até à Índia, bem como sobre a inesperada descoberta de um novo continente. Obras como esta não seriam lidas sem que gerassem profundas reacções. Numa carta datada de 1514, o humanista Willibald Pirckheimer dirigindo- se ao conde Hermann von Nuenar exalta o enorme significado da des- coberta do caminho marítimo para a Índia. Ao sublinhar a passagem do Atlântico Sul, Pirckheimer quer saber se o compasso funciona ao sul do Equador e ainda como seria utilizado, questão esta que coloca ao conde von Nuenar, de quem aguarda uma explicação cuidada.49 Numa carta ao seu amigo Rudolf Agricola, Joachim Vadianus, por sua vez, constata o facto de que, após as navegações de Portugal, se poderia afirmar que a terra seria redonda. Joachim Vadianus seria um dos primeiros autores, que em face das observações dos navegadores portugueses, iria pôr em causa a teoria prevalecente da distribuição das águas na terra.50 Baseando-se na circum-navegação de África pelos portugueses, Joachim Vadianus comprova a existência de vida humana nas regiões ao sul da linha equatorial, facto este que, até há pouco, iria contra todas as concepções existentes. Na cartografia encontramos também rapidamente ressonâncias da empresa marítima. Nos mapas-mundi que o geógrafo Martin Waldseemüller publicou em 1507 constata-se desde já uma crassa influência das viagens dos Descobrimentos. E a sua Geografia (1513), editada em primeira linha como uma reedição de Ptolomeu, tornar-se-ia um verdadeiro marco da cartografia europeia, uma vez que às vinte e sete tábuas do geógrafo alexandrino, Waldseemüller associa cinco referentes aos descobrimentos portugueses e espanhóis. Um outro exemplo é o impressor Johan Grüninger que pede a Willibald Pirckheimer que lhe envie informações sobre o Cabo da Boa Esperança, pois também ele necessita de material para a edição de uma nova Carta marina.51 Grüninger escreve assim a um compatriota, também impressor, Anton Koberger, relatando-lhe que, com a ajuda de Pirckheimer e de outros historiadores e mercadores, pensa vir a obter mais informações e 48. Itinerarium.Portugallensium e Lusitania in Jndia, Milão, 1508, Basileia, 1532, 1536.; alemão: Newe unbekanthe landte.. Nuremberga, 1508. 49. W. Pirckheimer, Briefwechsel, op. cit., 2 vol., pp. 326-27. 50. Publicada na sua edição de Pompónio Mela, Viena, 1518, (primeira 1512), pp. 124-25. 51. J. Grüninger a W. Pirckheimer 14 Junho 1524. In: Oskar Hase, Die Koberger. Eine Darstellung des Buchhändlerischen Geschäftsbetriebes in der Zeit des Überganges vom Mittelalter zur Neuzeit, Leipzig, 1885, pp. CXXIX-CXX.
  • 28. AS VIAGENS MARÍTIMAS E A PROLIFERAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 33 gravuras para a Carta marina.52 Aqui temos um exemplo claro e preciso de como os intelectuais europeus buscavam ansiosamente novas informações sobre as alterações geográficas e culturais do mundo, mantendo por isso, um permanente e intensivo intercâmbio possível graças à epistologia, um dos mais profícuos e frutuosos meios de comunicação. O impressor Johann Grüninger residente em Estrasburgo, estabelece, com efeito, con- tactos com o seu colega, Anton Koberger e com o historiador Wilhelm Pirckheimer, ambos de Nuremberga, a fim de obter o material de que precisa. Além disso, refere que irá receber a ajuda de comerciantes que igualmente se prestaram a mandar-lhe material. Numa outra carta, datada de 26 de Fevereiro de 1525, Grüninger escreve que aguarda notícias e informações de comerciantes radicados em Lisboa, que lhe prometeram arranjar dados in loco, mormente sobre Calecute.53 A distância não representa, pois, qualquer obstáculo para estes homens sedentos de saber. Quer sejam livreiros, comerciantes ou eruditos, eles associam as suas iniciativas numa crassa vontade de conhecer mais novidades referentes às descobertas além-mar e, por conseguinte, à configuração do mundo ultramarino; num esforço colectivo estes amantes das letras são capazes de superar as distâncias que os afasta do centro das novidades.54 Em muitos casos eram os mercadores que mais facilmente se poderiam dirigir às fontes de informação originais, tendo pois a possibilidade de adquirir em 52. J. Grüninger a H. Koberger 25. Julho 1524. In: Oskar