1. O documento descreve a história do povo negro antes e durante a colonização, quando foram trazidos à força para o Brasil como escravos. 2. Também discute as representações sociais negativas que foram construídas sobre os negros para justificar a escravidão, como primitivos e inferiores. 3. Aborda especificamente a situação das crianças negras durante a escravidão, que enfrentavam trabalho pesado e privação de educação.
1. 11
INTRODUÇÃO
Ao evidenciarmos o processo histórico de colonização imposta pelos brancos
europeus e a construção e veiculação de representações sociais que
desqualificam os negros por meio de estereótipos de ordem racista, onde
percebemos a criança negra quilombola distanciada de sua cultura e de suas
origens, a nossa pesquisa se propôs em estudar quais as representações sociais
que as crianças negras quilombolas têm sobre a sua negritude, onde a partir dos
nossos estudos, buscamos reunir informações para identificá-las por meio das
falas dos sujeitos pesquisados e dos aportes teóricos estudados.
Nesse sentido, o capítulo I faz um retrospecto da vida do povo negro antes da
interferência do branco europeu e após a sua inserção no continente africano,
onde pautados em teorias que desqualificavam a raça negra, os brancos europeus
se utilizavam destas teorias para justificar o tráfico negreiro e para atingir os
objetivos econômicos e imperialistas que possuíam. Também, fazemos uma
discussão acerca da resistência à escravização por parte de homens, mulheres e
em especial das crianças negras que se refugiavam nas comunidades quilombolas
de resistência, sendo possível até os nossos dias atuais, a preservação da cultura
negra e ainda, fazemos uma reflexão acerca do distanciamento da criança negra
quilombola de suas origens raciais por meio da veiculação de representações
sociais negativas através dos meios de comunicação e das interações
desenvolvidas nos contextos sociais.
O capítulo II apresenta os conceitos teóricos dos nossos estudos, sendo eles “a
negritude”, que nos fala da necessidade de abandonar os paradigmas brancos
outrora assimilados pelos negros e voltar às origens da cultura africana para que
se desenvolva nas pessoas negras, principalmente nas crianças negras, um
sentimento de identidade e de pertencimento racial; “a comunidade quilombola”,
que representam uma forma de resistência e de luta dos negros e negras contra os
resquícios da escravidão, mas que infelizmente a pobreza, a falta de perspectivas
e a miséria ainda os perseguem; “as representações sociais”, que se caracterizam
2. 12
por ser consideradas como uma forma de conhecimento que é construída e
compartilhada em um contexto social e que procura dar sentido às práticas sociais.
O capítulo III corresponde à metodologia da pesquisa que permitiu o levantamento
dos dados para a realização da nossa pesquisa de caráter qualitativo, onde
pudemos conhecer com maior clareza lócus da pesquisa e os sujeitos
pesquisados, através dos instrumentos de coleta de dados, sendo utilizados o
questionário fechado que traçou o perfil sócio-econômico dos sujeitos, o
questionário semi-estruturado que permitiu descobrir as opiniões das crianças
negras pesquisadas e o mapa mental como complemento dos demais
instrumentos de coleta que por meio de grafismos os sujeitos puderam apresentar
suas representações simbolicamente.
No capítulo IV consta a análise de dados e a interpretação de seus resultados,
onde puderam ser identificadas nas falas dos sujeitos de pesquisa as
representações sociais que possuem sobre a sua negritude, sendo confrontados
os discursos destes com o quadro teórico, nos permitindo obter uma visão ampla
dessas representações sociais circulantes no grupo pesquisado.
Nas considerações finais, procuramos fazer um apanhado geral da pesquisa,
relembrando os objetivos de estudo e o alcance destes através da identificação
das representações sociais circulantes no grupo pesquisado. Assim, com a
identificação dessas representações sociais, há a necessidade de se repensar em
ações que promovam nessas crianças negras a valorização de si mesmas e de
sua cultura desenvolvendo-lhes orgulho de ser negras e convivendo com a
diversidade.
3. 13
CAPÍTULO I
1.1 O povo negro: um breve histórico dos nossos antepassados.
Há muitos séculos atrás nas cidades do reino africano se encontravam, além de
nobres e sacerdotes, excelentes construtores, agricultores, ceramistas,
carpinteiros, contadores de histórias e tradições. Eram pessoas que, com suas
línguas e dialetos, valorizavam e preservavam a memória e os conhecimentos de
sua rica e diversificada cultura. (CASTANHA, 2001).
Segundo Hernandez (2005), os povos africanos possuíam uma alta complexidade
no que diz respeito à heterogeneidade, às instituições econômicas, à política, ao
dinamismo sócio-cultural e às relações de poder, sendo sociedades não estáticas
e nem passivas, mas sim, caracterizadas por mudanças continuadas e de
significativo potencial revolucionário.
Entretanto, a partir do século XV, todas as complexidades sociais e culturais dos
povos da África começaram a ser ameaçadas com a expansão da Europa
Ocidental, denominado de século das grandes descobertas, e foi a partir desse
período que os contatos entre os brancos ocidentais e os negros africanos
aconteceram, causando conseqüências incalculáveis para a conjuntura social e
cultural desse povo. (HERNANDEZ, 2005).
Munanga (1988) afirma que neste contexto histórico, os portugueses
desembarcaram na costa africana, atingindo antes do fim do referido século, o
Cabo da Boa Esperança e a costa oriental. Outros aventureiros provindos de
países europeus seguiram os portugueses e viram com os próprios olhos, os
povos descritos de maneira negativa nos relatos antigos. Munanga (1988) ainda
afirma que:
A partir de sua imaginação e baseando-se na teoria dos climas, criou-se
uma imagem do resto do continente (não visitado) de clichês bastante
4. 14
desfavoráveis. Todas as descrições da época mostravam os habitantes do
interior do continente africano com animais selvagens. (p.13-14).
Neste contexto de desqualificação do continente africano e da população africana,
Hernandez (2005) ressalta que:
No imaginário dos dominadores, os africanos eram representados
socialmente como seres monstruosos, gigantes, pigmeus, mulheres-
pássaro, homens-macaco, povos deformados, sem nariz, sem língua, sem
sentimentos, sem alma e que cultuavam deuses próprios do pensamento
animista. (p.06).
Para justificar o injustificável tráfico de homens, mulheres e crianças negras no
século XVIII, Munanga (1988) complementa afirmando que no século XVIII, os
europeus se pautavam em algumas teorias desenvolvidas por filósofos
humanistas, propagando o eurocentrismo, ligando à idéia de civilização dominante.
Diante do exposto, Hernandez (2005) também complementa afirmando que aos
africanos e africanas eram atribuídos epítetos como incapaz, fleumático, indolente
e frouxo, construindo representações sociais negativas e estereotipando uma
imagem de primitivismo e inferioridade e diziam que o continente africano fosse um
eldorado recolhido em si mesmo, aquém da luz consciente e que na parte principal
da África subsaariana, não podia haver história.
“Com as teorias sobre as características morais e físicas sobre os negros
africanos, firmou-se a legitimação da escravidão, da colonização européia e da
estereotipação negativa dos negros, numa época em que a ciência se tornava um
verdadeiro objeto de culto”, (MUNANGA, 1988, p.20) a teorização da inferioridade
racial ajudou a esconder os objetivos econômicos e imperialistas da empresa
colonial.
No século XVI, Castanha (2001) afirma que os europeus e, mais tarde, os
brasileiros, começaram a trocar objetos utilitários por negros africanos de diversas
etnoculturas, os quais eram arrancados de seus lares e de sua cultura e trazidos
dentro dos porões dos navios até os portos de destino, onde inúmeros não
suportavam a terrível viagem e morriam durante a travessia do atlântico, em meio
à fome, doenças e maus-tratos.
5. 15
Foi a partir deste século que os negros africanos passaram a fazer parte da
história do nosso Brasil, como escravos. Começaram a ser trazidos para o Brasil
pelos traficantes portugueses e brasileiros, chegando o número de escravos
negros à aproximadamente dois milhões, sem contar aqueles morreram durante a
viagem.
Segundo Del Priore (2000), eram poucas as crianças africanas que aportavam
deste lado do oceano, pois o tráfico de escravos privilegiava mais adultos do sexo
masculino. Ainda ressalta que apenas 4% dos africanos possuíam menos de dez
anos de idade e, aqueles que não faleciam durante a viagem, se tornavam
crianças escravas.
Shimidt (2004) acrescenta que os portugueses e brasileiros escolhiam os negros
adultos vindos da costa e do interior do continente africano pelo fato de que os
índios, desde a chegada dos colonos portugueses, eram terrivelmente forçados a
trabalhar até não agüentar mais. Assim, muitos morreram de doenças que os
europeus trouxeram da Europa (varíola, sarampo e gripe).
Depois que a maioria dos índios morreu ou fugiu para o interior do país, os colonos
preferiram os escravos africanos, pois quando morriam por excesso de trabalho ou
de alguma doença, os colonos brasileiros simplesmente compravam mais escravos
africanos dos traficantes.
Falando da relação da Igreja com a escravidão no Brasil, Lopes et al (2000) afirma
que embora a religião cristã tivesse um cunho de emancipação, a mesma não se
preocupou em emancipar os negros escravos e livres, quer seja adultos ou
crianças, legitimando o sistema colonial e aplicando-lhes castigos aceitos naquela
época como “princípio moral da formação do trabalhador” e ameaçando os
escravos fujões com a excomunhão.
Segundo Shimidt (2004), “aqueles escravos que fossem submissos aos seus
senhores e à Igreja, aceitando a condição de escravos sem reclamar, estariam
perdoados e depois da morte, iriam para o céu”. (p.210). Nesse período
colonialista, Silva (2004) salienta que as atividades desenvolvidas pelas negras e
6. 16
negros trazidos para cá dependiam da região do Brasil - Colônia para onde eram
levados. Muitos desses escravos e escravas eram leiloados, alugados e até
mesmo, revendidos pelos seus donos como animais e ou como objetos para
inúmeros lugares do país, integrando e marcando significamente, a sociedade
brasileira com características sociais, expressões culturais e caminhos de
identidade de origem africana.
1.2 A criança negra e sua trajetória
Prosseguindo nessa incursão histórica, vale ressaltar que, assim que chegaram ao
Brasil, os negros e negras começaram a reagir contra a escravidão, sendo através
de revoltas, de lutas, de fugas e de resistências. Nesse sentido, Meireles (2005)
faz um significativo retrospecto à história das crianças negras e suas
representações sociais no período escravagista no Brasil, a partir do século XVI.
