1. PROJETO ALFATEC
Formação Continuada de Docentes Alfabetizadores Mediada
pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação
CURSO UPCA
Uso Pedagógico do
Computador na Alfabetização
Angela Freire
Aquisição da Ortografia
Uma criança é considerada alfabética quando descobre que nossa escrita tem
relação com a fala. Ela começa entender os princípios do sistema alfabético quando
ela percebe que a escrita pode ser oralizada e que escrevemos “tudo” que
oralizamos. A partir daí, a criança começa a tentar descobrir as regras do sistema e,
inicialmente, tenta representar cada sílaba oralizada, percebendo depois que deve
tentar apenas representar não apenas os segmentos silábicos, mas as unidades
menores, os fonemas.
Exemplo: ela ouve e fala gato e escreve gatu;
ela ouve e fala casa e escreve caza.
A ortografia cumpre a função de, através da normatização das formas gráficas,
facilitar a comunicação entre as pessoas. As normas ortográficas não são naturais,
mas estabelecidas por convenção social. Daí a grande dificuldade enfrentada pelos
escritores iniciantes na composição de seus textos. A criança terá que, em seu
aprendizado, reconstruir esta convenção.
Todas as regras ortográficas são fruto de uma convenção social, de um acordo
estabelecido pelos especialistas cujo objetivo é padronizar a escrita.
O ensino da ortografia deve ter início assim que o aluno começa a entender o
sistema de escrita alfabética - de preferência ainda no 1º ano do Ensino
Fundamental. Isto é, quando tiver aprendido o valor sonoro das letras e já puder ler
e escrever pequenos textos. Desta forma, o aprendizado da ortografia parece
ocorrer de forma gradual, seguindo uma sequência evolutiva.
Idéias sobre a aprendizagem da ortografia:
1. Aprende-se ortografia treinando as palavras corretas.
Concepção: aprende-se ortografia através da memorização que se dá na repetição
da grafia convencional das palavras.
Foco: treinamento, memorização e repetição das palavras corretas.
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2. Aprende-se ortografia lendo muito.
Concepção: aprende-se ortografia através da exposição repetida da grafia correta,
essa exposição se dá naturalmente em atividades contínuas de leitura.
Foco: repetição e exposição contínua de leitura.
Exemplo: estudo de listas de palavras para ditado ou cópia correta dos erros
cometidos.
Erro: algo que precisa ser rapidamente superado.
Nesta atividade: a criança não é solicitada a pensar o porquê da grafia correta.
3. Aprende-se ortografia analisando os tipos de erros, neste sentido, a criança se
apóia em informações e hipóteses. Tais erros refletem a lógica por ela utilizada e o
desconhecimento de princípios ortográficos específicos.
Nesta atividade: a criança é solicitada a pensar o porquê da grafia correta.
Erro: são reflexos não apenas do que a criança não sabe, mas também do ela já sabe
sobre o sistema utilizado; fonte importante de conhecimento dos processos de
aquisição da língua escrita.
Foco: reflexão das atividades e tomada de consciência dos princípios básicos do
sistema.
A convenção que unifica a escrita das palavras em Língua Portuguesa exige algum
esforço para ser compreendida. Observe abaixo os casos mais frequentes, seguidos
de exemplos práticos.
Regulares — São as palavras cuja grafia podemos prever e escrever, mesmo sem
conhecê-las, porque existe um "princípio gerativo", regra que se aplica à maioria das
palavras da nossa língua. As correspondências regulares podem ser de três tipos:
1) Diretas — Inclui a grafia de palavras com p, b, t, d, f e v (exemplo: pato,
bode ou fivela). Não há outra letra competindo com elas, mas é comum a
criança ter dificuldade para usá-las por causa do pouco conhecimento da
pronúncia.
2) Contextuais — A "disputa" entre o r e o rr é o melhor exemplo desse tipo de
correspondência. A grafia que devemos memorizar varia em função do som da
letra. Por exemplo: para o som do "r forte", usamos r tanto no início da palavra
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(risada), como no começo de sílabas precedidas de consoante (genro). Quando
o mesmo som de "r forte" aparece entre vogais, sabemos que temos que usar
rr (carro, serrote). E, quando queremos registrar o outro som do r, que alguns
chamam de "brando", usamos só um r, como em careca e braço. Essa
variedade explica por que, a princípio, as crianças têm tanta dificuldade.
3) Morfológico-gramaticais — Nesse caso são os aspectos ligados à categoria
gramatical da palavra que estabelecem a regra com base na qual ela será
escrita. Por exemplo: adjetivos que indicam o lugar onde a pessoa nasceu se
escrevem com esa (francesa, portuguesa), enquanto substantivos derivados se
escrevem com eza (certeza, de certo; avareza, de avaro). Na maioria dos casos
essas regras envolvem morfemas (partes internas que compõem a palavra),
sobretudo sufixos que indicam a família gramatical.
