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DE LEANDRO GOMES DE BARROS A RODOLFO COELHO CAVALCANTE:
LUTA, ÉTICA E ESTÉTICA NO CORDEL
Amâncio Leandro Correa Pimentel1
Maria Dulcinéa da Silva Loureiro2
RESUMO
No presente estudo, que se constitui em uma pesquisa bibliográfica, pretendemos tecer
uma discussão sobre a produção de uma expressão cultural que no Brasil deu seus
primeiros passos no nordeste; estamos nos referindo ao cordel. A tessitura do presente
texto se fará em três momentos; primeiro consideraremos o que teóricos dizem sobre
cultura popular, em seguida faremos um panorâmico retrospecto da história do cordel
no Brasil para a partir daí fazermos uma breve reflexão sobre a vida do cordelista
Rodolfo Coelho Cavalcante. Queremos enfatizar que o cordel brasileiro, que teve como
influenciadores os repentistas e o cordel português, dentre outros, se constitui em uma
expressão de alto valor estético e ético porque mostra o posicionamento de seus autores
como fazedores de sua própria história e da história do Brasil.
Palavras-chaves: Cultura popular, Cordel, Rodolfo Coelho Cavalcante
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ano após ano uma imagem atraente do Nordeste é vendida, pelos artistas que
para a grande mídia são anônimos como repentistas, cordelistas, desenhistas... E outros
não anônimos como Ariano Suassuna, Chico Science, Lenine, etc. Tal imagem faz com
que anualmente milhares de turistas visitem a região.
Em São Paulo, no ano de 2001, houve uma celebração dos 100 anos da literatura
de cordel no Brasil (GALVÃO, 2010), gênero literário este que em nosso país teve suas
primeiras criações, impressões e divulgações na região nordestina. No Rio de Janeiro
está localizada a ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
Enfim, é consenso que o Nordeste é uma fonte abundante de produções culturais
sejam elas artísticas ou não, uma fonte de pessoas que marcaram e marcam, fizeram e
fazem a história do Brasil e do mundo, pessoas sem as quais o Brasil seria defasado,
entretanto, persiste “principalmente na imprensa e no imaginário dos ‘não nordestinos’,
a imagem do Nordeste como um lugar arcaico, da imobilidade (...)” (Ibdem, p.18)
1
Aluno do 8º semestre curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri - URCA, pimentelalc@gmail.com.
2
Professora Doutora do Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Carir - URCA, mdslou@uol.com.br.
Existe uma tendência recorrente de se perceber a cultura popular, e não apenas a
nordestina ou brasileira, como exótica e interessante até certo ponto, ou seja, mesmo
que tais produções se encontrem no corpus dos mais significativos patrimônios culturais
e históricos do Brasil e mundo, ainda assim persiste a imagem de que dos âmbitos de
onde vem tais produções permanece a imobilidade.
Para o presente trabalho gostaríamos de dar relevo a uma das muitas expressões
de cultura popular que nada tem de “imóvel”, pelo contrário, mesmo advinda em muitos
casos de pessoas consideradas sem “estudo” e “incultas”, revela grande lucidez,
pertinência, criatividade e beleza. Estamos nos referindo a Literatura de Cordel.
Entretanto, como este é um universo muito grande nossa proposição é limitar nossas
reflexões a um poeta específico, a saber: Rodolfo Coelho Cavalcanti (1919-1986).
Nossa escolha por esse vate3
para o presente trabalho será ao longo do texto pontuada e
justificada.
Na tessitura do presente texto (i) consideraremos o que teóricos dizem sobre
cultura popular, em seguida (ii) faremos um panorâmico retrospecto da história do
cordel no Brasil para a partir daí (iii) fazermos uma breve reflexão sobre a vida do nosso
poeta escolhido.
CONSIDERAÇÕES SOBRE CULTURA POPULAR
No livro A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire, Casali4
nos diz que “o
simples bom senso já permite constatar, por exemplo, o quanto das riquezas culturais
específicas do diversos grupos de oprimidos foi velada, esquecida.” (2001, p.20) E
continua dizendo, acerca dessas produções populares, que
cada vez mais, elas se revelam no seu inestimável valor próprio e, em igual
medida, em seu valor exemplar para as culturas dominantes “opressoras”, não
obstante o fato de que essa revelação tenha servido frequentemente para
converter tais culturas oprimidas em mercadoria estética de alto valor no
mercado e baixo ou nulo retorno econômico aos seus verdadeiros produtores.
(Idem)
Tais palavras contribuem para a presente reflexão posto que, como já dissemos,
uma imagem atraente é vendida e desta advém retorno financeiro que “enche bolsos”,
mas não os dos criadores e autores dessas riquezas e sim dos que fazem uso de caráter
3
Aquele que cria ou escreve poesia; poeta. (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. 2001)
4
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC de São Paulo.
exploratório dessas produções e em geral as enxerga apenas como exóticos produtos que
só servem para turistas, mas não como patrimônio cultural.
Falando acerca da literatura popular Geneviéve Bollème citado por Edilene
Matos diz que a considera como uma “literatura problemática, já que bastarda, mestiça,
ilegítima, pois nem se quer tem nome próprio” (MENDES, 2010, p. 19). Estas palavras
mostram o quanto persiste, para muitos, o pensamento de que a cultura popular se trata
de uma “subcultura”. Existe um “preconceituoso posicionamento por parte dos eruditos
em relação à literatura de expressão popular” (Idem) o que nos leva imediatamente a
lembrar do fato de que as mídias enfatizam que a cultura erudita é superior e refinada ao
passo que cultura dos oprimidos é colocada em um patamar inferior quando vista como
“bruta” e “exótica”.