Segundo a autora, uma das principais maneiras de resistência à escravização era
o fato de muitas escravas negras evitarem a gravidez, pois estas não desejavam
para seus filhos um futuro de violências e de trabalho escravo como era o delas.
Quando não conseguiam evitar a gravidez, muitas mulheres perdiam seus filhos
por se esforçarem demasiadamente no trabalho pesado. Outras vezes, as crianças
nasciam, mas não conseguiam sobreviver por causa dos surtos de doenças que os
acometiam. Muitas outras mulheres deixavam seus filhos nas “Rodas dos
Expostos” para livrá-los da escravidão. (DEL PRIORE, 2000)
Mesmo assim, a população infantil negra se tornou significativa, pelo fato de
muitas mulheres e adolescentes negras serem estupradas sexualmente por seus
donos e estes não permitirem a venda das crianças que nasciam para assim se
tornarem escravas.
Nos primeiros anos de vida, as crianças eram sustentadas pelo leite materno,
porém suas mães serviam, também, para amamentar os filhos dos brancos, que
muitas vezes se alimentavam de mingau de mandioca, garapa entre outros
7. 17
alimentos. Além da amamentação, os negrinhos e negrinhas comiam engrossados
de farinha seca, de mandioca e de milho. Meireles (2005) coloca que estas
crianças não eram tratadas como crianças. Renegada a infância e principalmente
sua cultura a partir de sete anos, os meninos negros começavam trabalhar na
agricultura e pecuária, e as meninas no plantio de hortaliças, nos afazeres
domésticos e na lavagem de roupas.
Scaratano, apud Del Priore (2000), ressalta que o aumento significativo de
crianças de pele mulata recebia críticas das autoridades. Estas reclamavam que o
nascimento dessas crianças iria trazer à sociedade uma nova categoria
populacional. Não sendo nem brancos e nem descendentes africanos, essa nova
categoria passou a ser discriminada por aqueles que se consideravam favorecidos.
Percebe-se ainda que até o século XIX, a educação não seria uma opção para as
crianças negras escravas, mas seria a transformação em indivíduos produtores e
extremamente úteis para inúmeras atividades braçais, enquanto as crianças
brancas e de elite eram instruídas por professores particulares.
A única educação que as crianças negras tinham acesso era à educação religiosa,
a qual era obrigatória, pois com relação à escola pública, lhes eram proibido
freqüentá-la. Entretanto muitas aprendiam a ler de forma assistemática e nos
quilombos, lugares para onde muitos negros fugiam como forma de resistência.
(NOVAIS, 1993).
A partir da criação da lei do ventre Livre (século XIX), passou-se a oferecer às
crianças crioulas e pobres um ensino profissionalizante, oferecido em escolas de
origem religiosa, dando-lhes uma “instrução primária mínima” para o
desenvolvimento de atividades manuais. (DEL PRIORE, 2000).
Estas crianças foram entregues pelos senhores às autoridades, pois com a Lei do
ventre Livre (1871) deixavam de ser lucrativas aos donos de escravos. Aquelas
que não foram entregues às autoridades continuaram vivendo como escravas com
seus familiares, ou passaram a viver nas ruas abandonadas e ou nas comunidades
quilombolas de resistência.
8. 18
Foi nesses lugares de resistência à escravidão que foi possível a preservação de
hábitos, crenças e costumes africanos, promovendo até os dias atuais, a
diversidade cultural do país e da nossa Bahia. (SILVA, 2004). Neste contexto,
percebemos que por todo o Estado concentra-se atualmente um número
significativo de comunidades remanescentes de quilombos, fruto das fugas e
resistências da raça¹ negra escravizada em séculos anteriores.
Assim, muitas comunidades quilombolas do norte baiano vêm adquirindo cada vez
mais espaço no cenário do reconhecimento, preservando algumas manifestações
sociais e culturais de matriz africana. Desse modo, enfatizamos a comunidade de
Bananeiras dos Negros, a qual se localiza no município de Antonio Gonçalves-Ba,
reconhecida recentemente como comunidade remanescente de quilombo pela
Fundação Palmares.
Contudo, apesar de terem se passado séculos desde a abolição da escravatura, os
descendentes de africanos, sejam eles homens, mulheres e crianças moradores
de comunidades quilombolas, ainda sofrem na pele os resquícios de uma
historicidade de injustiças, dores e abandono, sofrendo as conseqüências de um
ato puramente econômico, ideológico e dominante.
Podemos compreender que daquela infância desconhecida das fazendas, dos
quilombos e das ruas, esta continuou sendo desvalorizada atualmente; a raça
negra continuou ficando à sombra de uma cultura embranquecida e imposta pelos
diversos meios de veiculação de valores, seja a família, seja a escola ou os meios
de comunicação. A desqualificação sistemática dos negros e afro-descendentes ao
longo da história, apesar de serem personagens essenciais na construção e no
desenvolvimento do Brasil, da nossa Bahia e da nossa microrregião, levou à
veiculação de representações sociais articuladas a valores, crenças e sentimentos
negativos a respeito dos membros desse grupo em diversas esferas da vida social.
_______________________________
¹ O Movimento Negro usa o conceito raça com uma nova interpretação, que se baseia na dimensão social e
política do termo
9. 19
Trabalhos foram desenvolvidos por estudiosos nesta área no sentido de perceber
tal processo de desqualificação racial e perceberam-se referências estigmatizantes
de ordem social, educacional e física relacionada aos afro-descendentes,
tornando-se “verdades absolutas” e levando-os a vivenciarem situações de
desvantagens e humilhações que por ventura aconteçam no cotidiano.
Neste aspecto, historicamente construído, a criança negra quilombola desde cedo
se apropriou da idéia de que, através de mecanismos eficazes de reprodução
ideológica, a identidade positivamente afirmada é a do europeu, e o que lhe cabe é
a imitação desse ideal, para poder ser socialmente aceita.
Tendo em vista tais abordagens e levando em consideração a constatação de que
os afro-descendentes têm sido percebidos secularmente através do preconceito e
da visão etnocêntrica, nosso estudo visa saber: Quais são as representações
sociais as crianças negras da comunidade quilombola de Bananeira dos Negros
têm acerca da sua negritude? Como essas crianças negras percebem a si mesmas
dentro da sociedade como um todo?
Desse modo, a presente pesquisa tem como objetivos: identificar e analisar as
representações sociais que as crianças negras da comunidade quilombola de
Bananeira dos Negros têm sobre a sua negritude.
Acreditamos que através dos nossos estudos poderemos provocar novos debates
e reflexões acerca dos discursos sociais sobre as questões raciais, contribuindo
para a correção das injustiças construídas historicamente na comunidade
quilombola de Bananeira dos Negros, incentivando os poderes públicos do
município de Antonio Gonçalves a desenvolver políticas públicas no sentido de
promover o resgate da identidade e pertencimento da raça negra na comunidade.
.
Ainda, acreditamos que este tema seja de grande relevância científica,
pois trará respaldo para a ampliação de novas reflexões nos meios acadêmicos
que envolvam tal temática, incentivando o desenvolvimento de estudos e
pesquisas mais aprofundadas nesta área no sentido de contribuir para o
10. 20
surgimento de propostas que venha auxiliar o grupo social em que as crianças
negras quilombolas estão inseridas.
11. 21
CAPÍTULO II
Considerando o processo histórico de colonização imposta pelos brancos
europeus por motivos econômicos e a construção de representações sociais
negativas dos negros através de estereótipos de ordem racista, a criança negra
quilombola que se distancia das suas origens e de sua negritude e, tendo como
principais objetivos de pesquisa identificar e analisar as representações sociais
que as crianças negras da comunidade quilombola de Bananeira dos Negros têm
sobre a sua negritude, nos convém neste capítulo discutirmos os seguintes
conceitos-chave: a negritude; comunidade quilombola; as representações sociais.
2.1 A Negritude e a criança negra: De volta às Origens...
A negritude segundo Bernd (1999) possui um sentido abrangente a qual se refere
a uma tomada de consciência por parte dos negros com relação à discriminação e
a dominação que sofreram e ainda sofrem, existindo a negritude ”desde que os
primeiros escravos se rebelaram e deram início aos movimentos conhecidos como
Marronage, no Caribe, Cimarronage, na América Hispânica e Quilombismo, no
Brasil”. (p.27).
Munanga (1988) complementa ainda que “sem a escravização e a colonização dos
povos negros da África, a negritude, essa realidade que tantos estudiosos
abordam não chegando a um denominador comum nem teria nascido”. (p.05).
Segundo o autor:
Interpretada ora como formação mitológica, ora como movimento
ideológico, seu conceito reúne diversas definições nas áreas cultural,
biológica, psicológica, política e entre outras. Esta multiplicidade de
interpretações está relacionada à evolução e à dinâmica da realidade
colonial e do mundo negro no tempo e no espaço. (MUNANGA, 1988,
p.05).
Neste contexto, a consciência e a reivindicação de equidade racial por parte dos
negros e descendentes surgiram em decorrência da não aceitação dos
estereótipos e conceitos negativos que muitos cientistas e teóricos, apoiados em
12. 22
teorias positivistas e evolucionistas, desqualificavam extraordinariamente a raça
negra e as demais raças que divergem da raça branca européia.
Nesse sentido, Munanga (1988) afirma que no século XVIII, alguns pensadores
iluministas ao invés de corrigir os estereótipos de inferioridade e negativismo que
se referiam ao povo negro, reforçaram ainda mais estes estereótipos, sendo que
neste mesmo século, elabora-se o conceito de progresso, de desenvolvimento e
de perfeição humana.
Sexualidade, nudez, feiúra, preguiça e indolência constituem temas-chave da
descrição do negro na literatura científica da época” (p.16) e firmando assim na
cultura brasileira a identidade de origem africana ligada à idéias de escravidão e
trabalho braçal. (NASCIMENTO, 2001. p.119).
A partir do século XIX, Carneiro (2002) acrescenta que foram feitas diversas
experiências de cunho científico com cérebros de seres humanos, desenvolvendo
uma série de estudos sobre as diferenças raciais, baseadas nas teorias
evolucionistas de Darwin. Desse modo, segundo a autora, “os africanos foram
apontados como seres biologicamente inferiores”. (p.21).
Estas teorias que reforçavam a desigualdade de raças passaram a ser respeitadas
por todo continente europeu e por todo mundo através da literatura específica.
