O documento apresenta uma análise semiótica da canção "O Seu Amor" de Gilberto Gil utilizando a metodologia da Escola Francesa. A análise identifica o programa narrativo como sendo de competência, com S1 instruindo S2 sobre como amar livremente. A semântica narrativa revela modalizações de ser e fazer. A semântica discursiva mostra pluriisotopias como felicidade, opressão e busca por identidade. A isotopia geral deduzida é a liberdade.
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ – UFOPA
CENTRO DE INFORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR – CFI
CANÇÃO “O SEU AMOR” NUMA PERSPECTIVA SEMIÓTICA
Monalisa Galvão Aguiar – T6
1. INTRODUÇÃO
A proposta desse artigo repercute na adoção de uma abordagem de caráter
semiótico para analisar os pormenores e o bojo significativo do texto – a letra da
canção “O seu amor”, composta por Gilberto Gil no período da Ditadura Militar (1964 -
1985). A análise do texto (corpus de estudo) adotará a semiótica da Escola Francesa,
representada maciçamente por Algirdas Julien Greimas.
A relevância da postura e abrangência da ciência semiótica incorre no fato de
se centrar no estudo dos signos e de como ele se relaciona, apresenta múltiplas e
diversificadas aplicações, uma das quais é servir como ferramenta eficaz para estudos
nas áreas da comunicação e da lingüística¹.
O estudo se conduzirá através da sintaxe narrativa (caracterizando e definindo
programa narrativo, o percurso narrativo, identificando e especificando os sujeitos), a
semântica narrativa (modalização do ser) e a semântica discursiva (apontando as
pluriisotopias e construindo o quadrado semiótico). Por fim, realizarei observações
mais contundentes e pormenorizadas, enfocando aspectos de conotação crítica,
articulando os aspectos do texto e do contexto.
Decerto, a essência desse estudo incide no fluxo de análise, percorrendo as
interações existentes entre as estruturas do texto, utilizando de práticas pré-definidas
de apoio ao contexto (embrear e desembrear), finalizando com a exibição de uma
isotopia geral.
1 CARDOSO, p.4
2. 2. SINTAXE NARRATIVA
Para efeito de conceituação de sintaxe narrativa, podemos nos ater a acepção
declarada por Barros:
Estuda o “espetáculo” narrativo oferecido pelo fazer do sujeito que transforma o
“mundo”, à procura dos valores investidos nos objetos, e pela sucessão de
estabelecimentos e de rupturas de contratos entre um destinador e um
destinatário, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre sujeitos e
2
circulação de objetos-valor .
Antes de iniciarmos o estudo da sintaxe narrativa do corpus, devemos
considerar algumas definições:
S1: sujeito destinador, actante narrativo que determina os valores em jogo e que
dota o destinatário-sujeito da competência modal necessário ao fazer (destinador-
manipulador) e o sanciona, recompensando-o ou punindo-o pelas ações realizadas
(destinador-julgador)3;
S2: sujeito destinatário, actante narrativo manipulado pelo destinador, de quem
recebe a competência modal necessária ao fazer, e é por ele reconhecido, julgado e
punido ou recompensado, segundo as ações que realizou4;
PN (programa narrativo): sintagma elementar da narrativa, que integra estados
e transformações e que se define como um enunciado de fazer que rege um enunciado
de estado5;
OV (objeto de valor): objeto determinado pelas aspirações e projetos do sujeito,
por seus valores, em suma6;
Valor: o termo de uma categoria semântica, selecionado e investido em um
objeto com o qual o sujeito mantenha relação. É a relação com o sujeito que define o
valor7;
→: transformação do comportamento do sujeito (no nosso estudo, o
destinatário);
∩ (junção): relação que determina o estado, a situação do sujeito em relação a
um objeto qualquer8.
2 BARROS, 2000, p.90
3 BARROS, 2000, p. 85
4 BARROS, 2000, p. 85
5 BARROS, 2000, p. 89
6 BARROS, 2000, p. 88
7 BARROS, 2000, p.90
8 BARROS, 2000, p.19
3. Atrelado às acepções acima visualizadas, podemos desenvolver uma análise
eficiente dos elementos e suas características que figuram nessa seção. Para tanto,
abaixo, há um esquema para ilustrar o PN basilar do texto.
PN de competência Atores distintos Aquisição Valores modais
F (conquistar a liberdade) [s1(narrador textual) →s2(leitor) ∩ Ov (adquirir liberdade
para construir uma identidade)]
Percebe-se que o PN é de competência, tratando-se de um tipo de programa
narrativo em que o destinatário-sujeito recebe do destinador a qualificação necessária
à ação9. Em outras palavras, uma doação de valores modais, e, portanto, a relação
narrativa é transitiva por se desenrolar em torno de dois sujeitos, bem como por
prover transferência de valores.
Nesse permeio, notamos que S1 descreve como o S2 deve se portar para
libertar o seu amor. Essas descrições estão devidamente evidenciadas nas expressões:
“livre”, “brincar”, “correr”, “cansar” e “dormir em paz”.
Outra característica pontual incorre no fato de S1 agir como um destinador-
manipulador, uma vez que preconiza uma série de ações a serem tomadas pelo
destinatário para alcançar os valores da qualidade de amar. Essa espécie de conselho,
numa visão mais eficiente, conota uma manipulação por intimidação. Esmiuçando,
para fins de clareza, seria seguir a “receita” de como amar, para não desaguar em
sofrimento, repressão e supressão do outrem amado.
