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O lar da Nakba ou ver as fotografias de Ahlam Shibli 
Ana da Palma 
A exposição intitulada 
Phantom Home (Lar Fantasma), 
uma retrospectiva de nove séries 
fotográficas da artista palestiniana, 
Ahlam Shibli, percorreu três países, 
entre 2013 e 2014. Passou pelo 
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Barcelona; o Jeu de Paume, em Paris; 
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A exposição no Jeu de Paume 
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(Conselho representativo das 
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Capa do catálogo da exposição. ©2013 
Museu d’Art Contemporani de Barcelona; 
Jeu de Paume, Paris; Fundação de Serralves, 
Porto; hatje Cantz Verlag, Ostfildern com 
pormenor da série Death nº48 – Centro 
Histórico, Bairro de al-Kasaba, Nablus, 5 de 
Fevereiro de 2012 © Ahlam Shibli.[Cortesia 
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«apologia do terrorismo»1. A última série é composta por 68 provas cromógenas de 
vários tamanhos e poderá ter sido a série que mais incomodou pelo conteúdo, dado que 
este questiona directamente os limites entre a arte e o documento, apresentando-se como 
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Enquanto espectadora, o título dado à exposição re-situou-me no discurso 
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documental, misturando as suas respectivas sintaxes. Morte, o título da última série, 
1 Artigo do jornal Le Monde de 11/06/2013 consultado em: 
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ahlam-shibli-au-jeu-de-paume_3427976_3246.html
ecoa no título da exposição Lar Fantasma, tanto pelas palavras como pelo que é 
representado. Concentrando-me nas palavras «fantasma» e «morte» é fácil e óbvio 
regressar aos primórdios da fotografia como retrato exacto do real, contudo, apesar de 
todos os espectros indexados ao carácter deíctico da fotografia, aqui o retrato em pose 
inserido no quotidiano é vida, sobretudo na última série: Morte. Não é o retrato de uma 
pequena vida qualquer. É o rasto fantasma destas vidas mortas ou encarceradas a bater 
no rosto da minha humanidade. Sendo uma humanidade partilhada, as noções de arte e 
identidade que muitas vezes, no campo da arte palestiniana, se têm confinado a aspectos 
regionalistas, são ultrapassadas pela mise en abîme, a narrativa visual encaixada, em 
cada fotografia. É-me dado a ver o que é visto no espaço do quotidiano palestiniano. A 
linguagem deíctica é ligeiramente deslocada, tornando-se refugiada da sua própria 
sintaxe. 
Uma casa, um lar, é um espaço íntimo, mas nestas fotografias a noção de lar é 
alargada ao espaço social. O espaço colectivo palestiniano encaixa nos seis princípios 
adiantados por Michel Foucault2 e, na actualidade, tendo em conta as circunstâncias 
criadas no terreno, parece-me acertado dizer que o espaço colectivo palestiniano tornou-se 
a heterotopia por excelência3. As fotografias de Ahlam Shibli levam-me a percorrer 
ruas, lojas e lares povoados pelas pessoas que os habitam. Entre interiores de casas e 
ruas do campo de refugiados de Nablus, o espaço íntimo é o espaço colectivo onde o 
corpo palestiniano ausente resiste ao ser exposto à memória e ao ser continuadamente 
actualizado. 
Reposicionar-me diante da última série de fotografias de Ahlam Shibli? Como 
me hei-de posicionar sem interromper o pensamento múltiplo - aquele que me leva a 
objectar o tratamento visual e político veiculado pelos media dominantes; aquele que 
me leva a relembrar a realidade contemplada no terreno, na Cisjordânia, em 2011; 
aquele que me leva a interligar a História do Médio Oriente, a História do Ocidente, as 
culturas, as vidas das pessoas – ou a simples percepção diante da recepção destas 
imagens? Impossível. O olhar é múltiplo e já vem contaminado, carregado de vidas, 
representações e pequenas percepções. Não quero ver as imagens de Morte apenas 
como a expressão artística e política de uma identidade. Não quero? Mas não posso 
descontextualizá-las, porque a realidade palestiniana é esse corpo colectivo em contínua 
Nakba e porque o metatexto que acompanha cada uma das imagens me impede de não 
ver neste trabalho o olho de uma artista, mulher, palestiniana. Três aspectos que a 
cultura e o pensamento ocidental defendem como sendo «minorias» e que ora 
descentram todo um trabalho artístico, ora o confinam ao particular como uma 
excrescência rara. Entro e saio, entro e saio destes pensamentos, porque afinal de contas 
o pensamento é rizomático. 