Sendo assim, estas teorias de inferioridade racial que deu origem às
representações sociais com caráter de desqualificação dos negros e seus
descendentes serviram para o desenvolvimento de interesses econômicos
imperialistas e burgueses, onde Carneiro (2002) afirma que:
De acordo com as conveniências do momento, o conhecimento científico
foi vulgarizado, com o objetivo de facilitar sua compreensão pelo grande
público. Pseucientistas apropriaram-se dos avanços das ciências
biológicas, colocando-se a serviço de interesses imperialistas e de uma
burguesia em ascensão. Ao vulgarizar as teorias e as informações
complexas decorrentes de prolongadas pesquisas, faziam a ponte entre o
discurso científico e o popular. Dessa forma, interferiam no imaginário
social, gerando ou reforçando estereótipos e atitudes discriminatórias.
Assim, entre 1860 e 1890, o conceito de evolução se popularizou, dando
origem a novas teorias, entre as quais cabe lembrar o darwinismo social,
o evolucionismo, o arianismo e a eugenia, cujos princípios influenciaram
muitos intelectuais brasileiros. (p.21).
13. 23
Compreende-se, portanto que foi através dessas teorias de inferioridade racial e da
desqualificação histórica que termos como preconceito (conceito negativo prévio
com relação a uma determinada raça), discriminação racial (prática discriminatória
fundamentada em princípios preconceituosos) e racismo (conjunto de teorias e
crenças que estabelecem uma hierarquia entre raças ou etnias) entraram no
cenário social e cultural da sociedade deixando marcas incalculáveis na vida do
povo negro e de seus descendentes. (GOMES APUD HENRIQUES, 2005).
A condição de negro discriminado, sempre associada ao insucesso, à
incompetência e inferioridade, nem sempre é assumida prontamente, provocando
inúmeras reações, tanto em brancos quanto em negros, tais como dor, tristeza,
sentimentos de impotência e baixa auto-estima, culpa e agressividade etc.
(BENTO, 2006).
Mas é extremamente importante ressaltar a busca da ciência contemporânea para
a correção das teorias de desqualificação racial através de cuidadosos estudos e
pesquisas científicas. Desse modo, Shimidt (2004) contribui de maneira enfática
para descaracterização das teorias evolucionistas desenvolvidas com o intuito de
promover a teorização da inferioridade racial e da estereotipação negativa dos
negros e de outros povos e de exaltação do paradigma branco. Assim, Shimidt
(2004) ainda acrescenta que:
Os cientistas mais capazes do mundo tanto negros como brancos
reunidos pela UNESCO (Organização das nações Unidas para Educação,
Ciência e Tecnologia), chegaram à conclusão unânime de que não
existem diferenças, nem na capacidade intelectual nem na física, entre os
diversos grupos humanos. Colocando lado a lado, o cérebro (sede da
inteligência) de um africano da Nigéria ou de Angola, um branco espanhol
ou dinamarquês, um índio ianomâmi ou um indiano, não haverá ninguém
no mundo capaz de dizer “este é branco, aquele é negro, aquele é
indiano, aquele é coreano, etc.” (p.42).
Apesar da comprovação científica de descrédito das teorias de desqualificação
racial, a sociedade e os próprios negros e descendentes internalizou essas
informações de caráter desprezível, transformando-se em representações sociais
negativas através das interações estabelecidas com o meio social e neste
contexto, o negro por infinitas pressões sociais e psicológicas, termina assimilando
uma situação degradante tendo que negar seus costumes, sua cultura e suas
14. 24
características físicas para se submeter aos valores que não são seus.
Assim, submeteram-se ao embranquecimento para poder ser aceitos na sociedade
e fugir do racismo e da discriminação racial seria a solução. “O embranquecimento
do negro realizar-se-á principalmente pela assimilação dos valores culturais do
branco”. (MUNANGA, 1988, p.26).
Bem divulgado, o retrato degradante acaba por ser aceito pelo negro, e
contribuirá para torná-lo realidade e, portanto, uma mistificação. Podemos
comparar esta situação com a ideologia da classe dirigente, que é
adotada frequentemente pelas dominadas. Ao concordarem com ela, os
submissos confirmam o papel que lhes foi atribuído. Assim, como o
colonizador é tentado a aceitar-se, o colonizado, para viver, é obrigado.
Em pouco tempo, a situação colonial perpetua-se, fabricando alguns e
outros. (...) Ora, para nisso chegarem, pressupunha-se a admiração da
cor do outro, o amor ao branco, a aceitação da colonização e a auto-
recusa. E os dois componentes desta tentativa de libertação estão
estreitamente ligados: subjacente ao amor pelo colonizador, há um
complexo de sentimentos que vão da vergonha ao ódio de si próprio.
(MUNANGA, 1988, p.26-27).
Ainda sobre a ideologia do embranquecimento, Piza apud Bento e Carone (2002)
ressalta sobre os prejuízos sociais e psicológicos sofridos por toda a parcela negra
que rejeitou as suas origens e buscou miscigenar-se com parceiros brancos para
poder ser aceita socialmente e ter a possibilidade de ascensão social.
O pressuposto dos estudos sobre branqueamento, no sentido da
adequação do negro a uma sociedade branca e embranquecedora, supõe
que, para atender às demandas racistas e de embranquecimento da
população brasileira, sua parcela negra tenderia a desenvolver a negação
de sua racialidade e promover formas de embranquecimento, tanto na
busca de parceiros para a miscigenação, no desejo de ascendência social
através da “melhoria de sangue”, quanto no comportamento, discreto e
distanciado de sua comunidade de origem, visando assemelhar-se ao
branco. (p.65).
Com relação às crianças negras, Cavalleiro (2000) fala sobre a socialização
dessas crianças que recebem uma configuração de mundo já definida e imposta,
se relacionando com outros membros sociais. Desse modo, a criança negra
“aprende atitudes, opiniões, valores a respeito da sociedade ampla e, mais
especificamente, do espaço de inserção de seu grupo racial e social” (p.202) e
assim, “nessa faixa etária, as crianças, ao realizarem identificações ou descrições
se referem de modo bastante acentuado à cor da pele”. (CAVALEIRO,
2000,p.202).
15. 25
Assim, a criança negra, através da socialização começa a ser percebida e
estigmatizada pelo grupo social que está inserida. Como revela Oliveira et al
(2005) as crianças negras de 4 a 6 anos já revelam um sentimento e uma
identidade negativa com relação à sua raça, já as crianças de cor branca
demonstram uma superioridade com relação às crianças negras e muitas vezes a
manifestam de maneira totalmente preconceituosa e racista, como nos mostra
Cavalleiro (2000):
As crianças negras nesta faixa etária se sentem desconfortáveis quando
da necessidade de verbalizar ou assumir a sua condição racial.
Tendencialmente, as crianças demonstram uma interiorização de sua
diferença racial, procurando assemelhar-se fisicamente ao branco.
(p.202).
Nesse sentido, Oliveira et al (2005) complementa que muitas vezes as crianças
negras, que possuem traços físicos marcantes de sua raça manifestavam o desejo
de possuir os cabelos lisos e a pele branca em comparação aos paradigmas de
estórias infantis que elas têm acesso na escola, as quais fortalecem de maneira
significativa a imagem negativa que elas fazem de si mesmas e da condição racial
que pertencem.
Dessa forma, as crianças negras em seu processo de desenvolvimento
têm diversas possibilidades para internalizar uma concepção negativa de
seu pertencimento racial, favorecendo a constituição de uma auto-imagem
depreciativa. (...) Podemos concluir que estas crianças já passaram por
processos de subjetivação que as levaram a concepções muito arraigadas
no nosso imaginário social sobre o branco e o negro e,
consequentemente, sobre as positividades e negatividades atribuídas a
um e a outro grupo racial. No entanto, isso pode ter sido favorecido pela
instituição a partir das concepções e dos valores das profissionais
envolvidas com essas crianças, e também pelos pais. É claro que não
podemos nos esquecer da mídia que atua de forma bastante forte na
veiculação de imagens e idéias que acabam fortalecendo o grupo racial
branco e estigmatizando o grupo racial do negro. (OLIVEIRA ET AL, 2005,
p.30).
Entretanto, apesar de os negros terem procurado assimilar os valores culturais dos
brancos, Munanga (1988) em sua fala afirma que os negros continuaram sendo
tratados como seres inferiores, não deixando de ser negros e mal vistos perante a
sociedade. Assim, tiveram que retomar a consciência da situação de dominação e
de discriminação sofrida, havendo a urgente necessidade de retornar às suas
origens, isto é, retomar a identidade negra.
16. 26
Era tempo de buscar outros caminhos. A situação do negro reclama uma
ruptura e não um compromisso. Ela passará pela revolta, compreendendo
que a verdadeira solução dos problemas não consiste em macaquear o
branco, mas em lutar para quebrar as barreiras sociais que o impedem de
ingressar na categoria dos homens. Assiste-se agora a uma mudança de
termos. Abandonada a assimilação, a libertação do negro deve efetuar-se
pela reconquista de si e de uma dignidade autônoma. O esforço para
alcançar o branco exigia total auto-rejeição; negar o europeu será o
prelúdio indispensável à retomada.É preciso desembaraçar-se desta
imagem acusatória e destruidora, atacar de frente a opressão, já que é
impossível contorná-la ”. (MUNANGA, 1988, p.32).
Bernd (1999) complementa ainda que os povos negros que foram colonizados e
explorados física e economicamente em vários continentes tendo que assimilar a
cultura européia e se desvinculando da sua cultura de origem, “originou em
contrapartida da negritude que traz em seu bojo a vontade de reencontrar uma
identidade perdida, o desejo de opor ressurreição à assimilação” (BERND, 1999,
p.24).
Após o período de conflito, no qual o negro sente desorganizar sua estrutura de
subjetividade referenciada em valores embranquecidos que proporcionavam
sustentação e segurança, inicia-se um processo de intensa metamorfose pessoal
em que ele, gradualmente, vai demolindo velhas perspectivas e, ao mesmo
tempo, passa a desenvolver uma nova estrutura pessoal referenciada em valores
e paradigmas etnorraciais de matrizes africanas, reforçando assim a sua
identidade raciaL.
Tomado assim, de maneira abrangente, podemos dizer que sempre ou
quase sempre houve negritude e que sempre haverá Césaire: “Enquanto
houver negros, haverá negritude; não posso imaginar um único negro que
decida virar as costas a estes valores”. Isto é, enquanto houver negros e
as regras do jogo continuarem as mesmas, ou seja, feitas por brancos e
para brancos, este sentimento de legítima defesa contra o racismo, que
pode ser reconhecido como negritude, se manterá. (BERND, 1999, p.28).