Figueiredo falando de educação musical na escola diz que “em muitas escolas se
defende a tradição erudita como forma mais ‘correta’ de ensinar música” (2010, p. 6). O
professor Queiroz do programa de pós-graduação em Música da Universidade Federal
da Paraíba fala sobre uma tendência recorrente de alguns professores de educação
musical que fazem uso da diversidade de estilos musicais como estratégias para
chegarem aos estilos que para eles são mais “corretos” e contra isso ele diz que “em
hipótese alguma, deve-se trabalhar a diversidade para se chegar à homogeneidade, como
ainda sinalizam algumas propostas na área de educação musical.” (2010, p. 20) A fala
desses professores corrobora com nossa discussão ao frisar que ainda se acredita que a
expressão cultural erudita é mais “certa”, “correta” e “apropriada”, ou então, o objetivo
final de todo trabalho com educação cultural.
A relevância de discutir sobre isso está na necessidade que está posta de ecoar
mais alto uma voz que possa contribuir para um despertar das pessoas de que a cultura
popular é um patrimônio de mesmo valor que qualquer outra expressão de cultura, já
que fazer cultura é “coisa de gente”, seja ela erudita, de massa ou popular.
Dentre as coisas que são necessárias para que haja esse despertar, como por
vezes Freire disse, é preciso que se tenha fé na capacidade criadora do outro. Ana Maria
Freire se referindo a ele diz:
A capacidade epistemológica de Paulo Freire estava, em grande parte, em
confiar, em acreditar no outro e na outra, na sua antropologicidade ética, na
fé irrestrita no poder de decisão, de assunção da liberdade pelas pessoas, e na
esperança como parte inseparável da possibilidade do estar-sendo homens e
mulheres no mundo, independente do nível intelectual, religião, sexo,
condição social, etnia ou idade. (2001, p. 29)
Estar-sendo homens e mulheres no mundo significa cumprir a vocação humana
de ser mais e ser mais está intrínseco à liberdade da expressividade, criatividade e
produção de cultura, portanto, (i) negar a produção de cultura do oprimido é negar-lhe
sua vocação e (ii) inferioriza-la é inferiorizar a pessoa do oprimido o que é também uma
diminuição de quem diminui.
Freire (1980) dizia que uma das estratégias da opressão/ideologia era dividir os
oprimidos e o que podemos constatar é que essa intenção da opressão atingiu e atinge
seu objetivo, pois, uma das coisas que se percebe é que, em muitos casos, o oprimido é
o primeiro a não acreditar no potencial do oprimido e a desconsiderar suas produções,
dando mais valor às produções de outras classes sociais. Portanto, vale dar destaque a
esses fatos, pois quanto mais são vistos e percebidos mais se aproximam de serem
superados. Contribuindo com essa superação e indo na contramão desse
desmerecimento à produção de literatura popular Edilene Matos diz que não está de
acordo
com aqueles que consideram tais manifestações como algo ingênuo, de
reduzido valor etnográfico, produções exóticas destinadas apenas a
exposições em museus. Vejo-as, antes, como algo dinâmico, movente, de
grande valor estético e expressivo; como exemplos eloquentes da riqueza e
do alto nível de nossa cultura e arte populares. (MENDES, 2010, p. 21)
Portanto, voltamos ao início desse tópico quando falamos da riqueza e do valor
da cultura popular procurando contribuir com as reflexões sobre o assunto e numa
tentativa de voltarmos no tempo façamos agora um breve panorama da trajetória
histórica da literatura de cordel para que possamos falar um pouco do cordelista
Rodolfo Coelho Cavalcanti.
HISTÓRIA DO CORDEL. DE LEANDRO A RODOLFO
Quando ainda não havia
O rádio e a televisão
E os jornais não chegavam
Para toda a população
O folheto de cordel
Era o jornal do sertão
Lendo folhetos então
O nosso povo sabia
Lenda de rei e princesa
E fato que acontecia
Por ser cultura do povo
Inda resiste hoje em dia
(Viana5
, 2010, p.8)
E assim, como no cordel acima, era o cordel para seus leitores, fonte de
informação, formação e entretenimento. “No Brasil a saga da literatura de cordel tem
início no final do século XIX” (Melo, 2010, p. 57) tendo dentre os precursores os
cantadores de versos improvisados que facilmente eram vistos nas casas, sítios, feiras e
mercados fazendo pelejas “nem um pouco preocupados em saber quem era mais afinado
ou tinha a melhor voz”. (Abreu, 2005, p. 8)
Dentre estes cantadores que marcaram época estavam alguns que eram da
mesma família, a saber, “Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Ugulino Nunes da
Costa, Nicandro Nunes da Costa e seu neto, Francisco Chagas Batista”. (Melo, 2010, p.
58) Estes foram alguns dos grandes protagonistas das famosas pelejas.
Além da influência dos repentistas é inegável, contudo, “a influência do cordel
português na constituição da literatura de cordel no Brasil.” (Galvão, 2010, p. 30) Que
foi evidentemente, associada a outras influências, dentre as quais estão variadas formas
de poesia popular, o “hábito de transmitir o patrimônio histórico através de histórias”
(Idem), e outros modos de “oralidade comuns em uma sociedade como a do Brasil
colonial e imperial, com baixos índices de letramento.” (Idem)
No meio de toda essa efervescência de produção popular oral, no ano de 1865
nascia aquele que seria unanimidade dentre os pesquisadores do cordel no Brasil. “Esta
unanimidade é a importância atribuída a Leandro Gomes de Barros... um dos pioneiros
da ‘indústria’ artesanal de folhetos, bem como quanto ao inquestionável valor artístico
de sua obra.” (Melo, 2010, p. 63) Este chegou a ser considerado por Ruth Brito Lemos
Terra o criador da literatura popular brasileira (Idem) e para “Carlos Drummond de
Andrade, em artigo publicado no Jornal do Brasil, no ano de 1976, Leandro seria o
verdadeiro PRÍNCIPE DOS POETAS BRASILEIROS, posto conferido a Olavo Bilac
no início do século XX.” (Viana, 2010, p. 9)
Leandro Gômes de Barros então
Foi o grande pioneiro
Na publicação de versos
Por este Brasil inteiro
Nasceu lá na Paraíba
Este vate brasileiro
Usando o canto guerreiro
Da Gesta Medieval
Antigas lendas ibéricas
5
O presente cordel foi escrito por Arievaldo Viana, poeta popular e criador do projeto Acorda Cordel na Sala de
Aula, que utiliza a poesia popular na alfabetização de jovens e adultos.
