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Atlas Municipais Escolares:
                entre os mapas dos vencedores e das rupturas
                                                          Amanda Regina Gonçalves
                                           Professora Adjunta do Depto. de Geografia,
                       Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Cuiabá.
                                                               amandarg@rc.unesp.br

Resumo
Este texto parte do fato da produção de materiais didáticos sobre o espaço local estar
crescendo na última década, em especial os Atlas Municipais Escolares, uma vez que a
história concreta do nosso tempo põe a questão do lugar numa posição central para a
leitura e compreensão das contrariedades e complexidades em que vivemos. Assim,
procuramos refletir sobre como um atlas municipal escolar pode tanto reforçar uma
perspectiva de organização do espaço e do tempo que interesse a um grupo limitado de
atores, como pode se tornar um material em que a população municipal encontre nele
abertura para uma pluralidade de espaços-tempos. Para isso o texto será desenvolvido a
partir de três eixos de discussão: 1. a produção de um olhar sobre a idéia de mapa e de
linguagem; 2. a construção da identidade como um desafio a que vem sendo requerido
os atlas locais e a problemática dos mapas dos vencedores; 3. a noção de
descontinuidades e rupturas e suas implicações a produção de atlas municipais
escolares.
Palavras-chave: atlas municipal escolar, pesquisa colaborativa, linguagem, cultura



Linguagem cartográfica e produção de realidades


     Aprender a ler o mundo através das representações cartográficas é compreender
que “a ‘realidade’ não existe a não ser a partir da linguagem” (BAKHTIN, 2003).
Podemos pensar que é pela linguagem que representamos o mundo. Se pensada assim,
as linguagens são formas de descrição do mundo e, desse modo, a realidade precede a
linguagem.
       Mas as linguagens, como as linguagens gráficas, por exemplo, não se limitam a
descrever e explicar o mundo. O mapa não é somente uma representação, uma imagem,
um reflexo da realidade, porque se assim, um mapa suporia que há fora dele um espaço
pronto, preexistente, que ali está descrito como o estaria em qualquer outro mapa do
mesmo espaço.
       Portanto, mapear um espaço ou ler um espaço através do mapa implica
inevitavelmente na sua produção. O lugar e as situações geográficas que pensamos ser
representadas pelo mapa são, na verdade, produto de um entrelaçamento de linguagens.
O mapa da Floresta Amazônica no Brasil, por exemplo, representa um conceito de
classificação paisagística criada pelo homem. Então, a suposta representação gráfica de
uma unidade natural, de um índice, é criação de uma noção particular, por exemplo, de
Floresta Amazônica.
         Os mapas locais, de grande escala, nos quais podemos nos reconhecer e
reconhecer as dimensões de nossas atividades cotidianas com maior facilidade, tornam-
se potências representacionais e, portanto, de novas produções sócio-espaciais, graças a
duas importantes motivações.


Emergência do “lugar” e os Atlas Municipais Escolares


         No atual período de contrariedades e complexidades em que vivemos, vêm
sendo des-re-estruturados tradicionais sistemas de produção e de valores, o que tem
provocado inúmeras transformações na sociedade e no espaço, tangendo suas dimensões
políticas, culturais, econômicas e ambientais. Neste contexto, o estudo do lugar tem-se
destacado como importante potencialidade teórico-metodológica para uma leitura e
compreensão destas contradições, desigualdades, movimentos e usos do território no
tempo.
         Segundo Milton Santos (1997) esta categoria traz para o debate “as
especificidades dos lugares”. Segundo este autor, embora considerado como parte de
uma totalidade maior – portanto, que não pode ser compreendida de forma isolada do
mundo – cada lugar é exponencialmente diferente dos demais, de maneira que, em sua
própria unidade, se diferencia e se articula para a manutenção das diferentes ações e dos
diversos usos do espaço geográfico, dotando o território de especificidades materiais e
simbólicas, conferindo assim a produção da diversidade do planeta.
         Desta forma, conforme assinalado por diversos geógrafos, a história concreta do
nosso tempo repõe a questão do lugar numa posição central. Com isso, identifica-se
uma crescente preocupação com o conceito de “lugar” nos documentos curriculares
oficiais da disciplina Geografia (BRASIL, 1998). No entanto, ao mesmo tempo,
evidencia-se a ausência de conteúdos da localidade nos textos didáticos, uma vez que
isso emerge quase como uma impossibilidade ao mercado editorial a que os materiais
didáticos adotados pelo MEC para todo o território brasileiro estão subjugados.
         Diante de tal fato, a necessidade de produção de materiais didáticos sobre o
espaço local tem crescido na última década. Dentre os novos materiais que vêm
surgindo a partir do estudo das localidades, figuram-se os Atlas Municipais Escolares,
numa abrangência tal que chega a ser concebido e discutido como “moda no mundo
inteiro” (LE SANN, 2002; MIRANDA, 2003).
       Por meio de múltiplas concepções teórico-metodológicas os atlas municipais
escolares passam a ganhar materialidade, em especial por alguns centros acadêmicos,
secretarias de educação municipais e iniciativas de estudiosos da Cartografia Escolar
(LE SANN, 1995; SIMIELLI, 1999; ALMEIDA, 2001; PEZZATO e PASSINI, 2003).
       Através de pesquisas em ambiente escolar (CAZETTA, 2007; OLIVEIRA,
2008), pode-se observar que uma das situações que se desdobram da ativação das
potencialidades do trabalho com mapas locais em ambiente escolar, possibilitado em
especial pela produção de materiais sobre o espaço local adequados ao uso escolar, é a
questão da escala.
       Referimo-nos à importância da visibilidade objetiva proporcionada pelo uso de
mapas de grande escala, tanto porque nos “dá maior condição de entendimento da
imagem totalizante do espaço, onde o excesso de informações massificadas da cidade
nos faz perder a capacidade de ver e de compreender as geografias dos lugares”
(AGUIAR, 2003), quanto porque permite as articulações com aqueles mapas de menor
escala, com informações e regras mais amplas, gerais, que muitas vezes influenciam
diretamente a dinâmica da vida em grande escala.