Neste sentido, Oliveira et al (2005) ressalta a importância da aceitação e da
necessidade do negro em afirmar a sua identidade, quebrando paradigmas raciais,
afirmando que:
A questão da identidade racial já aparecia nas preocupações da FNB
(Frente Negra Brasileira). É neste período que o negro se afirma na cena
histórica rejeitando a imagem de “preto” ou do “homem de cor”
reafirmando a necessidade de quebrar o isolamento, incorporando o
protesto negro e firmando-se no contexto social como “raça”. Para esse
autor, era um momento histórico e social para a afirmação de uma
identidade racial capaz de alterar a situação de desigualdades. (p.41).
17. 27
Ao refletirmos sobre o processo histórico excludente e dos mecanismos eficazes
de reprodução ideológica que desqualificam com extrema intensidade a raça
negra, entendemos que é preciso desenvolver nas pessoas negras, principalmente
nas crianças negras, um sentimento de identidade e de pertencimento racial, onde
através de políticas de afirmação racial, percebam em suas vidas a importância da
convivência com a diversidade racial e cultural existente na nossa sociedade e que
compreendam a pluralidade que possui o termo negritude.
2.1.1 A questão das negritudes: um conceito plural.
É interessante notar que a palavra negritude esteve ausente dos dicionários
brasileiros até a década de 1970, período em que seria consagrada como “termo
corrente da língua portuguesa” a partir da primeira edição do Dicionário Aurélio
(1975), no qual se encontra, sem indicação de datas ou etimologia, a definição
mantida até hoje:
1. Estado ou condição das pessoas da raça negra; 2. Ideologia característica da
fase de conscientização, pelos povos negros africanos, da opressão colonialista, a
qual busca reencontrar a subjetividade negra, observada objetivamente na fase
pré-colonial e perdida pela dominação da cultura branca ocidental.
Partindo dessa idéia, “há, portanto, um sentido lato de negritude, com “n”
minúsculo, utilizado para referir a tomada de consciência de uma situação de
dominação e de discriminação e a conseqüente reação pela busca de uma
identidade”. (BERND, 1999, p.27).
Em um sentido mais limitado conceito de Negritude com “N” maiúsculo aparece
pela primeira vez escrito pelo martiniquense Aimé Césaire, em meados de 1935
(FERREIRA, 2006) no seu livro de poemas francês "Cahier d'un retour au pays
natal". (Discurso sobre o colonialismo, Caderno dum retorno ao país natal etc) e na
revista no número 3 L'étudiant noir ("O estudante negro"). Ferreira (2006) afirma
ainda que com o conceito de Negritude Césaire pretendia em primeiro lugar
reivindicar a identidade negra e sua cultura perante a cultura francesa dominante e
18. 28
opressora, sendo um movimento reivindicador marcado por uma literatura que,
muito mais do que um movimento literário, foi uma afirmação de independência,
um clamor por reconhecimento.
Mais adiante o movimento da Negritude foi retomado mais adiante pelo senegalês
Léopold Sédar Senghor, o maior representante desse movimento que caracteriza o
negro como um ser humano constituído de emoção e com o intuito de valorizar
suas manifestações culturais na luta contra o racismo, fazendo assim uma
inversão de conceitos impostos pelos brancos europeus desde a colonização.
(FERREIRA, 2006).
O movimento de Negritude nasce em meio à necessidade dos europeus,
no período colonialista iniciado no século XV, de manifestar a suposta
inferioridade dos negros, desvinculando-os de qualquer capacidade
intelectual por serem supostamente primitivos. Essas idéias de caráter
alienante provocaram nos intelectuais negros do século XX a necessidade
de combater essa visão. (...) Assim, a Negritude afirmava que o homem
negro era tão homem quanto qualquer outro, e que havia realizado obras
culturais de valor universal, às quais os que empunhavam a Negritude
queriam ser fiéis. Mesmo tendo influenciado diretamente os processos de
libertação da África, o movimento negritude recebeu críticas, sendo
considerado conservador e de “confirmação da teoria racista das
diferenças genéticas” um “racismo ás avessas”. No contexto da
descolonização, o movimento representou um ato político de luta pela
afirmação e independência africana. (RIBEIRO, 2001, p.82-83).
Foi a partir desse quadro que o movimento da Negritude através dos negros
africanos e descendentes de africanos encontraram forças para resistir e negar o
embranquecimento imposto pelos brancos europeus, aceitando a herança sócio-
cultural africana que outrora foi inferiorizada.
A negritude nasce de um sentimento de frustração dos intelectuais negros
por não terem encontrado no humanismo ocidental todas as dimensões
de sua personalidade. Nesse sentido, ela é uma reação, uma defesa de
perfil cultural do negro. Representa um protesto contra a atitude do
europeu em querer ignorar outra realidade que não a dele, uma recusa da
assimilação colonial, uma rejeção política, um conjunto de valores do
mundo negro que devem ser reencontrados, defendidos e mesmo
repensados. Resumindo, trata-se primeiramente de proclamar a
originalidade da organização sócio-cultural dos negros para, depois, sua
unidade ser defendida, através de uma política de contra-aculturação, ou
seja, desalienação autêntica. (MUNANGA, 1988, p.56).
Desse modo a Negritude se caracterizou como um movimento de exaltação dos
valores culturais dos povos negra sendo a base ideológica que vai impulsionar o
movimento independentista no continente africano transmitindo uma visão um
tanto romântica e uma versão glorificada dos valores e da cultura africana.
19. 29
Contudo, este movimento foi alvo de sérias críticas de vários teóricos pois “o fato
de não ter conseguido conceber o desenvolvimento de valores negros no interior
de um combate político, tendo se restringido ao âmbito dos valores culturais e
deixado, portanto, de lado a esfera política e social”. (BERND, 1999. p.30).
Apesar do movimento da Negritude ter sofrido inúmeras críticas é relevante
pontuarmos a contribuição deste movimento para o fortalecimento de uma luta
fervorosa que continua e firma-se cada vez mais em busca de igualdade, sobre os
alicerces erguidos pelos desbravadores da raça negra, que merecem destaque no
mundo inteiro, pela coragem, força e determinação que os moveram durante essa
época de árduo combate contra a desvalorização da raça negra em busca de
reconhecimento, e é baseados neste movimento de resistência que ressaltamos a
importância das políticas públicas para a afirmação e valorização da identidade
negra.
2.1.2 Revendo o passado e refletir sobre o presente: as políticas de
exclusão e inclusão destinadas aos negros.
Parece-nos claro que a abolição tornou homens os ex-escravos, mas a indiferença
das elites e das autoridades com aqueles que foram o sustentáculo da economia
nacional durante aproximadamente quatrocentos anos os marginaliza e os conduz
à miséria. Nesse sentido, Nascimento (2001) nos fala que, infelizmente, ainda
persiste na nossa sociedade e no “imaginário social brasileiro, a identidade de
origem africana intimamente ligada à idéias de escravidão, trabalho braçal”.
(p.119).
A abolição libertou o negro do pântano da escravidão, mas o jogou no poço da
não-qualificação, da falta de oportunidade e da miséria que não lhe possibilita viver
com cidadania a qual todo o cidadão, independente de sua raça e classe social,
tem direito. Assim, sem reais condições de auto-sustento, sem possibilidade de se
instruir profissional e intelectualmente, a maioria dos negros foram marginalizados
e excluídos das esferas sociais. Neste contexto, Silva (1988) afirma que:
20. 30
A mim, me parece mais frutífero e consequente esclarecer a opinião
pública de que os responsáveis pela Lei Áurea apenas legitimaram a
libertação do negro, mas que, nem de longe, cogitaram sobre a sua
integração e não foram criadas nem por aqueles e nem pelos dirigentes
republicanos as condições necessárias para que o negro saísse da
subumanidade em que se encontrava. A luta foi contínua e árdua. Livre e
marginalizado. Livre e desqualificado como mão-de-obra. Livre e
desempregado. Livre e espezinhado em sua dignidade por forças
verticais. Humilhado e ofendido, sem emprego e sem possibilidade de
estudar e viver decentemente, o negro não pode se preparar
profissionalmente e qualificar-se para concorrer no mercado de trabalho.
Daí a marginalização permanente. Daí a postura humilde e complexada
geralmente assumida pelos negros mais velhos e a agressividade dos
mais jovens muitas vezes inconsciente e inconsequente, pois a grande
maioria deles ignora o seu valor histórico, não lê nada, não está
interessada por cultura, e a rigor, nem por si próprios. (...) Este é um
problema que exige atenção e cuidado e sobre o qual se deve pensar
seriamente. (p.189).
Percebemos ainda que no Brasil, além da discriminação racial, existe a
discriminação social atingindo todas as criaturas pobres sejam brancas ou negras
e se compararmos a dimensão de preconceito contra o branco pobre e o negro,
verificaremos que este é o mais atingido pelos seus efeitos.
Neste recorte racial, os indicadores sociais e econômicos brasileiros dá conta de
que a população negra é mais pobre e tem menos acesso à educação, à saúde e a
outros serviços básicos. Estes indicadores mostram que, mesmo quando a
situação econômica e social melhorou para toda a população, a desigualdade se
manteve para os afro-descendentes. (SABÓIA, 2000).
Neste sentido, Carneiro (2002), fala que a adoção de ações afirmativas e
compensatórias deve ser encarada como o reconhecimento da sociedade diante
de uma história excludente dessa realidade.
Assim, a presença do Movimento Negro na ação contra hegemonia de
determinadas classes sociais foi decisiva para resguardar direitos e reivindicar
ações governamentais, iniciando-se discussões no sentido de contestar o
preconceito racial dissimulado e desmistificar o mito da democracia racial através
de políticas públicas no sentido de ressarcir a dívida histórica para com os afro-
descendentes. A partir deste quadro surgiram políticas que visam por parte do
Estado e da sociedade, reparar os danos psicológicos, materias, sociais, políticos
e educacionais sofridos sob o regime da escravidão, concretizando o combate ao
21. 31
racismo e a toda sorte de discriminações cabendo ao Estado promover e incentivar
essas políticas de reparação disposto na Constituição Federal, que assinala o
dever do estado de garantir por meio da educação, iguais direitos para o pleno
desenvolvimento de todos, enquanto pessoa, cidadão ou profissional. Neste intuito,
Nascimento (1995) destaca que:
as propostas de se implementar uma visão de mundo africano e
ameríndio no ensino básico tem sido múltiplas ao longo dos anos e
atualmente possuímos uma legislação avançada no que diz respeito a
essa visão pluralista da realidade brasileira no que tange à educação. A
Constituição Federal (art. 210 e 215), a Constituição da Bahia (art. 275 e
276), Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.096/90, art.58), o Plano
Nacional de Educação (10.172/01), a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (lei 9394/96) e mais recentemente a lei 10.639/03 que altera
esta última e torna obrigatória a temática História e Cultura Afro-brasileira
e Africana garantem, juridicamente, a nível nacional estas conquistas.