Contos de fada, afinal,
Foi que Leandro moldou
Essa arte magistral.
(Azulão, 2010, p.10)
Um dos fatos que inquestionavelmente influenciaram e contribuíram para a
genialidade deste poeta foi à amizade que este tinha com a família Nunes Costa. Como
nos diz Rosilene Alves de Melo. “Leandro Gomes de Barros [...] conviveu com um
grupo de cantadores extremamente talentosos, todos os membros da família Nunes
Costa.” (2010, p.63)
Dentre instrumentos que foram importantes ao vate, no que diz respeito à sua
entrada e permanência no contexto da poesia, estavam os jornais visto que estes
“abriram espaço em suas páginas para a publicação dos poemas de sua autoria,
tornando-o conhecido entre o público leitor.” (Idem)
Leandro Gomes de Barros morreu em 1918 aos 53 anos de idade, nesse tempo o
comércio de folhetos já era bastante lucrativo atraindo então outros vates que deram
continuidade à produção dessa rica e bela expressão cultural popular.
Dentre os mais conhecidos nomes de editores e autores de folhetos ou, como
alguns preferem; literatura de cordel, que sucederam “ao príncipe dos poetas
brasileiros” estão Francisco das Chagas Batista, João Martins de Athayde, este
comprara do próprio Leandro Gomes de Barros o legado e os direitos sobre seus
cordéis, não poderíamos deixar de citar José Bernardo da Silva, poeta de Juazeiro do
Norte, que adquirira direitos sobre obras de João Martins de Athayde, dentre muitos
outros.
Rodolfo Coelho Cavalcante de quem à partir de agora falaremos um pouco mais
estava também dentre esses grandes e marcantes protagonistas de nossa cultura popular
pensemos agora mais detidamente sobre a vida e obra deste poeta.
CONSIDERAÇÕES SOBRE RODOLFO COELHO CAVALCATE
Rodolfo Coelho Cavalcante no cordel Origem da Literatura de Cordel e sua
Expressão de Cultura nas Letras de Nosso País (2010) nos brinda com belas setilhas6
onde nos fornece um pouco mais de informações históricas sobre o cordel, vejamos
apenas cinco estrofes desse cordel:
6
Modalidade de cordel com estrofes com sete versos, entretanto, a modalidade preferida da maioria do cordelistas era
a sextilha que tinham estrofes com seis versos.
Os primeiros repentistas
Residiam no Teixeira
Cidade da Paraíba
Como Inácio da Catingueira
Hogolino e outros mais
Nossos primeiros jograis
Na viola tinindeira [...] (p.37)
No início os cantadores
Cantavam com seu pandeiro
Com triangulo, com rabeca
No Nordeste Brasileiro
As fazendas se alegravam
E os ouvintes deliravam
Nos salões ou nos terreiros [...] (p. 38)
De tudo que acontecia
No país ia escrevendo...
Padre Cícero, Lampião,
Ia o povo tudo lendo.
Criou hábito no povo
De ler um folheto novo
Para a notícia ir sabendo
O chamado trovador
Ou poeta popular
Era semi-analfabeto
Porém sabia rimar,
Seus folhetos escrevia
E os sertanejos liam
Por ser o seu linguajar [...] (p.39)
Leandro Gomes de Barros
Famoso Chagas Batista
José Camelo de Melo
E um outro cordelista
João Athayde – editor
Foi quem dera mais valor
À classe repentista [...] (p. 40)
Rodolfo (1919-1986) “nasceu em Rio Largo, Alagoas, filho de humildes
operários.” (Ibdem, p. 9) e viveu uma vida que mais pereceu uma aventura de cordel.
Desde pequenino já tinha que trabalhar para comer, seu pai era alcoólatra, foi capturado
por cangaceiros, deu uma de charlatão, “encantou pedras” para vender, etc. Contudo,
em meio ao todas as intempéries de suas andanças, acabou por se tornar um poeta
comprometido com causas e alguns de seus folhetos e sua história demonstram
claramente suas opções como militante por elas.
Manoel Matusalém de Souza (2007) ao escrever sua tese de doutorado. Cordel:
um Grito do Oprimido7
fazendo menção a Rodolfo diz que ele foi quem mais editorou
7
Tese escrita durante o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
folhetos sobre a vida do “poeta dos escravos” Castro Alves, trazendo reflexões
acentuadas sobre a escravidão, opressão e tirania. Ele dizia
Ser poeta é compreender
Do povo seu nascimento
No auge do sofrimento
Sentir seu padecer;
Castro Alves desde novo
Sentia o sofrer do povo
Dentro de seu coração
E por isso foi um forte
Que nunca temeu a morte
Contra a vil escravidão.
Bradava bem alto o vate:
Abaixo a selvageria!
Morra toda tirania!
Era assim o seu combate.
No brilho dos seus poemas
Ia quebrando as algemas
No pelourinho das dores
Seus versos na praça pública
De Castro Alves a rubrica
Na alma dos opressores
(CAVALCANTE, 1985, p. 1 in SOUZA, 2007, p. 77)
Além de nos remeter a Castro Alves, Rodolfo faz brilhantemente uma analogia,
ainda fazendo menção ao “poeta dos escravos”, entre dois tipos de escravidão que
tiranizam e oprime o pobre, ele clama pela volta do poeta com seus versos inflamados
nos dizendo assim:
Volta ó gênio do Condor
Com teus versos inflamáveis
Porque foste, Castro Alves,
Poeta libertador
O grande conquistador
Que ninguém te esquece mais,
Vives entre os imortais
Nas páginas de nossa História,
Hoje nós pasmos de glória
Descansas, poeta, em paz!
Vive o mundo mergulhado
Numa nova escravidão
Que se chama inflação
Deixando o pobre apertado
É roubo pra todo lado
E o povo sem moradia
E a infeliz demagogia
Vem de um passado oriundo
Das quatro partes do mundo
Que virou Filosofia!
