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            UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
            DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII
            SENHOR DO BONFIM – BA.
            PEDAGOGIA 2006.1




                ELIETE FAGUNDES DE JESUS




HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA SEM
          PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA




                 SENHOR DO BONFIM – BA

                     MARÇO DE 2011
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                ELIETE FAGUNDES DE JESUS




HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA SEM
          PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA




                           Monografia apresentada ao departamento
                           de Educação da Universidade do Estado
                           da Bahia-UNEB/CAMPUS VII, como parte
                           dos requisitos para conclusão do curso de
                           pedagogia:    Docência    e    Gestão    de
                           Processos Educativos.
                           Orientadora: Profª. Drª. Maria Glória da Paz




                 SENHOR DO BONFIM – BA

                     MARÇO DE 2011
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                ELIETE FAGUNDES DE JESUS




HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA SEM
          PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA




               Aprovada em: 17 de março de 2011




                Profª. Drª. : Maria Glória da Paz
                            Orientadora




                  Profª. Mestra: Edna Ferreira
                          Examinadora




           Profª. Especialista: Ana Maria Campos Dias
                            Examinadora
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A Deus, pelo dom da vida e por seu amor
incondicional, por sempre ter me dado força
para não desistir.
A meu filho, Lucas Emanuel, por ser parte de mim.
A minha mãe, Dejanira, que com sua coragem é a
grande responsável por essa conquista.
Ao meu pai, Evanio, pelo incentivo
Aos meus irmãos, Marilza, Evaniel, Josenice
Evanice e Silvania, pelo apoio.
Ao meu esposo, Manoel Neto pela dedicação,
paciência e companheirismo.
4



                               AGRADECIMENTOS



Agradeço primeiramente a Deus meu pai por estar sempre ao meu lado, e por tudo
que me proporciona, sendo meu porto seguro, meu eterno agradecimento.


A minha família pela compreensão nos momentos em que precisei estar ausente e
por sempre ter acreditado em mim.


Ao meu filho, Lucas Emanuel, razão do meu viver.


A minha irmã, Marilza, pela dedicação e carinho ao dividir comigo o papel de mãe de
Lucas, o meu muito obrigado.


A professora Glória, co-autora na construção deste trabalho, meu sincero
agradecimento.


Aos colegas de turma, em especial, Alice, Cícero Elaine, Elizangela e Simone, pela
cumplicidade, compreensão, e amizade, que me serviram de ancora, em todos os
momentos, vocês moram no meu coração.


A Lidiane, minha irmã, amiga, e fiel escudeira pelo companheirismo.


Aos professores: Beatriz, Ana Maria Suzzana Alice, Rita Braz, Claudia Maisa,
Pascoal, Elizabeth Barbosa, Elizabeth, Joanita Moura, Simone Wanderley, Ozelito,
Sanda Fabiana, Helder Luís, Jader Rocha, Rita Carneiro, Ricardo e Romilson pelos
conhecimentos proporcionados, estarão sempre na minha memória.


Aos colegas da turma de 2007 com os quais dividi este percurso, principalmente
Ana Lúcia, pelo apoio.


A dona Rosi e seu Eduardo pela ajuda nos momentos que precisei.


A minha prima, Suzana Fagundes, pela amizade e confiança.
5



A Valmir dos Santos pelo incentivo.


A Drª. Eva, Drº. Hélio, Drª. Mariana pela força, e compreensão.


Aos colegas de trabalho da Defensoria Pública e da Escola José de Anchieta com os
quais compartilho muitos momentos.


Aos irmãos da Igreja Adventista do Sétimo dia de Tijuaçu.


Aos amigos Gabriela, Daniel, Fábio, Patrícia, Camila e Drº. Hélcio pela amizade, e
palavras de incentivo.


Aos amigos diretores, professores e funcionários do Colégio Estadual de Senhor do
Bonfim, pela confiança demonstrada.


Ao pessoal da biblioteca, Margarida, Maria, Rizia e Grazi, pela ajuda e paciência.


E a todos que, direta ou indiretamente contribuíram para a efetivação deste trabalho
e fizeram e fazem parte da minha vida.
6




“Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum modo escrito em mim”.
                                                                          Clarice Lispector
7



                                    RESUMO


O presente estudo é fruto da linha de pesquisa narrativa autobiográfica e tem como
principal objetivo, tomando como pressuposto a minha história de vida, trazer ao
lume a importância da abordagem autobiográfica como veículo educativo. Na
produção deste trabalho, utilizamos a abordagem biográfica, através da narrativa
autobiográfica buscamos subsidio em algumas fontes escritas de vários estudiosos,
que nos deram sustentação dentre eles Josso (2004), Áries (1981), Sousa (2006),
Passegi (2008), Freire (1983) e outros mais que, discutem a relevância da pesquisa
de si mesmo na formação pessoal e profissional como fonte de reflexão e avaliação
de modo a propiciar novas posturas e ações. E como fonte oral me ancorei na
minha própria narração.


Palavras - chave: Memória Autobiográfica - Infância - História de vida e
formação
8



                               LISTA DE FIGURAS


FIGURA 01: Eliete Fagundes de Jesus
FIGURA 02: Mapa do Distrito de Tijuaçu
FIGURA 03: Vista da Praça Principal de Tijuaçu
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                                                        SUMÁRIO


INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

CAPÍTULO I...............................................................................................................12

       1. Memória autobiográfica: uma arte de tessituras de si..................................12
       2. A infância e suas várias concepções de século a século.............................15
        3. História de vida e formação: um ato de formar e de formar-se na e para
  vida..........................................................................................................................18


CAPÍTULO II..............................................................................................................21

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..............................................................21

2.1 Abordagem biográfica.......................................................................................21

2.2 Instrumentos utilizados no estudo...................................................................21

2.2.1 A Narrativa.........................................................................................................21

2.2.2 As fontes............................................................................................................22

2.2.3 Fontes orais.......................................................................................................22

2.2.4 Identificação da entrevistada.............................................................................22

2.2.5 Fontes escritas..................................................................................................23

2.3 O Local do estudo ou de onde estou falando: o meu lugar de nascimento
moradia......................................................................................................................24


CAPÍTULO III.............................................................................................................28

3. CONTANDO A MINHA HISTÓRIA.........................................................................28

3.1 A INFÂNCIA: a descoberta do mundo e das pessoas, o primeiro contato
com a escola e com novas amizades.....................................................................28

3.1.1 Uma infância entre doenças e trabalho.............................................................28
3.1.2 Três bolachões e alguns restos de brinquedos venciam a tristeza do não ter, e
   ocupavam o seu lugar............................................................................................28
10



3.1.3 Uma chuva forte: a casa caiu............................................................................29

3.1.4 Uma estratégia para conseguir ajudar em casa, trabalhar estudar...................30

3.1.5 Ir à escola... ou aquilo que não tive quero dar a vocês.....................................30

3.1.6 Primeiras experiências escolares... classe multiseriada,motivo pelo qual
aprendi a ler muito cedo...........................................................................................31

3.1.7 Os professores leigos e dedicados...................................................................32

3.1.8 Nem bem professora e já fora despedida.........................................................33

3.1.9 Em meio às dificuldades uma profecia.............................................................33

3.1.10 Estratégia de convivência: um aluno passivo para uma professora
“durona”......................................................................................................................35

3.1.11 Chega o tão sonhado ginásio..........................................................................36

3.2 A adolescência: a organização do meu universo, o surgimento das
primeiras paixões.....................................................................................................37

3.2.1      Escola        e    trabalho        infantil:      uma       experiência          de      aprendizagens             e
discriminação..............................................................................................................38

3.2.2 Magistério... Mais barreiras... trabalhei como empregada doméstica...............39

3.3 A fase adulta: as minhas primeiras experiências profissionais e o sonho de
ser mãe e professora ..............................................................................................41

3.3.1 A universidade: passei a viver outra realidade, outras portas se abriram.........42

3.3.2 Curso de pedagogia..........................................................................................43



CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................46

REFERENCIAS..........................................................................................................48

ANEXOS....................................................................................................................52
11



                                   INTRODUÇÃO



        Depois de “subir e descer” sobre qual seria o tema da minha monografia, a
cada encontro com minha orientadora uma proposta diferente e nada (rs), foi então
que numa conversa meu desejo íntimo e a minha vontade de relatar um pouco da
minha trajetória familiar e escolar falaram mais alto e decidimos então que eu faria
uma narrativa (auto) biográfica.


        Por meio deste trabalho quero mostrar que uma infância pobre e sem
perspectiva, não é obstáculo para ninguém cruzar os braços e se conformar com o
“destino” “o eu não posso” ou “eu não consigo”, “meu pai ou minha mãe não me dão
nada” e o “ ninguém me dá uma oportunidade”.


        Esse relato se mostra relevante uma vez que aqui se registram experiências
vivenciadas que ao invés de fazer-me desistir, me estimularam a fazer diferente, a
ultrapassar barreiras incontáveis, mas que não foram suficientemente fortes para me
fazer desistir, pois levei em conta, o desejo de mudança de não aceitar o curso
“natural” das coisas. Essa premissa me faz perguntar: Como é que filho de pais
semi-analfabetos pobres e negros pode progredir na vida? Sendo assim, tomo como
objetivo, escrever uma memória (auto) biográfica para refletir sobre a minha
trajetória de vida e formação.
12



                                   CAPÍTULO I

                       “Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum
                                              modo escrito em mim”.
                                                                             Clarice Lispector



1. MEMÓRIA AUTOBIOGRÁFICA: UMA ARTE DE TESSITURAS DE SI


        Construir uma narrativa autobiográfica é trazer a público experiências
vivenciadas cotidianamente, para tanto é preciso que seja feita uma introspecção
das lembranças, dos acontecimentos, recordar a própria história, desde o momento
do nascimento, o primeiro choro, as visitas, as alegrias os problemas, o convívio
social, as tradições culturais, as primeiras experiências escolares, a primeira
professora; é querer falar dos fatos como estes realmente aconteceram; embora a
memória humana, com alguns limites impostos pelas questões biológicas,
neurológicas e pelas vivências construídas diariamente, além dos limites temporais,
não proporcione uma lembrança completamente nítida e pura.


        O que realmente fica armazenado passa por uma seleção subjetiva em que
a visão de mundo do indivíduo juntamente com as construções da memória coletiva
desses registra o que aconteceu de mais marcante na vida do indivíduo. Para
Passegi (2008), autobiografar é aparar a si mesmo com suas próprias mãos,
entretanto essa trajetória de contar de si trará a luz muitos fatos importantes do
caminho, alguns bons que com certeza dão prazer ao recordar e outros que
provocam lembranças não tão agradáveis, mas que fazem parte da trajetória de vida
e que provocam pontos para refletir, sobre como são construídas as histórias de
vida.


        Vive-se no presente, mas por força da lembrança e da imaginação a
memória recorre ao passado para um repensar, ou, melhor dizendo, um
balanceamento sobre a formação obtida e o que não se obteve ainda e assim
chegar à compreensão de que a busca de si requer um parar para pensar e como
bem nos diz Larrosa (2002) também olhar, sentir e perceber através da ativação da
memória o que foi feito e o que falta fazer para alcançar uma cota maior de
13



perfeição; e é este ato de lembrar que a memória produz. Souza (2006) considera
como um processo de recuperação do eu, que envolve a própria memória, o tempo
e o esquecimento a partir do que cada um viveu e vive, sua maneira de fazer as
escolhas, de situar suas pertenças, interesses e aspirações, de contemplar suas
subjetividades, suas recordações, referencias acontecimentos simbólicos na vida
(p.22).


          A esse respeito Freire (1983) afirma que:


                       (...) o homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado
                       momento, numa certa realidade: é um ser em busca constante de ser mais
                       e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser
                       inacabado, que está em constante busca. (...) (p.27)


          Reforçando estas idéias vale acrescentar que, para recordar as histórias de
vida é necessário manter pelo menos alguns elementos essenciais guardados na
memória: os fatos, as pessoas e as coisas que fizeram parte desse acontecimento,
elementos esses, que a partir do grau de sensibilidade do indivíduo se torna possível
ou não, o resgate da lembrança; o que se confirma na palavra de Garcia (2003):


                       O processo de tessitura das lembranças é tramado pela utilização da
                       sensibilidade da memória, através da linguagem e dos sentidos, que cada
                       sujeito atribui aos fatos e acontecimentos vividos em sua trajetória pessoal-
                       social, o que torna a experiência comunicável. (p.103)


          Observamos que no convívio social o ser humano vivência experiências
consideradas imprescindíveis para o seu desenvolvimento, entretanto mesmo dentro
do coletivo cada ser tem em si especificidades que permite uma interação com o
outro e consigo mesmo, porém dar vida a essas experiências é narrar a vida, é
reinventá-la. É produzir novos sentidos, é atualizar, em novo contexto, as marcas
inscritas em nosso corpo, em nossa história. (GARCIA, 2003, p.112).


          Compreendemos que para se tornar possível esse reencontro com a
história, precisamos nos debruçar sobre o passado na sua totalidade analisando
aspectos que julgamos importantes para serem contados. Em Souza (2006...) apud
Sachacter, “A experiência subjetiva da memória é o que nos permite interligar as
nossas lembranças umas as outras e avaliar o seu significado na nossa vida.”
14



      Portanto, ao fazermos uma narrativa (auto) biográfica temos a oportunidade
de lembrar e recontar as experiências vivenciadas, lembranças essas de grande
significado, que nascem com a própria história de vida. Buscando um encontro em
que se descortinam as sutilezas que mobilizaram diferentes campos na construção
da identidade e em vários momentos atribuindo significados às reminiscências da
minha trajetória de vida, ou seja, um reencontro comigo mesma. Como nos diz
Souza (2006):

                     A arte de evocar, narrar e de atribuir sentido às experiências como uma
                     estranheza de si permite ao sujeito interpretar suas recordações em duas
                     dimensões. Primeiro, como uma etapa vinculada à formação a partir da
                     singularidade de cada história de vida e, segundo, como um processo de
                     conhecimento sobre si que a narrativa favorece. O processo de formação e
                     de conhecimento possibilita ao sujeito questionar-se sobre os saberes de si
                     a partir do saber-ser – mergulho interior e o conhecimento de si – e o saber-
                     fazer-pensar sobre o que a vida lhe ensinou. (p. 62)



       Através da narrativa, os sujeitos conseguem expor seus anseios, revelando
assim o sentido da vida isso é possível porque temos guardado na memória, fatos,
pessoas, recordações até então privadas que por decisão própria tornam-se
públicas ao ser desveladas potencialidades, atitudes e valores que orientavam
escolhas, nos diversos campos da vida humana como pessoal, educacional,
profissional, emocional e espiritual assim como bem nos explica Souza (2006):


                     A escrita da narrativa, como uma atividade metarreflexivo, mobiliza no
                     sujeito uma tomada de consciência, por emergir do conhecimento de si e
                     das dimensões intuitivas, pessoais, sociais, e políticas impostas pelo
                     mergulho interior, remetendo-o a constantes desafios em relação às suas
                     experiências e às posições tomadas. Diversos questionamentos surgem na
                     tensão dialética entre o pensamento, a memória e a escrita, os quais estão
                     relacionados à arte de evocar, ao sentido estabelecido e à investigação
                     sobre si mesmo, construídos pelo sujeito, para ampliar o seu processo de
                     conhecimento e de formação a partir das experiências. (p. 101)



       Quando refazemos o percurso trilhado nos espaços vivenciados é possível
compreender o contexto e os sentidos desse caminho, entretanto é importante
lembrar que essa vivência não se deu de forma solitária e individual. Tudo aconteceu
e acontece em um ou vários contextos sociais. Nesse enfoque, Souza (2006) apud
Halbwachs (1990) comenta que a memória se estrutura em identidades de grupo:
recordamos a nossa infância como membros da família, o nosso bairro como
membros da comunidade local, a nossa vida profissional em função da comunidade
15



da fábrica ou do escritório.


        Mesmo assim com todo esse convívio social o contexto das narrativas
autobiográficas é perpassado por singularidade, são muitos os significados
encontrados no processo de busca de si. Nessa perspectiva Josso (2004) ressalta
que:
                       (...) a busca de si é inseparável de uma relação com outrem, mesmo
                       quando, durante um tempo, se privilegia uma exploração de si, em relação
                       a si mesmo, a partir de autopercepções e de auto-observações,
                       sustentadas ou não, por um quadro terapêutico ou de desenvolvimento
                       pessoal.




        Essa perspectiva de pesquisa é um processo de redescoberta, é uma
espécie de desmascaramento das facetas que constituem o percurso daquele que
conta sua história. Ou melhor, a pessoa pesquisa e é ao mesmo tempo pesquisada,
possibilitando uma análise mais precisa do objeto pesquisado. Como ressalta Pérez
(2003, p. 100) narrativa nos permite conhecer e analisar (...) “histórias que não nos
falam de fatos, mas de acontecimentos, que não se constituem em documentos,
mas em signos, que não nos apresentam argumentos, mas sentidos.”


        Portanto, é através da memória autobiográfica que nos lembramos do nosso
próprio passado, temos a capacidade de relembrar eventos pessoais que foram
retidos, recuperados para assim poderem ser relatados. Nesse sentido Souza (2006,
p. 103) diz o seguinte: “O sentido da recordação é pertinente e particular ao sujeito,
o qual implica-se com o significado atribuído às experiências e ao conhecimento de
si, narrando aprendizagens experienciais e formativas daquilo que ficou na sua
memória.”


2. A infância e suas várias concepções de século a século


        Recorrendo a definição da palavra infância, buscamos no dicionário da
língua portuguesa, subsídios para tal. Em Gama (2001), encontramos que a infância
é a idade da meninice, período do crescimento que precede a puberdade, e para
infantil a definição de relativo à criança, ingênuo, inocente. Atrelado a isso,
encontramos que a palavra infância é originária do latim, significando, portanto, a
16



incapacidade de falar, carregando consigo o estigma de incompletude, como nos fala
Lajolo (2001):


                      Enquanto objeto de estudo, a infância é sempre um outro em relação
                      àquele que a nomeia. A palavra ‘‘infante’’, infância e os demais cognatos,
                      em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, recobrem um campo
                      semântico estritamente ligado a idéia de ausência da fala, essa noção de
                      infância como qualidade ou estudo do ‘’infant, isto é, ‘’d’quele que não
                      fala’’, constrói-se a partir de pré-fixos e radicais lingüísticos que compõem a
                      palavra: in r prefixo que indica negação; fanti = particípio presente do verbo
                      latino fari, que significa falar, dizer. (p. 229)



        Partindo de tais definições, percebemos que os conceitos de infância bem
como de infantil estão associados à idéia de ingenuidade, pureza e inocência. Na
busca de uma conceituação sobre a criança/infância ao longo da historiografia
humana, tomamos de Carvalho, (2003), uma afirmativa ’’ A infância existe desde os
primeiros tempos da humanidade, mas a sua percepção dotada de representações
só é sentida a partir do século XVI e XVII’’ (p.47). O que significa dizer que a infância
somente começa a ser percebida com a chegada do Iluminismo.



        A aparição da infância ocorre em torno do século XIII e XIX, mas o sinal de
sua evolução torna-se clara e evidente no continente europeu nos séculos XVI e
XVII, no momento em que a estrutura social vigente provocou uma alteração nos
sentimentos e nas relações frente à criança.



        Percebemos diante disso que a criança neste período não tinha lugar de
destaque na sociedade nem na família, suas particularidades não eram levadas em
consideração, e o que realmente as diferenciavam dos adultos era apenas a força
física, e assim que adquiriam certa independência, por mínima que fosse, era
conduzida aos costumes e práticas do mundo adulto.



        A infância nesta época tinha uma duração mínima, que se restringia a
fragilidade física, mas ao conseguir alguma independência, a criança era conduzida
ao convívio adulto, fazendo parte do seu mundo, mas é fácil concluir que não estava
preparada para tanto. Segundo Áries, (1956) a passagem que elucida este
17



entendimento: ‘’de criancinha pequena ela se transforma imediatamente em homem
jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez fossem praticadas antes
da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das sociedades evoluídas de
hoje. ’’(p.9-10).