Atlas Municipais Escolares e pesquisa colaborativa


       A questão metodológica da produção dos atlas escolares e a formação de
professores também passaram a ganhar relevância nas discussões acadêmicas e
trabalhos de alguns especialistas.
       Ressaltamos como um dos principais avanços na elaboração de Atlas adequados
a uso escolar os processos de elaboração de material que têm privilegiado a produção
colaborativa entre professores das redes públicas de ensino básico e superior; uma vez
que Atlas são geralmente elaborados por cartógrafos ou geógrafos.
       Segundo Rosângela Doin de Almeida (2001, p. 142):

                       a produção de atlas escolares, considerando-os material didático, deve
                       desenvolver-se com a colaboração entre especialistas em cartografia,
                       educadores e professores. Caso contrário, corre-se o risco de criar atlas
visualmente agradáveis e tecnicamente corretos, mas estranhos à sala de aula e
                      inadequados para o uso escolar.

     A formação de professores, assim como os processos de investigação científica no
campo educacional e de formulação de políticas e materiais educacionais estão entre os
trabalhos cuja mediação teórico-metodológica desempenha um papel fundamental
quanto aos seus processos de desenvolvimento e produções, uma vez que revela seus
fundamentos epistemológicos.
        Dessa forma, destacamos a “pesquisa-ação” (THIOLLENT, 1994) como
modalidade de pesquisa que nos parece mais adequada às características de um projeto
de produção que prime por um trabalho coletivo para fins comuns. Tal modalidade
destaca-se no sentido de indicar perspectivas teórico-metodológicas ao campo de
conhecimento da Geografia Escolar e da produção de materiais escolares, como uma
metodologia de pesquisa das práticas concretas produzidas e compartilhadas nos
espaços de trabalho cotidianos do professor, visando aproximar as pesquisas acadêmicas
dos saberes e práticas de professores da rede pública de ensino brasileira, uma vez que
esta última não tem sido digna de atenção pelos elaboradores de políticas educacionais,
textos oficiais e didáticos (GONÇALVES, 2006).
        A experiência de produção de atlas a partir desta modalidade de pesquisa
resulta num trabalho dialético, portanto se fazem presentes os conflitos e dilemas entre
os participantes, uma vez que envolve discussões que ultrapassam o consenso da
necessidade desse tipo de material, envolvendo o conhecimento que ele apresenta como
um texto didático a ser tomado como objeto de ensino, implicando a elaboração coletiva
de uma visão de atlas, de município e de escola (ALMEIDA, 2003).
       Assim, a produção coletiva de um Atlas municipal escolar surge como uma
importante conquista ao ensino de Geografia no referido município, tanto no que se
refere ao próprio material de ensino (Atlas) que privilegia o lugar e suas histórias,
quanto por ter-se constituído dentro de processos formativos da profissão docente,
através da comunidade de aprendizagem que tal construção envolveu, inserindo o
material no contexto dos saberes escolares e da prática docente.


O Atlas municipal escolar e o desafio identitário


       Há um caráter intencional atribuído aos atlas escolares locais, assumindo
importância política, pois um atlas pode ou não “manifestar os desequilíbrios, as
situações de conflitos e as tendências da sociedade que se volta para o mundial”
(CARLOS, 1996, p. 29 apud ALMEIDA, 2001).
       A demanda educacional por este tipo de material na atualidade tem a ver com
uma reflexão sobre o papel da escola frente a seus sujeitos e a questão da identidade
sócio-espacial. Uma das principais justificativas está no fato de que ainda que com toda
formação profissional docente e a característica pujante das crianças e dos jovens da
capacidade de criação de construção de explicações, cada vez mais ambos (professores
e alunos) somos bombardeados nos aspectos mais rotineiros do cotidiano por meio de
mensagens, ordens, convites e seduções, sendo chamados a primar pela captura daquilo
que está fora de nós, como pelo predomínio das formas culturais estadunidenses e
japonesas veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Outro motivo pelo qual os
Atlas são requeridos pelas instituições escolares e prefeituras refere-se a grande
mobilidade humana no interior do país, que faz com que se encontrem na escola
crianças e jovens provindos dos mais distintos lugares do Brasil, desconhecendo, muitas
vezes, a organização territorial do município de destino, bem como seus processos
históricos e características ambientais e culturais.
       Entre os fatores que envolvem a demanda do Atlas pelos municípios estão a
violência urbana, os problemas ambientais, a depredação dos patrimônios históricos,
culturais e ambientais, ou ainda recebimento de um contingente de pessoas que, por
terem se deslocado diversas vezes, foram “desenraizadas” de um espaço social e
cultural - o lugar onde vivem por vezes é visto como provisório, portanto não têm
referencias quanto à memória, à participação política e ao sentimento de pertencimento,
o que alimentaria a construção de valores para um convívio urbano tolerante.
       Assim, ao mesmo tempo em que há uma preocupação com a produção de um
material que contribua com a construção de sentimentos de pertencimento nos sujeitos
escolares quanto ao meio em que vivem, à cultura em que estão inseridos, ou seja, que
atue na formação da identidade sócio-espacial dos sujeitos escolares, há que se atentar
às propostas de identidade sócio-espacial que subjazem esta forma pedagógica
aperfeiçoada de se ensinar o mundo e a realidade que são os atlas municipais, uma vez
que ele é resultado de um entrelaçamento de linguagens, as quais, como vimos, não se
limita a descrever, mas produz espaços e ordenamentos territoriais.
       Tal preocupação se torna imprescindível, uma vez que o espaço imediato de
determinado momento de vivência, ou seja, o espaço local, muitas vezes não é
representativo por si só das nossas noções territoriais, como também não são somente as
tradições histórico-geográficas lineares que configuram as identificações com o lugar.
        Isto não ocorre somente pelo fato de vivermos em período de globalização, em
que áreas diferentes do Brasil e da Terra são postas em interconexão umas com as
outras, mas também pelas concepções geográficas e historicistas burguesas ou
progressistas, que se apóiam nos “espaços luminosos” 1 e nos tempos cronológicos e
lineares, nas materialidades e simbologias que perpetuem os sentidos de tais
geograficidades e hisoricidades, trazendo implicações ruinosas para aqueles que não
participaram da configuração destes espaços-tempos ou se constituíram em outros
distintos.
        Um atlas, cuja demanda situa-se na promoção da identidade sócio-espacial e que
para isso reforça tais geografias e histórias do município, engrossa uma visão
preconceituosa de organização do espaço e do tempo, e interessa a um grupo limitado
de atores.