Hase, op. cit., p. CXXXI. "[...] hoff als vff den ptholemeus vnd vff daß Carthamarina büch würt ein Cronic der Welt, ob ir hulffen darzü durch birckheimer vnd andere hystorici vnd kaufflüt me zu erfarn auch von kauffluten wie ich üch etlich figuren u besichtigen geschickt, mein es würd ein kürtzwylig buch werden" Grüninger refere-se à carta Marina de Lorenz Fries, como também às edições de Ptolomeu da autoria de W. Pirckheimer. Sobre as publicações de J. Grüninger, veja-se Jean Mueller, Bibliographie Strasbourgeoise. Bibliographie des ouvrages imprimés à Strasbourg (Bas Rhin) au XVIe siècle, 3 vols., Baden-Baden, 1981-1986, em especial 2 vl., pp. 22-50. 53. J. Grüninger a W. Pirckheimer 26 Fevereiro 1525. In: Oskar Hase, op. cit., p. CXXXIX. "[...] ich hab ein newe Cartha marina hüpsch lon schneiden die ir gern sehen werden wer vff diß meß getrukt worden, hat vorm ptholomeus nit sein mögen so bald sie uaß ist wil ich ewer wirde ein hüpsche schenken vnd uch biten zü helfen mit dem büch darüber wil ich uch mein meinung hernach schreiben, ich hab vil stett, lüt, sitten vnd wesen in fromden land, Kaliqut hüpsch conterfeit vnd als geschnitten aber kan lißbona noch nit hon ob kauflüt by üch wern daß mans zuweg brecht, ich hab vil jntineraria, ich mein meinung auch tütsch zu truken." 54. Um exemplo muito significativo é o da cidade de Nuremberga, que contava, por um lado com extenso rol de contactos espalhados pelo mundo e, por outro lado, aqui residia um grupo de pessoas vivamente interessadas nas novidades das viagens de descobertas. Veja-se Ute Monika Schwob, Kulturelle Beziehungen zwischen Nürnberg und den Deutschen im Südosten im 14. bis 16. Jahrhundert, Munique, 1969 e Lore Sporhan-Krempel, Nürnberg als Nachrichtenzentrum zwischen 1400 und 1700, Nuremberga, 1968.
  • 29. 34 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" primeira mão, junto de mareantes ou de personalidades relacionadas com a empresa descobridora, os novos dados sobre o mundo.55 Às viagens portuguesas reservava-se, com efeito, um lugar destacado na discussão cultural além-Pirinéus. Para os letrados europeus estava fora de dúvida que o conhecimento advindo dos descobrimentos ibéricos esti- mulava uma nova dinâmica epistemológica. Ao requerer uma confrontação com as representações até então existentes dos limites e perfis da humanidade e do mundo, a ciência exigia um novo horizonte e uma nova atitude científica. Os múltiplos empenhos dos humanistas no sentido de formular uma imagem verdadeira e exacta sobre o mundo e a humanidade reclamam a recepção e transmissão de informações das várias áreas do saber, nomeadamente, do mundo recém-descoberto. Conscientes de que não só o mundo da Antiguidade Clássica lhes traria o verdadeiro saber e capazes de se deixar embriagar por novos princípios e parâmetros metodológicos, os eruditos cultivavam o diálogo como veículo possível de comunhão intelectual no conhecimento das "coisas da humanidade". 55. Lucas Rem, um dos agentes das casas comerciais alemãs em Lisboa, iria, depois do seu regresso à Alemanha, estreitar o relacionamento entre Erasmo e Damião de Góis. Sobre Lucas Rem, que era familiar do cronista da cidade de Augsburgo, Wilhem Rem, veja-se B. Greiff, Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541, Augsburgo, 1861. Na correspondência coeva encontram-se numerosas referências ao estreito relacionamento entre eruditos e comerciantes. Não podemos negligenciar que os mercadores, dada a sua profunda formação humanista, seriam, muitas vezes, - e gostariam de se compreender como tal - verdadeiros representantes culturais, veja-se Götz Freiherrr von Pölnitz, Augsburger Kaufleute und Bankherren der Renaissance, In: Augusta 955-1955, Augsburgo, 1955, pp. 187-218. Um dos exemplos mais claros desta simbiose entre a actividade comercial e a propagação de informações encontra-se nos Fugger=zeitungen; espalhados pelos diversos centros comerciais, os agentes dos Fugger enviavam cartas, por exemplo, da Índia, Lisboa, Amsterdão, ou Espanha com as notícias mais actuais: Sobre esta colecção, veja-se Victor Klarwill, Fugger=zeitungen. Ungedruckte Briefe an das Haus Fugger aus den Jahren 1568- 1605, Viena, Leipzig, Munique, 1923.
