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RELAÇÃO DE AMIZADE ENTRE O VERBO E EU
José Aniervson Souza dos Santos
1
“E o verbo se fez carne e habitou entre nós”. Esta é uma das passagens
bíblicas que pode ser encontrada em um dos quatro evangelhos que me chama
muita atenção. Por diversos motivos. Entre eles pela ideia de que esse “verbo”
vive/habita ente nós. Na realidade eu nunca duvidei dessa verdade. Eu sempre
acreditei que o verbo pudesse estar em qualquer lugar, menos no céu. O céu é
um lugar fisicamente e espiritualmente longe da terra onde nós habitamos.
Então o verbo estaria longe de nós? Eu não acredito nisso.
Não apenas atualmente, mas há uma longa história de opressão em que
personalidades humanas “criadas a imagem e semelhança” desse verbo vem
forçando-nos a acreditar que ele vive no céu. Eu repito. Eu não acredito nisso.
Eu também não acredito que exista um céu e um inferno, ou ao menos, não
como muitos desenham. Eu também não acredito que o verbo seja rancoroso,
pois “ele é amor”.
Ao longo da história muitas nações, reinados, governos, grupos e pessoas
tentaram monopolizar a fé, institucionalizando-a. Hoje, nos vendem um produto
de quinta categoria que vem manchado com sangue, rancor e medo. Tentam
colocar em nossos lares um verbo que não habita entre nós, mas em um lugar
imaginário, onde nossa humanidade não pode tocar. Criaram uma imagem do
verbo que despreza as singularidades criadas feito à sua verdadeira essencia e
bondade. Manufaturaram uma ideologia apenas pelo simples fato de que esta
crença é parte importante em nossa formação humana. Estão nos vendendo a
caricatura mal conjugada de um verbo que é amor, justiça e vida nos forçando
a aceitar rancor, violência e desamor. Eu não aceito.
Lembro-me de quando eu era criança eu conversava com o verbo e o ouvia. Eu
não precisava fechar meus olhos, fazer jejum, ir a igreja, ou passar horas e
horas gritando seu nome em alta voz para que todos escutassem (não que tais
comportamentos não sejam positivos) eu só precisava falar, da mesma forma
como falamos com nossos(as) amigos(as). Era simples. Não existia mistério.
Afinal o verbo habita entre nós. Eu sempre senti o verbo perto de mim.
Pessoalmente.
1
Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Pernambuco – UPE e Pós-Graduação em
Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE. Ativista de
movimentos sociais e líder de organizações juvenis. Coordenador da Escola de Educadores de Jovens
online do Instituto de Protagonismo Juvenil – IPJ.
Eu fui crescendo, crescendo e umas gente grande foi me ensinando outras
coisas. Eu comecei a precisar invocar o verbo. Parecia que ele já não habitava
mais entre nós/mim. Parecia estar tão distante. Não porque eu quisesse, mas
porque eu estava sendo orientado assim. Começaram a me dizer que o verbo
está no céu, olhando por nós, nos vigiando e tomando nota de tudo que
fazemos para o dia da prestação de contas. Eu comecei a ficar com medo.
Antes éramos tão íntimos, tão amigos, e agora o verbo mudou de endereço, foi
pra bem longe e anota todos os meus passos para me julgar quando eu menos
esperar. O verbo não é mais o mesmo, eu pensava.
A imagem do verbo vivo e encarnado que vivia no meio da sociedade, que
poderia ser qualquer um ou ser todos(as) ao mesmo tempo, e que eu precisava
respeitar, pois fui feito sua imagem e semelhança começou então a
desaparecer e tomar outra forma. Pessoas são diferentes, umas merecem o
céu e outras o inferno, pois o verbo tem um julgo pesado e sua ira cairá sobre
os pecadores. Comecei, então, a ficar com medo.
Foi aí então que comecei a ver pessoas matando em nome desse verbo,
porque elas não mereciam viver, pois eram diferentes e elas não agradavam o
verbo. Vi crianças serem violadas, pois as pessoas grandes tinham o controle
sobre elas. Daí pessoas que nasceram sem um pênis entre as pernas se
tornaram submissas, pois deveriam servir ao falo masculino. Órgão superior e
mais importante de que a essência qual fomos criados. Pessoas coloridas
passaram a ser escravas de outras pessoas sem cores, pois a cor delas
simbolizava vergonha e inferioridade. Pessoas tentavam decidir pelas outras,
pois se auto-julgavam porta-vozes do verbo e da verdade.