Pressupostos para pensar Atlas municipais escolares


        Na reflexão que segue percorrerei um caminho que articule as propostas de
realidades dos Atlas municipais escolares e a noção de identidade, o farei a partir das
discussões em torno do conceito de “história” presente no pressuposto filosófico de
Walter Benjamin e, posteriormente, de Michel Foucault.
        Partirei de uma cena real de um processo de produção colaborativa de um Atlas
municipal escolar, em que dentro da heterogeneidade dos membros participantes,
deparávamos com freqüência com conflitos e dilemas quanto aos conteúdos, formas e
ordem de apresentação dos mesmos no material. Lembrando que está aí, na razão
comunicativa do processo de produção do material, a viabilização do debate de idéias e
ação colaborativa, sem ela os referidos questionamentos não fazem muito sentido, uma
vez que seguirá os pressupostos dos autores especialistas.




1
  Santos e Silveira (2003, p. 264) chamam de espaços luminosos “aqueles que mais acumulam densidades
técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital,
tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais características estão ausentes seriam os
espaços opacos”.
Para a reflexão proposta neste texto, destaco as marcas das intervenções de
membros do grupo de elaboração de um atlas, cuja história individual e familiar
coincidia com a história processual e progressista do município.
        Com a suposta autoridade de quem compartilhou e compartilha as tradições
históricas e a evolução urbana do município, portanto, sem temer o equívoco quanto à
relevância da inclusão, menção ou localização nos mapas e demais representações
gráficas do Atlas, eram preceituadas determinados lugares, praças, ruas centrais,
edifícios, obras de engenharia, estabelecimentos industriais, comerciais, de recreação e
religiosos, que muitas vezes simbolizavam lideranças políticas e/ou oligárquicas da
cidade; além da ordem temporal almejada seguir uma cronologia homogênea através
dos principais feitos e personagens do município ou país (supondo significância idêntica
a todos os moradores do município) e uma lógica de causalidade com as sucessões
políticas. Mais incisivas eram as intervenções da prefeitura, uma vez que na condição de
parceira do projeto, por vezes parecia confundir o Atlas com material de divulgação de
pontos de visita turística da cidade.
        Assim, é considerando a modalidade colaborativa de produção do material que
indicamos alguns pressupostos para discutir situações como estas e pensar as propostas
dos Atlas municipais escolares.
        Para começar indicarei a imagem que Benjamin (1994, p. 225) faz do uso da
história:
                       A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores.
                       Isso diz tudo para o materialismo histórico. Todos os que até hoje venceram
                       participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os
                       corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no
                       cortejo, como de praxe. Esses despojos são os que chamamos bens culturais.
                       (...) Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os
                       criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos.

        Mas o que isso significa? O que isso pode indicar para pensar a produção de
Atlas municipais escolares?
        Para este autor há um uso da história, que beneficia sempre os dominadores, um
uso pautado na exaltação da existência de uma “tradição histórica” e de seus
“herdeiros”; uma perspectiva que exige uma “empatia ao vencedor”, pois aqueles que
“num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes”
(BENJAMIN, 1994). Ao trazermos esta reflexão também para um uso da geografia,
podemos inferir que se pautaria na exaltação dos “espaços com consistência técnica e
política” e dos que ali “circulam e os reproduzem”.
A partir desta imagem que Benjamin faz do “uso” da história fica claro que a
história e o espaço passam a ser uma representação/produção cultural que pode fazer de
ambos um instrumento de dominação. Instrumentos engendrados por aqueles que
participam do cortejo triunfal, sustentado pelos herdeiros dos vencedores, como aqueles
cuja história de vida é supostamente sincrônica à evolução histórica de um espaço, ou
seja, que evoca um movimento temporal linear num espaço totalizável pela vista, ou
ainda aquele com poder e soberania sobre determinado espaço.
       A preocupação deste texto está em não tornar o Atlas um panfleto deste cortejo.
Esta não é uma questão cuja solução se encontre nos ajustes técnicos dos mapas, pois
como sinaliza Marcello Marnielli (2008, p. 21, 31), no trabalho intitulado “Um atlas
geográfico escolar para o ensino-aprendizagem da realidade natural e social”:

                      a concepção de um atlas geográfico para escolares tem como proposta básica,
                      a de não ser apenas uma coletânea de mapas, prontos e acabados, mas sim, de
                      compor uma organização sistemática de representações trabalhadas com
                      finalidade intelectual específica. (...) o fato de, em geral, os atlas apresentarem
                      ilustrações, não significa a ação de incluir imagens para torná-lo mais atraente
                      e multicolorido.

       Portanto, é necessário considerar o Atlas municipal escolar como resultante de
um entrelaçamento de linguagens que criam noções particulares de ocupação territorial,
de escravidão, de atividade econômica, de etnia indígena, de cidade, de evolução
urbana, de meio ambiente, de uso do solo, de bacia hidrográfica, de patrimônio
histórico, de trabalho, de consumo, de movimento sociais, de serviços públicos... Enfim,
de todas as temáticas envolvidas em sua produção e apresentadas como propostas de
cada uma destas noções.
       Neste percurso reflexivo, temos que nos perguntar: Quais são as proposições
culturais que imperam nas referências espaciais e temporais do Atlas que estamos
produzindo? Sobretudo aquelas constitutivas de modelos de organização espacial e de
identidade sócio-espacial. A quais grupos sociais o material dá voz? Quais ele silencia?
Quais significados, sentidos, afetos e desafetos seus conteúdos/formas mobilizam no
professor e aluno leitor? Quais restringem?


