Este poema descreve o encontro pós-morte de um casal de amantes cujo amor sobrevive à morte. Apesar de terem falecido em sepulcros separados, os esqueletos dos amantes são encontrados unidos em um único túmulo, celebrando assim sua promessa de amor eterno que desafia até mesmo a morte. O poema retrata temas como o amor idealizado, a morte e o sentimentalismo típicos do movimento ultrarromântico português.
2. Antonio Augusto Soares de Passos
O mais popular poeta do ultrarromantismo português.
Nascido na cidade do Porto em 1826 (um ano depois
da publicação do poema “ Camões” , de Garret), o
poeta teve sua vida marcada por alguns episódios
tipicamente românticos: prestes a terminar o curso
de direito em Coimbra, é atacado pela tuberculose.
Formado, é preterido em um concurso público e
isola-se; consta que, durante quatro anos
permaneceu fechado em um quarto, recebendo a
visita de raros amigos.
Morreu em 1860, tuberculoso, aos 33 anos de idade.
3. Produção poética
Veio a público em 1856, reunida em um
volume intitulado Poesias.
Sua obra é marcada pelo sentimentalismo,
pela presença constante da morte, pela
solidão e por certa visão liberal-burguesa da
sociedade. “ O noivado do sepulcro” , balada
que apresenta um lirismo funéreo, cantada
por populares pelas ruas de Portugal, tem
sido a peça de resistência da popularidade
de Soares de Passos
4. Análise
O poema, composto por dezenove quadras
em versos decassílabos.
Conta, grosso modo, a história de um amor
que supera a morte, a partir de um casal de
esqueletos.
A estrutura rítmica segue o esquema: A, B, A,
B. As principais características do
ultrarromantismo encontram-se em “O
Noivado do Sepulcro”.
5. Ambiente fantasmagórico, mágico, “negro”, funéreo
Exagerado tom melodramático que beira à pieguice
Amor etéreo, idealizado, acima de todas as convenções sociais,
e até mesmo, “espirituais”, haja vista o noivado “além-túmulo”
Relação de amor e morte
Dotado de excessiva teatralidade
Ímpeto desmedido
Irracional
Anseio pelo infinito
Alienação
Clima noturno
Ideais transcendentais
6. Primeira estrofe:
Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
valor da morte como o remédio apaziguador do
espírito;
a cura da alma, ou seja, a valorização do ideal, em
detrimento do mundo terreno, efêmero;
mundo terreno: corrompido pela sociedade burguesa
e suas convenções mesquinhas.
7. Segunda estrofe:
Que paz tranquila!... Mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.
aparece o elemento fantástico: fantasma que se levanta de seu
sepulcro.
Branco fantasma semelhante a um monge,
valor da morte como descanso
Que paz tranquila!
alusão à religião
Branco fantasma semelhante a um monge,
8. Terceira estrofe
Ergueu-se, ergueu-se!... Na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.
O décimo verso apresenta uma contradição bem ao gosto dos
poetas românticos: “Campeia a lua com sinistra luz”.
A importância do significado da noite no pensamento romântico
é fato conhecido. Em oposição às “luzes” do iluminismo, o
romantismo faz questão de colocar a “noite”, isto é, o obscuro, o
irracional, como princípio de sua filosofia.
9. De acordo com Albert Béguin, “De la múltiple y
contradictoria herencia del siglo XVIII, el romántico
recoge de preferencia las afirmaciones irracionalistas
o las tradiciones místicas”. (BÉGUIN, 1993, p. 25)
Por isso, a “sinistra luz” não se refere, unicamente,
ao luar de uma noite macabra, mas também, e,
sobretudo, ao pensamento extremamente
racionalista do iluminismo.
10. 6ª, 7ª e 8ª ESTROFES
Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?
Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?
Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!
11. O discurso do eu-lírico é substituído pela personagem
principal do poema, que é o homem que, mesmo morto,
continua a amar sua “namorada”, acreditando, porém,
que ela não mais o ama.
“Por que atraiçoas, desleal, mentida,/ O amor eterno
que te ouvi jurar?”
As lamentações só cessam quando ele ouve o eco da
voz de sua amada, dizendo-lhe que nunca quebrara a
promessa de amor eterno.
12. 10ª ESTROFE
Talvez que rindo dos protestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!-
13. O trigésimo sétimo e o trigésimo oitavo versos,
Talvez que rindo dos protestos nossos,/ Gozes com outro d’infernal
prazer”
revelam o ciúme injustificado do amante em relação à sua amada e
apresentam o ato sexual, ou seja, a consumação carnal do amor
idealizado, como algo impuro, devasso, em suma, “infernal”;
por outro lado, a expressão “protestos nossos” demonstra o espírito de
revolta do romantismo, neste caso, lutar contra as convenções sociais
em nome de um amor que ultrapassa qualquer fronteira.
Fica, portanto, subentendido que o casal enfrentou, durante a vida,
dificuldades frente à sociedade, e o amante quer que sua amada honre
o seu juramento de fidelidade depois de tantas agruras.
14. 13ª e 14ª ESTROFES
Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.
Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?
A mulher confirma a promessa de amor feita a ele, à luz do luar.
15. 15ª estrofe
Saudosa ao longe vês no céu a lua?"
- "Ó vejo sim... recordação fatal"
- Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.
A promessa de amor eterno do casal está presente nos versos
59 e 60:
Foi à luz dela que jurei ser tua/ Durante a vida, e na mansão
final.
16. Quatro últimas estrofes
As quatro últimas estrofes narram o encontro do
casal num só sepulcro, celebrando, por fim, a
promessa de união eterna.
(...) uma tumba funeral vazia. (...). Dois esqueletos,
um ao outro unidos,/ Foram achados num sepulcro
só.
Em suma, nem a morte foi capaz de vencer o amor.
Nada poderia ser mais tipicamente romântico.
17. De acordo com Massaud Moisés
“Hoje a balada e a tendência literária em que se
inscreve, cheiram a coisas peremptas ou amarradas
a uma tábua de valores superados. Todavia, há que
ter em conta a psicose ultra-romântica quando se
pretende rastrear as origens de alguns “ismos”
modernos, como o Existencialismo ou, de certo
modo, o Surrealismo.” (MOISÉS, 2012, p. 299)