O meu olhar é confrontado com um mapa do espaço íntimo do corpo colectivo 
palestiniano. Partindo de uma contextualização panorâmica sobre os campos de 
refugiados em Nablus, percorro espaços onde se repetem os gestos do quotidiano; quer 
seja em casa, na sala, onde há sempre uma vida a arrumar, um espanador a repartir o pó; 
quer seja na rua, onde os passos traçam caminhos, distâncias ou percursos; na loja, no 
2 Michel Foucault (2009). Le corps utopique. Les Heterotopies. Europe: Nouvelles Éditions Lignes. 
3 Consultar a primeira e próxima publicação da Casa Viva: a tradução colectiva do texto Le corps 
utopique. Les Heterotopies de Michel Foucault.
café, onde o cheiro a cardamomo ou a salva emana de uma chávena; quer à entrada do 
cemitério, ou no cemitério. E, é nesses espaços que o eidolon surge acompanhando o 
caminho dos vivos, as suas rotinas ou os seus desvios. Na série Morte vejo a arte 
comprometida do registo do corpo colectivo da Nakba em curso. 
© Ahlam Shibli, Death nº1 – Campo de refugiados de Ala’in na parte ocidental de Nablus, 26 
de Outubro de 2011. 
«Durante a Segunda Intifada, Nablus foi um centro da resistência palestiniana 
às forças de ocupação israelita. Na cidade situam-se quatro campos de 
refugiados sob administração da Agência das Nações Unidas de Assistência 
aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente (UNWRA): Balata, Askar 
Antigo, Askar novo e Ala’in. A UNWRA designou este último Campo nº1. A 
população local chama-lhe contudo Ala’in, numa referência a uma fonte de 
água que abastecia os refugiados quando o campo foi criado. Ala’in é 
conhecido pelo apoio à marxista-leninista Frente Popular para a Libertação da 
Palestina (FPLP), fundada por George Habash em 1967. Durante a Segunda 
Intifada, as forças de ocupação israelita mataram mais de 500 residentes em 
Nablus e nos seus campos de refugiados e feriram mais de 3000. Cerca de 
sessenta casas foram destruídas.» © Phantom Home (2013:212) [Cortesia da 
Fotógrafa] 
A vida é assim, feita por golpes de pequenas solidões4, escreveu Roland Barthes, 
entre parêntesis, no seu texto sobre fotografia, La Chambre Claire. E, estas palavras, na 
distância do tempo de um texto com mais de trinta anos, mas à luz das imagens desta 
exposição, soam como um manto de solidão sobre o povo palestiniano, porque foi e é 
4 Roland Barthes (2002:791). Oeuvres Complètes, V. Seuil: Paris. Tradução minha do original «La vie est 
ainsi faite à coups de petites solitudes».
uma história sempre adiada que nunca transita para lá do tempo histórico. Passado mais 
de um século, para alguns desde 1881, ou revogados 66 anos, se partirmos de um marco 
histórico amplamente documentado e registado nos anais das nações, o povo 
palestiniano continua numa solidão premente. Está murado numa imensa solidão 
mundial espelhando-se nos olhos mudos pasmados diante da nudez das imagens que nos 
chegam e a mudez inculcada pela força da palavra retórica em que os argumentos se 
nutrem de paradoxos, ou de lógicas retorcidas. Então a nudez desta linguagem deíctica é 
como uma pedra aos olhos da humanidade e a imagem muda do ausente é povoada 
pelos gestos e os sons do quotidiano.