  • 30. 1.2 A Primeira Fonte dos Descobrimentos: A Antologia da Novidade A tradução de várias obras portuguesas e espanholas, na Alemanha, iria despoletar decisivamente a difusão de uma grande quantidade de informações, permitindo que, também neste país, se pudesse estabelecer um adequado contacto com a realidade descoberta além-mar. Vistos na sua função de repórter da novidade, os textos ibéricos eram tidos em grande consideração na Europa, neste caso na Alemanha, que os iria requestar penhoradamente na busca de material sobre os novos acontecimentos históricos. A leitura de obras, onde se anotam as primeiras impressões ao longo do Atlântico e se informa sobre o fascinante Oriente e a curiosa América, requeria-se indispensável. Ao traduzirem os textos, os autores alemães estavam conscientes da importância cultural e científica deste seu gesto: darem a muitos leitores a possibilidade de verem as novas realidades físicas e humanas. Na verdade, estes escritos, particularmente, as relações de viagens, surgiam cada vez mais como inestimáveis fontes da empresa marítima. Assim, e para que se efectuasse uma divulgação efectiva realizar-se- -iam várias publicações com o objectivo de dar a conhecer, se possível, na íntegra e, em primeira mão, estes eventos históricos. O vivo interesse suscitado por estas obras reflecte-se na frequência das edições alemãs, que apesar de algum distanciamento entre a publicação original e a tradução, se publicam dentro de um prazo relativamente curto e em várias edições. Um dos principais motivos para a publicação destes textos era, segundo os seus autores e editores, a necessidade de transmitir rapidamente as novas sob o mundo e a humanidade. Os autores salientam precisamente a vontade de divulgar obras de grande riqueza informativa e documental que se deveriam publicar quanto antes dado que revelam as "coisas maravilhosas e até agora nunca vistas", principalmente "ilhas maravilhosas, bonitas e divertidas com gente nua e negra, com maneiras e usos estranhos e nunca vistos".1 A divulgação de informações manifesta-se urgente, visto que estas aventam novas verdades, verdades estas que curiosamente apresentavam duas facetas: por um lado são insólitas notícias de gentes que não se sabe 1. "[...] wunderbarliche vnd byshere vnerhörte dinge [...] wunderbarliche schöne vnd lustige inseln/ mit nackenden schwarzen lewten seltzamer vnd unerhörten sitten und weyse" Newe Unbekanthe landte..., Nuremberga, 1508, prólogo.
  • 31. A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 37 se se podem chamar de gentes ou não, por outro lado o relato de homens que tinham visto essas terras e gentes com os seus próprios olhos. De facto, a novidade expressa nestes textos apresentava-se simultaneamente como algo de maravilhoso e de estranho, extraordinário e desconhecido. Inesperadamente os navios afloram terras e ilhas maravilhosas agora povoadas por povos de costumes insólitos e bem diferentes dos conhecidos. Esta dualidade de algo extraordinário e, ao mesmo tempo, estranho e diferente, dado que desconhecido, vai atrair a admiração e o interesse de muitos letrados. Apresentar as novas verdades constitue, pois, a preocupação primária do tradutor ou do editor. Além disso, os editores entendem ainda ser da sua responsabilidade publicarem obras, como as relações de viagens, capazes de contribuir para uma certa rectificação ou complementarização de conceituados traços da configuração do espaço geográfico terrestre. Na verdade, as viagens marítimas forneciam novos conteúdos no que respeita ao horizonte já conhecido, definindo outros debuxos provenientes da experiência empírica. Os autores-viajantes tinham visto com os seus próprios olhos o que transmitem nas obras e, daí que nos títulos e prólogos das traduções se sublinhe a confiança completa na veracidade dos testemunhos formulados. Os editores e tradutores tecem, por isso, nas suas introduções elogiosas considerações às "navegações", mencionando, em especial, o enorme significado que representam para a humanidade os progressos alcançados pelos portugueses nas suas viagens por mares desconhecidos e ao longo de margens costeiras nunca anteriormente visitadas; na sua opinião, estas suas viagens viriam a permitir o relacionamento e as trocas com outros povos, de forma a que todo o mundo se visse como num espelho. O avanço pelo Atlântico possibilitara, a seu ver, um diálogo civilizacional entre as várias partes do mundo, facto que não passaria despercebido pelo que os autores alemães exprimem acesos e rasgados louvores à arte de navegar, referenciando com apreço as árduas iniciativas de portugueses e espanhóis. Olhar e compreender o mundo nesta sua nova dimensão torna-se o lema dos letrados coevos. Já no dealbar do século XVI, o humanista alemão Simon Grynaeus apontava a necessidade de conhecer todos os povos do mundo, frisando que o conhecimento de outros povos, outros costumes e credos seria, a seu ver, mais proveitoso do que a leitura de "muitos outros livros que nos nossos tempos se teriam escrito sobre a fé".2 2. "[...] viel andern Büchern die zu unsern Zeitten von dem Glauben geschrieben wurden". Simon Grynaeus, Die New Welt..., Estrasburgo, 1534, prólogo.