Irregulares — Não há regras que ajudem o estudante a escrever corretamente. A
única saída é memorizar a grafia ou recorrer ao dicionário. Elas se concentram
principalmente na escrita:
• do som do s (seguro, cidade, auxílio);
• do som do j (girafa, jiló);
• do som do z (zebu, casa);
• do som do x (enxada, enchente);
• o emprego do h inicial (hora, harpa);
• a disputa entre e, i , o e u em sílabas átonas que não estão no final de palavras
(seguro, tamborim);
• ditongos que têm pronúncia "reduzida" (caixa, madeira, vassoura etc.).
Os erros ortográficos que aparecem comumente no texto das crianças
principalmente nas primeiras séries do Ensino Fundamental, onde as crianças se
encontram numa fase de transição da escrita alfabética para uma escrita
ortográfica, podem ser assim classificados:
a) Troca entre letras com sons foneticamente semelhantes – a criança troca letras
que possuem alguma semelhança fonética. As trocas mais comuns são os fonemas
sonoros (/b/,/d/,/g/,/v/) pelos surdos (/p/,/t/,/k/,/f/). Exs: chocolade (chocolate),
era uma fez (era uma vez), laco (lago).
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b) Dificuldade no uso de marcadores de nasalização – a criança pode omitir, trocar
ou usar de modo não-convencional os marcadores da nasalização. Exs: criaças
(crianças), bamho (banho), demte (dente).
c) Dificuldade com as regularidades contextuais – a criança ao escrever não leva em
consideração o contexto, ou seja, a posição da letra na palavra, para escolher a letra
ou dígrafo que representem o fonema que quer escrever. Exs: coragosa (corajosa),
pasear (passear), serreias (sereias).
d) Dificuldade na escrita das regularidades morfossintáticas – a criança erra por
não levar em consideração os aspectos morfossintáticos da língua que regem a
grafia da palavra. Exs: acharão (acharam), falace (falasse).
e) Dificuldade na marcação de acentos gráficos – a criança omite o acento gráfico
ou acentua a palavra de forma indevida. Exs: nao (não), la (lá), historia (história).
f) Dificuldade na escrita de sílabas complexas – a criança encontra dificuldade na
escrita de mais sílabas complexas, ou seja, daquelas que fogem do padrão
consoante-vogal (CV). Esta dificuldade pode aumentar no caso de encontros
consonantais, dígrafos ou sílabas travadas. Exs: sempe (sempre), bincando
(brincando), melor (melhor).
g) Erros de Segmentação – A criança pode agrupar as palavras indevidamente
(hipossegmentação) ou desmembrar as palavras em dois ou mais segmentos
(hipersegmentação). Exs: sichamava (se chamava), em controu (encontrou),
nafloresta (na floresta).
h) Modificações na palavra – a criança omite, adiciona ou desloca letras,
dificultando a compreensão da palavra. Exs: espe (sempre), emtarro (entraram).
i) Erros por referência à fala – nas hipóteses iniciais da criança acerca da relação
entre a língua falada e a língua escrita, as relações entre as letras e fonemas são
concebidas de maneira biunívoca. Sendo assim, a criança erra ao tentar reproduzir
em sua escrita a palavra da mesma forma como esta é pronunciada, fazendo uso da
hipótese da regularidade de natureza biunívoca entre fonemas e letras. Ex: veis
(vez), mininas (meninas), ispanto (espanto).
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j) Dificuldade na escrita das irregularidades da língua - a motivação para a escrita
destas palavras está ligada à sua origem, envolvendo, portanto alguma forma de
memorização. A criança erra por optar por uma letra que não é a forma
convencional de grafar a palavra, embora seja uma escolha possível entre as
representações disponíveis na língua para o fonema que pretende grafar. Exs: ora
(hora), comesou (começou).
l) Erros por hipercorreção – ao compreender cada vez mais a distinção entre língua
falada e língua escrita bem como abandona o ideal de uma regularidade absoluta na
correspondência entre letra e som, a criança começa a se corrigir. Neste processo, a
criança pode fazer generalizações indevidas para contextos onde certa regra não
deveria ser empregada. Exs: resistio (resistiu), paes (pais), does (dois).
m) Troca de letras por semelhanças na grafia – a criança troca uma letra por outra
que possui semelhança na grafia. Exs: mome (nome), geriam (queria).
n) Omissão de letra – a criança omite uma letra, sem motivo aparente. Exs: dis
(disse), digitalido (digitalizado).