Todos queriam encontrar uma forma de se (re)encontrar com o verbo, qual
acreditávasse que habitava entre nós, mas todos falhavam. Sempre existia
alguém que fazia o papel de liderar o julgamento e lhe explicar os motivos
pelos quais o verbo já não mais habita em nós. Todos estavam certos, mas
eles não se reconheciam entre si. As pessoas então passaram a defender seus
grupos e seus interesses em nome do verbo.
Foi quando eu entrei em crise. Estão querendo me vender uma ideia de que
meu melhor amigo – o verbo, se tornou uma pessoa intrigosa, avarenta,
venenosa, que não ama a todos(as) pelo que são, que é interesseiro, que
destrói almas e sonhos, que não respeita as diferenças e que não mora mais
comigo. Só que eu não acreditei.
Aprendi, que meu amigo verbo havia uma proposta de liberdade para mim e
para todos(as) os terrestres. E pelo que aprendi na escola, liberdade é um
processo de decisão consciente, cabendo os(as) envolvidos(as) sua inteira
responsabilidade de escolhas. Mas hoje, querem me convencer de que o verbo
não respeita minhas escolhas, meus amigos(as), minha roupa, meu cabelo e
nem minha vida. Querem me convencer de que meu melhor amigo, aquele qual
eu não precisava me afastar de ninguem para o tê-lo junto a mim, o verbo –
não sabe o que significa liberdade. Essa mesma liberdade que ele mesmo nos
deu. Eu também não acreditei nisso.
Sabe, são muitas verdades que existe por ai, criadas pela gente grande, mas
nenhuma delas (ou quase nenhuma) é capaz de traduzir a relação que eu tinha
com meu amigo verbo. Tentam me dizer a todo tempo o que devo fazer, como
conversar com ele e o que ele quer de mim e esquecem de me perguntar qual
a relação íntima que eu tenho com ele.
Ninguém parece que parou para pensar que eu conheço o verbo e que
moramos juntos e nos vemos todos os dias. Que acordamos e tomamos café
da manhã juntos. Que fica o dia inteiro comigo jogando conversa fora. Que ler
todas as minhas postagens no facebook e que até ajuda a corrigir o meu
português. Que vai me levar e me buscar no trabalho e sempre que é possível,
dá uma passadinha por lá de vez em quando para saber como eu estou me
sentido, principalmente naqueles dias que eu estou mais triste. Que sai comigo
a noite para visitar outros(as) amigos(as) e celebrar juntos nossa amizade. A
gente celebra de várias maneiras. Algumas vezes o verbo não aprova algumas
das minhas amizades ou sempre me alerta sobre algumas coisas da vida, mas
a gente nunca ameaça um ao outro. A gente briga as vezes, mas sempre
fazemos as pazes, como qualquer bons amigos.
Essas pessoas que estão fora da minha relação pessoal com o verbo não
sabem como nos respeitamos e nos tratamos e vivem querendo me convencer
de que ele está lá no céu me vigiando, esperando para que eu faça algo de
errado que o desaponte para ele jogar seu raio de ira e ódio sobre mim e me
condenar por toda a eternidade. Mas eu não acredito nisso.
Houve um tempo em que pensei que o verbo teria fugido de mim, pois me
forçaram a acreditar nisso. Tentaram me fazer sentir mal. Tentaram me
humilhar. Tentaram dizer como eu deveria conversar com meu melhor amigo,
mas um dia isso acabou. Não permito mais com que esta gente grande me
diga como deve ser meu relacionamento com o verbo e nem o que ele quer ou
espera de mim, pois a nossa relação é íntima e pessoal e apenas duas almas
que se completam podem compreender-se mutuamente. Ninguém que está
fora dessa relação de pura e íntima amizade é capaz de compreender o que
isso significa.
O verbo não está no céu, como tentaram me convercer. O verbo não odeia ou
tem raiva de mim pelo que sou ou almejo. O verbo não se envergonha dos
meus atos e escolhas, pois fui comprado pela liberdade. O verbo não quer
mudar minha cor, pois é ela que me torna ser quem sou. Eu e o verbo somos
um e para sempre seremos, como foi no princípio em que o verbo era Deus e
se fez carne e habitou em mim (nós).