Atlas municipais escolares e o mapeamento das rupturas


       As perguntas acima expostas têm nos encaminhado a compreender que àquele
lugar imediato, constituído numa ordem processual e vivenciado com o corpo no
presente – dito como ponto de partida das aulas de Geografia, e da produção dos Atlas
locais – há de se enredar a problemática da fragmentação, das descontinuidades, da
ruptura que fazem parte de nossas relações com os espaços e que vêm se tornando cada
vez mais intensas e tomando tantas formas distintas de realização.
       Observa-se que ao mesmo tempo em que os impactos da globalização incidem
na “homogeneização global”, na difusão do consumismo, na imediatez, na exploração,
nos padrões modernos ocidentais de sociedade produzidas pelas indústrias culturais, há
também os impactos daqueles que tentam reconstruir as identidades purificadas e o
“fechamento” a determinadas diferenças, utilizando-se dos mesmos artefatos materiais e
simbólicos do mercado global.
       Os modelos de urbanização, de crescimento econômico, os perfis demográficos,
a definição do clima, os processos sociais lineares, os fenômenos tendenciais, as
regulações constantes, que por longo tempo foram perseguidas como objetos de estudo
e apresentação científica, foram substituídas, nos pressupostos da História Nova, por um
“jogo de interrupções em profundidade” (FOUCAULT, 2008, p. 3). Aprendemos com a
Arqueologia do Saber de Michel Foucault que vê-se hoje o espraiamento de todo um
campo de questões, sob grande multiplicação dos níveis de análise, por isso é preciso
deslocar a atenção da cronologia contínua da razão, das totalizações, das ordens
fundadoras, para os fenômenos das rupturas, das interrupções, das mutações. Dos
corpus coerentes e homogêneos de documentos, do tratamento exaustivo da massa
documental ou dos elementos mais representativos, para o uso das “categorias da
descontinuidade e da diferença, as noções de limiar, de ruptura e de transformação”
(FOUCAULT, 2008, p. 16).
       Transformações, por exemplo, que traz conseqüências às novas dimensões da
identidade sócio-espacial, “deslocando” as referências culturais de classe, de gênero,
sexualidade, de núcleo familiar, de etnia, raça, nacionalidade (que no passado nos
tinham fornecido “sólidas localizações como indivíduos sociais”), implicando hoje que
as identidades sejam deslocadas para uma pluralidade de centros de referência. E se as
referencias da identidade sócio-espacial são os espaços e os tempos, vemos que aqueles
que historicamente foram tomados como referências, hoje deslocam-se para uma
pluralidades de outros espaços-tempos.
       Retornando ao exemplo da situação real de produção de um Atlas municipal que
mencionamos anteriormente, podemos citar aqueles referenciais espaço-temporais que
pouco diz à maioria daquela população municipal – supondo ser um dos motivos desta
pouca significância o fato de uma porcentagem significativa de moradores deste
município paulista ser proveniente da região nordeste brasileira – observamos entre
estes espaços-tempos, por exemplo: a praça central, edifícios coloniais, católicos, os
símbolos dos auges e glamour sociais associados aos ciclos econômicos, museus que
guardam a memória destes períodos, prédios representantes da forma de governo
vigente mas pouco eficiente, estabelecimentos de clubes, associações ou de sociedades
iniciáticas ou tradições culturais específicas.
       Isso evidencia que um Atlas que contemple a condição de descontinuidades e
rupturas espaço-temporais, ao menos não se restringe a referenciais que reserve as
tradições puras e onde perdura uma lógica histórica que se explique por si mesma ou
onde a história da sua formação espacial coincida com a história individual de todos
sujeitos ou comunidades que ali vivem. Não dá mais para se referir aos lugares como
aquilo que conserva identidades purificadas, cujas lógicas de pertencimento, de
representação, de desenvolvimento de conhecimentos e práticas de seus sujeitos provêm
de ordens e lógicas estruturadas, aproximadas espacialmente, totalmente conhecidas e
controladas.
       Deve fazer parte das discussões entre os participantes da ação colaborativa de
elaboração do material a preocupação ética e estética de geografia, de história, de
identidade, deixando claro na concepção final do atlas que aqueles espaços-tempos
devem ser vistos como uma expressão sócio-cultural de geografia, de história ou de
identidade. Assim buscar-se-á alargar a idéia de identidade sócio-espacial considerando
que todo contexto sócio-espacial deve ser visto em relação às expressões culturais,
simbólicas, às instituições, às relações de poder.
       Apoiado em formulações benjaminianas, César Leite (2007, p. 28) nos ajuda a
compreender por que na modernidade e, sobretudo nas e com as ciências modernas,
vivemos em um universo da desconfiança e do não-entendimento da tal descontinuidade
do tempo e das coisas:

                         pois buscamos uma noção da exatidão e da linearidade que deve ser
                         assegurada para que também nos sintamos seguros, pois é terrível quando nos
                         perdemos em uma cidade, em suas ruas, pois nelas estamos seguros e
                         assegurados por seus mapas e referências, o que importa é o sentimento de
                         segurança e exatidão para que ele nos distancie dos labirintos, e caso nele
                         entremos, devemos estar acompanhados senão de Ariadne, pelo menos do fio
                         que ela nos apresenta para que dele consigamos sair, pois, muitas vezes, o
                         difícil não é acabar com nossos monstros, mas é conseguir sair de nossos
                         próprios labirintos.
Remetendo à imagem emprestada de Benjamin à reflexão apresentada nesta
comunicação, entendemos que no “cortejo”, os Atlas podem tanto fornecer a “exatidão e
a linearidade” que assegura o sucesso dos herdeiros, como pode desempenhar o papel
do fio de Ariadne, aos que ainda que espezinhados no cortejo e postos nos labirintos,
não necessitem abandonar seus referenciais espaços-temporais, mas que encontre
incidências das interrupções, das rupturas, podendo problematizar aquilo que seria uma
“geografia global”, mas que a ele não é coincidente. Enfim, que possa encontrar-se,
decifrando seus próprios labirintos, no entrelaçamento de linguagens do Atlas de seu
município. Um Atlas inacabado, onde encontre aberturas para interlocução com seus
espaços-tempos, para o intercâmbio, a mistura, o enriquecimento cultural e novas
articulações espaço-temporais para a produção das novas identidades.


