O documento discute a necessidade de harmonizar os interesses dos consumidores e fornecedores com o desenvolvimento econômico do país. Apresenta que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu princípios como a boa-fé e a harmonização dos interesses para equilibrar a proteção do consumidor com o progresso das empresas. Também destaca a importância de órgãos como o CADE regularem o mercado e impedirem abusos que lesam os consumidores.
Harmonização dos interesses e desenvolvimento econômico no CDC
1. A HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES E O DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Carla Maria Martellote Viola1
1. Introdução
Antes da revolução industrial, as relações de consumo eram diretas entre artesãos e
consumidores, sem intermediários. Com o advento da produção em massa, o consumidor,
individualmente falando, perdeu a importância uma vez que a produção em série, deixava o
produto mais barato, não sendo relevante se apenas um indivíduo deixasse de consumir. Na
produção em larga escala, o fator determinante do lucro passou a ser a quantidade. A
qualidade e o lucro individualizado do produto, pouco importava para as empresas.
Com essa perda do poder do consumidor, o fornecedor passou a ter a prerrogativa de
controlar o mercado de consumo. Fez-se necessário então, a intervenção governamental, a fim
de regular o desequilíbrio entre os agentes atuantes.
Assim, a defesa do consumidor foi consagrada em nossa Carta Magna como direito
fundamental, inserida em seu artigo 5°, inciso XXXII, constituindo assim, cláusula pétrea e,
portanto consolidando a relevância de tal proteção.
Agregando valores legais, o CDC amparou em seu art. 4º, os princípios de
harmonização e compatibilização nas relações de consumo que versa sobre os interesses dos
participantes e a proteção do consumidor conjugados com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem
econômica do país inseridos no art. 170, da Constituição Federal, porém sempre com base na
boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Dentre os princípios da ordem econômica encontra-se a defesa do consumidor, o que
enseja que a economia se desenvolva sem se sobrepujar aos princípios de proteção ao
consumidor.
1
Graduada em Publicidade e Propaganda pela Faculdade Hélio Alonso e em Direito pela Universidade Santa
Úrsula. Pós-Graduada em Gestão da Comunicação pelo Instituto de Gestão em Comunicação/FACHA e
cursando Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela AVM/Candido Mendes – email:
viola.carla@gmail.com
2. Para tanto, delimita-se constitucionalmente o exercício da ampla liberdade econômica
visando à proteção aos direitos e garantias dos consumidores.
Os princípios devem ser interpretados de forma integrada para que não haja abuso do
poder econômico em detrimento do consumidor, como eliminação da concorrência resultante
em dominação de mercado.
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor só veio ratificar os ditames do artigo
170 da Constituição Federal, vez que principia que a proteção do consumidor deve ser
compatível com o desenvolvimento econômico.
Assim sendo, quando se desvirtua o caráter da liberdade econômica com o abuso de
poder e o aumento arbitrário dos lucros, o Estado assume seu papel como agente normativo e
regulador da atividade econômica para impedir e coagir as práticas abusivas e lesivas ao
consumidor, como ocorre no caso das agências reguladoras.
Para que haja harmonia e equilíbrio nas relações de consumo indispensável é o
exercício da proteção do consumidor que é elemento fundamental ao desenvolvimento
econômico de um país.
2. Harmonização dos Interesses dos Consumidores e Fornecedores agregados ao
Desenvolvimento Econômico do País
A Política Nacional das Relações de Consumo está prevista no capítulo do CDC que
engloba todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, composto por Órgãos de Defesa
do Consumidor como o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e os diversos
Procons estaduais e municipais.
Este composto de entidades devem obrigatoriamente observar, respeitar, implementar,
promover e viabilizar a harmonização das relações de consumo entre consumidores e
fornecedores.
Inclui-se neste direito regulatório de mercado, o CADE, Conselho Administrativo de
Defesa Econômica, criado em 1961, efetivado como autarquia federal em 1994, e com suas
atribuições recentemente reguladas pela Lei nº 12.529/2011.
