“Histórias simples para pessoas complicadas” apresenta situações de forma simples, irónica, cómica e por vezes ridícula, acessíveis à compreensão de qualquer leitor...."
3. CAPITÃO RISSOL
Certa manhã muito chuvosa e fria
Espalhou químicos o cientista poluidor,
Quis o destino com sua ironia
Que fosse no mesmo sítio do cozinheiro amador.
Deu-se então a fantástica transformação
De um abandonado rissol banal
E do contacto com a maléca poção,
Nasceu assim o combatente do mal.
A sua fama rapidamente correu
Pela veemência da extrema dedicação,
Muitos inimigos ele sozinho combateu,
Por toda a parte se ouvia a canção:
“ Faça chuva ou faça sol
Não é rijo nem é mole
Ele combate o mal
Ele é fenomenal,
É o capitão rissol! “
Mas curto foi o seu reinado
Pois também trágico é o destino
E aparecera outro herói mutado
E todos clamavam pelo capitão pepino.
“ Cante o galo ou toque o sino
Não é grosso nem é no
Ele combate o mal
Ele é fenomenal,
É o capitão pepino! “
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5. O JOVEM ADOLESCENTE
QUE SE APAIXONOU POR
UM AZULEJO DE CASA-
DE-BANHO
Foi de facto um pouco estranho
Ver o jovem Ulisses apaixonado
Por um azulejo de casa de banho
Que já era velho e riscado.
Mas convicta foi a sua decisão
Apesar de por todos ser gozado,
Dos pais haver bastante repreensão
E dos dias em que era apedrejado.
Pelo menos não estava a ngir
E cada vez era maior o sentimento,
Era vê-los passear e sorrir
Com longos beijos de contentamento.
Veio a tragédia do carrossel distinto
Numa manobra veloz e ousada,
O azulejo esquecera-se de apertar o cinto
Deixando a alma de Ulisses quebrada.
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7. A VINGANÇA DA FOLHA
DE ACETATO
Era uma normal folha de acetato
Bastante limpa e até discreta,
Tinha apenas duas frases como fato
Numa caligraa pouco concreta.
Veio o senhor da caneta com exuberância
Com a qual a tentou riscar,
Foi o traço da sua arrogância
Que a transformou e fez revoltar.
Saltou com suas pernas nas
Fazendo o rico senhor espantar,
Colou-se-lhe rme às duas narinas
Numa tentativa de o asxiar.
Mas o senhor era conhecedor
Que pela boca conseguia respirar
E num gesto cauteloso e reprovador
Lá a conseguiu arrancar.
8. BEATRIZ “A GILLETTE“
Em tempos fora jovem e saudável
E nada a conseguia parar,
Recorda como era então admirável
Sempre, sempre, sempre, a cortar.
Essa época nunca mais irá voltar,
Inveja agora as colegas descartáveis
E só pensa em se reformar,
As suas lâminas estão lastimáveis.
Sua sina é triste e penosa
Junto a um branco tubo dentífrico,
Vai tirando pêlos saudosa
E sonha com uma ilha no pacíco.
9. O ATAQUE DOS PICA-
MAMAS
Ela era jovem e até muito bonita
Mas o ego não estava ainda satisfeito,
Fez implantes numa clínica algo esquisita
Que lhe aumentou exageradamente o peito.
Tal foi a mudança destas duas ampliações
Que pareciam ter enchido dois balões
E naquela noite estrelada de luar
Veio uma ventania e ela foi-se pelo ar.
No dia seguinte à sua subida
Pairou assustada numa oresta desconhecida,
Viu apenas umas aves voarem insanas,
Eram estranhas criaturas – Os pica-mamas.
Uma espécie que poucos conheciam
Que habita debaixo das pontes,
Recentemente observados enquanto comiam
Por um cientista de Trás-os-Montes.
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11. A VASSOURA
Sempre em busca de acção andava
Mesmo quando estava só,
Da vida não queria mais nada
A não ser o seu essencial pó.
Mas certo dia limpou demais
Por pouco não lhe foi fatal,
Correu dezenas de hospitais
Todos diagnosticavam o mesmo mal.
Vários meses passou a pensar
Se no pó deveria voltar a tocar,
Finalmente sentiu-se libertada
E hoje até está casada.
12. O BELO ROMANCE
Tudo começou por ser brincadeira
E ainda pouco havia por dizer,
Mas viveram uma vida inteira
Até um deles acabar por morrer.
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14. A FORMIGA DE BABEL
Era pequena que todos a conheciam
Mas grandes eram as suas ambições
E dela até por vezes se riam
Quando começava com divagações.