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SIMIELLI, Maria Elena R. Cartografia e ensino: proposta e contraponto de uma
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Atlas Municipais Escolares: entre mapas e rupturas

  • 1. Atlas Municipais Escolares: entre os mapas dos vencedores e das rupturas Amanda Regina Gonçalves Professora Adjunta do Depto. de Geografia, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Cuiabá. amandarg@rc.unesp.br Resumo Este texto parte do fato da produção de materiais didáticos sobre o espaço local estar crescendo na última década, em especial os Atlas Municipais Escolares, uma vez que a história concreta do nosso tempo põe a questão do lugar numa posição central para a leitura e compreensão das contrariedades e complexidades em que vivemos. Assim, procuramos refletir sobre como um atlas municipal escolar pode tanto reforçar uma perspectiva de organização do espaço e do tempo que interesse a um grupo limitado de atores, como pode se tornar um material em que a população municipal encontre nele abertura para uma pluralidade de espaços-tempos. Para isso o texto será desenvolvido a partir de três eixos de discussão: 1. a produção de um olhar sobre a idéia de mapa e de linguagem; 2. a construção da identidade como um desafio a que vem sendo requerido os atlas locais e a problemática dos mapas dos vencedores; 3. a noção de descontinuidades e rupturas e suas implicações a produção de atlas municipais escolares. Palavras-chave: atlas municipal escolar, pesquisa colaborativa, linguagem, cultura Linguagem cartográfica e produção de realidades Aprender a ler o mundo através das representações cartográficas é compreender que “a ‘realidade’ não existe a não ser a partir da linguagem” (BAKHTIN, 2003). Podemos pensar que é pela linguagem que representamos o mundo. Se pensada assim, as linguagens são formas de descrição do mundo e, desse modo, a realidade precede a linguagem. Mas as linguagens, como as linguagens gráficas, por exemplo, não se limitam a descrever e explicar o mundo. O mapa não é somente uma representação, uma imagem, um reflexo da realidade, porque se assim, um mapa suporia que há fora dele um espaço pronto, preexistente, que ali está descrito como o estaria em qualquer outro mapa do mesmo espaço. Portanto, mapear um espaço ou ler um espaço através do mapa implica inevitavelmente na sua produção. O lugar e as situações geográficas que pensamos ser representadas pelo mapa são, na verdade, produto de um entrelaçamento de linguagens.
  • 2. O mapa da Floresta Amazônica no Brasil, por exemplo, representa um conceito de classificação paisagística criada pelo homem. Então, a suposta representação gráfica de uma unidade natural, de um índice, é criação de uma noção particular, por exemplo, de Floresta Amazônica. Os mapas locais, de grande escala, nos quais podemos nos reconhecer e reconhecer as dimensões de nossas atividades cotidianas com maior facilidade, tornam- se potências representacionais e, portanto, de novas produções sócio-espaciais, graças a duas importantes motivações. Emergência do “lugar” e os Atlas Municipais Escolares No atual período de contrariedades e complexidades em que vivemos, vêm sendo des-re-estruturados tradicionais sistemas de produção e de valores, o que tem provocado inúmeras transformações na sociedade e no espaço, tangendo suas dimensões políticas, culturais, econômicas e ambientais. Neste contexto, o estudo do lugar tem-se destacado como importante potencialidade teórico-metodológica para uma leitura e compreensão destas contradições, desigualdades, movimentos e usos do território no tempo. Segundo Milton Santos (1997) esta categoria traz para o debate “as especificidades dos lugares”. Segundo este autor, embora considerado como parte de uma totalidade maior – portanto, que não pode ser compreendida de forma isolada do mundo – cada lugar é exponencialmente diferente dos demais, de maneira que, em sua própria unidade, se diferencia e se articula para a manutenção das diferentes ações e dos diversos usos do espaço geográfico, dotando o território de especificidades materiais e simbólicas, conferindo assim a produção da diversidade do planeta. Desta forma, conforme assinalado por diversos geógrafos, a história concreta do nosso tempo repõe a questão do lugar numa posição central. Com isso, identifica-se uma crescente preocupação com o conceito de “lugar” nos documentos curriculares oficiais da disciplina Geografia (BRASIL, 1998). No entanto, ao mesmo tempo, evidencia-se a ausência de conteúdos da localidade nos textos didáticos, uma vez que isso emerge quase como uma impossibilidade ao mercado editorial a que os materiais didáticos adotados pelo MEC para todo o território brasileiro estão subjugados. Diante de tal fato, a necessidade de produção de materiais didáticos sobre o espaço local tem crescido na última década. Dentre os novos materiais que vêm
  • 3. surgindo a partir do estudo das localidades, figuram-se os Atlas Municipais Escolares, numa abrangência tal que chega a ser concebido e discutido como “moda no mundo inteiro” (LE SANN, 2002; MIRANDA, 2003). Por meio de múltiplas concepções teórico-metodológicas os atlas municipais escolares passam a ganhar materialidade, em especial por alguns centros acadêmicos, secretarias de educação municipais e iniciativas de estudiosos da Cartografia Escolar (LE SANN, 1995; SIMIELLI, 1999; ALMEIDA, 2001; PEZZATO e PASSINI, 2003). Através de pesquisas em ambiente escolar (CAZETTA, 2007; OLIVEIRA, 2008), pode-se observar que uma das situações que se desdobram da ativação das potencialidades do trabalho com mapas locais em ambiente escolar, possibilitado em especial pela produção de materiais sobre o espaço local adequados ao uso escolar, é a questão da escala. Referimo-nos à importância da visibilidade objetiva proporcionada pelo uso de mapas de grande escala, tanto porque nos “dá maior condição de entendimento da imagem totalizante do espaço, onde o excesso de informações massificadas da cidade nos faz perder a capacidade de ver e de compreender as geografias dos lugares” (AGUIAR, 2003), quanto porque permite as articulações com aqueles mapas de menor escala, com informações e regras mais amplas, gerais, que muitas vezes influenciam diretamente a dinâmica da vida em grande escala. Atlas Municipais Escolares e pesquisa colaborativa A questão metodológica da produção dos atlas escolares e a formação de professores também passaram a ganhar relevância nas discussões acadêmicas e trabalhos de alguns especialistas. Ressaltamos como um dos principais avanços na elaboração de Atlas adequados a uso escolar os processos de elaboração de material que têm privilegiado a produção colaborativa entre professores das redes públicas de ensino básico e superior; uma vez que Atlas são geralmente elaborados por cartógrafos ou geógrafos. Segundo Rosângela Doin de Almeida (2001, p. 142): a produção de atlas escolares, considerando-os material didático, deve desenvolver-se com a colaboração entre especialistas em cartografia, educadores e professores. Caso contrário, corre-se o risco de criar atlas