O CADE tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade
responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última
instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da
3. livre concorrência. Esta entidade exerce as funções preventiva, repressiva e educacional ou
pedagógica.
A Lei nº 12.529/2011 normatizou a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência - SBDC e dispôs sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem
econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre
concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do
poder econômico.
Bourgoignie citado por Brito Filomeno (1999), ensina que o direito do consumidor se
constitui em um rol de normas, instrumentos e regras resultantes de inúmeras ações, com o
objetivo de garantir ou a permitir a proteção do consumidor no mercado econômico, existindo
pelo reconhecimento de um grande número de direitos do consumidor e pela elaboração de
um conjunto normativo específico, para a realização dos objetivos do movimento que visa
assegurar a prorrogação dos interesses do consumidor.
Assim nosso País é regido pela economia de mercado, mas efetiva-se como Estado
Liberal. Indubitavelmente o Estado exerce seu papel no controle da atividade econômica,
intervindo no caso de excessos, o que registra a atuação do Estado na regulação e no
planejamento econômico. Assim pressupõe-se que o Estado atue direta ou indiretamente em
situações de relevância, nas quais impere a segurança e os interesses coletivos.
Constata-se que a intervenção do Poder Público é fundamental para sanar questões que
possam vir a afetar a ordem econômica do País.
Canotilho (2000) chama a defesa do consumidor de “princípio constitucional
impositivo” que apresenta duas funções: a primeira como instrumento para assegurar a todos
existência digna e a segunda, para instrumento para assegurar a conquista o objetivo particular
a ser alcançado (assume a função de diretriz, para Dworkin, a “norma-objetivo”), justificando
a reivindicação pela realização de políticas públicas.
Ressalta-se um dos princípios explicitamente previstos no CDC que é o da
harmonização das relações de consumo, o qual visa a compatibilizar os interesses e direitos
dos consumidores com o desenvolvimento econômico e tecnológico dos fornecedores.
Esta harmonização interessa tanto ao consumidor como ao fornecedor, aplicar a relação
de consumo justa, atende as necessidades de quem consome e o cumprimento de prover bens
e serviços, o que justifica a existência de quem fornece. Só assim é possível chegar-se ao
equilíbrio entre as partes.
De acordo com João Batista de Almeida (2006), essa proteção do consumidor também
deve ser compatibilizada com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico,
4. em face da dinâmica própria das relações de consumo. Como resultado, surgem novos
produtos e novas tecnologias na sociedade de massa, que devem ser seguros e eficientes. Foi
em razão dessa situação que o legislador decidiu estabelecer como um dos princípios da
política nacional das relações de consumo o estudo constante das modificações no mercado de
consumo.
O Estado funciona como um mediador nas relações de consumo, tentando equilibrar as
partes nessa relação e evitar ou, se for o caso, solucionar os conflitos de consumo. Mas esse
não pode ser o único papel do Estado quanto à defesa do consumidor. Mais do que isso, deve
cuidar para que todas essas providências sejam tomadas pelos próprios fornecedores, através
da utilização de mecanismos alternativos por eles criados e custeados. Trata-se, no caso, do
incentivo ao autocontrole, que pode ser verificado de várias maneiras.
Segundo José Geraldo Brito Filomeno (2007), um dos coautores do CDC, existe três
instrumentos que devem ser utilizados na harmonização das relações de consumo:
a) O marketing de defesa do consumidor: cosubstanciado pelas centenas de
departamentos de atendimento ao consumidor criados pelas próprias empresas
(conhecidas como SACs);
b) A convenção coletiva de consumo: definida como os pactos estabelecidos entre as
entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de
categoria econômica de molde e regularem relações de consumo;
c) As práticas de recall: convocação dos consumidores para reparo de algum vício ou
defeito apresentado pelo produto ou serviço adquirido pelo consumidor.
Indiscutivelmente, reconhece-se que o Direito do Consumidor não necessita acabar com
os institutos de produção e distribuição, os institutos de aproximação e acordo entre as partes
e os sistemas da iniciativa privada.