Maior foi o espanto local
No dia em que a viram trabalhar,
Pois a sua azafama era tal
Que nem parava para falar.
Com paus de fósforo queria construir
Uma torre que chegasse aos céus,
Pois o seu sonho nunca iria conseguir
Que era visitar os Pirinéus.
Dia e noite sem nunca parar
E a obra já começava a nascer,
Mas o vento começou a soprar
Fazendo a torre desaparecer.
A formiguinha está hoje internada
Nenhum pau de fósforo é mais preciso,
Dizem que já não se lembra de nada
E até já está a apanhar juízo.
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16. A ELOQUENTE BARRIGA
Naquela grande barriga abastada,
Quando a fome se fazia notar,
Ouvia-se do estômago a voz irada
E eis que começava a discursar.
Não existia para o fenómeno explicação
Mas a sua eloquência era já mítica,
Aquela barriga tinha uma vocação,
Um jeito especial para a política.
Houve mesmo quem lançasse louvores
Para que ela se pudesse candidatar,
Mas logo correram rumores
Do seu hábito em se embebedar.
E certa vez perante uma assembleia
Que de tão espantada a queria ouvir,
Embriagara-se tanto a noite inteira
Que os vómitos começaram a surgir.
17. O COPO DE CRISTAL QUE
TOCAVA MÚSICAS DE
NATAL
Fora construído do mais no cristal,
Não era preciso ser sábio para o perceber,
Mas este era um copo muito especial
Pelo qual todos queriam beber.
Sua particularidade era deveras excepcional,
Quando com um dedo húmido lhe passavam
Entoava conhecidas músicas de Natal,
E todos o aplaudiam e admiravam.
Tal era a fama que lhe dedicavam
Que percebeu a dimensão do seu poder,
As inúmeras vezes que agora o agarravam
Eram a fonte do seu altivo envaidecer.
E foram tais as geradas discussões
Que nem o seu dono lhe resistiu,
Mas o destino teve das suas lições,
O copo caiu ao chão e partiu.
18. O REFORMADO
DOURADO
Durante o dia ele lia o jornal,
Por nada mais ter que fazer,
Sem nunca dar nenhum sinal
Do plano que estava a conceber.
Quando o dia começou a escurecer
Ele desapareceu para um canto isolado,
Era, então, chegada a hora de aparecer
O justiceiro reformado dourado.
Uma ofuscante capa e um fato a luzir
E tudo parecia estar controlado,
Mas os bandidos desataram a rir
E o pobre homem foi ignorado.
A realidade era dura e crua,
Foi tal o asco da situação
Que agora pouco sai à rua
Ficando em casa a ver televisão.
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20. O PÉRFIDO MEALHEIRO
Ele tinha um porquinho como mealheiro
A quem as suas poupanças conava,
Durante anos lá depositou algum dinheiro,
E a quantia tornava-se já elevada.
Mas certo dia, por mera distracção,
Não fechou bem a porta quando saiu,
O porquinho comprou um bilhete de avião
E, desde então, nunca mais alguém o viu.
21. O LOBO MAU
Um lobo mau sentia-se inútil e desfeito
O psicólogo diagnosticara-lhe uma depressão,
O xanax e o prosac já não faziam efeito
E foi por isso em busca da verdadeira vocação.
Encontrou um rebanho bem alinhado,
Mas só uma ovelha ele não queria comer,
Pois, se fosse o pastor a ser eliminado
Ele tornar-se-ia dono e senhor do poder.
O rebanho, ao ver o seu pastor destronado,
Ficou intrigado e sem alguma coisa perceber,
Mas a necessidade em ser comandado
Fê-lo facilmente ao astuto lobo obedecer.
Uma fábrica de lãs e manteigas abriu
E o rebanho venera todos os seus conselhos,
Dizem que depois que a sua vida subiu
Até já engatou duas capuchinhos vermelhos.
22.
23. A INFLUÊNCIA DO TIO
BALTAZAR NO
DESENVOLVIMENTO DAS
CRIANÇAS
«Adivinhem quem acabou de chegar!»
- Disse a mãe ao Luís e à Inês -
«É o vosso querido tio Baltazar
E trouxe presentes para vocês!»
E o menino que esperava entusiasmado
Recebeu apenas uma embalagem de pilhas,
A menina que olhava atenta a seu lado
Foi ofertada com um par de palmilhas.
As crianças estavam traumatizadas
E não mais teriam uma infância normal,
O destino deixava-os bem marcados
Por uma situação aparentemente normal.