(Idem, 1983, p 3-7 in SOUZA, 2007, p. 77)
Eno T. Wanke (2010), amigo de Rodolfo, dedicou-se a escrever sobre sua vida e
quando sua biografia foi lida por Jorge Amado este disse que parecia se tratar mais de
um “romance de aventuras do que uma biografia baseada em fatos” (Cavalcante, 2010,
p. 9).
Certa vez em relato do próprio Rodolfo a Wanke ele disse que foi capturado por
cangaceiros, mas foi logo solto já que não oferecia risco para eles, e acabou por escrever
um cordel belíssimo sobre esse episódio, fazendo uma análise da vida e condição de
Lampião como poucos fizeram, ele começa dizendo que muitas coisas se narram em
nome de lampião, muitas maldades inventadas que eram lendas e criações da própria
imaginação, mas, em suas palavras,
Foi Virgulino Ferreira
Pobre homem injustiçado
E por isso vingativo
Se tornou um celerado,
Se a justiça fosse reta
Nem jornalista ou poeta,
O teria decantado
Lampião era um bom filho
Nunca se pode negar
Foi também bom companheiro
Como se pode provar
No epílogo da desdita
Junto a Maria Bonita
Os seus dias foi findar
O homem por mais cruel
Tem seu lado positivo
Por ser Centelha Divina,
E enquanto ele for vivo
Há esperança divina...
Não vi a hiena feroz
Nem o leão devorador,
Ao contrário: vi um ser
Realmente sofredor
Que só andava assustado
E para não ser caçado
Matava seja quem for
(Ibdem, p. 71,72)
Perto do fim deste cordel ele faz um pedido aos leitores e ao mundo para que
seja mudada a imagem do lendário Lampião alegando que o analfabetismo, um grande
flagelo do sertão, foi relevante fator e um “drama desolador do temível Capitão”. (Idem)
Certamente, estamos diante de um homem que através de suas letras e
brincadeira com as palavras se colocava em posição de crítica e resistência ao sistema
vigente que oprime, rouba e flagela os desfavorecidos. Vale dar relevo ao fato de “como
uma pessoa nascida em condições tão desfavoráveis, sem muitas oportunidades, pôde
alcançar ser o que ele foi” (Idem, 2010, p.9) e continua Wanke em diálogo com
Rodolfo, “você poderia ter sido, não um intelectual da poesia popular, mas um
cangaceiro, um bandido!” (Idem).
Mas além de um poeta de grande genialidade foi também um militante pela
causa de sua classe, a dos poetas, tendo sido o idealizador e realizador do I Congresso
de Trovadores e Violeiros que dentre outras tinha como intenção unir a classe, ele
chegou a fundar a ANTV – Associação Nacional de Trovadores e Violeiros, foi ele
quem pediu ao governador da Bahia, Otávio Mangabeira, liberdade para que a venda de
folhetos não fosse proibida pelos policiais, criou o GBT – Grêmio Brasileiro de
Trovadores, enfim, foi alguém que nas palavras de Wanke tinha importância “para o
movimento cordelista... comparada à de dois grandes nomes: Leandro Gomes de
Barros... e João Martins de Athayde” (Idem, p.33), ou seja, sua importância não residiu
apenas em sua capacidade de criar poesia, mas também por ter lutado incansavelmente
pelos direitos de sua classe.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa proposta para o presente texto não é fazer uma análise profunda sobre a
vida e obra deste vate, até por que seria impossível posto que sua obra além de extensa
carrega muitos elementos para reflexão. O que queremos, antes de tudo, é enfatizar esse
lado militante e crítico do poeta e contribuir para suscitar em nossos leitores vontade de
se aproximarem dele, que nem completou os estudos primários, mas, que já foi tese de
doutorado na Sorbonne escrita pela pesquisadora Martine Kunz e “não foi por acaso que
a Academia Brasileira de Literatura de Cordel no Rio de Janeiro escolheu-o como
patrono” (Cavalcante, 2010, p. 34). Foram muitos outros prêmio e homenagens que para
o presente estudo não precisam ser mencionados.
O que nos anima é pensar que mesmo que haja uma constante militância
ideológica que busque manter a hegemonia de produção cultural erudita ou de classe
média alta, enfim, burguesa, encontramos pessoas como Leandro Gomes de Barros,
João Martins de Athayde, Francisco das Chagas Batista, Rodolfo Coelho Cavalcante e
muitos outros que “teimam” em remar “contra-a-maré” e contra tudo e todos cantam,
declamam e gritam com sua genialidade a denuncia do que vai mal e ao mesmo tempo
tecem verdadeiras obras de entretenimento com inegável beleza estética, como quando
lemos no cordel de Rodolfo ao dizer que acreditava que o analfabetismo, além de ser
um flagelo do sertão era um dos responsáveis pela condição de Lampião vem a crítica
que é um posicionamento ético e, contudo, cheio de riqueza estética.
Fica então mais um eco do quanto podemos aprender e crescer com a leitura de
mundo, a visão e a cosmovisão expressas nessa bela arte que se tornou para nós, “graças
a Deus”, como a areia da praia, ou seja, infinita, mesmo que ao longo dos tempos tenha
havido muitas tentativas de inibição e negação desta expressão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Marcia (org.). Antologia de Folhetos de Cordel: amor, história e luta. São
Paulo: Moderna. 2005.
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. Biblioteca de Cordel. São Paulo: Hedra, 2000.
FIGUEIREDO, Sérgio Luiz Ferreira de. Educação Musical Escolar. Ano XXI Boletim
08. Disponível em: www.tvbrasil.org.br/salto, 2011.
FREIRE, Ana Maria (org.). A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire. São Paulo:
Unesp. 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1980.
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Cordel: Leitores e Ouvintes. Belo Horizonte:
Autêntica. 2010.
MENDES, Simone (org.). Cordel na Gerais: Oralidade Mídia e Produção de Sentido.
Fortaleza: Expressão Gráfica Editora. 2010.