         Sendo assim, não havia separação entre as funções exercidas pelos adultos
e crianças. No contexto das grandes navegações, por exemplo, para conquistar
novas terras, as crianças eram obrigadas a trabalhar e a se comportar como adultos,
como nos aponta RAMOS (2001):



                      Em uma época em que meninas de 15 anos eram consideradas aptas para
                      casar, e meninos de 09 anos plenamente capacitados para o trabalho
                      pesado, o cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas eram
                      extremamente penosa para os pequeninos. Os meninos não eram ainda
                      homens, mas eram tratados como se fossem, e ao mesmo tempo eram
                      considerados como pouco mais que animas cuja mão-de-obra deveria ser
                      explorada enquanto durasse sua vida útil. As meninas de 12 a 16 anos não
                      eram ainda mulheres, mas em idade consideradas casadoura pela Igreja
                      Católica, eram caçadas e cobiçadas como se o fossem. Em meio ao
                      mundo adulto, o universo infantil não tinha espaço: as crianças eram
                      obrigadas a se adaptar ou perecer. (p. 48)



         O conceito de infância é muito dinâmico, e ao longo do tempo vem se
modificando. A partir do século XVII, a criança passa a ter certo espaço na
sociedade, sendo que antes disso era enxergada como uma miniatura de adulto.
Nesse período, descobertas científicas fazem com que a criança pouco a pouco seja
concebida como um sujeito frágil, indefeso que requer uma atenção maior. Eis que
surge neste contexto a escola, como entidade que ajudará nesta formação, como
nos explicitam Fontana; Cruz, (1986), “À escola coadjuvante desta formação cabia a
responsabilidade pelo desenvolvimento de habilidades de leitura e aritmética, além
de reforçar os ensinamentos religiosos e morais transmitidos pelos pais’’.



         Sobre este momento do advento da escola atrelada ao novo sentimento do
adulto para com as crianças, que implicará em um cuidado maior, Áries, (1981)
emite o seguinte pensamento:
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                      A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada
                      dos adultos e mantida á distância numa espécie de quarentena, antes de
                      ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou
                      então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos
                      loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estende até nossos dias e ao
                      qual se dá o nome de escolarização. (p.11)


        Áries (1981) vem fortalecer as discussões acerca das transformações pelas
quais passam a visão da infância neste período histórico. A infância é baseada num
intenso sentimento de afeto e aceitação. Passa a ser valorizada e “paparicada’’
desde o nascimento e passa a ser observada, despertando o interesse de
educadores e moralistas. Nasce aí outro sentimento de infância assinalado pelo
interesse psicológico do mundo infantil e pela preocupação com o desenvolvimento
moral da criança:



                      O primeiro sentimento de infância - caracterizado pela paparicação surgiu
                      no seio familiar na companhia das criancinhas pequenas. O segundo, ao
                      contrário, proveio de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos
                      homens da lei, raros até o século XVI e de um maior número de moralistas
                      do século XVII preocupados com a disciplina e a racionalidade dos
                      costumes.


                      Esses moralistas haviam se tornado sensíveis ao fenômeno outrora
                      negligenciado da infância, mas recusavam-se a considerar as crianças
                      como brinquedos encantadores, pois viam nelas frágeis criaturas de Deus
                      que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Esse sentimento,
                      por sua vez, passou para a vida familiar. (p. 163-164)



        Segundo nos relata Áries (1981), a partir do século XVIII a criança torna-se
especial no seio da família e a ela é dispensada uma atenção especial, despertando
assim um sentimento mais fraterno por parte dos pais.


3. História de vida e formação: um ato de formar e de formar-se na e para a
vida


“Contar é tão dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. “Mas pela astúcia que têm
certas coisas passadas de fazer balance, de se remexerem dos lugares.” (Guimarães Rosa))


       Estudar história, sempre me causou expectativa, rever todas aquelas datas, e
acontecimentos, história essa contada por alguém que não se sabe ao certo se é
19



verídica ou não, agora me vejo aqui tentando contar a minha própria história, e
refletir sobre as experiências vividas, o que será que vão dizer da minha história de
vida?Até porque vou contar algo que ninguém contou. Narrar a vida, escrever sua
autobiografia é, do ponto de vista da formação, um exercício de autotransformação
(Garcia, 2003. p.103)


         A esse respeito Moita (1992) afirma o seguinte:


                        Só uma história de vida permite captar o modo como cada pessoa,
                        permanecendo ela própria, se transforma. Só uma história de vida põe em
                        evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os
                        seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num
                        diálogo com o seu contexto. Numa história de vida podem identificar-se as
                        continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as
                        “transferências” de preocupações e de interesses, os quadros de referência
                        presentes nos vários espaços quotidianos. (p. 117)



         A vontade de analisar a minha história de vida e formação é que me colocou
aqui. Sei que muitas foram as influências existentes, as experiências vivenciadas, os
questionamentos, as angústias, as frustrações, mas também as vitórias. Esse
recontar me remete a percorrer caminhos outrora já percorridos. Como coloca Souza
(2006. p. 150) “a narrativa autobiográfica contem a totalidade de uma experiência de
vida”.


         Assim por meio da história de vida podemos fazer uma reflexão mais precisa
da experiência da nossa formação, isto porque esta também faz parte da nossa
trajetória.


                     As experiências, de que falam as recordações-referências constitutivas das
                     narrativas de formação, contam não o que a vida lhes ensinou, mas o que
                     se aprendeu experiencialmente nas circunstâncias da vida. (Josso, 2004. p.
                     43).


         Podemos dizer que essa experiência além de ser importante para o acúmulo
de informações, ela também constitui, transforma se em subjetividade


                     Escrever sobre o processo de sua formação parece aos olhos de quem
                     jamais o fez, uma tarefa fácil. Mas fixar na escrita o que se tenta pegar no
                     ar, o que foge e escapa a cada tentativa é um trabalho ao mesmo tempo
                     laborioso, sedutor e consideravelmente formador. (Passegi,2008 p.36)
20



       Principalmente porque colocando o sujeito em contato com suas
experiências construídas ao longo da vida através de registros oral ou escrito de
suas vivências no cotidiano pessoal e ou profissional o mesmo se tornará
possibilitado, enquanto autor e ator de sua própria história, a eleger aprendizagens
significadoras e significá-las, como bem afirma Josso (2002) a favor do seu processo
de formação na e para a vida.
21



                                      CAPÍTULO II


2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


2.1 Abordagem Biográfica


        Quando me reportei ao caminho da história de vida, optei por falar sobre o
processo de vida e formação. Então decidi em consenso com minha orientadora,
voltar o olhar para mim mesma enquanto pessoa, visto que estou no caminho da
formação. Acredito ser de extrema relevância desenvolver o estudo com base nos
pressupostos que permeiam a história de vida e formação, partindo da perspectiva
(auto) biográfica.


        Sendo assim, me declaro como sujeito desse estudo, tendo como objeto a
minha história de vida e formação, assumindo a condição de pessoa que investiga e
que é investigada, infere e busca respostas por intermédio do caminho científico,
vislumbrando o epicentro do problema que permeia a investigação rigorosa exigida
no entorno acadêmico. Como afirma Souza (2006, p. 4) “(...) o sujeito toma
consciência   de     si   e   de   suas   aprendizagens   experienciais   quando   vive,
simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria história.”



2.2 Instrumentos utilizados no estudo

2.2.1 A Narrativa


        Para o desenvolvimento do presente trabalho utilizamos à narrativa. A
narrativa foi dividida em três partes: infância, adolescência, fase adulta e atual, cada
fase foi subdividida em vivencias pessoais, sociais e profissionais.


   1. A infância, o período que proporciona à criança a descoberta do mundo e das
       pessoas, o primeiro contato com a escola e com novas amizades.


   2. A adolescência, uma transição entre a infância e início da fase adulta, período
       de insegurança em que o indivíduo começa a organizar o seu universo, o
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      surgimento das primeiras paixões e a necessidade de independência se
      acentua, as escolhas, o avanço nos estudos e o sonho da formatura.


   3. A fase adulta, o indivíduo demonstra maior estabilidade, onde surgem as
primeiras experiências profissionais, e foi nesse período que tive a minha primeira
experiência como professora, onde também passei no vestibular, realizei o meu
maior sonho que foi o de ser mãe.


2.2.2 As fontes

2.2.3 Fontes orais:




            Figura 01: Eliete Fagundes de Jesus (1983): Acervo de Eliete



2.2.4 Identificação da entrevistada

       Sou Eliete Fagundes de Jesus, negra, tenho 27 anos de idade nasci no dia
14 de setembro de 1983, na cidade de Senhor do Bonfim, Bahia. Sou a quarta em
uma família de seis irmãos, sou filha de Dejanira Fagundes de Jesus e de Evanio de
Jesus, sou casada, tenho um filho do sexo masculino, sou adventista do sétimo dia,
23



estou concluindo o terceiro grau (curso de pedagogia), sou professora e auxiliar de
serviços gerais.


2.2.5 Fontes escritas:


        Para fundamentar este trabalho buscamos alguns autores que nos deram
sustentação na construção dos conceitos chave:

        ÁRIES, (1981). No livro “Historia Social da infância e da família” Philippe
Áries pontua os diversos conceitos de infância em relação à criança ao longo dos
tempos, de geração a geração.

        Até o final da Idade Média, a criança era vista como um pequeno adulto;
somente na transição dos séculos XVII para o XVIII, um novo conceito se
estabeleceu e a criança passou a ser considerada como um ser ingênuo e frágil,
portanto, merecedora de cuidados e mimos.


        Na modernidade, a educação proporcionou à criança o desfrute do seu real
espaço na sociedade através do direito de ter infância.


        FREIRE, (1983). Em “Educação e Mudança” temos a oportunidade de uma
leitura interessante que nos leva a compreender a nossa incompletude; daí a
necessidade de educarmo-nos para alcançarmos a perfeição.


        Este livro fala-nos sobre a importância da esperança na educação, pois
através dela haverá mudanças. O autor faz referência à responsabilidade do
profissional de educação perante a sociedade, no desenvolvimento de atividades e
compromissos em colaborar com um processo de transformação. Assinala também
que a educação tem como elemento fundamental, como seu sujeito, o homem que
busca, por meio dela, a superação de suas imperfeições.

        JOSSO, (2004). A partir da leitura do livro “Experiências de Vida e
Formação” de Marie-Christine Josso obtive contribuições teóricas, como também,
reflexões importantes à elaboração deste trabalho monográfico.
        Josso apresenta neste livro a possibilidade do uso da metodologia das
24



histórias de vida ao tempo em que nos dá um excelente retrato das razões e usos
das abordagens autobiográficas que permitem a cada um de nós “caminhar para si”
reavaliando os conhecimentos adquiridos ao longo da vida e socializando-se com o
desconhecido na busca de novos saberes.

       SOUZA, (2008) Em “Histórias de vida, escrita de si e abordagem
experiencial” Elizeu Clementino de Souza evidencia as historias de vida como
processo de conhecimento e de formação, considerando a abordagem biográfica
pertinente quando vista como um meio de investigação e um instrumento
pedagógico.




                      Figura 02: mapa do Distrito de Tijuaçu



2.3 O Local do estudo ou de onde estou falando: o meu lugar de nascimento e
moradia

      Tijuaçu é um distrito pertencente ao município de Senhor do Bonfim, que fica
localizado no Piemonte Norte do Itapicuru, Noroeste do Estado da Bahia, situado ás
25



margens da BR 407, com uma população estimada em 6.000 habitantes.


        A sua história teve início com a chegada de três mulheres negras que vieram
fugidas de senzalas perto de Salvador, duas destas mulheres não temos notícias,
apenas uma delas Maria Rodrigues mais conhecida por Mariinha Rodrigues
depositou aqui suas esperanças à beira de um lago embaixo de uma montanha
onde iniciou toda nossa história.


                      ... Há cerca de 200 anos atrás três mulheres negras, escravas, fugitivas de
                      uma senzala do litoral baiano, depois de uma longa e muito desgastante
                      caminhada chegaram à beira de um pequeno lago, onde pararam para
                      descansar. (...) Diante dos seus olhos tiveram a preciosa água e uma terra
                      fértil para plantar. Ao redor havia um mato cheio de plantas e animais.
                      Entretanto, as duas das três mulheres sumiram no esquecimento do tempo
                      e só uma, Maria Rodrigues, popularmente chamada Mariinha Rodrigues,
                      tornou-se uma parte da memória do povo de Tijuaçu, a grande mãe de
                      muitos deles... MACHADO (2005) p.(21)


        Miranda (2009) acrescenta que:


                       “... A localidade de Tijuaçu teve início quando três escravas que estavam
                      fugindo do cativeiro passaram a viver em Tijuaçu. Apenas uma permaneceu,
                      que foi Maria Rodrigues. A partir daí, toda história relatada pelos depoentes
                      tem como protagonista essa ex-escarvizada, que constituiu família, criando
                      laços de parentesco e solidariedade no referido território. ( p. 34)


        Mariinha Rodrigues segundo relatos dos mais velhos era uma mulher forte e
inteligente, e para assegurar a posse de suas terras estrategicamente, colocou um
dos seus filhos para morar nas localidades ao redor de Tijuaçu, visando assim ao
domínio das terras.


                       “Mariinha Rodrigues “uma negra fugida”, a desbravadora do território, que
                      residia no Alto Bonito e que, estrategicamente, povoou as terras de Tijuaçu,
                      pondo em cada localidade um filho, com o objetivo de tomar posse dessas
                      terras, pelo uso de ocupação.” Miranda (2009) p.(33)


        Por ter sido fundada por negros, a população de Tijuaçu é composta em sua
maioria por negros, pessoas que durante muito tempo vêm lutando pelo resgate de
sua história e pelo reconhecimento como comunidade quilombola, o que veio
acontecer em 2000, reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares como
comunidade remanescente de quilombo. Como nos afirma Machado (2005):
26


                     ...Só no ano de 2000 um outro antropólogo, Osvaldo Martins de Oliveira,
                     junto com algumas pessoas das comunidades e com ajuda de agentes
                     comunitários, visitou todas as comunidades, fez entrevistas com a
                     população, elaborou o laudo e no dia 08 de fevereiro de 2000 viajou para
                     Vitória/ES . Já no dia 20 de fevereiro enviou o laudo e no dia 28 de fevereiro
                     de 2000 no Diário Oficial da União o Governo Federal reconheceu Tijuaçu
                     como uma terra remanescente de quilombola. (p. 29-30)


       E Miranda complementa:


                     “... Em 18 de fevereiro de 2000, o antropólogo da Fundação Cultural
                     Palmares, Osvaldo Martins de Oliveira, concluiu o Relatório de Identificação
                     da Comunidade Negra de Tijuaçu, sendo Tijuaçu reconhecido como
                     território remanescente de quilombo, através de Ato publicado no Diário
                     Oficial da União de 28 de fevereiro de 2000.” p. (62)


       Após o reconhecimento, a realidade de nossa comunidade mudou: podemos
andar de cabeça erguida e temos orgulho de ser negros. Além do mais, somos o
terceiro maior distrito de Senhor do Bonfim, temos uma população composta por
mais ou menos 6.000 habitantes e aproximadamente 1.300 famílias. A economia é
basicamente proveniente da agricultura, aposentados funcionários públicos e
vendedores informais que, entre outras coisas, comercializam o tradicional acarajé e
o milho assado.




            Figura 03: Vista da Praça principal de Tijuaçu: Acervo Eliete


O padroeiro de Tijuaçu é São Benedito, um santo negro que é festejado na
comunidade no dia primeiro de novembro com festejos religiosos em que temos
27



novenas missas e batizados, e algumas manifestações culturais como o tradicional e
animado samba de lata, dança do parentesco, dança do corta cana e dança - afro. A
festa profana conta com apresentação de bandas musicais, desfiles de blocos e as
apresentações culturais da comunidade.


      Tijuaçu conta com duas escolas públicas municipais de médio porte, um
anexo de uma escola estadual, um mini-hospital (PSF), posto policial, um, Centro de
Referência de Assistência Social – (CRAS QUILOMBOLA), uma igreja católica, três
igrejas evangélicas, um centro cultural, casas comerciais, dois cemitérios, bares,
lanchonetes, um restaurante e três associações: Associação de Moradores,
Associação de Desenvolvimento Comunitário de Tijuaçu e Associação Agro-Pastoril
Quilombola de Tijuaçu e Adjacências, esta última após ter sido fundada deu um novo
rumo a nossa comunidade, trazendo muitos benefícios. “A Associação Quilombola
tem conquistado espaço enquanto órgão representativo, procurando atender às
reinvidicações da comunidade e defendendo os direitos desses remanescentes”
(Miranda, 2009, p.59).
28



                                  CAPÍTULO III


3. CONTANDO A MINHA HISTÓRIA


3.1 A INFÂNCIA: a descoberta do mundo e das pessoas, o primeiro contato
com a escola e com novas amizades.


3.1.1 Uma infância entre doenças e trabalho


       Sou Eliete Fagundes de Jesus, filha de Dejanira Fagundes de Jesus e de
Evanio de Jesus. Nasci em uma família pobre, no dia 14 de setembro de 1983,
tenho muito que aprender. Sou a 4ª filha de uma família de seis irmãos (uma veio de
uma relação extraconjugal de meu pai), mas que mora com a gente.



       Quando nasci era muito doente, mainha conta que só vivia no médico ou nos
rezadores locais. Certa vez, diz ela que eu estava mal e então ela me levou para
Senhor do Bonfim para um médico me consultar, ele ficou com tanta pena de mim,
que pediu a ela que me entregasse para ele cuidar de mim e me criar, achando que
eu não sobreviveria, mas, ela disse que não, ficaria comigo mesmo correndo esse
risco e ele se dispôs a cuidar mesmo assim. Ela sempre me levava para ele me
examinar foi então que ela lhe pediu para ser meu padrinho de batismo, graças a
Deus fiquei curada.



       A Minha Infância não foi fácil, minha mãe ia trabalhar na roça ou vender
milho em Senhor do Bonfim, nós ficávamos em casa, meus irmãos mais velhos
tomavam conta da gente. Mainha saía de madrugada e chegava à noite motivo pelo
qual por muito tempo chamei minha irmã mais velha de mãe.



3.1.2 Três bolachões e alguns restos de brinquedos venciam a tristeza do não
                          ter, e ocupavam o seu lugar...
29



        Em casa, cada um tinha sua tarefa, as meninas cuidavam da pequena casa
com dois quartos sala e cozinha e meu irmão fazia e dividia a comida, minha outra
irmã cuidava dos menores, quando mainha saía deixava o dinheiro para
comprarmos bolachão em seu Zé do bar (in memorian), como era conhecido o
velhinho da venda. Meus irmãos compravam três unidades de bolachões, que eram
divididos da seguinte maneira: meu irmão mais velho comia um e os outros dois
eram repartidos por nós quatro. Meio dia, se tivesse feijão, arroz, farinha e a mistura
quando tinha, mainha dizia para os três maiores comerem só com a farinha, e eu e
minha irmã mais nova comíamos com arroz.



        Não tinha brinquedo para brincarmos aí catávamos alguma coisa que
encontrávamos no lixo que alguém jogava fora, para brincarmos, à noite
brincávamos de bicho (pega-pega), tarefa, sete pedra, cuscuz, macaco (
amarelinha), salada mista etc.



3.1.3 Uma chuva forte: a casa caiu...



        Eu era muito pequena, mas consigo lembrar de uma chuva que deu aqui na
região em que encheu muitos tanques e o açude onde pegávamos água e
lavávamos roupas. Uma senhora chamada dona Raimunda morreu na hora da
chuva, pois como foi muito forte, na época disseram que ela morreu com medo dos
trovões.



        A nossa casinha de taipa (pau a pique), que ficava vizinho a um córrego
enorme que chamávamos de barroca, infelizmente não resistiu à forte chuva e caiu,
graças a Deus, não fomos atingidos, mainha saiu desesperada em busca de ajuda e
só quando amanheceu o dia foi que nós percebemos que estávamos sem teto e com
a ajuda de alguns parentes e amigos conseguimos salvar o pouco que nos restou e
nos mudamos temporariamente para uma outra casa.