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O lar da nakba ou ver as fotografias de Ahlam Shibli

  • 1. O lar da Nakba ou ver as fotografias de Ahlam Shibli Ana da Palma A exposição intitulada Phantom Home (Lar Fantasma), uma retrospectiva de nove séries fotográficas da artista palestiniana, Ahlam Shibli, percorreu três países, entre 2013 e 2014. Passou pelo Museu d’Art Contemporani de Barcelona; o Jeu de Paume, em Paris; e Serralves, no Porto. A retrospectiva Lar Fantasma apresenta as séries: auto-retrato de 2000, Palestina; Goter de 2002-2003, Al-Naqab; Batedores de 2005, Palestina/Israel; LGBT do Oriente de 2004-2006, vários países; Arab al-Sbaih de 2007, Jordânia; O vale de 2007-2008, Arab al-Shibli; Dom Dziecka. A casa morre de fome quando estás fora de 2008, Polónia; Trauma de 2008- 2009, França; e a mais recente intitulada Morte de 2011-2012, Palestina. A exposição no Jeu de Paume provocou o descontentamento de associações judaicas levando o CRIF (Conselho representativo das organizações judaicas em França) a acusar a exposição de fazer a Capa do catálogo da exposição. ©2013 Museu d’Art Contemporani de Barcelona; Jeu de Paume, Paris; Fundação de Serralves, Porto; hatje Cantz Verlag, Ostfildern com pormenor da série Death nº48 – Centro Histórico, Bairro de al-Kasaba, Nablus, 5 de Fevereiro de 2012 © Ahlam Shibli.[Cortesia da Fotógrafa] «apologia do terrorismo»1. A última série é composta por 68 provas cromógenas de vários tamanhos e poderá ter sido a série que mais incomodou pelo conteúdo, dado que este questiona directamente os limites entre a arte e o documento, apresentando-se como representações de representações cujo tema se centra na memória do que está ausente. Enquanto espectadora, o título dado à exposição re-situou-me no discurso acerca da fotografia no campo da teoria, questionando a obra de arte e o registo documental, misturando as suas respectivas sintaxes. Morte, o título da última série, 1 Artigo do jornal Le Monde de 11/06/2013 consultado em: http://www.lemonde.fr/culture/article/2013/06/11/protestations-contre-une-exposition-de-la-palestinienne- ahlam-shibli-au-jeu-de-paume_3427976_3246.html
  • 2. ecoa no título da exposição Lar Fantasma, tanto pelas palavras como pelo que é representado. Concentrando-me nas palavras «fantasma» e «morte» é fácil e óbvio regressar aos primórdios da fotografia como retrato exacto do real, contudo, apesar de todos os espectros indexados ao carácter deíctico da fotografia, aqui o retrato em pose inserido no quotidiano é vida, sobretudo na última série: Morte. Não é o retrato de uma pequena vida qualquer. É o rasto fantasma destas vidas mortas ou encarceradas a bater no rosto da minha humanidade. Sendo uma humanidade partilhada, as noções de arte e identidade que muitas vezes, no campo da arte palestiniana, se têm confinado a aspectos regionalistas, são ultrapassadas pela mise en abîme, a narrativa visual encaixada, em cada fotografia. É-me dado a ver o que é visto no espaço do quotidiano palestiniano. A linguagem deíctica é ligeiramente deslocada, tornando-se refugiada da sua própria sintaxe. Uma casa, um lar, é um espaço íntimo, mas nestas fotografias a noção de lar é alargada ao espaço social. O espaço colectivo palestiniano encaixa nos seis princípios adiantados por Michel Foucault2 e, na actualidade, tendo em conta as circunstâncias criadas no terreno, parece-me acertado dizer que o espaço colectivo palestiniano tornou-se a heterotopia por excelência3. As fotografias de Ahlam Shibli levam-me a percorrer ruas, lojas e lares povoados pelas pessoas que os habitam. Entre interiores de casas e ruas do campo de refugiados de Nablus, o espaço íntimo é o espaço colectivo onde o corpo palestiniano ausente resiste ao ser exposto à memória e ao ser continuadamente actualizado. Reposicionar-me diante da última série de fotografias de Ahlam Shibli? Como me hei-de posicionar sem interromper o pensamento múltiplo - aquele que me leva a objectar o tratamento visual e político veiculado pelos media dominantes; aquele que me leva a relembrar a realidade contemplada