  • 32. 38 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" A recepção da cultura dos Descobrimentos demora, no entanto, algum tempo, decorrendo em várias etapas representativas do ambiente cultural germânico. Inicialmente importa reunir um vasto caudal de dados capazes de formular uma primeira visão de conjunto dos acontecimentos. Compilando, lado a lado, os textos mais significativos das viagens de Descobrimentos, poder-se-ia delinear uma visão geral do encontro com a novidade elaborando-se, o que poderemos chamar, a primeira antologia das viagens marítimas. A descoberta de novos mundos, inicialmente propagada por nautas, mercadores, livreiros e eruditos em pequenos textos informativos, viria a ser coligida numa publicação exemplar. Tendo em mente apreender o desenrolar do percurso histórico organiza-se uma visão de conjunto das diferentes etapas de expansão no mundo ultramarino. Em 1508 vinha, pois, a lume em Nuremberga a Newe unbekandte..., versão alemã de um título publicado no ano anterior na Itália: os Paesi novamente retrovati.3 Tal como Jobst Ruchamer, o tradutor, afirma no seu prólogo é a novidade das informações que o leva a verter rapidamente este livro para o alemão na ânsia de que outros leitores possam conhecer este mundo novo. O facto de se tratar de realidades completamente ignoradas, como a existência de ilhas habitadas de homens, afinal, adamitas surge como algo de extraor- dinário e estonteante, até então considerado impossível. Daí que informações como esta venham a significar, por um lado, a introdução de dados contrários aos defendidos pelos autores da Antiguidade Clássica,4 logo em contradição com eles, por outro lado, venham a inaugurar uma nova ordem do saber. Os novos dados ao formularem que a terra a sul da linha equatorial seria habitada - teoria refutada pelos autores da Antiguidade Clássica -, geravam, indubitavelmente uma confrontação com os quadros do saber herdado e encorajavam ao conhecimento do mundo na sua dimensão universal. As viagens dos Descobrimentos avivam a confiança no ser humano que não hesita em avançar por mares e terras ignotos, contribuindo para a criação de um mundo novo. Esta obra em seis livros apresenta nos dois primeiros a relação de Luís de Cadamosto sobre a sua viagem ao longo da costa ocidental africana até ao Senegal e Cabo Verde, de onde seguiria, até ao rio Gâmbia, então acom- 3. Fracanzio da Montalboddo, Paesi novamente retrovati..., Vicenza, 1507. 4. Sobre os conhecimentos relativos ao continente africano antes do descobrimentos portugueses, veja-se Michael Herkenhorff, Der dunkle Kontinent. Das Afrikabild im Mittelalter bis zum 12. Jahrhundert, Pfaffenweiler, 1990; Luís de Albuquerque, Introdução à História dos Descobrimentos Portugueses, 3ª edição revista, Lisboa, s.d., em especial, pp. 105-179.