(p.02).
Assim, a lei 10.639/03 que vem alterar a lei 9394/96 estabelecendo assim,
diretrizes e bases da educação nacional, incluindo no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática História e cultura afro-brasileira no sentido de
desconstruir idéias homogeneizadoras que há muito persistem, “negando as
tradições africanas e afro-brasileiras, dos costumes da negação da nossa filosofia,
de nossa posição de mundo, de nossa humanidade”. (CAVALEIRO, 2001, p.07).
Segundo o Ministério da Educação, o intuito é de que a temática sobre a história
da África seja contemplada no cotidiano escolar das crianças e jovens, além de
institucionalizar que o “calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia
Nacional da consciência Negra”. Com isso, as crianças negras, irão perceber a
herança racial e cultural as quais pertencem, valorizando suas raízes, sua cultura e
um sentimento de identidade e de pertencimento racial.
Neste contexto, ressaltamos o regime de cotas para afro-descendentes nas
universidades estaduais e federais, que oferece aos alunos pobres, negros e
índios igualdade de oportunidades para ingressar e permanecer no ensino
superior. Isto implica na sistematização dos esforços em promover o acesso dos
grupos em desvantagem social nas universidades. Ainda instituiu em 2002 o
regime de cotas para afro-descendentes pelo Ministério da Justiça em dezembro
de 2002, que determina a contratação de 20% de negros, 20% de mulheres e 5%
22. 32
de portadores de deficiências físicas nos cargos de assessoramento daquele
Ministério, sendo acatado os mesmos princípios às empresas de prestação de
serviços e às organizações não-governamentais conveniadas com órgãos federais.
(ALENCASTRO, 2002).
Segundo a antiga Ministra Chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial (SEPPIR) Matilda Ribeiro, o Governo Federal por meio desta
secretaria, órgão criado em 21 de março de 2003, instituiu políticas de promoção
de igualdade racial e recolocou a questão racial na agenda nacional e a
importância de se adotarem políticas públicas afirmativas destinadas a todos os
segmentos da população negra.
O principal objetivo do SEPPIR é o de promover alteração positiva na realidade
vivenciada pelos negros, revertendo os perversos efeitos da escravidão,
implementando ações que promovam igualdade de oportunidades com parceria
com o MEC (Ministério da Educação e Cultura) no sentido de construir as
mudanças necessárias para combater o racismo, discriminação racial e o
preconceito.
Não se pode negar que hoje o Brasil caminha para modificar o seu quadro de
relações raciais e sociais. Apesar dos entraves que obstaculizar o processo e a má
vontade de alguns setores governementais, essas políticas afirmativas irão permitir
que o Estado e sociedade civil brasileira reconheçam as disparidades sociais entre
brancos e negros, contribuindo para a eliminação das desigualdades sociais
através de intervenções positivas e afirmando os direitos humanos básicos
necessários à população afro-descendente brasileira.
2.2 Comunidade remanescente de quilombo: a resistência negra.
Apesar da dominação e dos castigos a que estavam submetidos, os negros
escravos não eram passivos à própria situação e sempre que puderam, resistiram.
É um erro histórico imaginar que o negro escravo era alguém que aceitasse a
escravidão e que não tivesse procurado formas de se libertar, e por mais que o
23. 33
branco dominador e o colocasse como “coisa”, ele não era uma pessoa com
sentimentos, sonhos e vontade de mudar.
Assim, durante todo período de escravidão no Brasil, Ribeiro e Anastácia (1996)
afirmam que os escravos se revoltaram e criaram várias formas de resistência,
através de atos isolados contra a escravidão como resistir ao trabalho, fugas,
assassinatos contra feitores, suicídio, dentre outros. Dessa maneira, ressaltam que
as formas de organização coletiva de resistência eram bem mais sucedidas, pois
incluíam as revoltas, atentados contra senhores e feitores, cantos, danças e,
principalmente a fuga em grupos para os matos e outros lugares, onde se
organizavam em quilombos e ou mocambos. Segundo as autoras:
Os quilombos, comunidades independentes de escravos fugidos, eram
vistos pelas autoridades como afronta e mau exemplo para os outros
escravos e por isto mesmo eram procurados insistentemente e quando
encontrados, eram completamente destruídos e seus líderes
assassinatos. (RIBEIRO E ANASTÁCIA, 1996, p.89).
Shimidt (2004) complementa que mesmo com toda a repressão sofrida pelos
escravos negros, estes sempre se revoltaram com a situação de humilhação e
exploração que padeciam, organizando inúmeras fugas. “As fugas não eram
individuais, pois combinavam e fugiam em massa, unidos. E quando recapturados,
muitos preferiam se suicidar e os que conseguiam ir mais longe, juntava-se aos
quilombos”. (p.47).
Além da formação de quilombos, Silva (1988) destaca a participação dos negros
rebeldes em marcantes rebeliões na colônia e no império, como por exemplo a
Conjuração dos Alfaiates e a Revolta dos Malês, na Bahia e a Balaiada, no
Maranhão. Percebemos que estas rebeliões demonstram a importância e a
plenitude da participação dos negros na sociedade brasileira, pois estas revoltas
não forma lideradas pela classe dominante.
Já o que concerne aos quilombos, Silva (1988) destaca que vale mencionar que
houve no Brasil, “inúmeras comunidades quilombolas que lutavam cotidianamente
pela afirmação de sua autonomia e pela libertação de seus integrantes. Destas,
Palmares foi a glória maior, mas não foi a única comunidade”. (p.188).
24. 34
A partir desse contexto, os quilombos eram odiados pelos brancos dominadores,
porque servia de refúgio para aqueles oprimidos da colônia onde os negros e as
camadas mais pobres da sociedade como os índios perseguidos, mulatos,
pessoas pobres procuradas pela polícia, brancos miseráveis, prostitutas se
organizavam em expedições de guerrilha para atacar propriedades e libertar outros
oprimidos demonstrando ser uma prática dos negros e outros pobres não
precisavam dos ricos para viver e formar uma sociedade mais justa. (SHIMIDT,
2004).
Entretanto, percebemos que apesar da Lei Áurea, que possibilitou a liberdade
jurídica aos negros escravos regularizando os quilombos, nem de longe assegurou
a sua integração, não propiciando as condições indispensáveis para que os negros
se livrassem da pobreza e da miséria que se encontravam.
O jornal A Tarde (2005) revela que quando se rebelaram e fugiram das senzalas
por não aceitarem serem escravizados, vários negros formaram comunidades
quilombolas distantes e isoladas das cidades formando vilas, povoados e
fazendas, onde atualmente ainda tentam preservar sua história, cultura, religião e
modo de vida e que apesar desta página escrita na história, a pobreza e a falta de
perspectivas os perseguem há décadas.
Segundo a Fundação Palmares (2008) a maioria das comunidades vive hoje sem
energia elétrica, água encanada, saneamento básico, postos de saúde, educação
básica, acesso a estradas e qualquer benefício da sociedade. Sobrevivem da
agricultura e da pesca artesanal e mal conseguem vender o que produzem, mas
nem por isso querem sair da terra de origem por ali existir a forte memória dos
seus ancestrais, referências e riqueza cultural.
Partindo dessa idéia de ressarcir a população negra, representantes de 220
comunidades quilombolas da Bahia compareceram, se conheceram, trocaram
informações e se reuniram em oficinas para tratar dos seus problemas mais
urgentes através do programa apresentado às comunidades o Programa Brasil
Quilombola que com as estratégias de ação, o governo federal pretende fazer para
resgatar a dignidade destas comunidades, em parceria com a Secretaria de
25. 35
Combate à Pobreza, do governo do Estado sendo relatórios com as demandas
encaminhadas para uma agenda de prioridade do governo. Ainda segundo a
Fundação Palmares (2008), a certificação das comunidades remanescentes de
quilombos é feita de acordo com a portaria nº. 98/2007, editada pela Fundação
Cultural Palmares. A portaria, de acordo com o decreto 4.887 de 2003, institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades de Quilombos,
em que é registrada a declaração de auto-reconhecimento das comunidades
quilombolas.
Entretanto, embora o governo adote medidas compensatórias referentes às
comunidades remanescentes de quilombo, ainda se tem muito que fazer, pois a
maior parte dessas comunidades ainda sofre os resquícios de uma política de
apartheid social, sendo vítimas de um sistema que exclui e que marginaliza seus
membros.
2.3 Crianças negras enquanto atores sociais: as representações
sociais em desenvolvimento.
O conceito de Representações Sociais tem suas raízes na Sociologia e
Antropologia, através dos estudos do sociólogo Émile Durkheim e Lévi-Bruhl.
Inicialmente denominada de Representações Coletivas serviu como elemento
essencial para a elaboração de uma teoria que abrange a religião, a magia e o
mito. (JACQUES, 1998).
Anadón e Machado (2003) afirmam que “as Representações Coletivas refere-se
como uma forma de ideação social à qual se opõe ao individual e foi aplicada por
Durkheim em relação a sociedades estáticas, tradicionais, estabelecidas, sem
inovação”. (p.10).
Ainda segundo os autores, Durkheim compreendia as Representações Coletivas,
como:
diversos tipos de produções mentais como a ciência, a religião, a
ideologia, os mitos e outros, produções estas que de um lado não são
26. 36
idênticas quanto à constituição, formas e funções e de outro lado se
distanciam do que se entende como senso comum. Observa-se ainda que
Durkheim concebia as leis da ideação social no jogo que se mantém entre
elas, abstendo-se de discutir os aspectos cognitivos da representação e a
sua produção pelos grupos sociais. (ANADÓN E MACHADO, 2003, p.10).
Sendo assim, as Representações Coletivas de Durkheim vem traduzir a maneira
como o grupo se pensa nas relações com os objetos que o afetam e para haver
compreensão de como o meio social se representa a si própria ao mundo que a
rodeia, entende-se que nesta teoria se necessite considerar a natureza da
sociedade e não a natureza dos sujeitos. (ANADÓN e MACHADO, 2003).