Ao lado dos direitos, ou seja, dos institutos protetivos do consumidor emanados do
sistema jurídico, os principais interesses do consumidor e sua utilidade continuam a ser
promovidos pelo mercado. O desenvolvimento da economia e a evolução do mercado tendem
a permitir ao consumidor a aquisição de produtos e serviços, em condições de preço e
variedade, que supram suas expectativas e estejam em conformidade com o estágio da
evolução tecnológica.
Isto significa que o consumidor, sujeito de direitos, está constantemente lidando com o
sistema de incentivos do mercado que cria o estereótipo do modelo mais eficiente de
produção e inovação e com o sistema de voluntariedade das trocas, que garante a autonomia
das pessoas.
5. Vieira de Carvalho (1994), explica que a repressão ao abuso do poder econômico, tem o
intuito de conter as intenções características desta natureza de abuso, que se expressam com a
superioridade de mercados, eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.
Analisando complexo mundo do consumo que cerca o indivíduo, o direito consumerista
vai se instaurar principalmente como instrumento de correção, reequilíbrio e responsabilidade,
disseminando a ideologia pela qual, ao retirar as partes do contexto de assimetria entre suas
capacidades, mormente pela intervenção do Estado, induz o fornecedor a retornar para um
sistema de incentivos baseado na eficiência e não na extração do ganho, que seria possível,
sem a correção das posições, pela vulnerabilidade estrutural do consumidor.
Desta forma quando o fornecedor busca sua eficiência e sua capacidade de promover a
utilidade do consumidor e não tão somente a sua capacidade de extrair renda pela exploração
da vulnerabilidade, o Direito do Consumidor se adéqua plenamente ao ideal de mercado e ao
sistema de voluntariedade das trocas.
3. A Necessidade de Boa-fé nas Relações de Consumo
Nas diversas tratativas do vasto mundo consumerista faz-se necessário a existência da
confiança recíproca entre os contratantes, e indispensável é a presença da boa-fé objetiva.
O Código de Defesa do Consumidor consagrou a boa-fé como princípio, também
encontrado no art. 4º, inc. III, ao dispor que a Política Nacional de Relações de Consumo deve
atender, entre outros princípios, ao da boa-fé.
Segundo Silva (2003), o CDC exige a boa-fé dos contratantes porque pressupõe o
contrato não como síntese de interesses contrapostos ou pretensões antagônicas, mas como
instrumento de cooperação entre as partes, que devem comportar-se com lealdade e
honestidade, de maneira que não frustrem mutuamente as legítimas expectativas criadas ao
redor do negócio jurídico.
Busca-se a transparência obrigatória como uma necessidade na relação aos contratantes,
espera-se o respeito obrigatório aos interesses do outro contratante, uma ação positiva da parte
contratual mais forte com relação à parte contratual mais fraca, resultando a formação de uma
vontade liberta e racional.
Neste sentido o Professor Gustavo Tepedino reconhece que o dever de interpretar os
negócios conforme a boa-fé objetiva encontra-se irremediavelmente informado pelos quatro
fundamentais para a atividade econômica privada: 1) A dignidade da pessoa humana (art. 1º,
6. III, CF); 2) O valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF); 3) A solidariedade social (art. 3º,
I, CF); 4) A igualdade substancial (art. 3º, III, CF). Os dois primeiros encontram-se inseridos
no Texto Maior como fundamento da República, enquanto os últimos são objetivos da
República.
Imperativo e requerida é a ação com sinceridade, veracidade, sem o objetivo do lucro
desmedido em razão do prejuízo do outro. Contudo este princípio possui uma via de duas
mãos, o consumidor também tem responsabilidade de não buscar vantagens indevidas através
de benefícios reservados no aparato legal, assim como o fornecedor não deve buscar
favorecimentos desequilibrados no mercado.