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Relação de amizade entre o Verbo e eu

  • 1. RELAÇÃO DE AMIZADE ENTRE O VERBO E EU José Aniervson Souza dos Santos 1 “E o verbo se fez carne e habitou entre nós”. Esta é uma das passagens bíblicas que pode ser encontrada em um dos quatro evangelhos que me chama muita atenção. Por diversos motivos. Entre eles pela ideia de que esse “verbo” vive/habita ente nós. Na realidade eu nunca duvidei dessa verdade. Eu sempre acreditei que o verbo pudesse estar em qualquer lugar, menos no céu. O céu é um lugar fisicamente e espiritualmente longe da terra onde nós habitamos. Então o verbo estaria longe de nós? Eu não acredito nisso. Não apenas atualmente, mas há uma longa história de opressão em que personalidades humanas “criadas a imagem e semelhança” desse verbo vem forçando-nos a acreditar que ele vive no céu. Eu repito. Eu não acredito nisso. Eu também não acredito que exista um céu e um inferno, ou ao menos, não como muitos desenham. Eu também não acredito que o verbo seja rancoroso, pois “ele é amor”. Ao longo da história muitas nações, reinados, governos, grupos e pessoas tentaram monopolizar a fé, institucionalizando-a. Hoje, nos vendem um produto de quinta categoria que vem manchado com sangue, rancor e medo. Tentam colocar em nossos lares um verbo que não habita entre nós, mas em um lugar imaginário, onde nossa humanidade não pode tocar. Criaram uma imagem do verbo que despreza as singularidades criadas feito à sua verdadeira essencia e bondade. Manufaturaram uma ideologia apenas pelo simples fato de que esta crença é parte importante em nossa formação humana. Estão nos vendendo a caricatura mal conjugada de um verbo que é amor, justiça e vida nos forçando a aceitar rancor, violência e desamor. Eu não aceito. Lembro-me de quando eu era criança eu conversava com o verbo e o ouvia. Eu não precisava fechar meus olhos, fazer jejum, ir a igreja, ou passar horas e horas gritando seu nome em alta voz para que todos escutassem (não que tais comportamentos não sejam positivos) eu só precisava falar, da mesma forma como falamos com nossos(as) amigos(as). Era simples. Não existia mistério. Afinal o verbo habita entre nós. Eu sempre senti o verbo perto de mim. Pessoalmente. 1 Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Pernambuco – UPE e Pós-Graduação em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE. Ativista de movimentos sociais e líder de organizações juvenis. Coordenador da Escola de Educadores de Jovens online do Instituto de Protagonismo Juvenil – IPJ.
  • 2. Eu fui crescendo, crescendo e umas gente grande foi me ensinando outras coisas. Eu comecei a precisar invocar o verbo. Parecia que ele já não habitava mais entre nós/mim. Parecia estar tão distante. Não porque eu quisesse, mas porque eu estava sendo orientado assim. Começaram a me dizer que o verbo está no céu, olhando por nós, nos vigiando e tomando nota de tudo que fazemos para o dia da prestação de contas. Eu comecei a ficar com medo. Antes éramos tão íntimos, tão amigos, e agora o verbo mudou de endereço, foi pra bem longe e anota todos os meus passos para me julgar quando eu menos esperar. O verbo não é mais o mesmo, eu pensava. A imagem do verbo vivo e encarnado que vivia no meio da sociedade, que poderia ser qualquer um ou ser todos(as) ao mesmo tempo, e que eu precisava respeitar, pois fui feito sua imagem e semelhança começou então a desaparecer e tomar outra forma. Pessoas são diferentes, umas merecem o céu e outras o inferno, pois o verbo tem um julgo pesado e sua ira cairá sobre os pecadores. Comecei, então, a ficar com medo. Foi aí então que comecei a ver pessoas matando em nome desse verbo, porque elas não mereciam viver, pois eram diferentes e elas não agradavam o verbo. Vi crianças serem violadas, pois as pessoas grandes tinham o controle sobre elas. Daí pessoas que nasceram sem um pênis entre as pernas se tornaram submissas, pois deveriam servir ao falo masculino. Órgão superior e mais importante de que a essência qual fomos criados. Pessoas coloridas passaram a ser escravas