MELO, Rosilene Alves de. Arcanos do Verso: Trajetórias da Literatura de Cordel. Rio
de Janeiro: 7 Letras. 2010.
SOUZA, Manoel Matusalém de. Cordel Grito do Oprimido: Uma Escola de
Resistência à Ditadura Militar. João Pessoa: UFPB/BC. 2007.
VIANA, Arievaldo. Literatura de Cordel e a Escola. Ano XX Boletim 16. Disponível
em: www.tvbrasil.org.br/salto, 2010.

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Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho

  • 1. DE LEANDRO GOMES DE BARROS A RODOLFO COELHO CAVALCANTE: LUTA, ÉTICA E ESTÉTICA NO CORDEL Amâncio Leandro Correa Pimentel1 Maria Dulcinéa da Silva Loureiro2 RESUMO No presente estudo, que se constitui em uma pesquisa bibliográfica, pretendemos tecer uma discussão sobre a produção de uma expressão cultural que no Brasil deu seus primeiros passos no nordeste; estamos nos referindo ao cordel. A tessitura do presente texto se fará em três momentos; primeiro consideraremos o que teóricos dizem sobre cultura popular, em seguida faremos um panorâmico retrospecto da história do cordel no Brasil para a partir daí fazermos uma breve reflexão sobre a vida do cordelista Rodolfo Coelho Cavalcante. Queremos enfatizar que o cordel brasileiro, que teve como influenciadores os repentistas e o cordel português, dentre outros, se constitui em uma expressão de alto valor estético e ético porque mostra o posicionamento de seus autores como fazedores de sua própria história e da história do Brasil. Palavras-chaves: Cultura popular, Cordel, Rodolfo Coelho Cavalcante CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ano após ano uma imagem atraente do Nordeste é vendida, pelos artistas que para a grande mídia são anônimos como repentistas, cordelistas, desenhistas... E outros não anônimos como Ariano Suassuna, Chico Science, Lenine, etc. Tal imagem faz com que anualmente milhares de turistas visitem a região. Em São Paulo, no ano de 2001, houve uma celebração dos 100 anos da literatura de cordel no Brasil (GALVÃO, 2010), gênero literário este que em nosso país teve suas primeiras criações, impressões e divulgações na região nordestina. No Rio de Janeiro está localizada a ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Enfim, é consenso que o Nordeste é uma fonte abundante de produções culturais sejam elas artísticas ou não, uma fonte de pessoas que marcaram e marcam, fizeram e fazem a história do Brasil e do mundo, pessoas sem as quais o Brasil seria defasado, entretanto, persiste “principalmente na imprensa e no imaginário dos ‘não nordestinos’, a imagem do Nordeste como um lugar arcaico, da imobilidade (...)” (Ibdem, p.18) 1 Aluno do 8º semestre curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri - URCA, pimentelalc@gmail.com. 2 Professora Doutora do Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Carir - URCA, mdslou@uol.com.br.
  • 2. Existe uma tendência recorrente de se perceber a cultura popular, e não apenas a nordestina ou brasileira, como exótica e interessante até certo ponto, ou seja, mesmo que tais produções se encontrem no corpus dos mais significativos patrimônios culturais e históricos do Brasil e mundo, ainda assim persiste a imagem de que dos âmbitos de onde vem tais produções permanece a imobilidade. Para o presente trabalho gostaríamos de dar relevo a uma das muitas expressões de cultura popular que nada tem de “imóvel”, pelo contrário, mesmo advinda em muitos casos de pessoas consideradas sem “estudo” e “incultas”, revela grande lucidez, pertinência, criatividade e beleza. Estamos nos referindo a Literatura de Cordel. Entretanto, como este é um universo muito grande nossa proposição é limitar nossas reflexões a um poeta específico, a saber: Rodolfo Coelho Cavalcanti (1919-1986). Nossa escolha por esse vate3 para o presente trabalho será ao longo do texto pontuada e justificada. Na tessitura do presente texto (i) consideraremos o que teóricos dizem sobre cultura popular, em seguida (ii) faremos um panorâmico retrospecto da história do cordel no Brasil para a partir daí (iii) fazermos uma breve reflexão sobre a vida do nosso poeta escolhido. CONSIDERAÇÕES SOBRE CULTURA POPULAR No livro A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire, Casali4 nos diz que “o simples bom senso já permite constatar, por exemplo, o quanto das riquezas culturais específicas do diversos grupos de oprimidos foi velada, esquecida.” (2001, p.20) E continua dizendo, acerca dessas produções populares, que cada vez mais, elas se revelam no seu inestimável valor próprio e, em igual medida, em seu valor exemplar para as culturas dominantes “opressoras”, não obstante o fato de que essa revelação tenha servido frequentemente para converter tais culturas oprimidas em mercadoria estética de alto valor no mercado e baixo ou nulo retorno econômico aos seus verdadeiros produtores. (Idem) Tais palavras contribuem para a presente reflexão posto que, como já dissemos, uma imagem atraente é vendida e desta advém retorno financeiro que “enche bolsos”, mas não os dos criadores e autores dessas riquezas e sim dos que fazem uso de caráter 3 Aquele que cria ou escreve poesia; poeta. (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. 2001) 4 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC de São Paulo.