  • 33. A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 39 panhado pelo genovês Antoniotto Usidomare. No texto de Luís de Cadamosto teremos o ensejo de conhecer a primeira descrição referente a estas regiões da costa africana, bem como o diálogo estabelecido entre os viajantes e os povos costeiros, sendo por certo esta a razão da sua inclusão nesta obra. Aqui encontraremos ainda os textos referentes às expedições de Pedro Álvares Cabral, Américo Vespúcio e Cristovão Colombo, como também cartas escritas, em grande parte, durante a viagem de Pedro Álvares Cabral, entre estas, uma epístola do rei português ao sumo pontífice, onde se afloram questões relacionadas com o comércio das especiarias. Por fim, esta edição acrescenta uma tabela relativa à origem e ao preço de cada um dos produtos orientais, distanciando-se curiosa e significativamente do texto original. A composição desta obra, ao desenhar a costa ocidental africana, reconstruir a imagem da Índia e traçar o perfil de um novo continente segundo descrições de viajantes que viram e descreveram os locais visitados, constituiria um documento ímpar para o conhecimento das novas regiões e gentes, isto é, para a definição do encontro com a novidade. Esta antologia, vinda a lume em várias edições, permaneceria uma composição única, a que se adicionariam alguns dados mais recentes. É o caso da edição de 1532/1534,5 em que a antologia será a grande parte do corpus documental. Simon Grynaeus, o seu autor,6 com vista a apresentar o mundo na sua totalidade, reedita esta antologia, a que irá compilar interessantemente textos concernantes ao mundo já conhecido. Um conhecimento global do orbe terráqueo tornava necessária uma recolha não só das novidades reveladas pelas viagens dos descobrimentos, mas também dos fundamentos do mundo já existentes ou redefinidos, mas até há pouco desconhecidos. Esta sua publicação compõe-se, por isso, de duas partes distintas, mas perfeitamente complementares. Isto é, com as viagens por mar e por terra, o globo adquire uma nova dimensão e, consequentemente, uma outra configuração. O mundo tal como era conhecido e o mundo recém-descoberto reformulam-se. No vivo desejo de transmitir informações referentes às diversas regiões do mundo, Simon 5. Simon Grynaeus, Novus Orbis..., Basileia, 1532. Tradução em língua alemã de Michael Herr, Die New Welt..., Estrasburgo, 1534. 6. Simon Grynaeus em primeira linha um teólogo, leccionou as cátedras de teologia e de grego na Universidade de Heidelberga e, mais tarde, na de Basileia. Foi um profundo conhecedor dos autores clássicos, tendo editado obras de Aristóteles, Platão, Euclides, Ptolomeu, Plutarco, Aristofanes, Tito Lívio, entre outros. Além disso, S. Grynaeus foi um dos teólogos prostestantes mais activos durante a Reforma. O seu discurso de humanista e de reformador são as duas vias de uma mesma atitude existencial.
  • 34. 40 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" Grynaeus7 compila esta obra que viria a público com uma carta-mundi da autoria de Sebastian Münster - também uma iniciativa de caracterizar, aqui visualmente, o espaço terrestre. Simon Grynaeus reune na sua colecção, o texto de Luís de Cadamosto, bem como os também já traduzidos por Jobst Ruchamer, escritos de Cristovão Colombo, de Américo Vespúcio Mundus Novus e as relações sobre a Índia, a que agora junta Ludovico Varthema,8 Marco Polo, Petrus Martyres e outros relatos sobre os "povos poderosos do mundo antigo conhecido".9 O autor edita ainda uma carta de D. Manuel I ao pontifíce Leão, em que o soberano português lhe comunica os feitos dos portugueses na Índia.10 Tendo em consideração a diversidade regional, Simon Grynaeus atenta recolher a imagem global, no intuito de construir uma nova concepção espacial do mundo. O tradutor da edição alemã, Michael Herr,11 dá forma a esta concepção no seu título: "O novo mundo, as terras e ilhas até agora desconhecidas por todos os escritores antigos do mundo, há pouco tempo, todavia, descobertas pelos portugueses e espanhóis no mar de baixo. Juntamente com usos e costumes dos povos habitantes. Também o que descobriram de produtos e mercadorias entre eles, trazendo-os para a nossa terra. Aqui encontra-se também a origem e a nossa antiga tradição dos povos poderosos e 7. Veja-se Max Böhme, Die großen Reisesammlungen des 16. Jahrhunderts und ihre Bedeutung, Amsterdão, 1968, em especial, pp. 49-60, em que se anota que Simon Grynaeus teria sido ajudado por Hervagio e J. Huttich na elaboração desta obra. Henry Harrisse, Bi- blioteca Americana, A description of works relating to America published between the years 1492 and 1551, Nova Yorque, 1967 adianta, por sua vez, que Simon Grynaeus só teria redigido o prólogo desta mesma obra, pelo que alguns autores baseados neste facto a mencionem como a "Collectio Huttichio-Grynaeo-Hervagiano. Sobre esta colecção, veja-se também Michel Korinman, Simon Grynaeus et le "Novus Orbis": Les Puvoirs d'une Collection, In: Jean Céard e Jean-Claude Margolin (Ed.), Voyager à la Renaissance, Paris, 1987, pp. 419-431. 8. A obra de Ludovico Varthema seria editada pela primeira vez, em Roma, no ano de 1510. Ludovico Varthema viajara entre os anos 1503-1507 pela Síria, Arábia, Pérsia e Índia, tendo reunido várias informações, que então viriam a público. No ano 1515 seria traduzida e publicada na Alemanha sob o título Die ritterlich und lobwirdig rays des gestrengen und über all anderweyt erfarnen ritters und Landfarers herren Ludovico Vartomans... 9. "[...] gwaltigsten völcker der altbekanten welt". 10. Esta carta já tinha sido publicada no ano de 1521: Epistula invictissimi regis portugaliae ad Leonem. 11. O autor, Michael Herr, para além de ser médico, comunga igualmente de uma dedicação pelos autores clássicos, tendo publicado traduções das obras de Plutarco e de Seneca. Seria ainda o tradutor da relação de viagem de Ludovico Vartema. Note-se o facto de se encontrar mais uma vez um médico como tradutor. Com efeito, a medicina contemporânea era essen- cialmente uma ocupação com os textos clássicos, revelando-se, deste modo, importante a sua função interpretativa e linguística.