  • 4. visualmente agradáveis e tecnicamente corretos, mas estranhos à sala de aula e inadequados para o uso escolar. A formação de professores, assim como os processos de investigação científica no campo educacional e de formulação de políticas e materiais educacionais estão entre os trabalhos cuja mediação teórico-metodológica desempenha um papel fundamental quanto aos seus processos de desenvolvimento e produções, uma vez que revela seus fundamentos epistemológicos. Dessa forma, destacamos a “pesquisa-ação” (THIOLLENT, 1994) como modalidade de pesquisa que nos parece mais adequada às características de um projeto de produção que prime por um trabalho coletivo para fins comuns. Tal modalidade destaca-se no sentido de indicar perspectivas teórico-metodológicas ao campo de conhecimento da Geografia Escolar e da produção de materiais escolares, como uma metodologia de pesquisa das práticas concretas produzidas e compartilhadas nos espaços de trabalho cotidianos do professor, visando aproximar as pesquisas acadêmicas dos saberes e práticas de professores da rede pública de ensino brasileira, uma vez que esta última não tem sido digna de atenção pelos elaboradores de políticas educacionais, textos oficiais e didáticos (GONÇALVES, 2006). A experiência de produção de atlas a partir desta modalidade de pesquisa resulta num trabalho dialético, portanto se fazem presentes os conflitos e dilemas entre os participantes, uma vez que envolve discussões que ultrapassam o consenso da necessidade desse tipo de material, envolvendo o conhecimento que ele apresenta como um texto didático a ser tomado como objeto de ensino, implicando a elaboração coletiva de uma visão de atlas, de município e de escola (ALMEIDA, 2003). Assim, a produção coletiva de um Atlas municipal escolar surge como uma importante conquista ao ensino de Geografia no referido município, tanto no que se refere ao próprio material de ensino (Atlas) que privilegia o lugar e suas histórias, quanto por ter-se constituído dentro de processos formativos da profissão docente, através da comunidade de aprendizagem que tal construção envolveu, inserindo o material no contexto dos saberes escolares e da prática docente. O Atlas municipal escolar e o desafio identitário Há um caráter intencional atribuído aos atlas escolares locais, assumindo importância política, pois um atlas pode ou não “manifestar os desequilíbrios, as
  • 5. situações de conflitos e as tendências da sociedade que se volta para o mundial” (CARLOS, 1996, p. 29 apud ALMEIDA, 2001). A demanda educacional por este tipo de material na atualidade tem a ver com uma reflexão sobre o papel da escola frente a seus sujeitos e a questão da identidade sócio-espacial. Uma das principais justificativas está no fato de que ainda que com toda formação profissional docente e a característica pujante das crianças e dos jovens da capacidade de criação de construção de explicações, cada vez mais ambos (professores e alunos) somos bombardeados nos aspectos mais rotineiros do cotidiano por meio de mensagens, ordens, convites e seduções, sendo chamados a primar pela captura daquilo que está fora de nós, como pelo predomínio das formas culturais estadunidenses e japonesas veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Outro motivo pelo qual os Atlas são requeridos pelas instituições escolares e prefeituras refere-se a grande mobilidade humana no interior do país, que faz com que se encontrem na escola crianças e jovens provindos dos mais distintos lugares do Brasil, desconhecendo, muitas vezes, a organização territorial do município de destino, bem como seus processos históricos e características ambientais e culturais. Entre os fatores que envolvem a demanda do Atlas pelos municípios estão a violência urbana, os problemas ambientais, a depredação dos patrimônios históricos, culturais e ambientais, ou ainda recebimento de um contingente de pessoas que, por terem se deslocado diversas vezes, foram “desenraizadas” de um espaço social e cultural - o lugar onde vivem por vezes é visto como provisório, portanto não têm referencias quanto à memória, à participação política e ao sentimento de pertencimento, o que alimentaria a construção de valores para um convívio urbano tolerante. Assim, ao mesmo tempo em que há uma preocupação com a produção de um material que contribua com a construção de sentimentos de pertencimento nos sujeitos escolares quanto ao meio em que vivem, à cultura em que estão inseridos, ou seja, que atue na formação da identidade sócio-espacial dos sujeitos escolares, há que se atentar às propostas de identidade sócio-espacial que subjazem esta forma pedagógica aperfeiçoada de se ensinar o mundo e a realidade que são os atlas municipais, uma vez que ele é resultado de um entrelaçamento de linguagens, as quais, como vimos, não se limita a descrever, mas produz espaços e ordenamentos territoriais. Tal preocupação se torna imprescindível, uma vez que o espaço imediato de determinado momento de vivência, ou seja, o espaço local, muitas vezes não é
  • 6. representativo por si só das nossas noções territoriais, como também não são somente as tradições histórico-geográficas lineares que configuram as identificações com o lugar. Isto não ocorre somente pelo fato de vivermos em período de globalização, em que áreas diferentes do Brasil e da Terra são postas em interconexão umas com as outras, mas também pelas concepções geográficas e historicistas burguesas ou progressistas, que se apóiam nos “espaços luminosos” 1 e nos tempos cronológicos e lineares, nas materialidades e simbologias que perpetuem os sentidos de tais geograficidades e hisoricidades, trazendo implicações ruinosas para aqueles que não participaram da configuração destes espaços-tempos ou se constituíram em outros distintos. Um atlas, cuja demanda situa-se na promoção da identidade sócio-espacial e que para isso reforça tais geografias e histórias do município, engrossa uma visão preconceituosa de organização do espaço e do tempo, e interessa a um grupo limitado de atores. Pressupostos para pensar Atlas municipais escolares Na reflexão que segue percorrerei um caminho que articule as propostas de realidades dos Atlas municipais escolares e a noção de identidade, o farei a partir das discussões em torno do conceito de “história” presente no pressuposto filosófico de Walter Benjamin e, posteriormente, de Michel Foucault. Partirei de uma cena real de um processo de produção colaborativa de um Atlas municipal escolar, em que dentro da heterogeneidade dos membros participantes, deparávamos com freqüência com conflitos e dilemas quanto aos conteúdos, formas e ordem de apresentação dos mesmos no material. Lembrando que está aí, na razão comunicativa do processo de produção do material, a viabilização do debate de idéias e ação colaborativa, sem ela os referidos questionamentos não fazem muito sentido, uma vez que seguirá os pressupostos dos autores especialistas. 1 Santos e Silveira (2003, p. 264) chamam de espaços luminosos “aqueles que mais acumulam densidades técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais características estão ausentes seriam os espaços opacos”.