  • 3. exploratório dessas produções e em geral as enxerga apenas como exóticos produtos que só servem para turistas, mas não como patrimônio cultural. Falando acerca da literatura popular Geneviéve Bollème citado por Edilene Matos diz que a considera como uma “literatura problemática, já que bastarda, mestiça, ilegítima, pois nem se quer tem nome próprio” (MENDES, 2010, p. 19). Estas palavras mostram o quanto persiste, para muitos, o pensamento de que a cultura popular se trata de uma “subcultura”. Existe um “preconceituoso posicionamento por parte dos eruditos em relação à literatura de expressão popular” (Idem) o que nos leva imediatamente a lembrar do fato de que as mídias enfatizam que a cultura erudita é superior e refinada ao passo que cultura dos oprimidos é colocada em um patamar inferior quando vista como “bruta” e “exótica”. Figueiredo falando de educação musical na escola diz que “em muitas escolas se defende a tradição erudita como forma mais ‘correta’ de ensinar música” (2010, p. 6). O professor Queiroz do programa de pós-graduação em Música da Universidade Federal da Paraíba fala sobre uma tendência recorrente de alguns professores de educação musical que fazem uso da diversidade de estilos musicais como estratégias para chegarem aos estilos que para eles são mais “corretos” e contra isso ele diz que “em hipótese alguma, deve-se trabalhar a diversidade para se chegar à homogeneidade, como ainda sinalizam algumas propostas na área de educação musical.” (2010, p. 20) A fala desses professores corrobora com nossa discussão ao frisar que ainda se acredita que a expressão cultural erudita é mais “certa”, “correta” e “apropriada”, ou então, o objetivo final de todo trabalho com educação cultural. A relevância de discutir sobre isso está na necessidade que está posta de ecoar mais alto uma voz que possa contribuir para um despertar das pessoas de que a cultura popular é um patrimônio de mesmo valor que qualquer outra expressão de cultura, já que fazer cultura é “coisa de gente”, seja ela erudita, de massa ou popular. Dentre as coisas que são necessárias para que haja esse despertar, como por vezes Freire disse, é preciso que se tenha fé na capacidade criadora do outro. Ana Maria Freire se referindo a ele diz: A capacidade epistemológica de Paulo Freire estava, em grande parte, em confiar, em acreditar no outro e na outra, na sua antropologicidade ética, na fé irrestrita no poder de decisão, de assunção da liberdade pelas pessoas, e na esperança como parte inseparável da possibilidade do estar-sendo homens e mulheres no mundo, independente do nível intelectual, religião, sexo, condição social, etnia ou idade. (2001, p. 29)
  • 4. Estar-sendo homens e mulheres no mundo significa cumprir a vocação humana de ser mais e ser mais está intrínseco à liberdade da expressividade, criatividade e produção de cultura, portanto, (i) negar a produção de cultura do oprimido é negar-lhe sua vocação e (ii) inferioriza-la é inferiorizar a pessoa do oprimido o que é também uma diminuição de quem diminui. Freire (1980) dizia que uma das estratégias da opressão/ideologia era dividir os oprimidos e o que podemos constatar é que essa intenção da opressão atingiu e atinge seu objetivo, pois, uma das coisas que se percebe é que, em muitos casos, o oprimido é o primeiro a não acreditar no potencial do oprimido e a desconsiderar suas produções, dando mais valor às produções de outras classes sociais. Portanto, vale dar destaque a esses fatos, pois quanto mais são vistos e percebidos mais se aproximam de serem superados. Contribuindo com essa superação e indo na contramão desse desmerecimento à produção de literatura popular Edilene Matos diz que não está de acordo com aqueles que consideram tais manifestações como algo ingênuo, de reduzido valor etnográfico, produções exóticas destinadas apenas a exposições em museus. Vejo-as, antes, como algo dinâmico, movente, de grande valor estético e expressivo; como exemplos eloquentes da riqueza e do alto nível de nossa cultura e arte populares. (MENDES, 2010, p. 21) Portanto, voltamos ao início desse tópico quando falamos da riqueza e do valor da cultura popular procurando contribuir com as reflexões sobre o assunto e numa tentativa de voltarmos no tempo façamos agora um breve panorama da trajetória histórica da literatura de cordel para que possamos falar um pouco do cordelista Rodolfo Coelho Cavalcanti. HISTÓRIA DO CORDEL. DE LEANDRO A RODOLFO Quando ainda não havia O rádio e a televisão E os jornais não chegavam Para toda a população O folheto de cordel Era o jornal do sertão Lendo folhetos então O nosso povo sabia Lenda de rei e princesa E fato que acontecia Por ser cultura do povo Inda resiste hoje em dia
  • 5. (Viana5 , 2010, p.8) E assim, como no cordel acima, era o cordel para seus leitores, fonte de informação, formação e entretenimento. “No Brasil a saga da literatura de cordel tem início no final do século XIX” (Melo, 2010, p. 57) tendo dentre os precursores os cantadores de versos improvisados que facilmente eram vistos nas casas, sítios, feiras e mercados fazendo pelejas “nem um pouco preocupados em saber quem era mais afinado ou tinha a melhor voz”. (Abreu, 2005, p. 8) Dentre estes cantadores que marcaram época estavam alguns que eram da mesma família, a saber, “Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Ugulino Nunes da Costa, Nicandro Nunes da Costa e seu neto, Francisco Chagas Batista”. (Melo, 2010, p. 58) Estes foram alguns dos grandes protagonistas das famosas pelejas. Além da influência dos repentistas é inegável, contudo, “a influência do cordel português na constituição da literatura de cordel no Brasil.” (Galvão, 2010, p. 30) Que foi evidentemente, associada a outras influências, dentre as quais estão variadas formas de poesia popular, o “hábito de transmitir o patrimônio histórico através de histórias” (Idem), e outros modos de “oralidade comuns em uma sociedade como a do Brasil colonial e imperial, com baixos índices de letramento.” (Idem) No meio de toda essa efervescência de produção popular oral, no ano de 1865 nascia aquele que seria unanimidade dentre os pesquisadores do cordel no Brasil. “Esta unanimidade é a importância atribuída a Leandro Gomes de Barros... um dos pioneiros da ‘indústria’ artesanal de folhetos, bem como quanto ao inquestionável valor artístico de sua obra.” (Melo, 2010, p. 63) Este chegou a ser considerado por Ruth Brito Lemos Terra o criador da literatura popular brasileira (Idem) e para “Carlos Drummond de Andrade, em artigo publicado no Jornal do Brasil, no ano de 1976, Leandro seria o verdadeiro PRÍNCIPE DOS POETAS BRASILEIROS, posto conferido a Olavo Bilac no início do século XX.” (Viana, 2010, p. 9) Leandro Gômes de Barros então Foi o grande pioneiro Na publicação de versos Por este Brasil inteiro Nasceu lá na Paraíba Este vate brasileiro Usando o canto guerreiro Da Gesta Medieval Antigas lendas ibéricas 5 O presente cordel foi escrito por Arievaldo Viana, poeta popular e criador do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula, que utiliza a poesia popular na alfabetização de jovens e adultos.