  • 35. A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 41 príncipes do mundo antigo conhecido, assim, como os Tártaros, Mosco- vitas, Russos, Prussianos, Húngaros, Eslavos, etc.".12 No prólogo, Simon Grynaeus defende a opinião de que seria imprescendível estudar todas as regiões do mundo e todos os povos recém-descobertos se se pretendia alcançar um maior e mais profundo conhecimento da humanidade; o contacto e a confrontação com outros costumes, outros credos oferecia, a seu ver, valiosos pontos de análise e comparação, deveras, indispensáveis ao conhecimento dos povos europeus e à concepção humana em geral. O livro de Simon Grynaeus, publicado uma só vez em alemão, conheceria várias edições em latim13 e ainda uma versão holandesa, no ano de 1563. Cotejando a edição italiana e as alemãs respectivamente de 1508 e 1534, verificamos algumas divergências que convém salientar. Vejamos. Se já na edição de 1508 se poderiam assinalar algumas alterações em relação à edição italiana no que respeita aos títulos dos respectivos capítulos, sendo estes como que um pequeno resumo do capítulo afim, e embora não se pretenda efectuar uma análise exaustiva dos métodos e qualidades das traduções, o certo é que urge assinalar uma frequente interferência do tradutor, neste caso Jobst Ruchamer. Assim, quando Luís de Cadamosto refere que no final da sua descrição do reino do Senegal:"Di altri animali non ne ho avuto informazione salvo de' sopradetti",14 Ruchamer precisa, mencionando a inexistência de girafas ou outros animais selvagens, como se esta frase também tivesse saído da pena de Cadamosto.15 Verifica-se uma necessidade, por parte do tradutor, de precisar a informação recorrendo a exemplos de animais conhecidos mas extraordinários e 12. Título em alemão: Die New Welt, der Landschaften vnnd Insulen, so bis hie her allen altweltbeschrybern vnbekannt, jungst aber von den Portugalesern vnnd Hispaniern jm nidergenglichen Meer herfunden. sambt den sitten vnnd Gebreuchen der Inwonenden Völcker: auch was Gütter oder Waren man bey jnen funden, vnd jnn vnsere Landt brach hab. Do bey findt man auch hie den Vrsprung vnd alt herkummen der fürnemsten gwaltigsten Völker der altbekanten Welt, als do seindt die Tartaren, Moscouiten, Reussen, Preussen, Hungern, Sschlafen, Etc. 13. Edições latinas nos anos de 1537, 1555 e 1616. Nesta última edição seria reunido um outro texto português, o de Gaspar Barreiros, Commentarivs de Ophyra Regione, Coimbra, 1561. Nesta obra G. Barreiros procura abordar a questão da localização de Ofir segundo as perspectivas de vários autores. Este texto tinha sido publicado pela primeira vez em Coimbra, no ano de 1561, fazendo parte da sua Chorographia e em 1600 em Antuérpia como texto isolado. 14. Navegações de Luís de Cadamosto, ed. Giuseppe C. Rossi, Lisboa, 1944, p. 52 (segundo a edição de Vicenza, 1507). 15. "Ich habe auch vernümen das dysem lendem kein Zyraffen/ vnd mancherley andere wilde Tiere". Newe unbekanthe Landte..., Nuremberga, 1508, Cap. xxix. (sem pág).