no terreno, na Cisjordânia, em 2011; aquele que me leva a interligar a História do Médio Oriente, a História do Ocidente, as culturas, as vidas das pessoas – ou a simples percepção diante da recepção destas imagens? Impossível. O olhar é múltiplo e já vem contaminado, carregado de vidas, representações e pequenas percepções. Não quero ver as imagens de Morte apenas como a expressão artística e política de uma identidade. Não quero? Mas não posso descontextualizá-las, porque a realidade palestiniana é esse corpo colectivo em contínua Nakba e porque o metatexto que acompanha cada uma das imagens me impede de não ver neste trabalho o olho de uma artista, mulher, palestiniana. Três aspectos que a cultura e o pensamento ocidental defendem como sendo «minorias» e que ora descentram todo um trabalho artístico, ora o confinam ao particular como uma excrescência rara. Entro e saio, entro e saio destes pensamentos, porque afinal de contas o pensamento é rizomático. O meu olhar é confrontado com um mapa do espaço íntimo do corpo colectivo palestiniano. Partindo de uma contextualização panorâmica sobre os campos de refugiados em Nablus, percorro espaços onde se repetem os gestos do quotidiano; quer seja em casa, na sala, onde há sempre uma vida a arrumar, um espanador a repartir o pó; quer seja na rua, onde os passos traçam caminhos, distâncias ou percursos; na loja, no 2 Michel Foucault (2009). Le corps utopique. Les Heterotopies. Europe: Nouvelles Éditions Lignes. 3 Consultar a primeira e próxima publicação da Casa Viva: a tradução colectiva do texto Le corps utopique. Les Heterotopies de Michel Foucault.
  • 3. café, onde o cheiro a cardamomo ou a salva emana de uma chávena; quer à entrada do cemitério, ou no cemitério. E, é nesses espaços que o eidolon surge acompanhando o caminho dos vivos, as suas rotinas ou os seus desvios. Na série Morte vejo a arte comprometida do registo do corpo colectivo da Nakba em curso. © Ahlam Shibli, Death nº1 – Campo de refugiados de Ala’in na parte ocidental de Nablus, 26 de Outubro de 2011. «Durante a Segunda Intifada, Nablus foi um centro da resistência palestiniana às forças de ocupação israelita. Na cidade situam-se quatro campos de refugiados sob administração da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente (UNWRA): Balata, Askar Antigo, Askar novo e Ala’in. A UNWRA designou este último Campo nº1. A população local chama-lhe contudo Ala’in, numa referência a uma fonte de água que abastecia os refugiados quando o campo foi criado. Ala’in é conhecido pelo apoio à marxista-leninista Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), fundada por George Habash em 1967. Durante a Segunda Intifada, as forças de ocupação israelita mataram mais de 500 residentes em Nablus e nos seus campos de refugiados e feriram mais de 3000. Cerca de sessenta casas foram destruídas.» © Phantom Home (2013:212) [Cortesia da Fotógrafa] A vida é assim, feita por golpes de pequenas solidões4, escreveu Roland Barthes, entre parêntesis, no seu texto sobre fotografia, La Chambre Claire. E, estas palavras, na distância do tempo de um texto com mais de trinta anos, mas à luz das imagens desta exposição, soam como um manto de solidão sobre o povo palestiniano, porque foi e é 4 Roland Barthes (2002:791). Oeuvres Complètes, V. Seuil: Paris. Tradução minha do original «La vie est ainsi faite à coups de petites solitudes».
  • 4. uma história sempre adiada que nunca transita para lá do tempo histórico. Passado mais de um século, para alguns desde 1881, ou revogados 66 anos, se partirmos de um marco histórico amplamente documentado e registado nos anais das nações, o povo palestiniano continua numa solidão premente. Está murado numa imensa solidão mundial espelhando-se nos olhos mudos pasmados diante da nudez das imagens que nos chegam e a mudez inculcada pela força da palavra retórica em que os argumentos se nutrem de paradoxos, ou de lógicas retorcidas. Então a nudez desta linguagem deíctica é como uma pedra aos olhos da humanidade e a imagem muda do ausente é povoada pelos gestos e os sons do quotidiano.