  • 6. Contos de fada, afinal, Foi que Leandro moldou Essa arte magistral. (Azulão, 2010, p.10) Um dos fatos que inquestionavelmente influenciaram e contribuíram para a genialidade deste poeta foi à amizade que este tinha com a família Nunes Costa. Como nos diz Rosilene Alves de Melo. “Leandro Gomes de Barros [...] conviveu com um grupo de cantadores extremamente talentosos, todos os membros da família Nunes Costa.” (2010, p.63) Dentre instrumentos que foram importantes ao vate, no que diz respeito à sua entrada e permanência no contexto da poesia, estavam os jornais visto que estes “abriram espaço em suas páginas para a publicação dos poemas de sua autoria, tornando-o conhecido entre o público leitor.” (Idem) Leandro Gomes de Barros morreu em 1918 aos 53 anos de idade, nesse tempo o comércio de folhetos já era bastante lucrativo atraindo então outros vates que deram continuidade à produção dessa rica e bela expressão cultural popular. Dentre os mais conhecidos nomes de editores e autores de folhetos ou, como alguns preferem; literatura de cordel, que sucederam “ao príncipe dos poetas brasileiros” estão Francisco das Chagas Batista, João Martins de Athayde, este comprara do próprio Leandro Gomes de Barros o legado e os direitos sobre seus cordéis, não poderíamos deixar de citar José Bernardo da Silva, poeta de Juazeiro do Norte, que adquirira direitos sobre obras de João Martins de Athayde, dentre muitos outros. Rodolfo Coelho Cavalcante de quem à partir de agora falaremos um pouco mais estava também dentre esses grandes e marcantes protagonistas de nossa cultura popular pensemos agora mais detidamente sobre a vida e obra deste poeta. CONSIDERAÇÕES SOBRE RODOLFO COELHO CAVALCATE Rodolfo Coelho Cavalcante no cordel Origem da Literatura de Cordel e sua Expressão de Cultura nas Letras de Nosso País (2010) nos brinda com belas setilhas6 onde nos fornece um pouco mais de informações históricas sobre o cordel, vejamos apenas cinco estrofes desse cordel: 6 Modalidade de cordel com estrofes com sete versos, entretanto, a modalidade preferida da maioria do cordelistas era a sextilha que tinham estrofes com seis versos.
  • 7. Os primeiros repentistas Residiam no Teixeira Cidade da Paraíba Como Inácio da Catingueira Hogolino e outros mais Nossos primeiros jograis Na viola tinindeira [...] (p.37) No início os cantadores Cantavam com seu pandeiro Com triangulo, com rabeca No Nordeste Brasileiro As fazendas se alegravam E os ouvintes deliravam Nos salões ou nos terreiros [...] (p. 38) De tudo que acontecia No país ia escrevendo... Padre Cícero, Lampião, Ia o povo tudo lendo. Criou hábito no povo De ler um folheto novo Para a notícia ir sabendo O chamado trovador Ou poeta popular Era semi-analfabeto Porém sabia rimar, Seus folhetos escrevia E os sertanejos liam Por ser o seu linguajar [...] (p.39) Leandro Gomes de Barros Famoso Chagas Batista José Camelo de Melo E um outro cordelista João Athayde – editor Foi quem dera mais valor À classe repentista [...] (p. 40) Rodolfo (1919-1986) “nasceu em Rio Largo, Alagoas, filho de humildes operários.” (Ibdem, p. 9) e viveu uma vida que mais pereceu uma aventura de cordel. Desde pequenino já tinha que trabalhar para comer, seu pai era alcoólatra, foi capturado por cangaceiros, deu uma de charlatão, “encantou pedras” para vender, etc. Contudo, em meio ao todas as intempéries de suas andanças, acabou por se tornar um poeta comprometido com causas e alguns de seus folhetos e sua história demonstram claramente suas opções como militante por elas. Manoel Matusalém de Souza (2007) ao escrever sua tese de doutorado. Cordel: um Grito do Oprimido7 fazendo menção a Rodolfo diz que ele foi quem mais editorou 7 Tese escrita durante o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
  • 8. folhetos sobre a vida do “poeta dos escravos” Castro Alves, trazendo reflexões acentuadas sobre a escravidão, opressão e tirania. Ele dizia Ser poeta é compreender Do povo seu nascimento No auge do sofrimento Sentir seu padecer; Castro Alves desde novo Sentia o sofrer do povo Dentro de seu coração E por isso foi um forte Que nunca temeu a morte Contra a vil escravidão. Bradava bem alto o vate: Abaixo a selvageria! Morra toda tirania! Era assim o seu combate. No brilho dos seus poemas Ia quebrando as algemas No pelourinho das dores Seus versos na praça pública De Castro Alves a rubrica Na alma dos opressores (CAVALCANTE, 1985, p. 1 in SOUZA, 2007, p. 77) Além de nos remeter a Castro Alves, Rodolfo faz brilhantemente uma analogia, ainda fazendo menção ao “poeta dos escravos”, entre dois tipos de escravidão que tiranizam e oprime o pobre, ele clama pela volta do poeta com seus versos inflamados nos dizendo assim: Volta ó gênio do Condor Com teus versos inflamáveis Porque foste, Castro Alves, Poeta libertador O grande conquistador Que ninguém te esquece mais, Vives entre os imortais Nas páginas de nossa História, Hoje nós pasmos de glória Descansas, poeta, em paz! Vive o mundo mergulhado Numa nova escravidão Que se chama inflação Deixando o pobre apertado É roubo pra todo lado E o povo sem moradia E a infeliz demagogia Vem de um passado oriundo Das quatro partes do mundo Que virou Filosofia! (Idem, 1983, p 3-7 in SOUZA, 2007, p. 77)