Apesar de quase imperceptível, podemos verificar também a presença do
sujeito-julgador, e consequentemente, uma sanção. Esta não se edifica por parte do S1
para com o S2, afinal, não há evidências da aceitação de S2 em relação ao proposto por
S1, porém identificamos a presença de uma auto sanção de S1, haja vista que este
sujeito por si só preconiza suas ideias como verdadeiras e coerentes.
9 BARROS, 2000, p. 85
4. 3. SEMÂNTICA NARRATIVA
Estuda a seleção dos elementos semânticos, sua inscrição como valores nos
objetos relacionados com sujeitos e a qualificação modal das relações dos sujeitos com
os valores e com seus fazeres. (Barros, 2000. p. 89). No referente corpus de estudo,
ocorrem os dois tipos de modalização: ser e fazer.
Na primeira (modalização do ser), há a modalização virtualizante do dever-
fazer. S1 expõe as atitudes a serem meneadas por S2, aconselhando-o a empreender
tais ações a fim de otimizar o seu amor. Esse dever-fazer está nítido na abordagem
intimatória de S1.
Na modalização do ser, figuram o dever-ser (reflete a própria orientação de S1
para com S2, cujo resultado moldará a personalidade do último) e poder-ser (os valores
instituídos por S1 dotarão S2 da capacidade de amar apropriadamente).
4. SEMÂNTICA DISCURSIVA
No discorrer de uma leitura proeminente do corpus de estudo, verificamos a
suscitação de várias interpretações acerca do texto. Essas múltiplas significações são as
pluriisotopias, isto é, aspectos que caracterizam os textos que apresentam mais de
uma isotopia ou leitura temático-figurativa10. Nessa seção, relacionam-se as
significações capitais extraídas do texto em estudo. São elas:
Felicidade: a expressão “ame-o e deixe-o”, “livre para amar”, “deixe-o brincar”,
“deixe-o correr”, “ir aonde quiser”, enfocam esse ideal que está intrinsecamente
associado à perspectiva de liberdade. Esses mesmos trechos aludem à permissividade,
um ato de concessão para evitar sufocar as ações do outrem.
Opressão: o termo amor em suas ramificações se opõe, nesse panorama, a
condição de afetividade. O emprego antitético do léxico amor reflete o desejo dos
autores de nos direcionarmos habilmente para uma temática com maior amplitude. A
opressão decorre do amor excessivo ou autoritário. Contudo, o amor abordado na
10 BARROS, 2000, p. 89
5. canção não concerne à afetividade entre os homens, mas transcende esse escopo, e
está associado ao amor à pátria.
Direito: cabe nessa esfera, uma análise do contexto histórico (aplica-se aqui a
prática de embrear e desembrear) em que a canção foi produzida, a Ditadura Militar. O
clamor por direitos humanos – liberdade de expressão, o direito de ir e vir, entre
outros – se evidencia, metaforicamente, pela referência incessante ao termo “deixe-
o”. O caráter sugestivo de embate contra um poder autoritário é estampado pela
própria estética textual da composição, que faz uso de antíteses e repetições para
massificar a aversão a esse domínio.
Busca por identidade: no fragmento “ser o que ele é” emerge o aspecto da
personalidade. A supressão da liberdade coíbe a formação da personalidade do
homem/cidadão, inviabilizando a formação de uma identidade salutar e racional capaz
de compreender, discernir e julgar sua realidade social. Essa identidade pode ser
associada à construção de uma nação decorrente dos desejos da sociedade. A
experiência resulta desse anseio que está engajado em romper com a rigidez do
sistema e se enveredar por outras rotas (democracia e liberalismo econômico). Por
fim, essa necessidade de consumar uma identidade ávida, experiente e perspicaz
fomenta como intento máximo, a edificação de uma sociedade justa e igualitária.
Fundamentado nessas observações secundárias, podemos esboçar o quadrado
semiótico que relaciona os aspectos significativos mais expressivos do texto e que, por
sua vez, nos concede a isotopia máxima do texto, a liberdade.
LIBERDADE OPRESSÃO
NÃO-OPRESSÃO NÃO-LIBERDADE
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desenvolvimento da análise de nosso corpus, empregou-se a metodologia
da semiótica greimasiana, considerando aspectos estruturais e semânticos exibidos
6. pelo texto. A semiótica nos conduz, nesse ínterim, a encontrar e elucidar através da
tríade (sintaxe narrativa, semântica narrativa e semântica discursiva) elementos mais
determinantes e consistentes acerca da significação do texto.
Foram contempladas várias significações sobre o texto ao longo do artigo, que
nos conduziram a alcançar mediante métodos como embrear, desembrear e a
construção do quadrado semiótico, a isotopia geral do texto, a liberdade.
Portanto, esse estudo torna-se relevante, pois nos permite extrair informações
mais precisas e coerentes a respeito do texto, sejam essas características estruturais
ou semânticas.
REFERÊNCIAS
BARROS, Diana Luiz Pessoa. Teoria semiótica do texto. 4ed. São Paulo: ática, 2000.
CARDOSO, Joel. Introdução à semiótica. UFPA.