        Sem casa e sem dinheiro, o que fazer? Meu irmão tinha uma porca, mainha
30



vendeu-a e conseguiu pagar a alguém para tirar varas no mato, e assim
conseguimos reerguer a nossa casa. Todos reclamavam porque morávamos em um
local tão perigoso, mas era o único que tínhamos, mainha sempre foi muito
batalhadora e com a ajuda de Deus conseguiu juntar o dinheiro necessário para
novamente fazer a casa de taipa ( pau a pique), com chão batido.



       Como estávamos crescendo, a casinha com dois cômodos estava ficando
pequena, depois de algum tempo é que ela conseguiu pagar para bater adobes e
fazer uma cozinha e um quarto para meu irmão; não tínhamos sanitário, o banheiro
era de palha de licurizeiro e só servia para tomar banho, o que era um sufoco.



3.1.4 Uma estratégia para conseguir ajudar em casa, trabalhar e estudar



       À medida que fomos crescendo íamos ajudando mainha no que podíamos
sem que prejudicassem os estudos, o sistema funcionava assim: quem estudasse
em um turno, iria no turno oposto para a roça, para Bonfim vender milho ou para a
casa de alguém fazer algum trabalho doméstico, a fim de contribuirmos com as
despesas da casa; também catávamos ossos, mamona ou alumínio, material que
era vendido ao seu Zé do bar, local onde também trabalhávamos. Nossa vida era
muito corrida, tínhamos que buscar lenha, água nos tanques, cuidar da casa, cuidar
uns dos outros e ainda ajudar mainha. Uma pergunta sempre me vinha a cabeça:
onde estaria o nosso pai? Eu tinha pouca lembrança dele, assim como sentia muita
vontade de revê-lo.



3.1.5 Ir à escola... Ou aquilo que eu não tive quero dar a vocês...



       Mainha sempre priorizou o estudo, ela dizia: “aquilo que eu não tive, quero
dar a vocês, por isso, estudem”, mas não era fácil manter cinco filhos na escola,
numa época em que todos os materiais escolares teriam que ser comprados pelos
pais, mesmo assim, ela fazia questão e mesmo comprando o material aos poucos,
muitas pessoas diziam: “tira a metade desses meninos da escola pra te ajudar, que
31



tu não agüenta sozinha”, mas graças a Deus ela não dava ouvidos a estas
interferências.



        Quando íamos para escola, lá em casa parecia um campo de concentração,
pois todos os meninos da vizinhança vinham para que fossemos juntos, não
podíamos perder um só dia, muitas das vezes íamos sem tomar café ou sem
almoçar, então, a hora da merenda era uma alegria. Nunca reclamávamos da
comida, como muitos dos colegas faziam, pois além de derramar a merenda,
ficavam dizendo bobagens às merendeiras.



        Lembro-me da sopa deliciosa de dona Margarida, do arroz com sardinha,
das almôndegas... pois tínhamos que comprar o pão para comer com as
almôndegas, mas nem sempre mainha podia deixar o dinheiro para todos, aí
comíamos as almôndegas puras mesmo, sem o pão. Uma vez um aluno estava com
uma moeda para comprar o pão - é que o rapaz da padaria ia vender na escola
coitado do menino, engoliu a moeda. Foi um sufoco, precisou levá-lo para o hospital
e, graças a Deus conseguiram tirar.



3.1.6 Primeiras experiências escolares... Classe multisseriada, motivo pelo
qual aprendi a ler muito cedo



        Meus primeiros anos escolares foram em classes multisseriadas, acredito ter
sido este o motivo pelo qual aprendi a ler muito cedo, gostava tanto de ler que lia
tudo que vinha pela frente, sentia uma enorme sensação de liberdade, mainha dizia:
“papagaio quando aprende ler sabe a cartilha toda, mas não sabe o A B C”.



        No ano de 1991 com sete anos já estava na 1ª série; em Tijuaçu as aulas
aconteciam de terça à sexta-feira, porque na segunda-feira era o dia em se realizava
a feira livre: Nesse dia, mainha fazia um bico como tratadeira de fato de boi, nós
íamos para feira pedir verdura e carne para fazermos a brincadeira do guisado
juntamente com os colegas da rua, era uma alegria, era também uma maneira de
32



amenizarmos o sofrimento.



3.1.7 Os professores, leigos e dedicados



        Apesar de ficarmos sozinhos em casa, ninguém ousava desobedecer a uma
ordem dada por mainha, dificilmente perdíamos um dia de aula, só mesmo por
alguma necessidade. Os professores na sua maioria eram leigos, mas, muito
dedicados. Minha professora da 1ª série chamava-se Tereza, ela era muito paciente,
todos gostávamos dela, eu tinha sete anos e como já sabia ler não sentia muita
dificuldade de pegar as matérias, no final do ano ela fez um passeio para uma roça,
mainha não me deixou ir, fiquei muito triste, mas eu sabia que ela só queria o melhor
para mim, pois no local tinha um tanque onde os meninos iam tomar banho, e como
eu por duas vezes tinha me afogado em um tanque onde lavávamos roupas, ela
ficou receosa em me deixar ir. Os alunos gostaram do passeio e nada de ruim
aconteceu. Esta professora hoje é aposentada e continua morando em Tijuaçu, pela
qual tenho muito respeito.



        Nesta época passei por mais um problema de saúde e novamente
dependendo de cuidados médicos mainha me levou para o meu padrinho me
examinar, ele passou alguns exames e foi detectado que eu estava com uma
infecção urinária sofri muito, mas graças a Deus fiquei curada. Com quase oito anos
fui batizada, mas, no dia meu padrinho não pode vir, pois estava de plantão e o filho
dele me batizou, foi quando ganhei meu primeiro brinquedo era um kit contendo um
secador, um espelho, um pente, pó e escova, como ninguém sabia o que era um
secador, um dos meninos que estava presente falou que era um revólver de
brinquedo.



        O ano letivo chegou ao final, e fui aprovada para a 2ª série, em 1992 já na 2ª
série, a turma continuou praticamente a mesma, fui cada vez mais me aproximando
dos amigos, tive ainda a feliz oportunidade de conhecer a professora Zilda a qual
carinhosamente chamávamos de Zildinha. Era jovem, paciente, e muito dedicada.
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Mostrava que gostava de ensinar, íamos para a escola com prazer pois lá tínhamos
a certeza que éramos bem vindos; os prédios escolares não tinha muros nem
portões, mesmo assim não saía da escola, pois tinha o objetivo de estudar e me
formar, não pretendia desistir e temia receber reclamação em casa.



3.1.8 Nem bem professora e já fora despedida...



        Como já sabia ler, a vizinha me colocava para ensinar as filhas dela. Ela era
muito severa com as meninas e não as deixava sair de casa para brincar fora. Um
dia eu fui ensinar uma lição que tinha na cartilha e tinha como título a palavra Gilete.
Como já entendia a pronúncia das letras comecei ensinando da seguinte maneira:
“vamos soletrar, gi-le-te”, a mãe das meninas quando viu aquilo ficou brava, pois
achava que eu estava ensinando errado. Ela disse que o certo era “gi-ji-le-te”, no
entendimento dela se pronunciava daquela maneira e foi uma confusão: me acusou
de não querer ensinar direito a fim de que as filhas dela não aprendessem e me
dispensou das aulas.



        O futuro escolar das meninas não foi muito bom a mais velha desistiu muito
cedo de estudar e a mais nova infelizmente faleceu de repente vítima de meningite.
Me entristeci muito, pois éramos muito amigas, fiquei abalada, pois não entendia
muito destes assuntos de “adulto”, achava que a qualquer momento ela voltaria com
aquela alegria de sempre.



3.1.9 Em meio às dificuldades uma profecia



        Em uma visita à minha madrinha, ela me deu uma blusa que tinha uma linda
pintura, ela é artista plástica, nesta pintura tinha escrito o meu nome, e o meu
padrinho pediu para eu ler o que estava escrito, e eu li “Eliete”, então ele disse:
professora Eliete, será que ele estava profetizando?
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       Sabendo que mainha não poderia comprar outro caderno caso um acabasse
eu escrevia as letras bem pequenas e nas entrelinhas para economizar, era tão
pequena que só eu mesma conseguia entender, procurava sempre fazer a lição de
casa cedo antes de escurecer, pois lá em casa ainda não tinha energia elétrica e
estudar com o candeeiro era ruim, além do mais à noite todo mundo saía de casa ou
para brincar na rua ou para assistir as novelas na casa de alguém.



       Na escola, na hora do recreio, gostava muito de brincar com os colegas,
mas na sala de aula não dizia uma só palavra era muito tímida. Certa vez, teve uma
campanha de vacinação que me marcou muito, fomos eu, minhas irmãs e minhas
primas para o posto de saúde em Tijuaçu para nos vacinarmos, chegando lá
soubemos que quem se vacinasse ganharia um gibi, só que como eu era pequena
tinha apenas 08 anos, a moça achando que eu não sabia ler não me deu a
revistinha, e todas as meninas disseram para ela que eu sabia ler, logo ela falou:
“então leia para eu ver se você sabe”. Na minha mente de criança eu não me achava
na obrigação de provar para ela que eu sabia ler, então, eu não li, além disso, havia
a questão da timidez, o que me deixava envergonhada.



       A moça não me deu a revista e eu voltei para casa triste, minha prima, só
porque era maior, ganhou e nem sabia ler ainda e eu não ganhei, e isso ficou na
minha mente por muito tempo, porque         aquela moça não acreditou na minha
palavra? Ela nem trabalhava lá, estava apenas ajudando a mãe dela, daí então
tomei um trauma de vacina que só ia ao posto para vacinação quando era obrigada.



       Ao final do ano letivo a professora fez um amigo secreto, todos estavam
ansiosos para ver que presente ganharia, o embrulho da professora era lindo o que
causou curiosidade em toda a sala, só que apenas uma pessoa ganharia e esta
pessoa fui eu, ganhei uma linda blusa da “família Dinossauros” uma série de TV que
estava passando na época, gostei muito da blusa e a usei por muito tempo. Passei
para a 3ª série, nas férias aproveitava para ir para a roça onde morava nossa avó.
Íamos quase todos os dias era muito divertido, pois lá moravam alguns primos
nossos e brincávamos e trabalhávamos bastante também.
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3.1.10 Estratégia de convivência: um aluno passivo para uma professora

“durona”



        Na 3ª série, com 09 anos, a turma era praticamente a mesma, mas com
alguns alunos novos. A professora não era muito aceita pela turma e ela também
não fazia questão de ser simpática, sempre muito séria, não puxava assunto que
não fosse referente às aulas. Não tenho lembrança de vê-la brincando ou em um
momento de descontração com toda a turma, apenas conversava com algumas
meninas, pois tinha alguns parentes aqui, mas ela era de Senhor do Bonfim, muitos
alunos a temiam, pois não era o primeiro ano que ensinava na comunidade e todo
mundo já sabia da fama dela de durona. Teve até uma menina que era muito
nervosa e não quis estudar com ela temendo ser reprovada, graças a Deus, não tive
nenhum problema, pois sempre ficava quieta no meu canto e fazia as tarefas o que
era considerado positivo, o aluno passivo que nunca reclama de nada e fazia tudo
sem questionar.



        A essa altura já sabia resolver alguns cálculos matemáticos, mas não
dominava a divisão, neste ano me tornei evangélica o que mudou completamente a
minha vida; meu pai resolveu aparecer depois de muito tempo fora. Eu praticamente
não me lembrava mais da fisionomia dele, fiquei muito feliz em revê-lo, ele bebia
muito o que nos deixava muito tristes, pois nos maltratava com xingamentos e
palavrões. Percebi, então, que a alegria se tornou em tristeza, já que o curto período
de tempo que passava em casa, a maior parte era bebendo, mainha sempre
aguentou tudo calada e nunca falava mal dele para nós.



        Eu, muito sonhadora, sabia que um dia sairia daquela situação, o que me
fazia ver as coisas um pouco mais além do que a minha mente de criança conseguia
alcançar, com uma mentalidade um pouco avançada já pensava no futuro. Lá em
casa continuava o mesmo sufoco mainha sozinha para manter cinco filhos
estudando, em uma manhã antes de irmos para a escola meu irmão procurou a
caneta e não encontrou-situação comum para nós - então, ele resolveu parar de
estudar para ajudar mais mainha nas despesas. Ela ficou muito triste, pois ele
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sempre foi muito inteligente, sabia fazer conta como ninguém, cubava terra para
pessoas e já estava na 5ª série, mas foi uma decisão que ele tomou e ninguém pode
fazer nada. Eu e minhas irmãs continuamos estudando.


        Brincávamos de escola eu e minhas amigas, em nossa “escolinha” tínhamos
de tudo, professora, diretora, merenda, quadro de giz, alunos, boletim escolar etc. eu
era a professora e a minha amiga Nadja era a diretora, a “escolinha” funcionava em
um depósito do pai dela, era muito divertido, nem todos os dias dava para fazer
merenda, pois cada aluno trazia um pouquinho de alguma coisa e nós fazíamos,
mas, nem sempre tínhamos.


        Na escola regular, como a professora era contratada ameaçaram colocá-la
para fora. Isso gerou uma confusão entre os alunos, pois todos gostavam dela,
então ela nos levou até uma fazenda de um vereador, que fica aqui próximo, para
pedirmos a ele que não deixasse tirar a professora, ele prometeu que ela não sairia.
Tempos depois ele cumpriu o que prometeu: a professora não saiu e no final do ano
ela fez um amigo secreto na sala, como eu não tinha dinheiro, não queria participar
da brincadeira, com o incentivo da professora, eu trabalhei em seu Zé, ganhei um
real e levei para a escola, entreguei para professora comprar o presente.


3.1.11 Chega o tão sonhado ginásio


        Quando cheguei a 5ª série no ano de 1995 levei um choque, pois estava
acostumada com apenas quatro disciplinas no currículo e agora teria 8 e professor
passava de um para vários. Confesso que tive um pouco de dificuldade
principalmente com matemática, pois como já disse não sabia resolver cálculos de
dividir . Já estudava com minha irmã mais velha, na turma tinha muitos alunos que já
eram casados e tinham filhos.


        Nesta série tive uma experiência que considero uma das mais importantes
para a minha vida escolar e pessoal, entre os professores tinha um especial, o
professor Marcelo, morava na comunidade de Alto Bonito, era muito respeitado pelos
pais, pois tinha um método rígido, o que se constituía no desespero de muitos
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alunos, minhas irmãs mais velhas já tinham estudado com ele, mas eu era a primeira
vez...


         O professor de geografia sugeriu uma das atividades para casa, pediu que
desenhássemos o mapa do Brasil com os estados e as capitais. No dia seguinte
entregamos as atividades. Muitos dos meus colegas pagaram para fazer. Eu como
não tinha como pagar, fiz e confesso que não ficou muito bom, mas, quando o
professor olhou os trabalhos tivemos uma surpresa, ele pegou o meu mapa e
perguntou de quem era, como eu era tímida fiquei quieta, aí ele me chamou, e eu
tremi toda, foi quando ele disse que aquele era realmente um trabalho, e segurando
a minha atividade disse que o importante era o esforço de cada um e não a beleza, e
mandou os demais alunos refazerem a atividade. Este momento para mim foi como
uma quebra de barreira, pois até então eu era muito calada, dificilmente expressava
minha opinião, e quando o professor Marcelo me mostrou que eu era capaz,
comecei a mudar, a participar das aulas, não mais temia “errar” pois aprendi que o
erro faz parte do processo de aprendizagem




   3.2 A ADOLESCÊNCIA: a organização do meu universo, o surgimento das
                                primeiras paixões


         A adolescência é uma fase meio confusa, via o tempo passar como um
foguete e eu sem querer me desgarrar da inocência de criança, mas tendo que me
acostumar com as responsabilidades de um “adulto”, tudo foi um pouco estranho no
começo, pois gostava muito de brincar apesar de não possuir brinquedos, pensava
que dava para parar o tempo e permanecer naquele universo, mágico da infância,
onde mesmo com muitas limitações considero ter sido a fase mais importante da
minha vida. Naturalmente outros interesses foram surgindo e com eles as primeiras
paixões, assim também surge a necessidade de trabalhar; num universo de
mudanças, incertezas e inseguranças, felizmente encontrei no seio familiar e social
ajuda para conviver com as mudanças, e sempre tendo a escola como prioridade.


         A adolescência nos faz pensar que não necessitamos de mais ninguém que
dá para resolver tudo sozinho, começamos a dar prioridade aos amigos e
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desconsiderar a opinião familiar, então tive que aprender que mesmo tendo crescido,
não era suficientemente independente para fazer da minha vida o que quisesse,
necessitava dos outros e principalmente da família para seguir o meu processo de
formação física e profissional.


3.2.1   Escola   e   trabalho     infantil:   uma   experiência   de   aprendizado e
discriminação


        Nesta época, me apaixonei por um garoto, mas acho que ele nunca
descobriu, só quem sabia era eu e uma amiga, nunca namorei com ele, tinha medo
de apanhar, o tempo passou assim como a paixão e antes do início do ano letivo fui
trabalhar em Senhor do Bonfim, tinha apenas 13 anos, não foi uma experiência
muito agradável, pois nem uma cama para dormir foi disponibilizado. Dormia no
sofá, até quando a filha da patroa me colocou para dormir no chão em um
colchonete bem fino, alegando que o meu peso danificaria o sofá, logo após passei a
dormir na casa de outra pessoa, voltando bem cedo para o trabalho.


        Explorada, tratada como escrava, diante dos maus tratos, quinze dias depois
pedi para ir embora, recebi como pagamento, cinco reais, mas estava contente,
estava voltando para casa. Este acontecimento reforçou ainda mais o meu desejo de
mudar de vida.


        No ano de 1997, na sétima série, aprendi a resolver cálculos de divisão, em
apenas um mês, com o professor Oberdan, que não continuou nos ensinando
porque foi selecionado no concurso da polícia. Outro fato de que tenho lembrança,
foi uma atividade em que a professora solicitava uma história em quadrinhos, como
eu não sabia ainda o que era, fui procurar nos livros, até que uma prima me
ofereceu um exemplar, elaborei a atividade, mas para minha surpresa não era
daquela maneira, e isso me serviu de lição.


        Aos evangélicos não era permitido usar calça, o fardamento escolar era
composto de blusa e calça, por razões de obediência a Igreja, eu usava a blusa com
a saia, o que foi de encontro as orientações da direção da escola, que exigia o uso
do uniforme completo, sob pena de não poder frequentar as aulas, fui motivo de
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chacota dos colegas, fiquei envergonhada e preocupada ao mesmo tempo, pois não
queria parar de estudar, precisei quebrar as regras de Igreja, e consegui uma calça
usada, pois não podíamos comprar uma nova, essa atitude da escola me fez
perceber que muitas das vezes a escola se preocupa com questões burocráticas e
não com o desenvolvimento dos alunos. Em 1998, na 8ª série, a turma continuava
praticamente a mesma, salvo por alguns alunos que haviam sido reprovados, as
amizades já estavam bastante amadurecidas, com as quais continuo me
relacionando até hoje. No currículo outras surpresas: começamos a estudar química
e física. Me acostumei rápido com as novidades que o currículo apresentava, os
novos assuntos de matemática também me atraiam.


        Mesmo convivendo com as pressões da adolescência tive que fazer
escolhas, mesmo sem entender, mesmo assim, acredito ter feito a coisa certa já que
as consequências não foram ruins, o que culminou com a escolha profissional num
momento em que estava finalizando o ginásio e entrando no         ensino médio e
alimentava o sonho da formatura. Mesmo precisando trabalhar, continuei os estudos
foi um pouco sufocado, mas havia a necessidade de contribuir com a renda familiar
era indispensável que me dividisse entre o trabalho e a escola.