  • 36. 42 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" invulgares. Ao referenciar a girafa, Ruchamer chama a atenção para a busca incessante de animais exóticos característicos de terras longínquas e distantes. É visível ainda uma certa dificuldade em verter determinadas palavras ainda não correntes do quotidiano europeu. No que tange à edição de 1534 deparamos de igual modo com uma interferência do tradutor. Apostando numa reprodução total do texto, o portador de novas realidades procura atribuir mesmo aos nomes regionais e geográficos uma designação alemã, retocando, muitas vezes, com informações. Assim, não se fala de "mohren", o mouro da Guiné, mas de "schwarzen mohren" de mouros negros, visto que o conceito poderia ser equívoco. Quando descreve a cidade de Tunes, acrescenta que é a capital da Barbaria em África e ao mencionar o rio Nilo comenta que Plínio se lhe referenciaria no quinto livro da sua História Natural.16 Estes pequenos comentários denotam a tentativa de tornar o texto, a seu ver, mais compreensível, ou seja, autentificar conceitos consoante uma autoridade no intuito de os aproximar da realidade conhecida. Isto é: Luís de Cadamosto escreve o seu texto sem recorrer a qualquer autoridade, mas Michael Herr necessita de citar Plínio para comprovar as afirmações do nauta veneziano ao serviço do monarca português. Neste cotejo deparamos, pois, com duas atitudes epistemológicas: enquanto Luís de Cadamosto se baseia naquilo que ele próprio observou ou ouviu dizer, os tradutores alemães, tanto Jobst Ruchamer como Michael Herr, recorrem aos depoimentos da Antiguidade Clássica para confirmarem ou complementarizarem as notícias dos relatos de viagens. Se num caso o conhecimento se apoia na experiência pessoal, no outro é o saber heurístico fundado na análise e interpretação que determina o acto de conhecer. No mesmo ano da tradução de Michael Herr (1534) viria a público o Weltbuch de Sebastian Franck, obra esta que, como o próprio título indica, visa formular uma descrição do mundo repartida por quatro capítulos, correspondentes precisamente aos quatro continentes. Nesta publicação, Sebastian Franck, que pretende realizar um compêndio dos conhecimentos contemporâneos, procede a mais uma edição da antologia da novidade. E curiosamente será no capítulo em que aborda o continente americano que o autor inseriu os textos relativos às viagens dos Descobrimentos, onde assim poderemos reencontrar os nomes de Luís de Cadamosto, Pedro Álvares Cabral, Cristovão Colombo e Américo Vespúcio, em suma, a 16. "Inn Klein Africa, das ist ein haupstatt der Barbarey"; Plinius hat auch davon geschreiben jm funfften büch seiner Natürlichen Historien" Simon Grynaeus, Die New Welt, Estrasburgo, 1534, Cap. XIIII (sem pág.)
  • 37. A ANTOLOGIA DA NOVIDADE 43 célebre antologia italiana. A publicação destes textos não é, per si, estranha, dado que já tinham sido impressos e eram conhecidos; singular é, sem dúvida, o facto de num capítulo sobre a América, aparecerem rela- tos referentes às costas africanas e ao Oriente. O Weltbuch de Sebastian Franck será reeditado, sem qualquer alteração, em 1542 e 1567. As razões prementes para a publicação da antologia na Itália continuam a ser as mesmas ao longo do século XVI pelo que esta obra permanece, na Europa, como a visão de conjunto das viagens além- mar. Ela constituiria o primeiro registo da novidade dos Descobrimentos sem fronteiras espaciais ou temporais.17 O interesse editorial pela empresa descobridora não esmoreceria e, mais tarde, surgiriam outras colecções de viagens igualmente desejosas em contribuirem para a divulgação dos feitos marítimos. Ao compilarem escritos representativos das descobertas além-mar, as colecções de viagens visavam manter aceso este interesse pelo mundo ultramarino e daí o empenho dos seus organizadores em obterem informações ilustrativas sobre estes novos mundos do mundo. Recordemos Valentim Fernandes, os Paesi novamente retrovati e as suas versões em língua alemã, os volumes de Giovanni Battista Ramusio, Sigmund Feyerabend, Levinus Hulsius e da família Bry. A colecção de Giovanni Battista Ramusio constitui um importante contributo no que respeita à grande quantidade de informações recolhidas, bem como à organização do material. As Navigazioni et Viaggi surgem