Bem descrito por Garcia (2012), a função de controle da boa-fé visa evitar o abuso do
direito subjetivo, limitando condutas e práticas comerciais abusivas, reduzindo, de certa
forma, a autonomia dos contratantes. [....] Dessa forma, não se admite no ordenamento
brasileiro o exercício de direito de modo absoluto. O direito somente será reconhecido quando
exercido de modo leal, não frustrando as legítimas expectativas criadas em outrem, sem
desvio de finalidade. Caso contrário, será considerado ato ilícito ainda que o titular não
ofenda a norma em si (legalidade estrita), mas ofenda a sua valoração.
O próprio desenvolvimento normal da convivência social tem como normas
indispensáveis o padrão ético de confiança e a lealdade, aspectos que se deve alicerçar toda a
inter-relação humana. A vida seria inviável caso não se esperasse um comportamento
adequado por parte do outro, a crença na boa-fé alheia é um componente indissociável da
firmação de qualquer pacto. Preconiza-se que as pessoas adotem um comportamento leal em
na fase anterior à constituição de tais relações, e que também necessitam comportar-se
credulamente no decorrer das relações jurídicas já constituídas entre eles. Este dever de agir
segundo a boa-fé projeta-se por sua vez em todas as direções em que dissemina-se todas as
relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem compor-se de boa-fé e as obrigações
exercitarem-se circundadas de boa-fé.
7. 4. Conclusão
A sociedade encontrar-se em um momento de transformação, no qual o objetivo maior a
ser promovido é a coordenação de interesses. Portanto, além daqueles individuais do
empresário, os interesses da sociedade, também são legítimos e devem ser preservados.
Independente do regime capitalista praticado, a livre iniciativa e a busca legítima ao
lucro, uma visão mais abrangente deve ser propagada, onde vislumbra-se interesses maiores,
como, o bem comum da sociedade em sua totalidade.
Conceitos como responsabilidade social e função social empresarial devem ser
amplamente divulgados. A responsabilidade social da empresa apesar de não ser uma
obrigação, é uma forma de angariar o reconhecimento da sociedade. E sua função social,
abrange obrigações empresariais que envolvem as áreas ambiental, trabalhista, consumerista e
concorrencial.
Presenciam-se atualmente incentivos estatais para empresas que seguem as boas práticas
da responsabilidade social, propiciando diversos benefícios para as empresas que tenham esta
consciência.
Evidencia-se neste contexto que o Código de Defesa do Consumidor, não privilegia
alguns sujeitos participantes de relações de consumo e sim objetiva, um equilíbrio entre os
atores econômicos, na medida em que atesta a vulnerabilidade e fragilidade do consumidor.
Propiciando ainda, ao consumidor lesado, um rol de institutos e instrumentos para garantir a
efetiva e integral reparação e a prevenção de possíveis danos causados por fornecedores de
produtos ou serviços.
Pode-se afirmar então, que a instituição do princípio constitucional de defesa do
consumidor, tem seu fundamento, na igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento
entre os indivíduos.
Enfim, a Constituição Federal de 1988 está repleta de disposições e princípios que
trazem a atenção ao bem estar da sociedade.
Conclui-se assim, que a harmonia de interesses é o estado em que vários indivíduos,
com interesses divergentes, cooperam entre si para satisfazer seus interesses de maneira
benéfica para ambos e que justificadamente, sendo o consumidor a parte economicamente
mais frágil de um relacionamento comercial, empresarial; seus interesses devem ser tutelados
pelo Estado, que deve também protegê-lo e ampará-lo harmonicamente no contexto
mercadológico.
8. 5. Referências Bibliográficas
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 5ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, 1998.
CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. A apuração de práticas restritivas da
concorrência. Revista do Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de
Consumo. nº 4, 1994.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forens Universitário, 2007.
FILOMENO, José Geral Brito. Manual de Direito do Consumidor. 2ª ed. São Paulo:
Atlas, 1999.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor – Código Comentado e
Jurisprudência. 8ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas abusivas no Código de Defesa
do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003.
TEPEDINO, Gustavo. A Parte Geral do novo Código Civil. Estudo na perspectiva
Civil-Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.