3.2.2 Magistério... Mais barreiras trabalhei como empregada doméstica


        Mesmo com o desejo de ser professora, não escolhi fazer magistério, eu fui
escolhida pelo magistério, motivada por boatos de que o curso estava desvalorizado
optei por fazer formação geral, e graças a um equívoco da diretora da escola, fui
matriculada no magistério, as colegas solicitaram transferência de curso,
continuamos estudando juntas.


        Para mim, não foi fácil cursar o magistério, pois precisava trabalhar, e a
única opção era ser empregada doméstica, só que o curso era oferecido no turno
vespertino, foi uma luta, mas eu tinha um objetivo, que era o de continuar meus
estudos para que no futuro pudesse escolher em quê trabalhar. Como aqui em
Tijuaçu só era oferecido o ensino fundamental quem passasse para o ensino médio
tinha que ir cursar em Senhor do Bonfim.
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       No ano de 1999, aceitei o desafio de trabalhar e estudar, era muito cansativo
então no 1º ano do curso de magistério, não consegui suportar a pressão e desisti
de trabalhar, tornando as coisas ainda mais difíceis, pois como compraria as
apostilas que os professores passavam, recorrer à família era impossível, eles
também não tinham como ajudar. Como estava estudando para ser professora, uma
das atividades do curso é o estágio de observação, foi então que retornei a Escola
Municipal Antônio José de Souza, a mesma escola em que eu havia estudado até a
5ª série, só tinha uma diferença, antes eu era aluna agora estava buscando a minha
formação, foi uma experiência muito prazerosa.


       Na escola já estávamos sendo preparados para aprender a dar aulas
causando nervosismo em muitos colegas, mas não tive problemas quanto a isso,
pois o medo de falar na frente das pessoas estava sendo vencido. Com o final do
ano letivo veio também a minha aprovação para o 2º ano. Entre o trabalho como
doméstica e o estudo cheguei ao estágio, interrompi o trabalho neste período,
retomando logo depois. Ainda no estágio presenciei um acidente fatal com um aluno,
até hoje não consigo esquecer aquela cena.


       Em 2001, quando cheguei ao terceiro ano continuei trabalhando e
estudando, não era fácil, mas fazia o quanto podia para não ter que desistir de
estudar, novamente precisei fazer o estágio para conclusão do curso de magistério,
então, saí do trabalho por um tempo retornando depois.


       Antes de terminar o ano letivo ficamos sabendo no colégio que a
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) estava no período de inscrição para o
vestibular e que os alunos de escolas públicas tinham o direito a isenção se tivesse
média 6,0 em português e matemática, e só ficamos sabendo disso no último dia
para inscrição, então, eu e algumas colegas nos dirigimos até a secretaria da escola
para pedirmos o documento com as notas, para realizarmos a inscrição no
vestibular. Como estávamos concluindo o ensino médio a escola realizou algumas
solenidades de formatura, com isso não pude estudar e o vestibular ficou para outra
oportunidade.


        Entre 2002 e 2005, foram muitas as tentativas de concurso, sem resultados
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positivos, como estava noiva, resolvi-me casar, algumas dificuldades surgiram, até
surgir a oportunidade de trabalhar no programa de alfabetização do governo, fomos
até a secretaria de Educação do Município, conseguimos a vaga, só que tínhamos
que conseguir os alunos e isto nós fizemos. Então me vi divida entre o trabalho
doméstico e o de professora, a princípio deu certo, pois eu ensinava só à noite, mas
depois não deu e eu optei por ficar trabalhando só com a escola, era um trabalho
muito gratificante, e trabalhar com adultos, então, me deu a oportunidade de
aprender muitas coisas, inclusive de estudar no cursinho pré vestibular do governo,
Universidade Para Todos.


3.3 A FASE ADULTA: as minhas primeiras experiências profissionais e o sonho
de ser mãe e professora


       É o que chamamos de fase adulta, quando determinadas atitudes, já não
são mais aceitas. Foi nesse período que tive a minha primeira experiência como
professora, quando também passei no vestibular, realizei o meu maior sonho que foi
o de ser mãe, mas continuei determinada a conseguir os meus objetivos, e mesmo
depois que tive o meu filho, não parei, pelo contrário, continue estudando e tive a
felicidade de passar em três concursos públicos, e a correria só aumentou, pois tive
e tenho que ser , mãe, esposa, dona de casa, profissional, estudante, ufa! E ainda
tenho tempo par ser feliz, é uma fase muito boa em que cada dia mais, aprendo e
retiro algumas coisas não mais necessárias e estou perto de conseguir minha
segunda formação como professora, hoje já atuando. E estou sempre aberta a
novas aprendizagens que com certeza serão muitas nas novas fases que virão, com
fé em Deus.


       Iniciado o processo seletivo da UNEB, fiz a minha inscrição para o curso de
pedagogia, fiz as provas do vestibular e fui aprovada depois de algumas tentativas; o
resultado foi informado por uma colega, que chegou até a minha casa avisando que
tinha visto o meu nome entre os aprovados do vestibular da UNEB. Este foi um
momento de grande significado para mim, para minha mãe a notícia foi recebida
com naturalidade, afinal ela não entendia o significado deste acontecimento. Na
reunião da Associação Quilombola fui parabenizada por todos os companheiros,
muitos compartilharam dessa alegria comigo, foi um momento muito importante.
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         Um novo tempo se iniciou, em 2006 fui aprovada em concurso publico da
Prefeitura de Senhor do Bonfim, neste mesmo período a associação ganhou
algumas máquinas de corte e costura, e abriu um curso para quem quisesse
aprender a costurar, eu me matriculei, gostava muito, fiz novas amizades, e algum
tempo depois já estava confeccionando bolsas, a experiência foi fantástica, também
tivemos a oportunidade de fazer cursos pelo SEBRAE, uma empresa foi criada e
começamos a trabalhar fabricando bolsas para comercialização.


3.3.1 A Universidade: passei a viver outra realidade, outras portas se abriram


         As aulas começaram na faculdade estava um pouco apreensiva e ansiosa,
mas logo me entrosei com a turma na qual já haviam pessoas que eu já conhecia,
um novo mundo então foi sendo descoberto, os autores estudados a experiência de
colegas e o contato com      professores passei a viver outra realidade, até então
desconhecida. Neste mesmo período saíram os resultados dos concursos para os
quais havia me inscrito, O Regime de Direito Administrativo – REDA, do estado, para
auxiliar administrativo e da Prefeitura de Filadélfia para professor; mesmo estando
nos últimos meses de gestação, Escolhi trabalhar no Colégio Estadual de Senhor do
Bonfim, mas com 15 dias que estava trabalhando, mais precisamente no dia 12 de
julho de 2007, dei a luz a meu filho Lucas Emanuel.


         Trabalhar no Colégio Estadual foi muito gratificante, pois conheci pessoas
que acreditavam em mim, e torciam para que eu não desistisse dos meus sonhos,
sou muito grata a todos que com seu carinho e amizade me ajudaram a crescer.


         Agora me dividia entre dois trabalhos família e faculdade. Tinha dias que
pensava que não ia dar conta. No ano de 2009 ao chegar à Escola José de Anchieta
no povoado de Aguadas, tudo era novo para mim, senti um pouco de dificuldades no
planejamento das aulas, pois não havia participado do planejamento coletivo, visto
que ainda estava em questão com a prefeitura. Mas com o passar do tempo fui
pegando o jeito e sempre procurava e procuro desenvolver meu trabalho da melhor
forma possível, já é o 3º ano consecutivo que trabalho nesta escola, fortalecendo
cada vez mais os laços de amizades, com alunos, e corpo docente e comunidade
local.
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3.3.2 Curso de pedagogia


        O curso de pedagogia para mim foi e é uma realização, adentrar neste novo
mundo me causou muita expectativa, as aulas, os debates, desenvolvimento dos
trabalhos, a preparação      e apresentação dos seminários, como também me
angustiava muito com os trabalhos interdisciplinares, já no primeiro semestre
tivemos que fazer um artigo, até então não sabia o que era, dificultando ainda mais o
desenvolvimento do trabalho, como éramos todos leigos no assunto escolhemos
uma temática não muito boa de desenvolver, mas mesmo assim fizemos e foi muito
válida a experiência.


        A minha turma era muito boa. Fiz muitas amizades afinal éramos 50 pessoas
diferentes. Cada um com a sua história, seu jeito, e suas experiências, tive a
oportunidade de aprender muito, seja com os professores que sempre estavam
dispostos a compartilhar seus conhecimentos e com os colegas, nos debates, nas
apresentações, e nos trabalhos em equipe. Algo que sei que não vou me esquecer
foram às atividades interdisciplinares, pois além de produzirmos os trabalhos
escritos (artigos, projetos e relatórios) tínhamos que participar de um sorteio para ver
quem iria apresentar e esta apresentação era para todas as turmas do curso de
pedagogia e os demais cursos. Apresentei algumas vezes, mas não tinha problema
em falar em público, ser evangélica e participar das atividades da igreja me ajudou a
perder a timidez.


        Mesmo com o sofrimento, sabia que os trabalhos interdisciplinares eram
necessários à nossa formação, em um semestre do curso a turma entrou em
conflito, pois os sorteios eram feitos na hora da apresentação, então queríamos que
este sorteio fosse feito antes, gerando uma enorme confusão, com o colegiado, e
com a professora da disciplina. Mas no final tudo se resolveu e os trabalhos foram
apresentados.


        Como sou adventista não frequentava as aulas nem na sexta feira à noite
nem no sábado pela manhã, então a cada dois semestres perdia duas disciplinas,
mas felizmente o campus começou a disponibilizar turmas à tarde, facilitando assim
para mim e outros colegas para assim podermos cursar as disciplinas que
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estávamos devendo, e no início como trabalhava pela manhã, ficou fácil. Entretanto
como meu filho ainda era pequeno, passar o dia fora era complicado, pois estava
amamentando então nos dias que necessitava ir para a faculdade, minha irmã trazia
o Lucas para que eu pudesse amamentá-lo enquanto estudava, mas depois que
comecei a trabalhar o dia todo ficou mais difícil, mas mesmo assim conseguia
negociar e continuei cursando as disciplinas, o que me ajudou a não atrasar o curso.


            No componente curricular: Educação e Cultura Afro-brasileira tive a
oportunidade juntamente com o grupo inseparável de apresentar um trabalho sobre
Tijuaçu, foi emocionante, contar a história do lugar onde vivo, apresentamos a
História, convidamos um membro da Associação Quilombola para dar uma palestra
e a presença marcante do samba de lata, meu esposo estava vendendo acarajé no
Campus, no final da apresentação servimos acarajé de cortesia,


            Quando chegou o período de fazer os estágios exigidos pelo curso, me vi
novamente em apuros, pois como poderia trabalhar e estagiar ao mesmo tempo?
Mas graças a Deus que, as pessoas com quem trabalho são compreensivas, e não
me impediram de cumprir os estágios, pelo contrário me deram muita força para não
desistir.


            Desde o 2º semestre começamos a trabalhar com a temática diversidade
cultural em sala de aula, e quando os trabalhos passaram a ser desenvolvidos
individualmente, continuei com essa temática até o 7º semestre, para o
desenvolvimento dos estágios escolhi a mesma Escola que estudei e fiz os estágios
do ensino médio, e novamente tenho oportunidade de voltar no tempo e relembrar
do meu começo na vida escolar, foi muito gratificante. Trabalhamos nos estágios
com: educação infantil, séries iniciais e educação em espaços não-formais. Participei
também da elaboração e aplicação de um projeto de ensino e extensão com o tema
higiene bucal.


            Já no 8º semestre, voltamos a trabalhar em grupo, o estágio que realizamos
foi em espaços não-formais. Então optamos por trabalhar com ludicidade,
escolhemos a turma do programa de erradicação do trabalho infantil (PETI), aqui em
Tijuaçu, confeccionamos vários brinquedos com objetos reciclados como também
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desenvolvemos vários tipos de brincadeiras. Foi muito legal.


       Como não consegui acompanhar a turma no 9º semestre me matriculei para
fazer o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), aí surgiram as dúvidas: que
temática vou escolher para o meu TCC? Escolhia uma, não me encantava, outra e
mais e mais e nada. Foi então que em uma conversa com a professora Glória
comecei a desabafar sobre o meu processo escolar, e a minha vontade de contar as
minhas histórias, mas como “achava”, motivada por boatos de que só é válido se
alguém já trabalhou com a temática antes, não poderia. Fiquei tentando me
encontrar onde não estava, e nesta conversa com a minha orientadora descobri que
poderia sim fazer uma narrativa autobiográfica. Isto me deixou empolgada. Agora
sim vou fazer o que sempre quis e pensei.
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                                CONSIDERAÇÕES FINAIS


        Atualmente me vejo como aluna remanescente de quilombos, no 10º
semestre buscando a minha formação como pedagoga, para tanto terminando de
construir o meu (TCC), onde narro a minha história de vida e formação, são
momentos muito emocionantes parece que estou revivendo minha vida, o choro é
inevitável, pois, existiram momentos que não trouxeram boas lembranças, mas,
enxugo as lágrimas e continuo com a certeza de que tudo que aconteceu foi válido,
por isso estou contando. E sei que muito tenho que aprender, e estou disposta a
isso.


        Escrever sobre a minha trajetória de vida me conduziu a uma descoberta
surpreendente: até então nunca tinha parado para refletir sobre a minha pessoa e
agora sei que sou uma mulher cheia de coragem e decisão em lutar por tudo que
desejo por mais difícil que seja.      Se antes eu era autora/atriz das minhas
experiências e vivências, hoje sou também expectadora: este trabalho monográfico
me coloca nesta posição uma vez que escrevendo e relembrando assisto e revivo as
passagens da minha vida como num filme, chorando e sorrindo ao mesmo tempo,
pois se muito sofri por causa das dificuldades que enfrentei, agora posso sorrir
porque me sinto vitoriosa por ter vencido esta fase tão difícil e triste do meu
passado.   Lembro-me de alguns dizeres animadores de um autor desconhecido
“Todo obstáculo é um caminho e toda pedra nesse caminho, um trampolim”.


        Acredito que, com o apoio materno, transformei obstáculos em caminhos e
saltei pedras como se saltasse de um trampolim para uma vida melhor, não só para
mim, mas para todos os meus entes queridos a minha volta e tomo novamente por
empréstimo as palavras de um autor desconhecido; ”Quando alguém evolui, evolui
tudo o que está a sua volta”.


        Cabe salientar que, é de suma importância a abordagem autobiográfica no
processo de formação de professores, como está sendo para mim futura pedagoga à
autocompreensão do que somos e das aprendizagens que adquirimos ao longo da
vida e no decorrer da nossa formação docente.
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       Está sendo muito difícil encerrar este trabalho, principalmente porque
representa o começo de uma nova trajetória em minha vida: a minha promoção para
outros novos conhecimentos num patamar mais alto da formação continuada; sei
que para as experiências que estão além dos muros da Universidade me
aguardando, tudo o que vivi e aprendi e relatei aqui, me servirá de base para
enfrentar e vencer com reflexão, criticidade e sabedoria os revezes da vida;
significando uma farta munição para continuar a árdua jornada, buscando o melhor
para mim, para os outros e para o mundo.


        Enfim, antes de acionar a tecla “pause” ainda tomo a liberdade de convidar
a todos que analisarem e apreciarem este trabalho para uma breve reflexão sobre a
afirmativa de Nietsche (2003) “Ninguém pode construir no teu lugar a ponte que te
seria preciso tu mesmo transpor no fluxo da vida – ninguém exceto tu”. Baseada
nisso, é que construí com as ferramentas da educação a ponte para atravessar de
um lado a outro da minha vida - da ignorância para a sabedoria; da desinformação
para a formação e do fracasso para o sucesso.
48



                                 REFERÊNCIAS


ÁRIES, (1981) PHILIPPE, Áries. História Social da infância e da família. Tradução
Dora Flaksman. Rio de Janeiro, Guanabara, 1981.

ALBUQUERQUE JUNIOR, D.M. de. Historia: a arte de inventar o passado.
Ensaios de teoria da história. Bauru, SP. Edusc, 2007.

CARVALHO, Eronilda Maria Góis. Educação Infantil: percurso, dilemas e
perspectivas. Ilhéus, BA. 2003.

FONTANA, R. e CRUZ, M. N da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo,
Atual, 1986.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 7ª ed. São Paulo, Paz e Terra, 1983.


GARCIA, Regina leite (org.). Método: pesquisa com o cotidiano – DPEA, 2003.


JOSSO, Marie- Christine. Experiências de vida e formação/ Marie- Christine
Josso; prefácio Antônio Nóvoa; revisão científica, apresentação e notas à edição
brasileira Cecília Warschauer; tradução José Claudino e Júlia Ferreira; adaptação à
edição brasileira Maria Vianna. _ São Paulo: Cortez, 2004.

________, Josso, Marie-Christine – Experiência de vida e formação. Lisboa:
EDUCA 2002.

LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos César. Historia
Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, USF; IFAN, 2001

LARROSA, J. Literatura, experiência e formação. In: COSTA, M. V. Caminhos
investigativos – novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A,
2002, p. 133-160.

LECHNER, Elza. Narrativas autobiográficas e transformação de Si: devir
identitário em ação. 2003.

MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Identidade cultural e arqueologia. Valorização do
patrimônio arqueológico brasileiro. Bibliografia. In: BOSI, Alfredo. Cultura
Brasileira Temas e Situações. 4ª edição. São Paulo, Editora Ática, 2002.

MIRANDA, Carmélia Aparecida Silva. Vestígios recuperados: experiências da
comunidade negra rural de Tijuaçu- BA/ Carmélia Aparecida Silva Miranda. - São
Paulo: Annablume, 2009.
49



MOITA, Maria da Conceição. Percursos de formação e de trans-formação. In.:
NÓVOA, António. Vidas de professores. 2ª ed. Porto Editora, Porto, 1992.

NIETZCHE, F. Schopenhauer Educador (Terceira Consideração Intempestiva).
Trad. N.D. de M. Sobrinho. São Paulo: Loyola, 2003

PASSEGI, Maria da C. BARBOSA, Tatyana Mabel N.(org.). Memória e memoriais:
pesquisa e formação docente. Natal, RN: EDUFRN: São Paulo: Paulus, 2008.

PÉREZ, Carmen Lúcia Vidal. Cotidiano: história(s), memória e narrativa. Uma
experiência de formação continuada de professoras alfabetizadoras. In.:
GARCIA, Regina Leite (org.). Método: Pesquisa com o cotidiano. DP&A, 2003.

RAMOS, F. P. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações
portuguesas do século XVI. In: DEL PRIORE, M. (Org.). História das crianças no
Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. p. 19-54.

SILVA, René Marc da costa, Memória, Identidade e Patrimônio. In: Cultura
popular e Educação. Salto para o Futuro, Brasília: Salto Para o Futuro / TV Escola
/ SEED/MEC, 2008.


SOUZA, Elizeu Clementino de. O conhecimento de si: estágio e narrativas de
formação de professores. DP&A, Salvador-BA, UNEB. 2006.

_________, Elizeu Clementino de. Maria Helena Menna Barreto Abrahão, (orgs.)
Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si: Marie Christine Josso, Prefácio. -
Porto Alegre: EDIPUCRS: EDUNEB, 2006.

_________, Elizeu Clementino de. A arte de contar e trocar experiências:
Reflexões teórico-metodológicas sobre História de Vida em formação. In:
Revista Educação em Questão. Natal. v. 25, n. 11, p. 22-39, abr., 2006. Disponível
em: <http://www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/det.asp?cod=68640&type=P>

_________, Elizeu Clementino de. Histórias de Vida, escritas de si e abordagem
experiencial. In: Souza, E.C. de; Mignot, A.C.V. (orgs) Historias de vida e
formação de professores. Rio de Janeiro: Quartel, 2008.