É papel do professor ajudar a criança refletir sobre os erros ortográficos. Só assim
ela internaliza as regras, que, por serem aparentemente complexas, vão desafiá-la
por toda a vida.
Quem não cria oportunidades de reflexão sobre as dificuldades ortográficas do
idioma não pode nunca exigir que o aluno escreva certo.
O desafio maior do professor é elaborar situações didáticas que permitam à turma
compreender as conexões entre a língua e a ortografia.
COMO TRABALHAR ORTOGRAFIA NOS PRIMEIROS ANOS DE ESCOLARIDADE
• Proponha a observação de um grupo de palavras - em atividades diversas - para
que os alunos observem se há regularidades em sua escrita.
• Depois, a turma discute o que observou e encontra uma maneira de explicá-las.
• Com a explicitação das regras feita coletivamente, é hora de registrá-las por
escrito, para que todos possam consultá-las quando necessário.
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• Nessa perspectiva, as regras ortográficas são “elaboradas” pela própria turma, já
que é ela que determina o que há de comum entre as palavras observadas e de
que maneira transformar o observado em uma sentença a ser registrada.
• Em ditados, releituras ou reescritas, a ideia é que o professor chame a atenção
dos alunos para as palavras que julga constituir “desafios ortográficos”,
interrompendo a atividade para discussões coletivas sobre a grafia dessas
palavras.
• Encontrar em revistas e jornais palavras que se encaixem em grupos com uma
determinada característica ortográfica.
• Propostas jogos em que as crianças devem relacionar cartelas com palavras que
sigam a mesma regra ortográfica (“carro”, “sorriso” e “espirro”, ou “careta” e
“clarão”).
• Propor a escrita propositalmente errada de palavras cuja ortografia siga uma
regularidade: para fazê-lo, a criança precisa conhecer a grafia correta.
• No ensino das palavras irregulares, o princípio é diferente, já que sua grafia não
se orienta por regra alguma. Nesses casos, não há muito o que compreender, é
preciso memorizar.
• Consultar modelos - locais onde sabemos que determinada palavra está escrita da
maneira correta - e usar o dicionário (que envolve conhecer a forma como as
palavras estão nele organizadas e como procurar um termo flexionado, por
exemplo).
• Combinar com a turma a produção de uma pequena lista de palavras de uso
frequente que eles devem memorizar para não mais errar.
• Estimular o uso de dicionário como material de consulta. O aluno poderá tirar
suas dúvidas ortográficas de uma forma mais autônoma.
Promover o estudo da ortografia é muito mais do que ensinar um conjunto de
regras que visam à descrição da língua de acordo com a norma-padrão. As tarefas
voltadas para a compreensão da ortografia devem ser, antes de tudo, atividades de
reflexão sobre a língua em suas duas modalidades: escrita e falada. É no estudo
sobre as relações entre o "como se fala" e o "como se escreve" que o aluno percebe
as diferenças entre os dois códigos, compreende as convenções do registro escrito.
Os especialistas são unânimes em dizer que é desnecessário separar um tempo
específico para trabalhar a ortografia na escola, mesmo em turmas já alfabetizadas.
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As regras devem ser objeto de reflexão e discussão somente durante atividades de
reescrita e de revisão de texto que estarão previstas no planejamento.
A criança ao aprender a escrever terá que refletir sobre a língua escrita a fim de
compreender seus diferentes aspectos: fonológicos, morfológicos, sintáticos,
semânticos e pragmáticos. Aos poucos a criança irá perceber que não podemos
escrever exatamente da mesma forma que as palavras são pronunciadas, o que a
fará refletir sobre as irregularidades da Língua Portuguesa.
Ainda existem várias dúvidas a respeito de como tratar o ensino e a aprendizagem
da ortografia da Língua Portuguesa. Porém, é importante ressaltar que o ensino da
ortografia não deve estar dissociado da leitura e produção de textos. Isto porque ao
ler e ao escrever seus textos, a criança estará utilizando de forma significativa a
ortografia e compreendendo claramente uma das principais funções da ortografia:
facilitar a comunicação por meio da normatização da grafia. Este ensino também
precisa ser sistematizado de acordo com os objetivos que se deseja alcançar com
determinado grupo de alunos. Portanto, um maior conhecimento sobre como se
estrutura o sistema ortográfico da Língua Portuguesa se faz necessário, a fim de
entender melhor os progressos e dificuldades que as crianças enfrentam nessa fase.
Referência
MORAIS, Arthur Gomes. Ortografia: Ensinar e Aprender. São Paulo: Ática, 1998.