Mas os presentes viriam ainda a signicar,
Apesar de tudo na vida lhes correr mal,
Quando com eles vieram a ganhar
O grande prémio de arte conceptual.
24. MARIAZINHA E O PACOTE DE
BATATAS FRITAS
Uma elegante andorinha de nome Mariazinha
Era bastante cobiçada quando passava a voar,
Mas, numa quente tarde em que voava sozinha,
Deixou-se por um pacote de batatas fritas apaixonar.
Cantou bem alto para o tentar conquistar,
Mas o canto do pacote de batatas era nada,
Apesar de claramente a estar a ignorar
A pobre andorinha estava ainda mais fascinada.
Passou meses nesta inocente e cega ilusão
E por algumas vezes o conseguiu debicar,
Chegou então a inevitável temida situação
Em que para o sul foi obrigada a voar.
Regressou, tempos depois, muito entusiasmada
Piando já casamento e outras coisas esquisitas,
Mas o que viu foi como uma punhalada,
Alguém comia o seu pacote de batatas fritas.
25.
26. O SONHO DE SAMUEL
Samuel sonhava ser um grande marinheiro
E, para tal, construiu uma robusta jangada,
Despediu-se de todos e rumou ligeiro
Em direcção à sua fabulosa empreitada.
Lançou a sua jangada ao revoltado mar
E conrmou o dinheiro que tinha na carteira,
Mas, por mais que tentasse remar,
Não conseguia ultrapassar a zona costeira.
Percebia assim como a vida é desilusão
Para aqueles que não possuem um motor,
Não chega ter vontade e dedicação,
Também é preciso ter o vento a favor.
Como não alcançou a sua grande ambição
Conformou-se com uma menor ideia,
Passa as noites inteiras a fazer pão
E os dias a construir castelos de areia.
27. O FEITIÇO
Começou por ser uma auspiciosa coincidência,
Quando no caminho um vulto lhe apareceu,
Ninguém previa que aquela simples ocorrência
Fosse culminar no que depois sucedeu.
Deparou-se com uma ambígua bruxa malvada
De poderes reconhecidos em todo o lado,
Substimou-a, incrédulo, por a julgar uma fada
E ela transformou-o em interruptor de luz
desligado.
E hoje, lá está exilado em constante apatia,
Um botão apagado sem qualquer sentimento,
Espera, enm, que alguém o prima um dia
E o liberte do terrível encantamento.
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29. GINA
Gina era amiga dos seus amigos
Por mais que lhe pudesse custar,
Nunca lhes recusava quaisquer pedidos
E todos com ela queriam estar.
Tinha o dom de construir amizades
Com grande entusiasmo e facilidade,
Conhecia pessoas em todas as cidades
E vivia em constante ansiedade.
Mas mesmo assim sentia-se solitária
Até conhecer um ilustre rebuçado de S. Bráz,
Infelizmente ele chamou-lhe ordinária
E ela não tinha como voltar atrás.
30. SANITA DAS VERDADES
Chamavam-lhe sanita das verdades,
A qual ninguém ousava utilizar,
E sempre que estavam em diculdades
Somente com ela se iam aconselhar.
Inúmeras situações ajudou a resolver,
Todos a tinham em grande consideração;
De onde lhe vinha tanto saber
Ainda hoje não há explicação.
Mas por descuido ou cinismo
Houve um homem que a utilizou,
E após ter puxado o autoclismo
Para sempre a sanita se calou.
31.
32. O SABONETE
O Sabonete Silvino tem a vida tramada
E amanhã irá ser ouvido em tribunal,
A senhora que com ele tanto se esfregava
Decidiu processá-lo por assédio sexual.
33.
34. PEDRA NO SAPATO
A pedra no sapato começava a incomodar,
Era essencial pensar em a remover,
Mas àquele sítio já ela se estava a habituar
E seria quase inevitável fazê-la sofrer.
Um hábil plano devia ser encontrado,
De forma a tentar atenuar a situação,
O sapato estava já desesperado,
Mas também tinha um bom coração.
E sem mais como poder ngir
Conseguiu reunir toda a sua coragem,
Disse-lhe que seria melhor sair,
Pois chegara ao m aquela viagem.
35. O CANDIDATO VINHO
Quando o vinho anunciou a candidatura
Muitos julgaram as suas ideias primitivas,
Mas a sua atitude não foi loucura
E os votos excederam as expectativas.
Ergueram várias garrafas para comemorar
A sua grandiosa chegada ao poder,
Mas quando o vinho começou a discursar
Estavam demasiado ébrios para o compreender.