__________,Eliseu Clementino de. (Auto) Biografia, identidade e Alteridade: Modos
de Narração, Escritas de Si e Práticas de Formação na Pós-graduação.
Disponível           em:         Http://www.posgrap.ufs.br/periodicos/revista_forum-
identidades/revistas
50




ANEXOS
51



                            ALGUMAS FOTOS




Foto 01: Infância: meu batismo na Igreja Adventista do 7º dia. Acervo Eliete




             Foto 02: Adolescência: eu e Neto. Acervo Eliete
52




             Foto 03: Conclusão da 8ª série. Acervo Eliete




Foto o4: Conclusão do Ensino Médio, (curso de magistério). Acervo Eliete
53




Foto 05: Casamento, eu mainha e neto Acervo Eliete




       Foto 06: Gravidez, eu. Acervo Eliete
54




   Foto 07: Nascimento do meu filho Lucas Emanuel. Acervo Eliete




Foto 08: Minha mãe Dejanira e meu filho Lucas Emanuel. Acervo Eliete
55




Foto 09: Meu pai Evanio e minha irmã Silvania. Acervo Eliete




    Foto 10: Minha irmã Marilza e Lucas. Acervo Eliete
56




   Foto 11: Minha irmã Josenice. Acervo Eliete




Foto 12: Minha irmã Evanice e Lucas. Acervo Eliete
57




            Foto 13: Minha irmã josenice e meu irmão Evaniel ( Netinho)




Foto14: Equipe de Professores e direção da Escola Municipal José de Anchieta
(2009) Acervo Eliete
58




         Foto 15: No estágio em espaços não formais (PETI). Acervo Eliete




Foto 16: Grupo inseparável do curso de pedagogia: Alice, Elaine, Simone, Cícero e
eu. (acervo Eliete)
59




Foto 17: Silvania, minha sobrinha, Ana Carolina, Marilza e Lucas (acervo Eliete)




                 Foto 18: Minha sobrinha Daise (acervo: Eliete)
60




Foto 19: minha sobrinha, Ana Júlia e Lucas (acervo Eliete)