  • 7. Para a reflexão proposta neste texto, destaco as marcas das intervenções de membros do grupo de elaboração de um atlas, cuja história individual e familiar coincidia com a história processual e progressista do município. Com a suposta autoridade de quem compartilhou e compartilha as tradições históricas e a evolução urbana do município, portanto, sem temer o equívoco quanto à relevância da inclusão, menção ou localização nos mapas e demais representações gráficas do Atlas, eram preceituadas determinados lugares, praças, ruas centrais, edifícios, obras de engenharia, estabelecimentos industriais, comerciais, de recreação e religiosos, que muitas vezes simbolizavam lideranças políticas e/ou oligárquicas da cidade; além da ordem temporal almejada seguir uma cronologia homogênea através dos principais feitos e personagens do município ou país (supondo significância idêntica a todos os moradores do município) e uma lógica de causalidade com as sucessões políticas. Mais incisivas eram as intervenções da prefeitura, uma vez que na condição de parceira do projeto, por vezes parecia confundir o Atlas com material de divulgação de pontos de visita turística da cidade. Assim, é considerando a modalidade colaborativa de produção do material que indicamos alguns pressupostos para discutir situações como estas e pensar as propostas dos Atlas municipais escolares. Para começar indicarei a imagem que Benjamin (1994, p. 225) faz do uso da história: A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diz tudo para o materialismo histórico. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são os que chamamos bens culturais. (...) Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Mas o que isso significa? O que isso pode indicar para pensar a produção de Atlas municipais escolares? Para este autor há um uso da história, que beneficia sempre os dominadores, um uso pautado na exaltação da existência de uma “tradição histórica” e de seus “herdeiros”; uma perspectiva que exige uma “empatia ao vencedor”, pois aqueles que “num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes” (BENJAMIN, 1994). Ao trazermos esta reflexão também para um uso da geografia, podemos inferir que se pautaria na exaltação dos “espaços com consistência técnica e política” e dos que ali “circulam e os reproduzem”.
  • 8. A partir desta imagem que Benjamin faz do “uso” da história fica claro que a história e o espaço passam a ser uma representação/produção cultural que pode fazer de ambos um instrumento de dominação. Instrumentos engendrados por aqueles que participam do cortejo triunfal, sustentado pelos herdeiros dos vencedores, como aqueles cuja história de vida é supostamente sincrônica à evolução histórica de um espaço, ou seja, que evoca um movimento temporal linear num espaço totalizável pela vista, ou ainda aquele com poder e soberania sobre determinado espaço. A preocupação deste texto está em não tornar o Atlas um panfleto deste cortejo. Esta não é uma questão cuja solução se encontre nos ajustes técnicos dos mapas, pois como sinaliza Marcello Marnielli (2008, p. 21, 31), no trabalho intitulado “Um atlas geográfico escolar para o ensino-aprendizagem da realidade natural e social”: a concepção de um atlas geográfico para escolares tem como proposta básica, a de não ser apenas uma coletânea de mapas, prontos e acabados, mas sim, de compor uma organização sistemática de representações trabalhadas com finalidade intelectual específica. (...) o fato de, em geral, os atlas apresentarem ilustrações, não significa a ação de incluir imagens para torná-lo mais atraente e multicolorido. Portanto, é necessário considerar o Atlas municipal escolar como resultante de um entrelaçamento de linguagens que criam noções particulares de ocupação territorial, de escravidão, de atividade econômica, de etnia indígena, de cidade, de evolução urbana, de meio ambiente, de uso do solo, de bacia hidrográfica, de patrimônio histórico, de trabalho, de consumo, de movimento sociais, de serviços públicos... Enfim, de todas as temáticas envolvidas em sua produção e apresentadas como propostas de cada uma destas noções. Neste percurso reflexivo, temos que nos perguntar: Quais são as proposições culturais que imperam nas referências espaciais e temporais do Atlas que estamos produzindo? Sobretudo aquelas constitutivas de modelos de organização espacial e de identidade sócio-espacial. A quais grupos sociais o material dá voz? Quais ele silencia? Quais significados, sentidos, afetos e desafetos seus conteúdos/formas mobilizam no professor e aluno leitor? Quais restringem? Atlas municipais escolares e o mapeamento das rupturas As perguntas acima expostas têm nos encaminhado a compreender que àquele lugar imediato, constituído numa ordem processual e vivenciado com o corpo no
  • 9. presente – dito como ponto de partida das aulas de Geografia, e da produção dos Atlas locais – há de se enredar a problemática da fragmentação, das descontinuidades, da ruptura que fazem parte de nossas relações com os espaços e que vêm se tornando cada vez mais intensas e tomando tantas formas distintas de realização. Observa-se que ao mesmo tempo em que os impactos da globalização incidem na “homogeneização global”, na difusão do consumismo, na imediatez, na exploração, nos padrões modernos ocidentais de sociedade produzidas pelas indústrias culturais, há também os impactos daqueles que tentam reconstruir as identidades purificadas e o “fechamento” a determinadas diferenças, utilizando-se dos mesmos artefatos materiais e simbólicos do mercado global. Os modelos de urbanização, de crescimento econômico, os perfis demográficos, a definição do clima, os processos sociais lineares, os fenômenos tendenciais, as regulações constantes, que por longo tempo foram perseguidas como objetos de estudo e apresentação científica, foram substituídas, nos pressupostos da História Nova, por um “jogo de interrupções em profundidade” (FOUCAULT, 2008, p. 3). Aprendemos com a Arqueologia do Saber de Michel Foucault que vê-se hoje o espraiamento de todo um campo de questões, sob grande multiplicação dos níveis de análise, por isso é preciso deslocar a atenção da cronologia contínua da razão, das totalizações, das ordens fundadoras, para os fenômenos das rupturas, das interrupções, das mutações. Dos corpus coerentes e homogêneos de documentos, do tratamento exaustivo da massa documental ou dos elementos mais representativos, para o uso das “categorias da descontinuidade e da diferença, as noções de limiar, de ruptura e de transformação” (FOUCAULT, 2008, p. 16). Transformações, por exemplo, que traz conseqüências às novas dimensões da identidade sócio-espacial, “deslocando” as referências culturais de classe, de gênero, sexualidade, de núcleo familiar, de etnia, raça, nacionalidade (que no passado nos tinham fornecido “sólidas localizações como indivíduos sociais”), implicando hoje que as identidades sejam deslocadas para uma pluralidade de centros de referência. E se as referencias da identidade sócio-espacial são os espaços e os tempos, vemos que aqueles que historicamente foram tomados como referências, hoje deslocam-se para uma pluralidades de outros espaços-tempos. Retornando ao exemplo da situação real de produção de um Atlas municipal que mencionamos anteriormente, podemos citar aqueles referenciais espaço-temporais que pouco diz à maioria daquela população municipal – supondo ser um dos motivos desta