de outras pessoas sem cores, pois a cor delas simbolizava vergonha e inferioridade. Pessoas tentavam decidir pelas outras, pois se auto-julgavam porta-vozes do verbo e da verdade. Todos queriam encontrar uma forma de se (re)encontrar com o verbo, qual acreditávasse que habitava entre nós, mas todos falhavam. Sempre existia alguém que fazia o papel de liderar o julgamento e lhe explicar os motivos pelos quais o verbo já não mais habita em nós. Todos estavam certos, mas eles não se reconheciam entre si. As pessoas então passaram a defender seus grupos e seus interesses em nome do verbo. Foi quando eu entrei em crise. Estão querendo me vender uma ideia de que meu melhor amigo – o verbo, se tornou uma pessoa intrigosa, avarenta, venenosa, que não ama a todos(as) pelo que são, que é interesseiro, que destrói almas e sonhos, que não respeita as diferenças e que não mora mais comigo. Só que eu não acreditei. Aprendi, que meu amigo verbo havia uma proposta de liberdade para mim e para todos(as) os terrestres. E pelo que aprendi na escola, liberdade é um processo de decisão consciente, cabendo os(as) envolvidos(as) sua inteira responsabilidade de escolhas. Mas hoje, querem me convencer de que o verbo não respeita minhas escolhas, meus amigos(as), minha roupa, meu cabelo e nem minha vida. Querem me convencer de que meu melhor amigo, aquele qual
  • 3. eu não precisava me afastar de ninguem para o tê-lo junto a mim, o verbo – não sabe o que significa liberdade. Essa mesma liberdade que ele mesmo nos deu. Eu também não acreditei nisso. Sabe, são muitas verdades que existe por ai, criadas pela gente grande, mas nenhuma delas (ou quase nenhuma) é capaz de traduzir a relação que eu tinha com meu amigo verbo. Tentam me dizer a todo tempo o que devo fazer, como conversar com ele e o que ele quer de mim e esquecem de me perguntar qual a relação íntima que eu tenho com ele. Ninguém parece que parou para pensar que eu conheço o verbo e que moramos juntos e nos vemos todos os dias. Que acordamos e tomamos café da manhã juntos. Que fica o dia inteiro comigo jogando conversa fora. Que ler todas as minhas postagens no facebook e que até ajuda a corrigir o meu português. Que vai me levar e me buscar no trabalho e sempre que é possível, dá uma passadinha por lá de vez em quando para saber como eu estou me sentido, principalmente naqueles dias que eu estou mais triste. Que sai comigo a noite para visitar outros(as) amigos(as) e celebrar juntos nossa amizade. A gente celebra de várias maneiras. Algumas vezes o verbo não aprova algumas das minhas amizades ou sempre me alerta sobre algumas coisas da vida, mas a gente nunca ameaça um ao outro. A gente briga as vezes, mas sempre fazemos as pazes, como qualquer bons amigos. Essas pessoas que estão fora da minha relação pessoal com o verbo não sabem como nos respeitamos e nos tratamos e vivem querendo me convencer de que ele está lá no céu me vigiando, esperando para que eu faça algo de errado que o desaponte para ele jogar seu raio de ira e ódio sobre mim e me condenar por toda a eternidade. Mas eu não acredito nisso. Houve um tempo em que pensei que o verbo teria fugido de mim, pois me forçaram a acreditar nisso. Tentaram me fazer sentir mal. Tentaram me humilhar. Tentaram dizer como eu deveria conversar com meu melhor amigo, mas um dia isso acabou. Não permito mais com que esta gente grande me diga como deve ser meu relacionamento com o verbo e nem o que ele quer ou espera de mim, pois a nossa relação é íntima e pessoal e apenas duas almas que se completam podem compreender-se mutuamente. Ninguém que está fora dessa relação de pura e íntima amizade é capaz de compreender o que isso significa. O verbo não está no céu, como tentaram me convercer. O verbo não odeia ou tem raiva de mim pelo que sou ou almejo. O verbo não se envergonha dos meus atos e escolhas, pois fui comprado pela liberdade. O verbo não quer mudar minha cor, pois é ela que me torna ser quem sou. Eu e o verbo somos um e para sempre seremos, como foi no princípio em que o verbo era Deus e se fez carne e habitou em mim (nós).