         Foto 20: Neto Lucas e Eu (acervo Eliete)
61




      Foto 21: Vista d o monte de Tijuaçu. Acervo Eliete




Foto 22: Vista da Praça do Comércio Tijuaçu. Acervo. Eliete

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  • 1. 0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM – BA. PEDAGOGIA 2006.1 ELIETE FAGUNDES DE JESUS HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA SEM PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA SENHOR DO BONFIM – BA MARÇO DE 2011
  • 2. 1 ELIETE FAGUNDES DE JESUS HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA SEM PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA Monografia apresentada ao departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia-UNEB/CAMPUS VII, como parte dos requisitos para conclusão do curso de pedagogia: Docência e Gestão de Processos Educativos. Orientadora: Profª. Drª. Maria Glória da Paz SENHOR DO BONFIM – BA MARÇO DE 2011
  • 3. 2 ELIETE FAGUNDES DE JESUS HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA SEM PERSPECTIVA À FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA Aprovada em: 17 de março de 2011 Profª. Drª. : Maria Glória da Paz Orientadora Profª. Mestra: Edna Ferreira Examinadora Profª. Especialista: Ana Maria Campos Dias Examinadora
  • 4. 3 A Deus, pelo dom da vida e por seu amor incondicional, por sempre ter me dado força para não desistir. A meu filho, Lucas Emanuel, por ser parte de mim. A minha mãe, Dejanira, que com sua coragem é a grande responsável por essa conquista. Ao meu pai, Evanio, pelo incentivo Aos meus irmãos, Marilza, Evaniel, Josenice Evanice e Silvania, pelo apoio. Ao meu esposo, Manoel Neto pela dedicação, paciência e companheirismo.
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus meu pai por estar sempre ao meu lado, e por tudo que me proporciona, sendo meu porto seguro, meu eterno agradecimento. A minha família pela compreensão nos momentos em que precisei estar ausente e por sempre ter acreditado em mim. Ao meu filho, Lucas Emanuel, razão do meu viver. A minha irmã, Marilza, pela dedicação e carinho ao dividir comigo o papel de mãe de Lucas, o meu muito obrigado. A professora Glória, co-autora na construção deste trabalho, meu sincero agradecimento. Aos colegas de turma, em especial, Alice, Cícero Elaine, Elizangela e Simone, pela cumplicidade, compreensão, e amizade, que me serviram de ancora, em todos os momentos, vocês moram no meu coração. A Lidiane, minha irmã, amiga, e fiel escudeira pelo companheirismo. Aos professores: Beatriz, Ana Maria Suzzana Alice, Rita Braz, Claudia Maisa, Pascoal, Elizabeth Barbosa, Elizabeth, Joanita Moura, Simone Wanderley, Ozelito, Sanda Fabiana, Helder Luís, Jader Rocha, Rita Carneiro, Ricardo e Romilson pelos conhecimentos proporcionados, estarão sempre na minha memória. Aos colegas da turma de 2007 com os quais dividi este percurso, principalmente Ana Lúcia, pelo apoio. A dona Rosi e seu Eduardo pela ajuda nos momentos que precisei. A minha prima, Suzana Fagundes, pela amizade e confiança.
  • 6. 5 A Valmir dos Santos pelo incentivo. A Drª. Eva, Drº. Hélio, Drª. Mariana pela força, e compreensão. Aos colegas de trabalho da Defensoria Pública e da Escola José de Anchieta com os quais compartilho muitos momentos. Aos irmãos da Igreja Adventista do Sétimo dia de Tijuaçu. Aos amigos Gabriela, Daniel, Fábio, Patrícia, Camila e Drº. Hélcio pela amizade, e palavras de incentivo. Aos amigos diretores, professores e funcionários do Colégio Estadual de Senhor do Bonfim, pela confiança demonstrada. Ao pessoal da biblioteca, Margarida, Maria, Rizia e Grazi, pela ajuda e paciência. E a todos que, direta ou indiretamente contribuíram para a efetivação deste trabalho e fizeram e fazem parte da minha vida.
  • 7. 6 “Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum modo escrito em mim”. Clarice Lispector
  • 8. 7 RESUMO O presente estudo é fruto da linha de pesquisa narrativa autobiográfica e tem como principal objetivo, tomando como pressuposto a minha história de vida, trazer ao lume a importância da abordagem autobiográfica como veículo educativo. Na produção deste trabalho, utilizamos a abordagem biográfica, através da narrativa autobiográfica buscamos subsidio em algumas fontes escritas de vários estudiosos, que nos deram sustentação dentre eles Josso (2004), Áries (1981), Sousa (2006), Passegi (2008), Freire (1983) e outros mais que, discutem a relevância da pesquisa de si mesmo na formação pessoal e profissional como fonte de reflexão e avaliação de modo a propiciar novas posturas e ações. E como fonte oral me ancorei na minha própria narração. Palavras - chave: Memória Autobiográfica - Infância - História de vida e formação
  • 9. 8 LISTA DE FIGURAS FIGURA 01: Eliete Fagundes de Jesus FIGURA 02: Mapa do Distrito de Tijuaçu FIGURA 03: Vista da Praça Principal de Tijuaçu
  • 10. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................11 CAPÍTULO I...............................................................................................................12 1. Memória autobiográfica: uma arte de tessituras de si..................................12 2. A infância e suas várias concepções de século a século.............................15 3. História de vida e formação: um ato de formar e de formar-se na e para vida..........................................................................................................................18 CAPÍTULO II..............................................................................................................21 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..............................................................21 2.1 Abordagem biográfica.......................................................................................21 2.2 Instrumentos utilizados no estudo...................................................................21 2.2.1 A Narrativa.........................................................................................................21 2.2.2 As fontes............................................................................................................22 2.2.3 Fontes orais.......................................................................................................22 2.2.4 Identificação da entrevistada.............................................................................22 2.2.5 Fontes escritas..................................................................................................23 2.3 O Local do estudo ou de onde estou falando: o meu lugar de nascimento moradia......................................................................................................................24 CAPÍTULO III.............................................................................................................28 3. CONTANDO A MINHA HISTÓRIA.........................................................................28 3.1 A INFÂNCIA: a descoberta do mundo e das pessoas, o primeiro contato com a escola e com novas amizades.....................................................................28 3.1.1 Uma infância entre doenças e trabalho.............................................................28 3.1.2 Três bolachões e alguns restos de brinquedos venciam a tristeza do não ter, e ocupavam o seu lugar............................................................................................28
  • 11. 10 3.1.3 Uma chuva forte: a casa caiu............................................................................29 3.1.4 Uma estratégia para conseguir ajudar em casa, trabalhar estudar...................30 3.1.5 Ir à escola... ou aquilo que não tive quero dar a vocês.....................................30 3.1.6 Primeiras experiências escolares... classe multiseriada,motivo pelo qual aprendi a ler muito cedo...........................................................................................31 3.1.7 Os professores leigos e dedicados...................................................................32 3.1.8 Nem bem professora e já fora despedida.........................................................33 3.1.9 Em meio às dificuldades uma profecia.............................................................33 3.1.10 Estratégia de convivência: um aluno passivo para uma professora “durona”......................................................................................................................35 3.1.11 Chega o tão sonhado ginásio..........................................................................36 3.2 A adolescência: a organização do meu universo, o surgimento das primeiras paixões.....................................................................................................37 3.2.1 Escola e trabalho infantil: uma experiência de aprendizagens e discriminação..............................................................................................................38 3.2.2 Magistério... Mais barreiras... trabalhei como empregada doméstica...............39 3.3 A fase adulta: as minhas primeiras experiências profissionais e o sonho de ser mãe e professora ..............................................................................................41 3.3.1 A universidade: passei a viver outra realidade, outras portas se abriram.........42 3.3.2 Curso de pedagogia..........................................................................................43 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................46 REFERENCIAS..........................................................................................................48 ANEXOS....................................................................................................................52
  • 12. 11 INTRODUÇÃO Depois de “subir e descer” sobre qual seria o tema da minha monografia, a cada encontro com minha orientadora uma proposta diferente e nada (rs), foi então que numa conversa meu desejo íntimo e a minha vontade de relatar um pouco da minha trajetória familiar e escolar falaram mais alto e decidimos então que eu faria uma narrativa (auto) biográfica. Por meio deste trabalho quero mostrar que uma infância pobre e sem perspectiva, não é obstáculo para ninguém cruzar os braços e se conformar com o “destino” “o eu não posso” ou “eu não consigo”, “meu pai ou minha mãe não me dão nada” e o “ ninguém me dá uma oportunidade”. Esse relato se mostra relevante uma vez que aqui se registram experiências vivenciadas que ao invés de fazer-me desistir, me estimularam a fazer diferente, a ultrapassar barreiras incontáveis, mas que não foram suficientemente fortes para me fazer desistir, pois levei em conta, o desejo de mudança de não aceitar o curso “natural” das coisas. Essa premissa me faz perguntar: Como é que filho de pais semi-analfabetos pobres e negros pode progredir na vida? Sendo assim, tomo como objetivo, escrever uma memória (auto) biográfica para refletir sobre a minha trajetória de vida e formação.
  • 13. 12 CAPÍTULO I “Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum modo escrito em mim”. Clarice Lispector 1. MEMÓRIA AUTOBIOGRÁFICA: UMA ARTE DE TESSITURAS DE SI Construir uma narrativa autobiográfica é trazer a público experiências vivenciadas cotidianamente, para tanto é preciso que seja feita uma introspecção das lembranças, dos acontecimentos, recordar a própria história, desde o momento do nascimento, o primeiro choro, as visitas, as alegrias os problemas, o convívio social, as tradições culturais, as primeiras experiências escolares, a primeira professora; é querer falar dos fatos como estes realmente aconteceram; embora a memória humana, com alguns limites impostos pelas questões biológicas, neurológicas e pelas vivências construídas diariamente, além dos limites temporais, não proporcione uma lembrança completamente nítida e pura. O que realmente fica armazenado passa por uma seleção subjetiva em que a visão de mundo do indivíduo juntamente com as construções da memória coletiva desses registra o que aconteceu de mais marcante na vida do indivíduo. Para Passegi (2008), autobiografar é aparar a si mesmo com suas próprias mãos, entretanto essa trajetória de contar de si trará a luz muitos fatos importantes do caminho, alguns bons que com certeza dão prazer ao recordar e outros que provocam lembranças não tão agradáveis, mas que fazem parte da trajetória de vida e que provocam pontos para refletir, sobre como são construídas as histórias de vida. Vive-se no presente, mas por força da lembrança e da imaginação a memória recorre ao passado para um repensar, ou, melhor dizendo, um balanceamento sobre a formação obtida e o que não se obteve ainda e assim chegar à compreensão de que a busca de si requer um parar para pensar e como bem nos diz Larrosa (2002) também olhar, sentir e perceber através da ativação da memória o que foi feito e o que falta fazer para alcançar uma cota maior de
  • 14. 13 perfeição; e é este ato de lembrar que a memória produz. Souza (2006) considera como um processo de recuperação do eu, que envolve a própria memória, o tempo e o esquecimento a partir do que cada um viveu e vive, sua maneira de fazer as escolhas, de situar suas pertenças, interesses e aspirações, de contemplar suas subjetividades, suas recordações, referencias acontecimentos simbólicos na vida (p.22). A esse respeito Freire (1983) afirma que: (...) o homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser em busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. (...) (p.27) Reforçando estas idéias vale acrescentar que, para recordar as histórias de vida é necessário manter pelo menos alguns elementos essenciais guardados na memória: os fatos, as pessoas e as coisas que fizeram parte desse acontecimento, elementos esses, que a partir do grau de sensibilidade do indivíduo se torna possível ou não, o resgate da lembrança; o que se confirma na palavra de Garcia (2003): O processo de tessitura das lembranças é tramado pela utilização da sensibilidade da memória, através da linguagem e dos sentidos, que cada sujeito atribui aos fatos e acontecimentos vividos em sua trajetória pessoal- social, o que torna a experiência comunicável. (p.103) Observamos que no convívio social o ser humano vivência experiências consideradas imprescindíveis para o seu desenvolvimento, entretanto mesmo dentro do coletivo cada ser tem em si especificidades que permite uma interação com o outro e consigo mesmo, porém dar vida a essas experiências é narrar a vida, é reinventá-la. É produzir novos sentidos, é atualizar, em novo contexto, as marcas inscritas em nosso corpo, em nossa história. (GARCIA, 2003, p.112). Compreendemos que para se tornar possível esse reencontro com a história, precisamos nos debruçar sobre o passado na sua totalidade analisando aspectos que julgamos importantes para serem contados. Em Souza (2006...) apud Sachacter, “A experiência subjetiva da memória é o que nos permite interligar as nossas lembranças umas as outras e avaliar o seu significado na nossa vida.”
  • 15. 14 Portanto, ao fazermos uma narrativa (auto) biográfica temos a oportunidade de lembrar e recontar as experiências vivenciadas, lembranças essas de grande significado, que nascem com a própria história de vida. Buscando um encontro em que se descortinam as sutilezas que mobilizaram diferentes campos na construção da identidade e em vários momentos atribuindo significados às reminiscências da minha trajetória de vida, ou seja, um reencontro comigo mesma. Como nos diz Souza (2006): A arte de evocar, narrar e de atribuir sentido às experiências como uma estranheza de si permite ao sujeito interpretar suas recordações em duas dimensões. Primeiro, como uma etapa vinculada à formação a partir da singularidade de cada história de vida e, segundo, como um processo de conhecimento sobre si que a narrativa favorece. O processo de formação e de conhecimento possibilita ao sujeito questionar-se sobre os saberes de si a partir do saber-ser – mergulho interior e o conhecimento de si – e o saber- fazer-pensar sobre o que a vida lhe ensinou. (p. 62) Através da narrativa, os sujeitos conseguem expor seus anseios, revelando assim o sentido da vida isso é possível porque temos guardado na memória, fatos, pessoas, recordações até então privadas que por decisão própria tornam-se públicas ao ser desveladas potencialidades, atitudes e valores que orientavam escolhas, nos diversos campos da vida humana como pessoal, educacional, profissional, emocional e espiritual assim como bem nos explica Souza (2006): A escrita da narrativa, como uma atividade metarreflexivo, mobiliza no sujeito uma tomada de consciência, por emergir do conhecimento de si e das dimensões intuitivas, pessoais, sociais, e políticas impostas pelo mergulho interior, remetendo-o a constantes desafios em relação às suas experiências e às posições tomadas. Diversos questionamentos surgem na tensão dialética entre o pensamento, a memória e a escrita, os quais estão relacionados à arte de evocar, ao sentido estabelecido e à investigação sobre si mesmo, construídos pelo sujeito, para ampliar o seu processo de conhecimento e de formação a partir das experiências. (p. 101) Quando refazemos o percurso trilhado nos espaços vivenciados é possível compreender o contexto e os sentidos desse caminho, entretanto é importante lembrar que essa vivência não se deu de forma solitária e individual. Tudo aconteceu e acontece em um ou vários contextos sociais. Nesse enfoque, Souza (2006) apud Halbwachs (1990) comenta que a memória se estrutura em identidades de grupo: recordamos a nossa infância como membros da família, o nosso bairro como membros da comunidade local, a nossa vida profissional em função da comunidade
  • 16. 15 da fábrica ou do escritório. Mesmo assim com todo esse convívio social o contexto das narrativas autobiográficas é perpassado por singularidade, são muitos os significados encontrados no processo de busca de si. Nessa perspectiva Josso (2004) ressalta que: (...) a busca de si é inseparável de uma relação com outrem, mesmo quando, durante um tempo, se privilegia uma exploração de si, em relação a si mesmo, a partir de autopercepções e de auto-observações, sustentadas ou não, por um quadro terapêutico ou de desenvolvimento pessoal. Essa perspectiva de pesquisa é um processo de redescoberta, é uma espécie de desmascaramento das facetas que constituem o percurso daquele que conta sua história. Ou melhor, a pessoa pesquisa e é ao mesmo tempo pesquisada, possibilitando uma análise mais precisa do objeto pesquisado. Como ressalta Pérez (2003, p. 100) narrativa nos permite conhecer e analisar (...) “histórias que não nos falam de fatos, mas de acontecimentos, que não se constituem em documentos, mas em signos, que não nos apresentam argumentos, mas sentidos.” Portanto, é através da memória autobiográfica que nos lembramos do nosso próprio passado, temos a capacidade de relembrar eventos pessoais que foram retidos, recuperados para assim poderem ser relatados. Nesse sentido Souza (2006, p. 103) diz o seguinte: “O sentido da recordação é pertinente e particular ao sujeito, o qual implica-se com o significado atribuído às experiências e ao conhecimento de si, narrando aprendizagens experienciais e formativas daquilo que ficou na sua memória.” 2. A infância e suas várias concepções de século a século Recorrendo a definição da palavra infância, buscamos no dicionário da língua portuguesa, subsídios para tal. Em Gama (2001), encontramos que a infância é a idade da meninice, período do crescimento que precede a puberdade, e para infantil a definição de relativo à criança, ingênuo, inocente. Atrelado a isso, encontramos que a palavra infância é originária do latim, significando, portanto, a
  • 17. 16 incapacidade de falar, carregando consigo o estigma de incompletude, como nos fala Lajolo (2001): Enquanto objeto de estudo, a infância é sempre um outro em relação àquele que a nomeia. A palavra ‘‘infante’’, infância e os demais cognatos, em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, recobrem um campo semântico estritamente ligado a idéia de ausência da fala, essa noção de infância como qualidade ou estudo do ‘’infant, isto é, ‘’d’quele que não fala’’, constrói-se a partir de pré-fixos e radicais lingüísticos que compõem a palavra: in r prefixo que indica negação; fanti = particípio presente do verbo latino fari, que significa falar, dizer. (p. 229) Partindo de tais definições, percebemos que os conceitos de infância bem como de infantil estão associados à idéia de ingenuidade, pureza e inocência. Na busca de uma conceituação sobre a criança/infância ao longo da historiografia humana, tomamos de Carvalho, (2003), uma afirmativa ’’ A infância existe desde os primeiros tempos da humanidade, mas a sua percepção dotada de representações só é sentida a partir do século XVI e XVII’’ (p.47). O que significa dizer que a infância somente começa a ser percebida com a chegada do Iluminismo. A aparição da infância ocorre em torno do século XIII e XIX, mas o sinal de sua evolução torna-se clara e evidente no continente europeu nos séculos XVI e XVII, no momento em que a estrutura social vigente provocou uma alteração nos sentimentos e nas relações frente à criança. Percebemos diante disso que a criança neste período não tinha lugar de destaque na sociedade nem na família, suas particularidades não eram levadas em consideração, e o que realmente as diferenciavam dos adultos era apenas a força física, e assim que adquiriam certa independência, por mínima que fosse, era conduzida aos costumes e práticas do mundo adulto. A infância nesta época tinha uma duração mínima, que se restringia a fragilidade física, mas ao conseguir alguma independência, a criança era conduzida ao convívio adulto, fazendo parte do seu mundo, mas é fácil concluir que não estava preparada para tanto. Segundo Áries, (1956) a passagem que elucida este
  • 18. 17 entendimento: ‘’de criancinha pequena ela se transforma imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez fossem praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das sociedades evoluídas de hoje. ’’(p.9-10). Sendo assim, não havia separação entre as funções exercidas pelos adultos e crianças. No contexto das grandes navegações, por exemplo, para conquistar novas terras, as crianças eram obrigadas a trabalhar e a se comportar como adultos, como nos aponta RAMOS (2001): Em uma época em que meninas de 15 anos eram consideradas aptas para casar, e meninos de 09 anos plenamente capacitados para o trabalho pesado, o cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas eram extremamente penosa para os pequeninos. Os meninos não eram ainda homens, mas eram tratados como se fossem, e ao mesmo tempo eram considerados como pouco mais que animas cuja mão-de-obra deveria ser explorada enquanto durasse sua vida útil. As meninas de 12 a 16 anos não eram ainda mulheres, mas em idade consideradas casadoura pela Igreja Católica, eram caçadas e cobiçadas como se o fossem. Em meio ao mundo adulto, o universo infantil não tinha espaço: as crianças eram obrigadas a se adaptar ou perecer. (p. 48) O conceito de infância é muito dinâmico, e ao longo do tempo vem se modificando. A partir do século XVII, a criança passa a ter certo espaço na sociedade, sendo que antes disso era enxergada como uma miniatura de adulto. Nesse período, descobertas científicas fazem com que a criança pouco a pouco seja concebida como um sujeito frágil, indefeso que requer uma atenção maior. Eis que surge neste contexto a escola, como entidade que ajudará nesta formação, como nos explicitam Fontana; Cruz, (1986), “À escola coadjuvante desta formação cabia a responsabilidade pelo desenvolvimento de habilidades de leitura e aritmética, além de reforçar os ensinamentos religiosos e morais transmitidos pelos pais’’. Sobre este momento do advento da escola atrelada ao novo sentimento do adulto para com as crianças, que implicará em um cuidado maior, Áries, (1981) emite o seguinte pensamento:
  • 19. 18 A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida á distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estende até nossos dias e ao qual se dá o nome de escolarização. (p.11) Áries (1981) vem fortalecer as discussões acerca das transformações pelas quais passam a visão da infância neste período histórico. A infância é baseada num intenso sentimento de afeto e aceitação. Passa a ser valorizada e “paparicada’’ desde o nascimento e passa a ser observada, despertando o interesse de educadores e moralistas. Nasce aí outro sentimento de infância assinalado pelo interesse psicológico do mundo infantil e pela preocupação com o desenvolvimento moral da criança: O primeiro sentimento de infância - caracterizado pela paparicação surgiu no seio familiar na companhia das criancinhas pequenas. O segundo, ao contrário, proveio de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI e de um maior número de moralistas do século XVII preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes. Esses moralistas haviam se tornado sensíveis ao fenômeno outrora negligenciado da infância, mas recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas frágeis criaturas de Deus que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Esse sentimento, por sua vez, passou para a vida familiar. (p. 163-164) Segundo nos relata Áries (1981), a partir do século XVIII a criança torna-se especial no seio da família e a ela é dispensada uma atenção especial, despertando assim um sentimento mais fraterno por parte dos pais. 3. História de vida e formação: um ato de formar e de formar-se na e para a vida “Contar é tão dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. “Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balance, de se remexerem dos lugares.” (Guimarães Rosa)) Estudar história, sempre me causou expectativa, rever todas aquelas datas, e acontecimentos, história essa contada por alguém que não se sabe ao certo se é
  • 20. 19 verídica ou não, agora me vejo aqui tentando contar a minha própria história, e refletir sobre as experiências vividas, o que será que vão dizer da minha história de vida?Até porque vou contar algo que ninguém contou. Narrar a vida, escrever sua autobiografia é, do ponto de vista da formação, um exercício de autotransformação (Garcia, 2003. p.103) A esse respeito Moita (1992) afirma o seguinte: Só uma história de vida permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo ela própria, se transforma. Só uma história de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com o seu contexto. Numa história de vida podem identificar-se as continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as “transferências” de preocupações e de interesses, os quadros de referência presentes nos vários espaços quotidianos. (p. 117) A vontade de analisar a minha história de vida e formação é que me colocou aqui. Sei que muitas foram as influências existentes, as experiências vivenciadas, os questionamentos, as angústias, as frustrações, mas também as vitórias. Esse recontar me remete a percorrer caminhos outrora já percorridos. Como coloca Souza (2006. p. 150) “a narrativa autobiográfica contem a totalidade de uma experiência de vida”. Assim por meio da história de vida podemos fazer uma reflexão mais precisa da experiência da nossa formação, isto porque esta também faz parte da nossa trajetória. As experiências, de que falam as recordações-referências constitutivas das narrativas de formação, contam não o que a vida lhes ensinou, mas o que se aprendeu experiencialmente nas circunstâncias da vida. (Josso, 2004. p. 43). Podemos dizer que essa experiência além de ser importante para o acúmulo de informações, ela também constitui, transforma se em subjetividade Escrever sobre o processo de sua formação parece aos olhos de quem jamais o fez, uma tarefa fácil. Mas fixar na escrita o que se tenta pegar no ar, o que foge e escapa a cada tentativa é um trabalho ao mesmo tempo laborioso, sedutor e consideravelmente formador. (Passegi,2008 p.36)