Entretanto, a partir do conceito positivista de Representações Coletivas surge a
teoria das Representações Sociais pelo psicólogo francês Serge Moscovici através
da obra “A psicanálise, sua imagem e seu público” (1961). Nesse livro, Moscovici
retoma o ponto de vista de Durkheim em relação à sociedade, modificando a teoria
das Representações Coletivas e somando a essa perspectiva novas dimensões
teóricas.
Moscovici (1978) demonstra em sua obra que é possível o desenvolvimento de um
conhecimento válido pelo senso comum e que se pode estudar o conhecimento em
uma dimensão psicossociológica. Nesse sentido, Anadón e Machado (2003)
acrescentam que:
Diferente de Durkheim que considerou as Representações Coletivas de
maneira estática e análoga as categorias puramente lógicas e invariantes
do espírito nas quais estão incluídos todos os modos de conhecimento,
Moscovici os considera de uma maneira dinâmica (de natureza móvel e
circulante), mais como um modo específico de conhecer e de comunicar
aquilo que se conhece. (p.12).
Assim a noção de Representações Sociais é ampla e dinâmica, abrangendo um
espaço significativo nas ciências psicológicas sociais. Tal corrente teórica
encontra-se rica em elementos e conceitos psicossociológicos, não admitindo uma
definição fechada e limitada, mas que concede um vasto espaço para conceituá-la.
Anadón e Machado (2003) ainda contribuem com a discussão sobre o caráter da
teoria das Representações Sociais, analisando-a e comparando-a com o caráter
estático da definição inicial de Durkheim acrescentando que:
27. 37
Moscovici vai além e se debruça sobre uma forma de conhecimento
apropriada ao mundo contemporâneo na qual predominam mudanças
constantes e o pluralismo de idéias e doutrinas, quer políticas, quer
religiosas, filosóficas e morais. Uma sociedade em que esta dinâmica
convive com uma ciência isolada e elitista, que fala uma linguagem
esotérica, sem ter conta da diversidade e da mobilidade dos diversos
grupos sociais e dos indivíduos que os compõem. (p.11).
Segundo Jodelet apud Almeida (2004) as Representações Sociais aparecem como
uma forma de conhecimento elaborada e compartilhada, contribuindo para a
constituição de uma determinada realidade comum a um grupo social, tendo uma
forma de conhecimento diferenciada dos saberes científicos, proporcionando
esclarecimento dos processos cognitivos e das interações sociais.
Desse modo, segundo Moscovici (1978), compreendemos por Representações
Sociais um conjunto de conceitos surgidos na vida cotidiana no curso da relação
entre o sujeito e a sociedade, uma teoria de ordem prática que procura dar sentido
às práticas sociais.
A Representação Social é um conhecimento de ordem prática, como uma
teoria do senso comum. Trata-se de uma modalidade de conhecimento na
perspectiva do indivíduo que dá sentido às práticas sociais e procura
compreender os significados que as pessoas atribuem a um objeto social.
(MOSCOVICI, 1978, p.58).
Guareschi e Jovchelovitch (1995) acrescentam ainda que o papel da teoria das
Representações Sociais confere a racionalidade da crença coletiva e sua
significação confere, portanto aos saberes populares, às idéias e, sobretudo ao
senso comum, tendo a função de orientar a comunicação entre os indivíduos e
familiarizá-los com o novo, estando ambas ligadas a um complexo sistema de
valores, noções e práticas que concedem ao sujeito, maneiras de se orientar no
meio social e material, oferecendo-lhes referencial comum, instituindo uma
realidade consensual e aparecendo de maneira clara o papel da interação social.
Assim, entendemos que as Representações Sociais trazem em si a história
particular de cada sujeito e nas variâncias de cada estrutura traz as marcas do
sentido atribuído por determinados segmentos ou grupos ou, por sua vez
totalidade a determinado objeto. Nesse sentido, Jodelet apud Almeida (2004)
28. 38
ressalta a importância que as Representações Sociais ocupam no cotidiano de
cada indivíduo inserido no contexto social, destacando que:
Sempre há a necessidade de estarmos informados sobre o mundo à
nossa volta. Além de nos ajudar a ele, precisamos saber como nos
comportar, dominá-lo física ou intelectualmente, identificar e resolver os
problemas que se apresentam; é por isso que criamos representações.
Frente a esse mundo de objetos, pessoas e acontecimentos ou idéias,
não somos (apenas) automatismos, nem estamos isolados num vazio
social: partilhamos esse mundo com os outros, que nos servem de apoio,
às vezes de forma convergente, outras pelo conflito, para compreendê-lo,
administrá-lo ou enfrentá-lo. Eis porque as Representações Sociais são
importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam no modo de interpretar
esses aspectos, tomar decisões, eventualmente, posicionar-se frente a
eles de forma defensiva. (p.17).
Ainda ressaltando a pertinência das Representações Sociais, Moscovici (1978) fala
que a importância do estudo das representações dos sujeitos sobre determinados
aspectos da realidade está na função social de orientação de comportamentos e
preparação para ação, denominada como uma análise de sua produção social, já
que a ciência, a ideologia, aos saberes populares os mitos são construídos e
determinados socialmente. Desse modo, compreende-se que as Representações
Sociais se tornam racionais, não por serem sociais, mas porque elas são coletivas.
Percebemos que é somente através da coletividade que os homens se tornam
racionais e um indivíduo isolado e sozinho não poderia sê-lo racional. Assim, toda
e qualquer forma de pensamento e linguagem deve ser social, pois vidas
individuais só são construídas e tomam forma em relação a uma determinada
realidade social. (MOSCOVICI, 1978). Nesse sentido, a teoria das Representações
Sociais forma-se mediante dois importantes processos cognitivos: a objetivação e
a ancoragem.
Segundo Moscovici (1978), o processo de objetivação tem a função de transformar
aquilo que é estranho à palavra, isto é, aquilo que é abstrato em algo concreto
transformando um determinado conceito em uma imagem, concretizando o objeto
apresentado. Assim, a objetivação é essencialmente uma operação formadora de
imagens através do qual noções abstratas são transformadas em algo concreto,
quase tangível, tornando-se "tão vívidos que seu conteúdo interno assume o
caráter de uma realidade externa" (MOSCOVICI, 1978).
29. 39
Com relação ao segundo processo, denominado de ancoragem refere-se à
inserção orgânica do que é estranho no pensamento já constituído, ou seja,
ancoramos aquilo que nos é desconhecido em representações já existentes.
Segundo Moscovici (1978), é no processo de ancoragem que se encontra o
enraizamento social da representação e do seu objeto, ocorrendo assim a
integração cognitiva do objeto apresentado ao pensamento social. Assim podemos
compreender o processo de ancoragem como um processo de familiarização e
domesticação de algo novo, sendo um código de interpretação no qual se ancora o
não familiar, o desconhecido, o imprevisto.
Ancorar significa, portanto, classificar e denominar, porque as coisas que não são
classificadas nem denominadas são estranhas, dando a impressão de não
existência, sendo ameaçadoras. (MOSCOVICI, 1978). Em suma, a ancoragem é
feita na realidade social vivida, não sendo, portanto, concebida apenas como
processo cognitivo intra-individual.
A partir da idéia das Representações Sociais, situamos as crianças negras como
sujeitos sociais inseridos em uma determinada realidade social e que interagem
neste meio social, sendo construído e continuamente reconstruído a partir da
compreensão de coletividade.
Vygotsky (1994) afirma que o indivíduo constrói suas formas de ação e sua
consciência através das relações sociais que estabelece com os demais indivíduos
sociais. Assim, a construção da intra-subjetividade, o interior do sujeito, se dá nas
dimensões social e individual.
Ainda afirma que a estrutura fisiológica da criança não é o suficiente para o
desenvolvimento de suas características individuais humanas, como modo de agir,
pensar, sentir, pois elas dependem da interação com o meio físico e social numa
ação recíproca entre organismo e meio.
A interação do sujeito do e pelo meio desencadeia o processo de
formação das suas “funções mentais superiores”. Esse meio “que não é
só físico, mas é principalmente carregado de significados e é portanto,
prenhe de ideologia, de história e de cultura”. (VASCONCELOS, 2002,
p.60).
30. 40
Para Vygotsky (1994), o percurso do desenvolvimento humano se dá “de fora para
dentro” e é marcado pela inserção do sujeito em determinado grupo sociocultural.
Nessa perspectiva, podemos enfatizar também na linguagem a existência de uma
conexão entre os fatores sociais de natureza cultural e histórica. Quanto a isso,
Silva e Boaventura [s.d] ressaltam que:
Desse modo, a identidade, portanto, é constituída de elementos
simbólicos. Como numa concepção holística, a identidade pode ser
compreendida como uma totalidade integrada, nunca reduzida a unidades
fragmentadas. (p.114).
Desse modo, a criança negra nasce num mundo simbólico, onde os significados
das “coisas” são usados pelos indivíduos para controlar seu ambiente e a si
próprios. Na interação estabelecida com os outros de sua cultura – familiares,
colegas, professores –, a criança negra vai construindo seu próprio sistema de
significação e a sua auto-imagem. A interação, portanto, possui um papel essencial
na construção destes significados culturais e na construção das Representações
Social.
31. 41
III CAPÍTULO
OS CAMINHOS PERCORRIDOS
3.1 O conhecimento e a pesquisa qualitativa
Podemos entender o conhecimento como um produto do intelecto humano voltado
para o indivíduo, que lhe permite compreender, a seu modo, o mundo à sua volta
e, ao mesmo tempo, apropriar-se da realidade no qual está inserido, sendo este
conhecimento compreendido em vários níveis. Neste sentido, enfatizamos a
relevância do conhecimento científico para a compreensão da realidade que
estamos inseridos.
O conhecimento científico, por meio da pesquisa científica em ciências sociais
constitui um importante processo de investigação da realidade onde permite a
ampliação de possibilidades de compreensão e interpretação do cotidiano e do
conhecimento do senso comum, tornando-se possível a compreensão da
complexidade humana nas relações sociais. Segundo Minayo (1994):
Entendemos por pesquisa a atividade básica da ciência na sua indagação
e construção da atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do
mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula
pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um
problema, se não tiver sido, em primeiro lugar um problema na vida
prática. As questões de investigação estão, portanto, relacionadas a
interesses e circunstâncias socialmente condicionadas. (p.18).