  • 10. pouca significância o fato de uma porcentagem significativa de moradores deste município paulista ser proveniente da região nordeste brasileira – observamos entre estes espaços-tempos, por exemplo: a praça central, edifícios coloniais, católicos, os símbolos dos auges e glamour sociais associados aos ciclos econômicos, museus que guardam a memória destes períodos, prédios representantes da forma de governo vigente mas pouco eficiente, estabelecimentos de clubes, associações ou de sociedades iniciáticas ou tradições culturais específicas. Isso evidencia que um Atlas que contemple a condição de descontinuidades e rupturas espaço-temporais, ao menos não se restringe a referenciais que reserve as tradições puras e onde perdura uma lógica histórica que se explique por si mesma ou onde a história da sua formação espacial coincida com a história individual de todos sujeitos ou comunidades que ali vivem. Não dá mais para se referir aos lugares como aquilo que conserva identidades purificadas, cujas lógicas de pertencimento, de representação, de desenvolvimento de conhecimentos e práticas de seus sujeitos provêm de ordens e lógicas estruturadas, aproximadas espacialmente, totalmente conhecidas e controladas. Deve fazer parte das discussões entre os participantes da ação colaborativa de elaboração do material a preocupação ética e estética de geografia, de história, de identidade, deixando claro na concepção final do atlas que aqueles espaços-tempos devem ser vistos como uma expressão sócio-cultural de geografia, de história ou de identidade. Assim buscar-se-á alargar a idéia de identidade sócio-espacial considerando que todo contexto sócio-espacial deve ser visto em relação às expressões culturais, simbólicas, às instituições, às relações de poder. Apoiado em formulações benjaminianas, César Leite (2007, p. 28) nos ajuda a compreender por que na modernidade e, sobretudo nas e com as ciências modernas, vivemos em um universo da desconfiança e do não-entendimento da tal descontinuidade do tempo e das coisas: pois buscamos uma noção da exatidão e da linearidade que deve ser assegurada para que também nos sintamos seguros, pois é terrível quando nos perdemos em uma cidade, em suas ruas, pois nelas estamos seguros e assegurados por seus mapas e referências, o que importa é o sentimento de segurança e exatidão para que ele nos distancie dos labirintos, e caso nele entremos, devemos estar acompanhados senão de Ariadne, pelo menos do fio que ela nos apresenta para que dele consigamos sair, pois, muitas vezes, o difícil não é acabar com nossos monstros, mas é conseguir sair de nossos próprios labirintos.
  • 11. Remetendo à imagem emprestada de Benjamin à reflexão apresentada nesta comunicação, entendemos que no “cortejo”, os Atlas podem tanto fornecer a “exatidão e a linearidade” que assegura o sucesso dos herdeiros, como pode desempenhar o papel do fio de Ariadne, aos que ainda que espezinhados no cortejo e postos nos labirintos, não necessitem abandonar seus referenciais espaços-temporais, mas que encontre incidências das interrupções, das rupturas, podendo problematizar aquilo que seria uma “geografia global”, mas que a ele não é coincidente. Enfim, que possa encontrar-se, decifrando seus próprios labirintos, no entrelaçamento de linguagens do Atlas de seu município. Um Atlas inacabado, onde encontre aberturas para interlocução com seus espaços-tempos, para o intercâmbio, a mistura, o enriquecimento cultural e novas articulações espaço-temporais para a produção das novas identidades. Bibliografia AGUIAR, Lígia Maria Brochado de. O lugar e o mapa. Cadernos do CEDES. Campinas, v. 23, n. 60, 2003. p. 139-148. ALMEIDA, Rosângela Doin de. Integrando universidade e escola por meio de uma pesquisa em colaboração. Tese (Livre Docência). Rio Claro-SP: Universidade Estadual Paulista (UNESP), 2001. ALMEIDA, Rosângela Doin de. Atlas municipais elaborados por professores: a experiência conjunta de Limeira, Rio Claro e Ipeúna. Caderno CEDES, Campinas, v. 23, n. 60, 2003, p. 149-168. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. CAZETTA, Valéria. Práticas educativas com fotografias aéreas verticais em uma pesquisa colaborativa. Biblio 3W. Universidade de Barcelona, Vol. XII, nº 713, 2007. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 2008. GONÇALVES, Amanda Regina. Repensando o lugar na Geografia: espaços-tempos cotidianos de conhecimentos e práticas sociais Geografia. Rio Claro. v.32, n.3, p. 521- 537, 2007. LEITE, César Donizetti Pereira. Narração e Experiência: olhares para uma educação “aquém” da pedagogia – um enfoque a partir de uma situação de aprendizado da escrita. Revista ACOALFAplp: Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São Paulo, ano 2, n. 3, 2007. LE SANN, Janini G. Elaborando um atlas municipal. Belo Horizonte-MG, 1995. MARTINELLI, Marcello. Um atlas geográfico escolar para o ensino-aprendizagem da realidade natural e social. Portal da Cartografia. Londrina, v.1, n.1, p. 21-34, 2008. MIRANDA, Sergio Luiz. Atlas Municipais Escolares: a moda e os professores. Caderno CEDES. Campinas, v. 23, n. 60, p. 231-245, 2003. OLIVEIRA, Adriano Rodrigo. Geografia e Cartografia escolar: o que sabem e como ensinam professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental? Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.3, p. 481-494, 2008.
  • 12. PEZZATO, João Pedro; PASSINI, Elza. Projetos de elaboração de atlas municipais e melhoria do ensino de Geografia na rede de educação básica. Anais da ANPED, 2003. SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1997. SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura (org.). O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. São Paulo: Record, 2003. SIMIELLI, Maria Elena R. Cartografia e ensino: proposta e contraponto de uma obra didática. Tese (Livre-docência). São Paulo-SP: FFLCH - USP, 1999. THIOLLENTE, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1998.