  • 21. 20 Principalmente porque colocando o sujeito em contato com suas experiências construídas ao longo da vida através de registros oral ou escrito de suas vivências no cotidiano pessoal e ou profissional o mesmo se tornará possibilitado, enquanto autor e ator de sua própria história, a eleger aprendizagens significadoras e significá-las, como bem afirma Josso (2002) a favor do seu processo de formação na e para a vida.
  • 22. 21 CAPÍTULO II 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1 Abordagem Biográfica Quando me reportei ao caminho da história de vida, optei por falar sobre o processo de vida e formação. Então decidi em consenso com minha orientadora, voltar o olhar para mim mesma enquanto pessoa, visto que estou no caminho da formação. Acredito ser de extrema relevância desenvolver o estudo com base nos pressupostos que permeiam a história de vida e formação, partindo da perspectiva (auto) biográfica. Sendo assim, me declaro como sujeito desse estudo, tendo como objeto a minha história de vida e formação, assumindo a condição de pessoa que investiga e que é investigada, infere e busca respostas por intermédio do caminho científico, vislumbrando o epicentro do problema que permeia a investigação rigorosa exigida no entorno acadêmico. Como afirma Souza (2006, p. 4) “(...) o sujeito toma consciência de si e de suas aprendizagens experienciais quando vive, simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria história.” 2.2 Instrumentos utilizados no estudo 2.2.1 A Narrativa Para o desenvolvimento do presente trabalho utilizamos à narrativa. A narrativa foi dividida em três partes: infância, adolescência, fase adulta e atual, cada fase foi subdividida em vivencias pessoais, sociais e profissionais. 1. A infância, o período que proporciona à criança a descoberta do mundo e das pessoas, o primeiro contato com a escola e com novas amizades. 2. A adolescência, uma transição entre a infância e início da fase adulta, período de insegurança em que o indivíduo começa a organizar o seu universo, o
  • 23. 22 surgimento das primeiras paixões e a necessidade de independência se acentua, as escolhas, o avanço nos estudos e o sonho da formatura. 3. A fase adulta, o indivíduo demonstra maior estabilidade, onde surgem as primeiras experiências profissionais, e foi nesse período que tive a minha primeira experiência como professora, onde também passei no vestibular, realizei o meu maior sonho que foi o de ser mãe. 2.2.2 As fontes 2.2.3 Fontes orais: Figura 01: Eliete Fagundes de Jesus (1983): Acervo de Eliete 2.2.4 Identificação da entrevistada Sou Eliete Fagundes de Jesus, negra, tenho 27 anos de idade nasci no dia 14 de setembro de 1983, na cidade de Senhor do Bonfim, Bahia. Sou a quarta em uma família de seis irmãos, sou filha de Dejanira Fagundes de Jesus e de Evanio de Jesus, sou casada, tenho um filho do sexo masculino, sou adventista do sétimo dia,
  • 24. 23 estou concluindo o terceiro grau (curso de pedagogia), sou professora e auxiliar de serviços gerais. 2.2.5 Fontes escritas: Para fundamentar este trabalho buscamos alguns autores que nos deram sustentação na construção dos conceitos chave: ÁRIES, (1981). No livro “Historia Social da infância e da família” Philippe Áries pontua os diversos conceitos de infância em relação à criança ao longo dos tempos, de geração a geração. Até o final da Idade Média, a criança era vista como um pequeno adulto; somente na transição dos séculos XVII para o XVIII, um novo conceito se estabeleceu e a criança passou a ser considerada como um ser ingênuo e frágil, portanto, merecedora de cuidados e mimos. Na modernidade, a educação proporcionou à criança o desfrute do seu real espaço na sociedade através do direito de ter infância. FREIRE, (1983). Em “Educação e Mudança” temos a oportunidade de uma leitura interessante que nos leva a compreender a nossa incompletude; daí a necessidade de educarmo-nos para alcançarmos a perfeição. Este livro fala-nos sobre a importância da esperança na educação, pois através dela haverá mudanças. O autor faz referência à responsabilidade do profissional de educação perante a sociedade, no desenvolvimento de atividades e compromissos em colaborar com um processo de transformação. Assinala também que a educação tem como elemento fundamental, como seu sujeito, o homem que busca, por meio dela, a superação de suas imperfeições. JOSSO, (2004). A partir da leitura do livro “Experiências de Vida e Formação” de Marie-Christine Josso obtive contribuições teóricas, como também, reflexões importantes à elaboração deste trabalho monográfico. Josso apresenta neste livro a possibilidade do uso da metodologia das
  • 25. 24 histórias de vida ao tempo em que nos dá um excelente retrato das razões e usos das abordagens autobiográficas que permitem a cada um de nós “caminhar para si” reavaliando os conhecimentos adquiridos ao longo da vida e socializando-se com o desconhecido na busca de novos saberes. SOUZA, (2008) Em “Histórias de vida, escrita de si e abordagem experiencial” Elizeu Clementino de Souza evidencia as historias de vida como processo de conhecimento e de formação, considerando a abordagem biográfica pertinente quando vista como um meio de investigação e um instrumento pedagógico. Figura 02: mapa do Distrito de Tijuaçu 2.3 O Local do estudo ou de onde estou falando: o meu lugar de nascimento e moradia Tijuaçu é um distrito pertencente ao município de Senhor do Bonfim, que fica localizado no Piemonte Norte do Itapicuru, Noroeste do Estado da Bahia, situado ás
  • 26. 25 margens da BR 407, com uma população estimada em 6.000 habitantes. A sua história teve início com a chegada de três mulheres negras que vieram fugidas de senzalas perto de Salvador, duas destas mulheres não temos notícias, apenas uma delas Maria Rodrigues mais conhecida por Mariinha Rodrigues depositou aqui suas esperanças à beira de um lago embaixo de uma montanha onde iniciou toda nossa história. ... Há cerca de 200 anos atrás três mulheres negras, escravas, fugitivas de uma senzala do litoral baiano, depois de uma longa e muito desgastante caminhada chegaram à beira de um pequeno lago, onde pararam para descansar. (...) Diante dos seus olhos tiveram a preciosa água e uma terra fértil para plantar. Ao redor havia um mato cheio de plantas e animais. Entretanto, as duas das três mulheres sumiram no esquecimento do tempo e só uma, Maria Rodrigues, popularmente chamada Mariinha Rodrigues, tornou-se uma parte da memória do povo de Tijuaçu, a grande mãe de muitos deles... MACHADO (2005) p.(21) Miranda (2009) acrescenta que: “... A localidade de Tijuaçu teve início quando três escravas que estavam fugindo do cativeiro passaram a viver em Tijuaçu. Apenas uma permaneceu, que foi Maria Rodrigues. A partir daí, toda história relatada pelos depoentes tem como protagonista essa ex-escarvizada, que constituiu família, criando laços de parentesco e solidariedade no referido território. ( p. 34) Mariinha Rodrigues segundo relatos dos mais velhos era uma mulher forte e inteligente, e para assegurar a posse de suas terras estrategicamente, colocou um dos seus filhos para morar nas localidades ao redor de Tijuaçu, visando assim ao domínio das terras. “Mariinha Rodrigues “uma negra fugida”, a desbravadora do território, que residia no Alto Bonito e que, estrategicamente, povoou as terras de Tijuaçu, pondo em cada localidade um filho, com o objetivo de tomar posse dessas terras, pelo uso de ocupação.” Miranda (2009) p.(33) Por ter sido fundada por negros, a população de Tijuaçu é composta em sua maioria por negros, pessoas que durante muito tempo vêm lutando pelo resgate de sua história e pelo reconhecimento como comunidade quilombola, o que veio acontecer em 2000, reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares como comunidade remanescente de quilombo. Como nos afirma Machado (2005):
  • 27. 26 ...Só no ano de 2000 um outro antropólogo, Osvaldo Martins de Oliveira, junto com algumas pessoas das comunidades e com ajuda de agentes comunitários, visitou todas as comunidades, fez entrevistas com a população, elaborou o laudo e no dia 08 de fevereiro de 2000 viajou para Vitória/ES . Já no dia 20 de fevereiro enviou o laudo e no dia 28 de fevereiro de 2000 no Diário Oficial da União o Governo Federal reconheceu Tijuaçu como uma terra remanescente de quilombola. (p. 29-30) E Miranda complementa: “... Em 18 de fevereiro de 2000, o antropólogo da Fundação Cultural Palmares, Osvaldo Martins de Oliveira, concluiu o Relatório de Identificação da Comunidade Negra de Tijuaçu, sendo Tijuaçu reconhecido como território remanescente de quilombo, através de Ato publicado no Diário Oficial da União de 28 de fevereiro de 2000.” p. (62) Após o reconhecimento, a realidade de nossa comunidade mudou: podemos andar de cabeça erguida e temos orgulho de ser negros. Além do mais, somos o terceiro maior distrito de Senhor do Bonfim, temos uma população composta por mais ou menos 6.000 habitantes e aproximadamente 1.300 famílias. A economia é basicamente proveniente da agricultura, aposentados funcionários públicos e vendedores informais que, entre outras coisas, comercializam o tradicional acarajé e o milho assado. Figura 03: Vista da Praça principal de Tijuaçu: Acervo Eliete O padroeiro de Tijuaçu é São Benedito, um santo negro que é festejado na comunidade no dia primeiro de novembro com festejos religiosos em que temos
  • 28. 27 novenas missas e batizados, e algumas manifestações culturais como o tradicional e animado samba de lata, dança do parentesco, dança do corta cana e dança - afro. A festa profana conta com apresentação de bandas musicais, desfiles de blocos e as apresentações culturais da comunidade. Tijuaçu conta com duas escolas públicas municipais de médio porte, um anexo de uma escola estadual, um mini-hospital (PSF), posto policial, um, Centro de Referência de Assistência Social – (CRAS QUILOMBOLA), uma igreja católica, três igrejas evangélicas, um centro cultural, casas comerciais, dois cemitérios, bares, lanchonetes, um restaurante e três associações: Associação de Moradores, Associação de Desenvolvimento Comunitário de Tijuaçu e Associação Agro-Pastoril Quilombola de Tijuaçu e Adjacências, esta última após ter sido fundada deu um novo rumo a nossa comunidade, trazendo muitos benefícios. “A Associação Quilombola tem conquistado espaço enquanto órgão representativo, procurando atender às reinvidicações da comunidade e defendendo os direitos desses remanescentes” (Miranda, 2009, p.59).
  • 29. 28 CAPÍTULO III 3. CONTANDO A MINHA HISTÓRIA 3.1 A INFÂNCIA: a descoberta do mundo e das pessoas, o primeiro contato com a escola e com novas amizades. 3.1.1 Uma infância entre doenças e trabalho Sou Eliete Fagundes de Jesus, filha de Dejanira Fagundes de Jesus e de Evanio de Jesus. Nasci em uma família pobre, no dia 14 de setembro de 1983, tenho muito que aprender. Sou a 4ª filha de uma família de seis irmãos (uma veio de uma relação extraconjugal de meu pai), mas que mora com a gente. Quando nasci era muito doente, mainha conta que só vivia no médico ou nos rezadores locais. Certa vez, diz ela que eu estava mal e então ela me levou para Senhor do Bonfim para um médico me consultar, ele ficou com tanta pena de mim, que pediu a ela que me entregasse para ele cuidar de mim e me criar, achando que eu não sobreviveria, mas, ela disse que não, ficaria comigo mesmo correndo esse risco e ele se dispôs a cuidar mesmo assim. Ela sempre me levava para ele me examinar foi então que ela lhe pediu para ser meu padrinho de batismo, graças a Deus fiquei curada. A Minha Infância não foi fácil, minha mãe ia trabalhar na roça ou vender milho em Senhor do Bonfim, nós ficávamos em casa, meus irmãos mais velhos tomavam conta da gente. Mainha saía de madrugada e chegava à noite motivo pelo qual por muito tempo chamei minha irmã mais velha de mãe. 3.1.2 Três bolachões e alguns restos de brinquedos venciam a tristeza do não ter, e ocupavam o seu lugar...
  • 30. 29 Em casa, cada um tinha sua tarefa, as meninas cuidavam da pequena casa com dois quartos sala e cozinha e meu irmão fazia e dividia a comida, minha outra irmã cuidava dos menores, quando mainha saía deixava o dinheiro para comprarmos bolachão em seu Zé do bar (in memorian), como era conhecido o velhinho da venda. Meus irmãos compravam três unidades de bolachões, que eram divididos da seguinte maneira: meu irmão mais velho comia um e os outros dois eram repartidos por nós quatro. Meio dia, se tivesse feijão, arroz, farinha e a mistura quando tinha, mainha dizia para os três maiores comerem só com a farinha, e eu e minha irmã mais nova comíamos com arroz. Não tinha brinquedo para brincarmos aí catávamos alguma coisa que encontrávamos no lixo que alguém jogava fora, para brincarmos, à noite brincávamos de bicho (pega-pega), tarefa, sete pedra, cuscuz, macaco ( amarelinha), salada mista etc. 3.1.3 Uma chuva forte: a casa caiu... Eu era muito pequena, mas consigo lembrar de uma chuva que deu aqui na região em que encheu muitos tanques e o açude onde pegávamos água e lavávamos roupas. Uma senhora chamada dona Raimunda morreu na hora da chuva, pois como foi muito forte, na época disseram que ela morreu com medo dos trovões. A nossa casinha de taipa (pau a pique), que ficava vizinho a um córrego enorme que chamávamos de barroca, infelizmente não resistiu à forte chuva e caiu, graças a Deus, não fomos atingidos, mainha saiu desesperada em busca de ajuda e só quando amanheceu o dia foi que nós percebemos que estávamos sem teto e com a ajuda de alguns parentes e amigos conseguimos salvar o pouco que nos restou e nos mudamos temporariamente para uma outra casa. Sem casa e sem dinheiro, o que fazer? Meu irmão tinha uma porca, mainha
  • 31. 30 vendeu-a e conseguiu pagar a alguém para tirar varas no mato, e assim conseguimos reerguer a nossa casa. Todos reclamavam porque morávamos em um local tão perigoso, mas era o único que tínhamos, mainha sempre foi muito batalhadora e com a ajuda de Deus conseguiu juntar o dinheiro necessário para novamente fazer a casa de taipa ( pau a pique), com chão batido. Como estávamos crescendo, a casinha com dois cômodos estava ficando pequena, depois de algum tempo é que ela conseguiu pagar para bater adobes e fazer uma cozinha e um quarto para meu irmão; não tínhamos sanitário, o banheiro era de palha de licurizeiro e só servia para tomar banho, o que era um sufoco. 3.1.4 Uma estratégia para conseguir ajudar em casa, trabalhar e estudar À medida que fomos crescendo íamos ajudando mainha no que podíamos sem que prejudicassem os estudos, o sistema funcionava assim: quem estudasse em um turno, iria no turno oposto para a roça, para Bonfim vender milho ou para a casa de alguém fazer algum trabalho doméstico, a fim de contribuirmos com as despesas da casa; também catávamos ossos, mamona ou alumínio, material que era vendido ao seu Zé do bar, local onde também trabalhávamos. Nossa vida era muito corrida, tínhamos que buscar lenha, água nos tanques, cuidar da casa, cuidar uns dos outros e ainda ajudar mainha. Uma pergunta sempre me vinha a cabeça: onde estaria o nosso pai? Eu tinha pouca lembrança dele, assim como sentia muita vontade de revê-lo. 3.1.5 Ir à escola... Ou aquilo que eu não tive quero dar a vocês... Mainha sempre priorizou o estudo, ela dizia: “aquilo que eu não tive, quero dar a vocês, por isso, estudem”, mas não era fácil manter cinco filhos na escola, numa época em que todos os materiais escolares teriam que ser comprados pelos pais, mesmo assim, ela fazia questão e mesmo comprando o material aos poucos, muitas pessoas diziam: “tira a metade desses meninos da escola pra te ajudar, que
  • 32. 31 tu não agüenta sozinha”, mas graças a Deus ela não dava ouvidos a estas interferências. Quando íamos para escola, lá em casa parecia um campo de concentração, pois todos os meninos da vizinhança vinham para que fossemos juntos, não podíamos perder um só dia, muitas das vezes íamos sem tomar café ou sem almoçar, então, a hora da merenda era uma alegria. Nunca reclamávamos da comida, como muitos dos colegas faziam, pois além de derramar a merenda, ficavam dizendo bobagens às merendeiras. Lembro-me da sopa deliciosa de dona Margarida, do arroz com sardinha, das almôndegas... pois tínhamos que comprar o pão para comer com as almôndegas, mas nem sempre mainha podia deixar o dinheiro para todos, aí comíamos as almôndegas puras mesmo, sem o pão. Uma vez um aluno estava com uma moeda para comprar o pão - é que o rapaz da padaria ia vender na escola coitado do menino, engoliu a moeda. Foi um sufoco, precisou levá-lo para o hospital e, graças a Deus conseguiram tirar. 3.1.6 Primeiras experiências escolares... Classe multisseriada, motivo pelo qual aprendi a ler muito cedo Meus primeiros anos escolares foram em classes multisseriadas, acredito ter sido este o motivo pelo qual aprendi a ler muito cedo, gostava tanto de ler que lia tudo que vinha pela frente, sentia uma enorme sensação de liberdade, mainha dizia: “papagaio quando aprende ler sabe a cartilha toda, mas não sabe o A B C”. No ano de 1991 com sete anos já estava na 1ª série; em Tijuaçu as aulas aconteciam de terça à sexta-feira, porque na segunda-feira era o dia em se realizava a feira livre: Nesse dia, mainha fazia um bico como tratadeira de fato de boi, nós íamos para feira pedir verdura e carne para fazermos a brincadeira do guisado juntamente com os colegas da rua, era uma alegria, era também uma maneira de
  • 33. 32 amenizarmos o sofrimento. 3.1.7 Os professores, leigos e dedicados Apesar de ficarmos sozinhos em casa, ninguém ousava desobedecer a uma ordem dada por mainha, dificilmente perdíamos um dia de aula, só mesmo por alguma necessidade. Os professores na sua maioria eram leigos, mas, muito dedicados. Minha professora da 1ª série chamava-se Tereza, ela era muito paciente, todos gostávamos dela, eu tinha sete anos e como já sabia ler não sentia muita dificuldade de pegar as matérias, no final do ano ela fez um passeio para uma roça, mainha não me deixou ir, fiquei muito triste, mas eu sabia que ela só queria o melhor para mim, pois no local tinha um tanque onde os meninos iam tomar banho, e como eu por duas vezes tinha me afogado em um tanque onde lavávamos roupas, ela ficou receosa em me deixar ir. Os alunos gostaram do passeio e nada de ruim aconteceu. Esta professora hoje é aposentada e continua morando em Tijuaçu, pela qual tenho muito respeito. Nesta época passei por mais um problema de saúde e novamente dependendo de cuidados médicos mainha me levou para o meu padrinho me examinar, ele passou alguns exames e foi detectado que eu estava com uma infecção urinária sofri muito, mas graças a Deus fiquei curada. Com quase oito anos fui batizada, mas, no dia meu padrinho não pode vir, pois estava de plantão e o filho dele me batizou, foi quando ganhei meu primeiro brinquedo era um kit contendo um secador, um espelho, um pente, pó e escova, como ninguém sabia o que era um secador, um dos meninos que estava presente falou que era um revólver de brinquedo. O ano letivo chegou ao final, e fui aprovada para a 2ª série, em 1992 já na 2ª série, a turma continuou praticamente a mesma, fui cada vez mais me aproximando dos amigos, tive ainda a feliz oportunidade de conhecer a professora Zilda a qual carinhosamente chamávamos de Zildinha. Era jovem, paciente, e muito dedicada.
  • 34. 33 Mostrava que gostava de ensinar, íamos para a escola com prazer pois lá tínhamos a certeza que éramos bem vindos; os prédios escolares não tinha muros nem portões, mesmo assim não saía da escola, pois tinha o objetivo de estudar e me formar, não pretendia desistir e temia receber reclamação em casa. 3.1.8 Nem bem professora e já fora despedida... Como já sabia ler, a vizinha me colocava para ensinar as filhas dela. Ela era muito severa com as meninas e não as deixava sair de casa para brincar fora. Um dia eu fui ensinar uma lição que tinha na cartilha e tinha como título a palavra Gilete. Como já entendia a pronúncia das letras comecei ensinando da seguinte maneira: “vamos soletrar, gi-le-te”, a mãe das meninas quando viu aquilo ficou brava, pois achava que eu estava ensinando errado. Ela disse que o certo era “gi-ji-le-te”, no entendimento dela se pronunciava daquela maneira e foi uma confusão: me acusou de não querer ensinar direito a fim de que as filhas dela não aprendessem e me dispensou das aulas. O futuro escolar das meninas não foi muito bom a mais velha desistiu muito cedo de estudar e a mais nova infelizmente faleceu de repente vítima de meningite. Me entristeci muito, pois éramos muito amigas, fiquei abalada, pois não entendia muito destes assuntos de “adulto”, achava que a qualquer momento ela voltaria com aquela alegria de sempre. 3.1.9 Em meio às dificuldades uma profecia Em uma visita à minha madrinha, ela me deu uma blusa que tinha uma linda pintura, ela é artista plástica, nesta pintura tinha escrito o meu nome, e o meu padrinho pediu para eu ler o que estava escrito, e eu li “Eliete”, então ele disse: professora Eliete, será que ele estava profetizando?
  • 35. 34 Sabendo que mainha não poderia comprar outro caderno caso um acabasse eu escrevia as letras bem pequenas e nas entrelinhas para economizar, era tão pequena que só eu mesma conseguia entender, procurava sempre fazer a lição de casa cedo antes de escurecer, pois lá em casa ainda não tinha energia elétrica e estudar com o candeeiro era ruim, além do mais à noite todo mundo saía de casa ou para brincar na rua ou para assistir as novelas na casa de alguém. Na escola, na hora do recreio, gostava muito de brincar com os colegas, mas na sala de aula não dizia uma só palavra era muito tímida. Certa vez, teve uma campanha de vacinação que me marcou muito, fomos eu, minhas irmãs e minhas primas para o posto de saúde em Tijuaçu para nos vacinarmos, chegando lá soubemos que quem se vacinasse ganharia um gibi, só que como eu era pequena tinha apenas 08 anos, a moça achando que eu não sabia ler não me deu a revistinha, e todas as meninas disseram para ela que eu sabia ler, logo ela falou: “então leia para eu ver se você sabe”. Na minha mente de criança eu não me achava na obrigação de provar para ela que eu sabia ler, então, eu não li, além disso, havia a questão da timidez, o que me deixava envergonhada. A moça não me deu a revista e eu voltei para casa triste, minha prima, só porque era maior, ganhou e nem sabia ler ainda e eu não ganhei, e isso ficou na minha mente por muito tempo, porque aquela moça não acreditou na minha palavra? Ela nem trabalhava lá, estava apenas ajudando a mãe dela, daí então tomei um trauma de vacina que só ia ao posto para vacinação quando era obrigada. Ao final do ano letivo a professora fez um amigo secreto, todos estavam ansiosos para ver que presente ganharia, o embrulho da professora era lindo o que causou curiosidade em toda a sala, só que apenas uma pessoa ganharia e esta pessoa fui eu, ganhei uma linda blusa da “família Dinossauros” uma série de TV que estava passando na época, gostei muito da blusa e a usei por muito tempo. Passei para a 3ª série, nas férias aproveitava para ir para a roça onde morava nossa avó. Íamos quase todos os dias era muito divertido, pois lá moravam alguns primos nossos e brincávamos e trabalhávamos bastante também.
  • 36. 35 3.1.10 Estratégia de convivência: um aluno passivo para uma professora “durona” Na 3ª série, com 09 anos, a turma era praticamente a mesma, mas com alguns alunos novos. A professora não era muito aceita pela turma e ela também não fazia questão de ser simpática, sempre muito séria, não puxava assunto que não fosse referente às aulas. Não tenho lembrança de vê-la brincando ou em um momento de descontração com toda a turma, apenas conversava com algumas meninas, pois tinha alguns parentes aqui, mas ela era de Senhor do Bonfim, muitos alunos a temiam, pois não era o primeiro ano que ensinava na comunidade e todo mundo já sabia da fama dela de durona. Teve até uma menina que era muito nervosa e não quis estudar com ela temendo ser reprovada, graças a Deus, não tive nenhum problema, pois sempre ficava quieta no meu canto e fazia as tarefas o que era considerado positivo, o aluno passivo que nunca reclama de nada e fazia tudo sem questionar. A essa altura já sabia resolver alguns cálculos matemáticos, mas não dominava a divisão, neste ano me tornei evangélica o que mudou completamente a minha vida; meu pai resolveu aparecer depois de muito tempo fora. Eu praticamente não me lembrava mais da fisionomia dele, fiquei muito feliz em revê-lo, ele bebia muito o que nos deixava muito tristes, pois nos maltratava com xingamentos e palavrões. Percebi, então, que a alegria se tornou em tristeza, já que o curto período de tempo que passava em casa, a maior parte era bebendo, mainha sempre aguentou tudo calada e nunca falava mal dele para nós. Eu, muito sonhadora, sabia que um dia sairia daquela situação, o que me fazia ver as coisas um pouco mais além do que a minha mente de criança conseguia alcançar, com uma mentalidade um pouco avançada já pensava no futuro. Lá em casa continuava o mesmo sufoco mainha sozinha para manter cinco filhos estudando, em uma manhã antes de irmos para a escola meu irmão procurou a caneta e não encontrou-situação comum para nós - então, ele resolveu parar de estudar para ajudar mais mainha nas despesas. Ela ficou muito triste, pois ele
  • 37. 36 sempre foi muito inteligente, sabia fazer conta como ninguém, cubava terra para pessoas e já estava na 5ª série, mas foi uma decisão que ele tomou e ninguém pode fazer nada. Eu e minhas irmãs continuamos estudando. Brincávamos de escola eu e minhas amigas, em nossa “escolinha” tínhamos de tudo, professora, diretora, merenda, quadro de giz, alunos, boletim escolar etc. eu era a professora e a minha amiga Nadja era a diretora, a “escolinha” funcionava em um depósito do pai dela, era muito divertido, nem todos os dias dava para fazer merenda, pois cada aluno trazia um pouquinho de alguma coisa e nós fazíamos, mas, nem sempre tínhamos. Na escola regular, como a professora era contratada ameaçaram colocá-la para fora. Isso gerou uma confusão entre os alunos, pois todos gostavam dela, então ela nos levou até uma fazenda de um vereador, que fica aqui próximo, para pedirmos a ele que não deixasse tirar a professora, ele prometeu que ela não sairia. Tempos depois ele cumpriu o que prometeu: a professora não saiu e no final do ano ela fez um amigo secreto na sala, como eu não tinha dinheiro, não queria participar da brincadeira, com o incentivo da professora, eu trabalhei em seu Zé, ganhei um real e levei para a escola, entreguei para professora comprar o presente. 3.1.11 Chega o tão sonhado ginásio Quando cheguei a 5ª série no ano de 1995 levei um choque, pois estava acostumada com apenas quatro disciplinas no currículo e agora teria 8 e professor passava de um para vários. Confesso que tive um pouco de dificuldade principalmente com matemática, pois como já disse não sabia resolver cálculos de dividir . Já estudava com minha irmã mais velha, na turma tinha muitos alunos que já eram casados e tinham filhos. Nesta série tive uma experiência que considero uma das mais importantes para a minha vida escolar e pessoal, entre os professores tinha um especial, o professor Marcelo, morava na comunidade de Alto Bonito, era muito respeitado pelos pais, pois tinha um método rígido, o que se constituía no desespero de muitos