no ano de 1550 em Veneza, mais precisamente o seu primeiro volume, seguindo-se em 1556 o terceiro,18 enquanto o segundo só apareceria em 1559. O quarto volume nunca viria a ser editado.19 No primeiro volume, Giovanni B. Ramusio colige as grandes notícias referente à circum-navegação de África, à chegada dos portugueses à Índia e ao descobrimento da América. No segundo volume este atento letrado torna conhecidas outras descrições portuguesas,20 como é o caso 17. Após a primeira edição em Vicenza, 1507, seguem-se outras edições na Itália (1508, 1512, 1517, 1519, 1521) na Alemanha (1508, 1534, 1542, 1567) na França (1515, 1516, 1521, 1528, 1529) e em latim nos anos de 1508, 1532, 1537, 1555 e 1616 (esta última com grandes alterações). 18. Volume que Joachim Heller utilizou para traduzir o texto de Francisco Álvares e Andrea Corsali. 19. Veja-se G. B. Ramusio, Navigazioni et Viaggi, ed. Marica Milanesi, 6 vols, Torino, 1978- 1980. 20. Ramusio estabeleceria vários contactos, a fim de recolher o máximo de material existente sobre as viagens marítimas. O seu interesse pela relação de Francisco Álvares leva-o a dirigir- se a Damião de Góis, na Holanda, pedindo-lhe um exemplar. Este envia-lhe, de facto, uma cópia do seu texto, mas pouco depois seria editada a obra de Francisco Álvares em Portugal
  • 38. 44 "COISAS MARAVILHOSAS E ATÉ AGORA NUNCA VISTAS" de Il libro delle Indie orientali di Duarte Barbosa, de Il sommario di Regni, città popoli orientali di Tomè Pires21 e de alguns capítulos de João de Barros Sei capitoli dell Asia di João de Barros, cuja obra já tinha sido publicada em Lisboa, no ano de 1552, bem como os escritos de Francisco Álvares e de Andrea Corsali. Os textos de Duarte Barbosa e de Tomé Pires impressos pela primeira vez nesta obra revelam valiosas informações sobre a costa oriental africana e a Índia, sendo Duarte Barbosa o primeiro português a escrever sobre Sofala e o reino do Monomotapa. Logo, no prólogo, Giovanni Battista Ramusio tece um rasgado e caloroso elogio ao cronista João de Barros pelo valioso material recolhido e apresentado nas suas obras, salientando, em especial, o enorme valor documental dos aspectos geográficos tão destacados e desenvolvidos por este historiador português, questão esta fulcral na selecção que Giovanni Battista Ramusio fez da Ásia. O erudito italiano iria, assim, privilegiar alguns textos relativos à costa ocidental africana e hinterland, à situação geográfica da Índia e da costa oriental africana, um capítulo sobre o conti- nente asiático, onde aborda em pormenor o reino da China, e termina esta selecção com Sofala e o reino do Monomotapa.22 O terceiro volume aborda a Índia ocidental segundo textos de Ferdinando Oviedo, Fernando Cortés e Jacques Cartier. A obra de Giovanni Battista Ramusio apresenta, de facto, no seu plano algo de novo. O material não é, pois, organizado segundo as etapas da empresa marítima, como acontece nos Paesi novamente retrovati, nem pretende ser uma tentativa de descrever o mundo numa estreita articulação entre o mundo antigo e o novo, como em Simon Grynaeus. É, na verdade, a ideia da homogeneidade do mundo e de preencher as zonas pouco conhecidas que coordena a ordenação de material.23 (1540), que Ramusio encomendaria igualmente, trabalhando, desta forma, com os dois exemplares. As iniciativas levadas a cabo para reunir o material respeitante à viagem de Francisco Álvares seriam por ele próprio registadas no seu prólogo, também traduzido por Joachim Heller. 21. As relações de Duarte Barbosa e de Tomé Pires seriam publicadas em Portugal somente no século XIX e XX, respectivamente. 22. As suas descrições geográficas precisas sobre o continente africano, em especial sobre Monomotapa e Sofala, viriam a ter grande influência na cartografia. Veja-se Avelino da Teixeira Mota, A Cartografia Antiga da África Central e a Travessia entre Angola e Moçambique (1500-1860), Lourenço Marques, 1964, pp. 25-28. 23. Veja-se a introdução da edição de Marica Milanesi, op. cit., e ainda da mesma autora, "Giovanni Battista Ramusios Sammlung von Reiseberichten des Entdeckungszeitalters 'Delle Navigazioni e Viaggi' (1550-1559) neu betractet", In: Reiseberichte als Quellen europäischer Kulturgeschichte, ed. Antoni Maçzak e Hans Jürgen Teuteberg, Wolfenbüttel, 1982, pp. 33- 44.