  • 9. Eno T. Wanke (2010), amigo de Rodolfo, dedicou-se a escrever sobre sua vida e quando sua biografia foi lida por Jorge Amado este disse que parecia se tratar mais de um “romance de aventuras do que uma biografia baseada em fatos” (Cavalcante, 2010, p. 9). Certa vez em relato do próprio Rodolfo a Wanke ele disse que foi capturado por cangaceiros, mas foi logo solto já que não oferecia risco para eles, e acabou por escrever um cordel belíssimo sobre esse episódio, fazendo uma análise da vida e condição de Lampião como poucos fizeram, ele começa dizendo que muitas coisas se narram em nome de lampião, muitas maldades inventadas que eram lendas e criações da própria imaginação, mas, em suas palavras, Foi Virgulino Ferreira Pobre homem injustiçado E por isso vingativo Se tornou um celerado, Se a justiça fosse reta Nem jornalista ou poeta, O teria decantado Lampião era um bom filho Nunca se pode negar Foi também bom companheiro Como se pode provar No epílogo da desdita Junto a Maria Bonita Os seus dias foi findar O homem por mais cruel Tem seu lado positivo Por ser Centelha Divina, E enquanto ele for vivo Há esperança divina... Não vi a hiena feroz Nem o leão devorador, Ao contrário: vi um ser Realmente sofredor Que só andava assustado E para não ser caçado Matava seja quem for (Ibdem, p. 71,72) Perto do fim deste cordel ele faz um pedido aos leitores e ao mundo para que seja mudada a imagem do lendário Lampião alegando que o analfabetismo, um grande flagelo do sertão, foi relevante fator e um “drama desolador do temível Capitão”. (Idem) Certamente, estamos diante de um homem que através de suas letras e brincadeira com as palavras se colocava em posição de crítica e resistência ao sistema vigente que oprime, rouba e flagela os desfavorecidos. Vale dar relevo ao fato de “como
  • 10. uma pessoa nascida em condições tão desfavoráveis, sem muitas oportunidades, pôde alcançar ser o que ele foi” (Idem, 2010, p.9) e continua Wanke em diálogo com Rodolfo, “você poderia ter sido, não um intelectual da poesia popular, mas um cangaceiro, um bandido!” (Idem). Mas além de um poeta de grande genialidade foi também um militante pela causa de sua classe, a dos poetas, tendo sido o idealizador e realizador do I Congresso de Trovadores e Violeiros que dentre outras tinha como intenção unir a classe, ele chegou a fundar a ANTV – Associação Nacional de Trovadores e Violeiros, foi ele quem pediu ao governador da Bahia, Otávio Mangabeira, liberdade para que a venda de folhetos não fosse proibida pelos policiais, criou o GBT – Grêmio Brasileiro de Trovadores, enfim, foi alguém que nas palavras de Wanke tinha importância “para o movimento cordelista... comparada à de dois grandes nomes: Leandro Gomes de Barros... e João Martins de Athayde” (Idem, p.33), ou seja, sua importância não residiu apenas em sua capacidade de criar poesia, mas também por ter lutado incansavelmente pelos direitos de sua classe. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa proposta para o presente texto não é fazer uma análise profunda sobre a vida e obra deste vate, até por que seria impossível posto que sua obra além de extensa carrega muitos elementos para reflexão. O que queremos, antes de tudo, é enfatizar esse lado militante e crítico do poeta e contribuir para suscitar em nossos leitores vontade de se aproximarem dele, que nem completou os estudos primários, mas, que já foi tese de doutorado na Sorbonne escrita pela pesquisadora Martine Kunz e “não foi por acaso que a Academia Brasileira de Literatura de Cordel no Rio de Janeiro escolheu-o como patrono” (Cavalcante, 2010, p. 34). Foram muitos outros prêmio e homenagens que para o presente estudo não precisam ser mencionados. O que nos anima é pensar que mesmo que haja uma constante militância ideológica que busque manter a hegemonia de produção cultural erudita ou de classe média alta, enfim, burguesa, encontramos pessoas como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Francisco das Chagas Batista, Rodolfo Coelho Cavalcante e muitos outros que “teimam” em remar “contra-a-maré” e contra tudo e todos cantam, declamam e gritam com sua genialidade a denuncia do que vai mal e ao mesmo tempo tecem verdadeiras obras de entretenimento com inegável beleza estética, como quando
  • 11. lemos no cordel de Rodolfo ao dizer que acreditava que o analfabetismo, além de ser um flagelo do sertão era um dos responsáveis pela condição de Lampião vem a crítica que é um posicionamento ético e, contudo, cheio de riqueza estética. Fica então mais um eco do quanto podemos aprender e crescer com a leitura de mundo, a visão e a cosmovisão expressas nessa bela arte que se tornou para nós, “graças a Deus”, como a areia da praia, ou seja, infinita, mesmo que ao longo dos tempos tenha havido muitas tentativas de inibição e negação desta expressão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Marcia (org.). Antologia de Folhetos de Cordel: amor, história e luta. São Paulo: Moderna. 2005. CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. Biblioteca de Cordel. São Paulo: Hedra, 2000. FIGUEIREDO, Sérgio Luiz Ferreira de. Educação Musical Escolar. Ano XXI Boletim 08. Disponível em: www.tvbrasil.org.br/salto, 2011. FREIRE, Ana Maria (org.). A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire. São Paulo: Unesp. 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1980. GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Cordel: Leitores e Ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica. 2010. MENDES, Simone (org.). Cordel na Gerais: Oralidade Mídia e Produção de Sentido. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora. 2010. MELO, Rosilene Alves de. Arcanos do Verso: Trajetórias da Literatura de Cordel. Rio de Janeiro: 7 Letras. 2010. SOUZA, Manoel Matusalém de. Cordel Grito do Oprimido: Uma Escola de Resistência à Ditadura Militar. João Pessoa: UFPB/BC. 2007. VIANA, Arievaldo. Literatura de Cordel e a Escola. Ano XX Boletim 16. Disponível em: www.tvbrasil.org.br/salto, 2010.