  • 38. 37 alunos, minhas irmãs mais velhas já tinham estudado com ele, mas eu era a primeira vez... O professor de geografia sugeriu uma das atividades para casa, pediu que desenhássemos o mapa do Brasil com os estados e as capitais. No dia seguinte entregamos as atividades. Muitos dos meus colegas pagaram para fazer. Eu como não tinha como pagar, fiz e confesso que não ficou muito bom, mas, quando o professor olhou os trabalhos tivemos uma surpresa, ele pegou o meu mapa e perguntou de quem era, como eu era tímida fiquei quieta, aí ele me chamou, e eu tremi toda, foi quando ele disse que aquele era realmente um trabalho, e segurando a minha atividade disse que o importante era o esforço de cada um e não a beleza, e mandou os demais alunos refazerem a atividade. Este momento para mim foi como uma quebra de barreira, pois até então eu era muito calada, dificilmente expressava minha opinião, e quando o professor Marcelo me mostrou que eu era capaz, comecei a mudar, a participar das aulas, não mais temia “errar” pois aprendi que o erro faz parte do processo de aprendizagem 3.2 A ADOLESCÊNCIA: a organização do meu universo, o surgimento das primeiras paixões A adolescência é uma fase meio confusa, via o tempo passar como um foguete e eu sem querer me desgarrar da inocência de criança, mas tendo que me acostumar com as responsabilidades de um “adulto”, tudo foi um pouco estranho no começo, pois gostava muito de brincar apesar de não possuir brinquedos, pensava que dava para parar o tempo e permanecer naquele universo, mágico da infância, onde mesmo com muitas limitações considero ter sido a fase mais importante da minha vida. Naturalmente outros interesses foram surgindo e com eles as primeiras paixões, assim também surge a necessidade de trabalhar; num universo de mudanças, incertezas e inseguranças, felizmente encontrei no seio familiar e social ajuda para conviver com as mudanças, e sempre tendo a escola como prioridade. A adolescência nos faz pensar que não necessitamos de mais ninguém que dá para resolver tudo sozinho, começamos a dar prioridade aos amigos e
  • 39. 38 desconsiderar a opinião familiar, então tive que aprender que mesmo tendo crescido, não era suficientemente independente para fazer da minha vida o que quisesse, necessitava dos outros e principalmente da família para seguir o meu processo de formação física e profissional. 3.2.1 Escola e trabalho infantil: uma experiência de aprendizado e discriminação Nesta época, me apaixonei por um garoto, mas acho que ele nunca descobriu, só quem sabia era eu e uma amiga, nunca namorei com ele, tinha medo de apanhar, o tempo passou assim como a paixão e antes do início do ano letivo fui trabalhar em Senhor do Bonfim, tinha apenas 13 anos, não foi uma experiência muito agradável, pois nem uma cama para dormir foi disponibilizado. Dormia no sofá, até quando a filha da patroa me colocou para dormir no chão em um colchonete bem fino, alegando que o meu peso danificaria o sofá, logo após passei a dormir na casa de outra pessoa, voltando bem cedo para o trabalho. Explorada, tratada como escrava, diante dos maus tratos, quinze dias depois pedi para ir embora, recebi como pagamento, cinco reais, mas estava contente, estava voltando para casa. Este acontecimento reforçou ainda mais o meu desejo de mudar de vida. No ano de 1997, na sétima série, aprendi a resolver cálculos de divisão, em apenas um mês, com o professor Oberdan, que não continuou nos ensinando porque foi selecionado no concurso da polícia. Outro fato de que tenho lembrança, foi uma atividade em que a professora solicitava uma história em quadrinhos, como eu não sabia ainda o que era, fui procurar nos livros, até que uma prima me ofereceu um exemplar, elaborei a atividade, mas para minha surpresa não era daquela maneira, e isso me serviu de lição. Aos evangélicos não era permitido usar calça, o fardamento escolar era composto de blusa e calça, por razões de obediência a Igreja, eu usava a blusa com a saia, o que foi de encontro as orientações da direção da escola, que exigia o uso do uniforme completo, sob pena de não poder frequentar as aulas, fui motivo de
  • 40. 39 chacota dos colegas, fiquei envergonhada e preocupada ao mesmo tempo, pois não queria parar de estudar, precisei quebrar as regras de Igreja, e consegui uma calça usada, pois não podíamos comprar uma nova, essa atitude da escola me fez perceber que muitas das vezes a escola se preocupa com questões burocráticas e não com o desenvolvimento dos alunos. Em 1998, na 8ª série, a turma continuava praticamente a mesma, salvo por alguns alunos que haviam sido reprovados, as amizades já estavam bastante amadurecidas, com as quais continuo me relacionando até hoje. No currículo outras surpresas: começamos a estudar química e física. Me acostumei rápido com as novidades que o currículo apresentava, os novos assuntos de matemática também me atraiam. Mesmo convivendo com as pressões da adolescência tive que fazer escolhas, mesmo sem entender, mesmo assim, acredito ter feito a coisa certa já que as consequências não foram ruins, o que culminou com a escolha profissional num momento em que estava finalizando o ginásio e entrando no ensino médio e alimentava o sonho da formatura. Mesmo precisando trabalhar, continuei os estudos foi um pouco sufocado, mas havia a necessidade de contribuir com a renda familiar era indispensável que me dividisse entre o trabalho e a escola. 3.2.2 Magistério... Mais barreiras trabalhei como empregada doméstica Mesmo com o desejo de ser professora, não escolhi fazer magistério, eu fui escolhida pelo magistério, motivada por boatos de que o curso estava desvalorizado optei por fazer formação geral, e graças a um equívoco da diretora da escola, fui matriculada no magistério, as colegas solicitaram transferência de curso, continuamos estudando juntas. Para mim, não foi fácil cursar o magistério, pois precisava trabalhar, e a única opção era ser empregada doméstica, só que o curso era oferecido no turno vespertino, foi uma luta, mas eu tinha um objetivo, que era o de continuar meus estudos para que no futuro pudesse escolher em quê trabalhar. Como aqui em Tijuaçu só era oferecido o ensino fundamental quem passasse para o ensino médio tinha que ir cursar em Senhor do Bonfim.
  • 41. 40 No ano de 1999, aceitei o desafio de trabalhar e estudar, era muito cansativo então no 1º ano do curso de magistério, não consegui suportar a pressão e desisti de trabalhar, tornando as coisas ainda mais difíceis, pois como compraria as apostilas que os professores passavam, recorrer à família era impossível, eles também não tinham como ajudar. Como estava estudando para ser professora, uma das atividades do curso é o estágio de observação, foi então que retornei a Escola Municipal Antônio José de Souza, a mesma escola em que eu havia estudado até a 5ª série, só tinha uma diferença, antes eu era aluna agora estava buscando a minha formação, foi uma experiência muito prazerosa. Na escola já estávamos sendo preparados para aprender a dar aulas causando nervosismo em muitos colegas, mas não tive problemas quanto a isso, pois o medo de falar na frente das pessoas estava sendo vencido. Com o final do ano letivo veio também a minha aprovação para o 2º ano. Entre o trabalho como doméstica e o estudo cheguei ao estágio, interrompi o trabalho neste período, retomando logo depois. Ainda no estágio presenciei um acidente fatal com um aluno, até hoje não consigo esquecer aquela cena. Em 2001, quando cheguei ao terceiro ano continuei trabalhando e estudando, não era fácil, mas fazia o quanto podia para não ter que desistir de estudar, novamente precisei fazer o estágio para conclusão do curso de magistério, então, saí do trabalho por um tempo retornando depois. Antes de terminar o ano letivo ficamos sabendo no colégio que a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) estava no período de inscrição para o vestibular e que os alunos de escolas públicas tinham o direito a isenção se tivesse média 6,0 em português e matemática, e só ficamos sabendo disso no último dia para inscrição, então, eu e algumas colegas nos dirigimos até a secretaria da escola para pedirmos o documento com as notas, para realizarmos a inscrição no vestibular. Como estávamos concluindo o ensino médio a escola realizou algumas solenidades de formatura, com isso não pude estudar e o vestibular ficou para outra oportunidade. Entre 2002 e 2005, foram muitas as tentativas de concurso, sem resultados
  • 42. 41 positivos, como estava noiva, resolvi-me casar, algumas dificuldades surgiram, até surgir a oportunidade de trabalhar no programa de alfabetização do governo, fomos até a secretaria de Educação do Município, conseguimos a vaga, só que tínhamos que conseguir os alunos e isto nós fizemos. Então me vi divida entre o trabalho doméstico e o de professora, a princípio deu certo, pois eu ensinava só à noite, mas depois não deu e eu optei por ficar trabalhando só com a escola, era um trabalho muito gratificante, e trabalhar com adultos, então, me deu a oportunidade de aprender muitas coisas, inclusive de estudar no cursinho pré vestibular do governo, Universidade Para Todos. 3.3 A FASE ADULTA: as minhas primeiras experiências profissionais e o sonho de ser mãe e professora É o que chamamos de fase adulta, quando determinadas atitudes, já não são mais aceitas. Foi nesse período que tive a minha primeira experiência como professora, quando também passei no vestibular, realizei o meu maior sonho que foi o de ser mãe, mas continuei determinada a conseguir os meus objetivos, e mesmo depois que tive o meu filho, não parei, pelo contrário, continue estudando e tive a felicidade de passar em três concursos públicos, e a correria só aumentou, pois tive e tenho que ser , mãe, esposa, dona de casa, profissional, estudante, ufa! E ainda tenho tempo par ser feliz, é uma fase muito boa em que cada dia mais, aprendo e retiro algumas coisas não mais necessárias e estou perto de conseguir minha segunda formação como professora, hoje já atuando. E estou sempre aberta a novas aprendizagens que com certeza serão muitas nas novas fases que virão, com fé em Deus. Iniciado o processo seletivo da UNEB, fiz a minha inscrição para o curso de pedagogia, fiz as provas do vestibular e fui aprovada depois de algumas tentativas; o resultado foi informado por uma colega, que chegou até a minha casa avisando que tinha visto o meu nome entre os aprovados do vestibular da UNEB. Este foi um momento de grande significado para mim, para minha mãe a notícia foi recebida com naturalidade, afinal ela não entendia o significado deste acontecimento. Na reunião da Associação Quilombola fui parabenizada por todos os companheiros, muitos compartilharam dessa alegria comigo, foi um momento muito importante.
  • 43. 42 Um novo tempo se iniciou, em 2006 fui aprovada em concurso publico da Prefeitura de Senhor do Bonfim, neste mesmo período a associação ganhou algumas máquinas de corte e costura, e abriu um curso para quem quisesse aprender a costurar, eu me matriculei, gostava muito, fiz novas amizades, e algum tempo depois já estava confeccionando bolsas, a experiência foi fantástica, também tivemos a oportunidade de fazer cursos pelo SEBRAE, uma empresa foi criada e começamos a trabalhar fabricando bolsas para comercialização. 3.3.1 A Universidade: passei a viver outra realidade, outras portas se abriram As aulas começaram na faculdade estava um pouco apreensiva e ansiosa, mas logo me entrosei com a turma na qual já haviam pessoas que eu já conhecia, um novo mundo então foi sendo descoberto, os autores estudados a experiência de colegas e o contato com professores passei a viver outra realidade, até então desconhecida. Neste mesmo período saíram os resultados dos concursos para os quais havia me inscrito, O Regime de Direito Administrativo – REDA, do estado, para auxiliar administrativo e da Prefeitura de Filadélfia para professor; mesmo estando nos últimos meses de gestação, Escolhi trabalhar no Colégio Estadual de Senhor do Bonfim, mas com 15 dias que estava trabalhando, mais precisamente no dia 12 de julho de 2007, dei a luz a meu filho Lucas Emanuel. Trabalhar no Colégio Estadual foi muito gratificante, pois conheci pessoas que acreditavam em mim, e torciam para que eu não desistisse dos meus sonhos, sou muito grata a todos que com seu carinho e amizade me ajudaram a crescer. Agora me dividia entre dois trabalhos família e faculdade. Tinha dias que pensava que não ia dar conta. No ano de 2009 ao chegar à Escola José de Anchieta no povoado de Aguadas, tudo era novo para mim, senti um pouco de dificuldades no planejamento das aulas, pois não havia participado do planejamento coletivo, visto que ainda estava em questão com a prefeitura. Mas com o passar do tempo fui pegando o jeito e sempre procurava e procuro desenvolver meu trabalho da melhor forma possível, já é o 3º ano consecutivo que trabalho nesta escola, fortalecendo cada vez mais os laços de amizades, com alunos, e corpo docente e comunidade local.
  • 44. 43 3.3.2 Curso de pedagogia O curso de pedagogia para mim foi e é uma realização, adentrar neste novo mundo me causou muita expectativa, as aulas, os debates, desenvolvimento dos trabalhos, a preparação e apresentação dos seminários, como também me angustiava muito com os trabalhos interdisciplinares, já no primeiro semestre tivemos que fazer um artigo, até então não sabia o que era, dificultando ainda mais o desenvolvimento do trabalho, como éramos todos leigos no assunto escolhemos uma temática não muito boa de desenvolver, mas mesmo assim fizemos e foi muito válida a experiência. A minha turma era muito boa. Fiz muitas amizades afinal éramos 50 pessoas diferentes. Cada um com a sua história, seu jeito, e suas experiências, tive a oportunidade de aprender muito, seja com os professores que sempre estavam dispostos a compartilhar seus conhecimentos e com os colegas, nos debates, nas apresentações, e nos trabalhos em equipe. Algo que sei que não vou me esquecer foram às atividades interdisciplinares, pois além de produzirmos os trabalhos escritos (artigos, projetos e relatórios) tínhamos que participar de um sorteio para ver quem iria apresentar e esta apresentação era para todas as turmas do curso de pedagogia e os demais cursos. Apresentei algumas vezes, mas não tinha problema em falar em público, ser evangélica e participar das atividades da igreja me ajudou a perder a timidez. Mesmo com o sofrimento, sabia que os trabalhos interdisciplinares eram necessários à nossa formação, em um semestre do curso a turma entrou em conflito, pois os sorteios eram feitos na hora da apresentação, então queríamos que este sorteio fosse feito antes, gerando uma enorme confusão, com o colegiado, e com a professora da disciplina. Mas no final tudo se resolveu e os trabalhos foram apresentados. Como sou adventista não frequentava as aulas nem na sexta feira à noite nem no sábado pela manhã, então a cada dois semestres perdia duas disciplinas, mas felizmente o campus começou a disponibilizar turmas à tarde, facilitando assim para mim e outros colegas para assim podermos cursar as disciplinas que
  • 45. 44 estávamos devendo, e no início como trabalhava pela manhã, ficou fácil. Entretanto como meu filho ainda era pequeno, passar o dia fora era complicado, pois estava amamentando então nos dias que necessitava ir para a faculdade, minha irmã trazia o Lucas para que eu pudesse amamentá-lo enquanto estudava, mas depois que comecei a trabalhar o dia todo ficou mais difícil, mas mesmo assim conseguia negociar e continuei cursando as disciplinas, o que me ajudou a não atrasar o curso. No componente curricular: Educação e Cultura Afro-brasileira tive a oportunidade juntamente com o grupo inseparável de apresentar um trabalho sobre Tijuaçu, foi emocionante, contar a história do lugar onde vivo, apresentamos a História, convidamos um membro da Associação Quilombola para dar uma palestra e a presença marcante do samba de lata, meu esposo estava vendendo acarajé no Campus, no final da apresentação servimos acarajé de cortesia, Quando chegou o período de fazer os estágios exigidos pelo curso, me vi novamente em apuros, pois como poderia trabalhar e estagiar ao mesmo tempo? Mas graças a Deus que, as pessoas com quem trabalho são compreensivas, e não me impediram de cumprir os estágios, pelo contrário me deram muita força para não desistir. Desde o 2º semestre começamos a trabalhar com a temática diversidade cultural em sala de aula, e quando os trabalhos passaram a ser desenvolvidos individualmente, continuei com essa temática até o 7º semestre, para o desenvolvimento dos estágios escolhi a mesma Escola que estudei e fiz os estágios do ensino médio, e novamente tenho oportunidade de voltar no tempo e relembrar do meu começo na vida escolar, foi muito gratificante. Trabalhamos nos estágios com: educação infantil, séries iniciais e educação em espaços não-formais. Participei também da elaboração e aplicação de um projeto de ensino e extensão com o tema higiene bucal. Já no 8º semestre, voltamos a trabalhar em grupo, o estágio que realizamos foi em espaços não-formais. Então optamos por trabalhar com ludicidade, escolhemos a turma do programa de erradicação do trabalho infantil (PETI), aqui em Tijuaçu, confeccionamos vários brinquedos com objetos reciclados como também
  • 46. 45 desenvolvemos vários tipos de brincadeiras. Foi muito legal. Como não consegui acompanhar a turma no 9º semestre me matriculei para fazer o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), aí surgiram as dúvidas: que temática vou escolher para o meu TCC? Escolhia uma, não me encantava, outra e mais e mais e nada. Foi então que em uma conversa com a professora Glória comecei a desabafar sobre o meu processo escolar, e a minha vontade de contar as minhas histórias, mas como “achava”, motivada por boatos de que só é válido se alguém já trabalhou com a temática antes, não poderia. Fiquei tentando me encontrar onde não estava, e nesta conversa com a minha orientadora descobri que poderia sim fazer uma narrativa autobiográfica. Isto me deixou empolgada. Agora sim vou fazer o que sempre quis e pensei.
  • 47. 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente me vejo como aluna remanescente de quilombos, no 10º semestre buscando a minha formação como pedagoga, para tanto terminando de construir o meu (TCC), onde narro a minha história de vida e formação, são momentos muito emocionantes parece que estou revivendo minha vida, o choro é inevitável, pois, existiram momentos que não trouxeram boas lembranças, mas, enxugo as lágrimas e continuo com a certeza de que tudo que aconteceu foi válido, por isso estou contando. E sei que muito tenho que aprender, e estou disposta a isso. Escrever sobre a minha trajetória de vida me conduziu a uma descoberta surpreendente: até então nunca tinha parado para refletir sobre a minha pessoa e agora sei que sou uma mulher cheia de coragem e decisão em lutar por tudo que desejo por mais difícil que seja. Se antes eu era autora/atriz das minhas experiências e vivências, hoje sou também expectadora: este trabalho monográfico me coloca nesta posição uma vez que escrevendo e relembrando assisto e revivo as passagens da minha vida como num filme, chorando e sorrindo ao mesmo tempo, pois se muito sofri por causa das dificuldades que enfrentei, agora posso sorrir porque me sinto vitoriosa por ter vencido esta fase tão difícil e triste do meu passado. Lembro-me de alguns dizeres animadores de um autor desconhecido “Todo obstáculo é um caminho e toda pedra nesse caminho, um trampolim”. Acredito que, com o apoio materno, transformei obstáculos em caminhos e saltei pedras como se saltasse de um trampolim para uma vida melhor, não só para mim, mas para todos os meus entes queridos a minha volta e tomo novamente por empréstimo as palavras de um autor desconhecido; ”Quando alguém evolui, evolui tudo o que está a sua volta”. Cabe salientar que, é de suma importância a abordagem autobiográfica no processo de formação de professores, como está sendo para mim futura pedagoga à autocompreensão do que somos e das aprendizagens que adquirimos ao longo da vida e no decorrer da nossa formação docente.
  • 48. 47 Está sendo muito difícil encerrar este trabalho, principalmente porque representa o começo de uma nova trajetória em minha vida: a minha promoção para outros novos conhecimentos num patamar mais alto da formação continuada; sei que para as experiências que estão além dos muros da Universidade me aguardando, tudo o que vivi e aprendi e relatei aqui, me servirá de base para enfrentar e vencer com reflexão, criticidade e sabedoria os revezes da vida; significando uma farta munição para continuar a árdua jornada, buscando o melhor para mim, para os outros e para o mundo. Enfim, antes de acionar a tecla “pause” ainda tomo a liberdade de convidar a todos que analisarem e apreciarem este trabalho para uma breve reflexão sobre a afirmativa de Nietsche (2003) “Ninguém pode construir no teu lugar a ponte que te seria preciso tu mesmo transpor no fluxo da vida – ninguém exceto tu”. Baseada nisso, é que construí com as ferramentas da educação a ponte para atravessar de um lado a outro da minha vida - da ignorância para a sabedoria; da desinformação para a formação e do fracasso para o sucesso.
  • 49. 48 REFERÊNCIAS ÁRIES, (1981) PHILIPPE, Áries. História Social da infância e da família. Tradução Dora Flaksman. Rio de Janeiro, Guanabara, 1981. ALBUQUERQUE JUNIOR, D.M. de. Historia: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru, SP. Edusc, 2007. CARVALHO, Eronilda Maria Góis. Educação Infantil: percurso, dilemas e perspectivas. Ilhéus, BA. 2003. FONTANA, R. e CRUZ, M. N da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo, Atual, 1986. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 7ª ed. São Paulo, Paz e Terra, 1983. GARCIA, Regina leite (org.). Método: pesquisa com o cotidiano – DPEA, 2003. JOSSO, Marie- Christine. Experiências de vida e formação/ Marie- Christine Josso; prefácio Antônio Nóvoa; revisão científica, apresentação e notas à edição brasileira Cecília Warschauer; tradução José Claudino e Júlia Ferreira; adaptação à edição brasileira Maria Vianna. _ São Paulo: Cortez, 2004. ________, Josso, Marie-Christine – Experiência de vida e formação. Lisboa: EDUCA 2002. LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos César. Historia Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, USF; IFAN, 2001 LARROSA, J. Literatura, experiência e formação. In: COSTA, M. V. Caminhos investigativos – novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 133-160. LECHNER, Elza. Narrativas autobiográficas e transformação de Si: devir identitário em ação. 2003. MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Identidade cultural e arqueologia. Valorização do patrimônio arqueológico brasileiro. Bibliografia. In: BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira Temas e Situações. 4ª edição. São Paulo, Editora Ática, 2002. MIRANDA, Carmélia Aparecida Silva. Vestígios recuperados: experiências da comunidade negra rural de Tijuaçu- BA/ Carmélia Aparecida Silva Miranda. - São Paulo: Annablume, 2009.
  • 50. 49 MOITA, Maria da Conceição. Percursos de formação e de trans-formação. In.: NÓVOA, António. Vidas de professores. 2ª ed. Porto Editora, Porto, 1992. NIETZCHE, F. Schopenhauer Educador (Terceira Consideração Intempestiva). Trad. N.D. de M. Sobrinho. São Paulo: Loyola, 2003 PASSEGI, Maria da C. BARBOSA, Tatyana Mabel N.(org.). Memória e memoriais: pesquisa e formação docente. Natal, RN: EDUFRN: São Paulo: Paulus, 2008. PÉREZ, Carmen Lúcia Vidal. Cotidiano: história(s), memória e narrativa. Uma experiência de formação continuada de professoras alfabetizadoras. In.: GARCIA, Regina Leite (org.). Método: Pesquisa com o cotidiano. DP&A, 2003. RAMOS, F. P. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: DEL PRIORE, M. (Org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. p. 19-54. SILVA, René Marc da costa, Memória, Identidade e Patrimônio. In: Cultura popular e Educação. Salto para o Futuro, Brasília: Salto Para o Futuro / TV Escola / SEED/MEC, 2008. SOUZA, Elizeu Clementino de. O conhecimento de si: estágio e narrativas de formação de professores. DP&A, Salvador-BA, UNEB. 2006. _________, Elizeu Clementino de. Maria Helena Menna Barreto Abrahão, (orgs.) Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si: Marie Christine Josso, Prefácio. - Porto Alegre: EDIPUCRS: EDUNEB, 2006. _________, Elizeu Clementino de. A arte de contar e trocar experiências: Reflexões teórico-metodológicas sobre História de Vida em formação. In: Revista Educação em Questão. Natal. v. 25, n. 11, p. 22-39, abr., 2006. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/det.asp?cod=68640&type=P> _________, Elizeu Clementino de. Histórias de Vida, escritas de si e abordagem experiencial. In: Souza, E.C. de; Mignot, A.C.V. (orgs) Historias de vida e formação de professores. Rio de Janeiro: Quartel, 2008. __________,Eliseu Clementino de. (Auto) Biografia, identidade e Alteridade: Modos de Narração, Escritas de Si e Práticas de Formação na Pós-graduação. Disponível em: Http://www.posgrap.ufs.br/periodicos/revista_forum- identidades/revistas
  • 52. 51 ALGUMAS FOTOS Foto 01: Infância: meu batismo na Igreja Adventista do 7º dia. Acervo Eliete Foto 02: Adolescência: eu e Neto. Acervo Eliete
  • 53. 52 Foto 03: Conclusão da 8ª série. Acervo Eliete Foto o4: Conclusão do Ensino Médio, (curso de magistério). Acervo Eliete
  • 54. 53 Foto 05: Casamento, eu mainha e neto Acervo Eliete Foto 06: Gravidez, eu. Acervo Eliete
  • 55. 54 Foto 07: Nascimento do meu filho Lucas Emanuel. Acervo Eliete Foto 08: Minha mãe Dejanira e meu filho Lucas Emanuel. Acervo Eliete
  • 56. 55 Foto 09: Meu pai Evanio e minha irmã Silvania. Acervo Eliete Foto 10: Minha irmã Marilza e Lucas. Acervo Eliete
  • 57. 56 Foto 11: Minha irmã Josenice. Acervo Eliete Foto 12: Minha irmã Evanice e Lucas. Acervo Eliete
  • 58. 57 Foto 13: Minha irmã josenice e meu irmão Evaniel ( Netinho) Foto14: Equipe de Professores e direção da Escola Municipal José de Anchieta (2009) Acervo Eliete
  • 59. 58 Foto 15: No estágio em espaços não formais (PETI). Acervo Eliete Foto 16: Grupo inseparável do curso de pedagogia: Alice, Elaine, Simone, Cícero e eu. (acervo Eliete)
  • 60. 59 Foto 17: Silvania, minha sobrinha, Ana Carolina, Marilza e Lucas (acervo Eliete) Foto 18: Minha sobrinha Daise (acervo: Eliete)
  • 61. 60 Foto 19: minha sobrinha, Ana Júlia e Lucas (acervo Eliete) Foto 20: Neto Lucas e Eu (acervo Eliete)
  • 62. 61 Foto 21: Vista d o monte de Tijuaçu. Acervo Eliete Foto 22: Vista da Praça do Comércio Tijuaçu. Acervo. Eliete