Nesse sentido, a pesquisa de caráter científico em ciências sociais deve ter o
compromisso com o social e com a finalidade de resgatar a importância das
experiências vividas no cotidiano, buscando a reabilitação do senso comum ou
empírico por reconhecer nesta forma de conhecimento a essência das
complexidades produzidas nas relações sociais, pois toda e qualquer prática de
pesquisa em ciências sociais não pode acontecer em um lugar situado acima das
32. 42
esferas de atividades comuns e desenvolvida por sujeitos comuns. (SANTOS,
2003). Assim, o ato de pesquisar requer que estejamos longe da certeza,
proporcionando assim uma mudança de paradigma de conhecimento
inquestionável e de verdade absoluta. Sobre isso, Esteban apud Garcia (2003)
ressaltam que:
Longe da certeza da pesquisa como processo que encontra o
conhecimento e a verdade, objetivo garantido pela dissolução do sujeito
que permite a revelação da essência do objeto de estudo reduzido,
simplificado, isolado do sujeito que o concebe e do contexto do qual se
produz, a pesquisa vai se desdenhando como uma prática de errância e
de produção e também de ignorância. (p.129).
Pensando neste fazer científico que valoriza a busca da compreensão da realidade
e da complexidade das relações, a presente pesquisa desenvolveu-se a partir de
uma metodologia qualitativa, “que se preocupa com a compreensão de casos
particulares e não com a formulação de leis generalizantes, como fazem as
ciências naturais” (GOLDENBERG, 2000, p.19).
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se
preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode
ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à operalizações de variáveis. (MINAYO, 1994,
p.22).
Ludke e André (1986) afirmam ainda que a pesquisa qualitativa propõe uma
atividade metodológica que valoriza o contexto e a descrição dos fatos a serem
estudados pelo pesquisador, sendo que este deve obter os dados coletados
através do contato direto com o contexto estudado e com os sujeitos participantes
da referida pesquisa, havendo a necessidade de apreender na pesquisa a
perspectiva dos participantes, isto é, a maneira como os sujeitos encaram as
questões que estão sendo enfatizadas.
O reconhecimento da especificidade das ciências sociais conduz à
elaboração de um método que permita o tratamento da subjetividade e da
singularidade dos fenômenos sociais. Com estes pressupostos básicos, a
representatividade dos dados na pesquisa qualitativa em ciências sociais
está relacionada à sua capacidade de possibilitar a compreensão do
significado e a descrição densa dos fenômenos estudados em contextos e
não á sua expressividade numérica. (GOLDENBERG, 2000, p.50).
33. 43
Desta forma, a partir de uma epistemologia de caráter qualitativa, a pesquisa
científica passa a compreender a realidade em sua complexidade e não mais como
algo simples que possa ser descrito a partir de poucas leis universais, substituindo
a metodologia da investigação pela construção e a neutralidade pela participação
dos indivíduos na pesquisa.
3.2 Lócus da pesquisa
Bananeiras dos Negros é um povoado distante 6 km da cidade de Antonio
Gonçalves, sede do município, onde está situado ao norte da Bahia, distante cerca
de 400 km de Salvador. O povoado de Bananeiras dos Negros é composto
aproximadamente por 350 habitantes como idosos, homens, mulheres, jovens e
crianças, sendo este reconhecido recentemente como uma comunidade
remanescentes de quilombo, pela Fundação Palmares.
Sua economia é baseada no extrativismo (do ouricuri), da agricultura, pecuária e
da produção de derivados da cana-de-açúcar, como raspadura, mel de cana, caldo
de cana, dentre outros produtos. Algumas manifestações culturais deste povoado
estão esquecidas pela população, devido à falta de importância das novas
gerações em resgatá-las e pela falta de interesse dos poderes públicos do
município com relação a estas manifestações.
Entretanto, percebemos que esta comunidade preserva ainda a cultura de produzir
derivados da cana de açúcar por meio de um velho engenho construído por
antepassados negros, sendo uma forma de resistência e de valorizar a cultura
afro-descendente. Ainda citamos o papel que a Associação Quilombola de
Bananeiras dos Negros a comunidade desenvolve, desempenhando a função de
luta e reivindicação a favor dos direitos dos cidadãos quilombolas. A partir deste
quadro, escolhemos para participar da nossa pesquisa qualitativa quinze crianças
negras residentes na referida comunidade, na faixa etária de oito a doze anos por
saberem se expressar com mais clareza e objetividade.
3.2.1 Os sujeitos da pesquisa
34. 44
Procurando identificar e analisar as representações sociais que as crianças negras
da comunidade quilombola de Bananeira dos Negros têm sobre a sua negritude é
que escolhemos como sujeitos da nossa pesquisa, 15 crianças negras (meninos e
meninas) do povoado de Bananeira dos Negros por acreditarmos que através da
análise descritiva e analítica de suas falas seriam reveladas as informações
importantes que nos auxiliaram no estudo do objeto proposto, à luz dos objetivos
levantados na pesquisa, favorecendo assim, a realização da mesma.
3.3 Instrumentos de coleta de dados
No sentido de ouvir os sujeitos da pesquisa, dando visibilidade e relevância às
suas falas e ao contexto que estão inseridos, procuramos contemplar na nossa
pesquisa a utilização de três diferentes tipos de instrumentos de coleta de dados
que nos proporcionou ter maior segurança quanto aos dados coletados e a
interpretação de seus resultados.
Desse modo, utilizamos um questionário fechado o qual pôde traçar o perfil sócio-
econômico dos sujeitos participantes da pesquisa e caracterizá-lo de uma maneira
mais segura, revelando assim as atividades cotidianas dos mesmos e o contexto
sócio-econômico e cultural em que estão inseridos, onde Trivinõs (1987) nos fala
que:
Com efeito, além de salientar a necessidade de observar os sujeitos não
em situações isoladas, artificiais, senão na perspectiva de um contexto
social, coloca ênfase na idéia dos significados latentes do comportamento
do homem. (p.122).
Tal instrumento nos permitiu ainda, revelar dados e informações extremamente
relevantes referentes às crianças negras como o sexo, a idade, a freqüência
escolar, as atividades que desenvolvem fora do ambiente escolar e o convívio das
pessoas que fazem parte de suas vidas, pois essas informações nos permitiram
analisar com mais profundidade a maneira como as representações sociais se
formam dentro da comunidade quilombola investigada.
Também fizemos uso do questionário semi-estruturado, onde através de questões
de caráter reflexivo, pudemos descobrir as opiniões dos sujeitos investigados,
35. 45
permitindo o aprofundamento de pontos levantados por outros instrumentos de
coleta e sendo um veículo importante para que pudéssemos atingir os objetivos
que nos propomos alcançar.
E ainda para auxiliar e complementar os dados dos questionários e para que
pudéssemos mapear as representações sociais que as crianças negras
quilombolas têm sobre a sua negritude, achamos conveniente utilizarmos o mapa
mental que segundo Anadón e Machado (2003) caracteriza-o como um espaço
onde o indivíduo faz uma representação mental do ambiente que está inserido,
“uma representação que é o mundo tal qual as pessoas crêem que ele é”. (p.66).
Entretanto, esta representação de espaço não é imóvel e nem estática, mas se
modifica com a importância deste ambiente físico para o sujeito, fazendo uma
reescrita deste espaço e se desenvolvendo em forma de símbolo, existindo uma
intensa relação imaginária que no entender de Anadón e machado (2003) dá
sentido a este espaço de interação, segundo a qual:
A experiência do mundo exterior é marcada sempre por sentimentos e
noções apreendidas no meio em que as pessoas vivem. Nesse sentido,
toda a situação é uma reescrita simbólica do espaço segundo a
importância e o valor que o indivíduo dá aquilo que o cerca. Isto significa
que a utilização funcional de um espaço vai além de uma utilização
material, porque existe uma relação imaginária que dá sentido a este
espaço. (ANADÓN E MACHADO, 2003, P.64).
3.4 Desenvolvimento da pesquisa
Para atingirmos os nossos objetivos, elaboramos o questionário fechado (perfil
sócio-econômico), questionário semi-estruturado com questões relacionadas à
problemática da pesquisa e o mapa mental, através de grafismos (desenhos)
desenvolvidos pelas crianças.
Assim, a aplicação dos instrumentos de coleta de dados foi desenvolvida por
etapas onde procuramos conhecer os sujeitos da nossa pesquisa e o contexto em
que vivem. Também, sensibilizamos o grupo de pesquisa, expondo aos sujeitos o
propósito e os objetivos da nossa pesquisa e a partir disso, aplicamos o
36. 46
questionário fechado, para traçar o perfil sócio-econômico das crianças negras,
aplicamos o questionário semi-estruturado, onde através deste, sentimentos e
opiniões com relação à temática foram expostas e ainda, aplicamos o mapa mental
que por meio de grafismos, puderam manifestar as representações que possuem
sobre negritude.
Inicialmente, tivemos algumas dificuldades na aplicação dos instrumentos de
coleta pelo fato de os sujeitos de pesquisa se tratar de crianças, onde muitas delas
inicialmente tiveram certa resistência com relação aos instrumentos de coleta.
Entretanto, eles conseguiram se expressar de maneira satisfatória nos três
instrumentos de coleta de dados, sendo possível a coleta dos dados e a
interpretação de seus resultados.
37. 47
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DE DADOS E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo, apresentaremos os dados coletados e os respectivos resultados
alcançados através dos instrumentos de coleta de dados, norteados pelos
objetivos pelo quadro teórico presentes na nossa problemática.
A partir desse contexto pudemos obter informações reveladoras para a pesquisa,
procurando refletir e considerar aspectos importantes que dizem respeito aos
nossos questionamentos e objetivos de pesquisa e à realidade a qual os sujeitos
estão inseridos, sendo que tais informações foram coletadas com rigorosidade
científica.
Assim, com consciência da nossa limitação enquanto pesquisadores da área de
ciências sociais, buscamos não encontrar respostas únicas, verdadeiras para
nossos questionamentos iniciais da pesquisa, mas sim o de procurarmos encontrar
respostas possíveis que revelassem informações importantes para nos auxiliar em
nossos estudos.
Segundo Esteban apud Garcia (2003), a pesquisa deve ser encarada como uma
prática que busca não um conhecimento verdadeiro, inquestionável e sim uma
prática de pesquisa que procura se aperfeiçoar de maneira a permitir o florescer de
novos olhares e novas possibilidades de pesquisa.
Com este entendimento de pesquisa é que nos interessou saber quais as
representações sociais que as crianças negras quilombolas têm sobre a sua
negritude, onde notamos a importância de fazermos um estudo das
representações sociais sobre negritude na vida e no cotidiano das crianças negras
residentes na comunidade negra de Bananeira dos Negros, em Antonio
Gonçalves-Ba. Para tanto, utilizamos como instrumentos de coleta de dados o
questionário fechado, o questionário semi-estruturado e o mapa metal, através de
38. 48
grafismos e, a partir dos dados que obtivemos através da aplicação do
questionário fechado, foi possível traçar o perfil sócio-econômico dos sujeitos
pesquisados.
O resultado sinaliza para a compreensão de fatores evidenciados anteriormente no
que se refere ao nível social das crianças negras residentes na comunidade
quilombola de Bananeira dos Negros. Desse modo, considerando o sexo das
crianças, idade, freqüência escolar, nível de escolaridade e outras variáveis, foram
percebidas as seguintes características:
4.1 Resultado do questionário fechado.
4.1.1 Faixa etária:
Através do questionário fechado, o qual traçou o perfil sócio-econômico dos 15
sujeitos pesquisados, pudemos identificar a faixa etária das crianças. Conforme o
gráfico 1, cerca de 20% delas afirmaram possuir entre 7 e 8 anos e 80% afirmaram
ter entre 9 e 10 anos de idade, como vemos no gráfico 1:
Gráfico 1: Faixa etária das crianças
negras pesquisadas.
20%
Entre 7 e 8 anos
Entre 9 e 10 anos
80%
Entretanto, ressaltamos que a faixa etária apresentada pelas crianças pesquisadas
não influenciou de nenhum modo o resultado da pesquisa. Acreditamos ser
necessário conhecer a faixa etária destas crianças para ampliarmos o
conhecimento sobre aspectos e características referentes aos sujeitos
39. 49
pesquisados, complementando assim as demais informações coletadas sobre a
pesquisa e sobre as representações sociais circundantes entre este público.
4.1.2 Sexo:
Das 15 crianças negras pesquisadas que responderam ao questionário fechado do
item referente ao sexo, foi observado que 30% pertencem ao sexo feminino e 70%
pertencem ao sexo masculino. Conforme o gráfico 2 abaixo:
Gráfico 2: Sexo das crianças negras
pesquisadas.
30%
Feminino
Masculino
70%
Partindo das seguintes informações, enfatizamos que com relação ao sexo dos
sujeitos, este foi selecionado de maneira aleatória e informal, também não
apresentando nenhuma alteração ao resultado da pesquisa, possuindo somente a
finalidade de complementar as informações sobre os atores sociais que foram
pesquisados.
4.1.3 Série:
Os dados coletados, através do questionário fechado demonstraram que 100% das
15 crianças negras pesquisadas freqüentam a escola regular, que se localiza na
comunidade onde residem. Entretanto, foi observado que 60% das crianças
cursam entre a 1ª e a 2ª séries do ensino fundamental I e 40% cursam entre a 3ª e
a 4ª séries do ensino fundamental I. Percebemos que apesar freqüentarem a
escola regular, os sujeitos pesquisados demonstraram um déficit significativo com
40. 50
relação à educação formal. Os dados apontaram um alto índice de repetência
escolar, pelo fato de 60% dessas crianças apresentarem uma idade elevada para o
nível de escolaridade que possuem, como nos mostra o gráfico 1 (Faixa etária dos
sujeitos pesquisados).
Gráfico 3: Série das crianças negras
pesquisadas.
40%
Entre 1ª e 2ª série
Entre 3ª e 4ª Série
60%
Esse resultado nos possibilita analisar que esses altos índices de repetência
podem estar associados a outras necessidades e a outros afazeres mais
“produtivos” do que se dedicarem à escola e aos estudos, pois muitos necessitam
trabalhar para ajudar seus familiares nas tarefas cotidianas da comunidade
remanescente de quilombo do que estudar.
Tais conseqüências podem também estar associadas ao programa curricular da
escola em que as crianças estudam, já que o currículo escolar implantado nesta
instituição não está adequado à realidade dessas crianças negras da comunidade
remanescente de quilombo, fazendo com que a escola se torne inútil,
desinteressante e muitas vezes, legitimadora de ideologias contrárias à cultura dos
sujeitos pesquisados.
Nesse sentido, Cavaleiro (2001) nos fala que a escola tem se configurado como
um significativo instrumento de legitimação de idéias homogeneizadoras, “negando
as tradições africanas e afro-brasileiras, dos costumes, a negação da nossa
filosofia de vida, de nossa posição de mundo, da nossa humanidade”. (p. 07).
Assim, inculca-se desde cedo idéias que são alheias à sua realidade,
desenvolvendo na criança negra, um sentimento de desvalorização e de
41. 51
desqualificação intelectual pelo fato de não se interessarem pela escola,
reforçando de maneira veemente, a situação de desvantagem intelectual e,
consequentemente a social se tornando um ser humano sem perspectivas, como
ressalta Silva (1988):
(...)Daí a marginalização permanente. Daí a postura humilde e
complexada geralmente assumida pelos negros mais velhos e a
agressividade dos mais jovens muitas vezes inconsciente e
inconseqüente, pois a grande maioria deles ignora seu valor histórico, não
lê nada, não está interessada por cultura e a rigor, nem por si próprios.
(...). (p.189).
4.1.4 atividades cotidianas:
As atividades cotidianas que os 15 sujeitos da pesquisa desempenham
cotidianamente no horário às aulas, 60% das crianças negras afirmaram trabalhar,
30% responderam que brincam e assistem televisão e somente 10% estudam,
reforçando os conteúdos da escola formal, segundo o gráfico 4 abaixo:
Grafico 4: Atividades cotidianas
10% Estudam
Brincam e assistem
30% televisão
60%
Trabalham
Neste caso, pudemos refletir sobre o contexto social e cultural em que os sujeitos
da nossa pesquisa estão inseridos. Partindo dessa idéia, percebemos que a
maioria das crianças negras da comunidade trabalha em atividades braçais (60%).
Tanto meninos como meninas exercem tais funções, dando prioridade ao sustento
da família do que à educação e ao lazer. Sobre isso, é inevitável não lembrarmos
do trabalho infantil, sobretudo, da época da escravidão e dos abusos que as
crianças negras sofriam, sendo obrigados, desde muito pequenos a trabalhar nas
lavouras e em outros afazeres, não tendo nenhum direito a terem direitos. Cabe-
42. 52
nos lembrar a fala de Meireles (2005) no capítulo I deste trabalho, onde retrata na
época da escravidão, a infância e principalmente a cultura renegadas a partir de
sete anos, onde os meninos negros começavam trabalhar em atividades braçais, e
as meninas nos afazeres domésticos, na lavagem de roupas e no plantio de
hortaliças.
Tais práticas reforçam e legitimam, mesmo que involuntariamente, o estereótipo de
que o negro é forte e proveitoso para o trabalho pesado, mas para o trabalho
intelectual ele não tem serventia, sendo esta informação legitimada no percentual
onde demonstra a quantidade de crianças que se preocupam e dispõem de tempo
para estudar no horário oposta às aulas, somente 10% dos sujeitos pesquisados.
Ainda, sobre o item referente às atividades cotidianas, cerca de 30% das crianças
responderam que assistem televisão e brincam no horário oposto às aulas. A partir
desta informação, notamos o papel dos meios de comunicação, principalmente o
da televisão como sendo um dos principais difusores de idéias e valores para os
sujeitos da pesquisa, onde veicula e reproduz ideologias e imagens que, muitas
vezes, são totalmente incompatíveis ao contexto vivido por estes, levando-os a
querer imitar tais valores e paradigmas que são diferentes dos seus.
“Dessa forma, as crianças negras em seu processo de desenvolvimento
têm diversas possibilidades para internalizar uma concepção negativa de
seu pertencimento racial, favorecendo a constituição de uma auto-imagem
depreciativa.(...). É claro que não podemos nos esquecer da mídia que
atua de forma bastante forte na veiculação de imagens e idéias que
acabam fortalecendo o grupo racial branco e estigmatizando o grupo
racial do negro”. (OLIVEIRA ET AL, 2005, p.30).
Quanto ao brincar, entendemos que as crianças negras trazem consigo opiniões,
crenças, sentimentos, valores que são socializados e compartilhados com outras
crianças através da interação social e, a partir dessa troca de experiências entre
elas, a criança constrói sua intra-subjetividade, seu sistema de significação e sua
auto-imagem. Quanto a isso Vasconcellos (2002) ressalta que:
A interação do sujeito no e pelo meio desencadeia o processo de
formação das suas “funções mentais superiores”. Este meio, “que não é
só físico, mas é, principalmente, carregado de significados e é, portanto,
prenhe de ideologia, de história, de cultura”. (Vasconcellos, 2002, p.60).
43. 53
4.1.5 Convivência / moradia:
Segundo os dados obtidos, 90% das 15 crianças pesquisadas moram com os pais
e 10% com seus avós. Com relação à quantidade de pessoas que residem com os
sujeitos pesquisados, 80% afirmaram conviver com mais de cinco pessoas em
seus lares, conforma demonstra o gráfico 5 abaixo:
Gráfico 5: Quantidade de pessoas residentes.
10% Até duas pessoas
10%
Até quatro pessoas
Acima de cinco
80% pessoas
Esses dados nos auxiliaram a conhecer o contexto social no qual estão inseridas
as 15 crianças negras pesquisadas e assim, por meio dos dados coletados e das
observações na comunidade remanescente de quilombo, percebemos que com
relação à convivência, os índices de natalidade são altos e a maioria das moradias
da comunidade estão em uma situação de precariedade e pobreza. Nesse sentido,
Sabóia (2000) reforça essa idéia ao afirmar que a população negra é a mais pobre,
persistindo assim, a desigualdade social entre os afro-descendentes.
4.2 Resultado do questionário semi-estruturado e dos mapas mentais.
No sentido de identificar e analisar quais as representações sociais que as
crianças negras quilombolas têm sobre a sua negritude, buscamos por meio do
questionário semi-estruturado analisar e interpretar os discursos dos sujeitos
pesquisados, onde por meio das falas destes, foram reveladas diversas
significações sobre negritude. Somando-se a este instrumento, identificamos
também as representações sociais nos mapas mentais produzidos pelas crianças
negras, sendo possível a análise e a interpretação dos dados da pesquisa de