SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 4
A Criança na Fase Inicial da Escrita: A
Alfabetização como Processo Discursivo
Ana Luiza Bustamante Smolka

Alguns pontos de partida
A alfabetização tem se revelado uma das questões sociais mais fundamentais em virtude de suas
implicações político-econômicas e por ser ao mesmo tempo instrumento e veículo de uma política
educacional que ultrapassa em muito o espaço meramente acadêmico e escolar. A ideologia da
‘democratização do ensino’ produz a ilusão de um maior número de alfabetizados no menor tempo
possível. Ocorre que no processo da produção do ensino em massa as práticas pedagógicas
aplicadas não apenas discriminam e excluem, como emudecem e calam.
Durante as décadas de 1960 e 1970, o Estado brasileiro difundiu e implementou a idéia da educação
compensatória que, confundindo propositadamente ‘diferença’ com ‘deficiência’, criou e, de certa
forma, consolidou inúmeros mitos com relação ao fracasso escolar: do mito da incapacidade da
criança começou o surgir o mito da incompetência do professor.
Para ‘compensar’ esta nova ‘deficiência’ era necessário implementar os cursos de treinamento e os
manuais didáticos para o professor malformado, mal-informado e desatualizado. “Numa surda
situação de simulacro” – como escreve Smolka (1993, p. 16) – “em que os professores desconfiam
das crianças e dos pais; os pais não confiam nos próprios filhos nem nos professores; as crianças
aprendem a não confiar em si mesmas nem nos adultos, as relações interpessoais vão sendo
camufladas, interrompidas e ninguém parece questionar as condições ou duvidar dos métodos” –
enquanto que a escola se manteve a mesma e o problema da evasão sem solução.
Segundo Smolka, a escola que se mostrou deficiente em sua tarefa pedagógica de alfabetizar,
passou a apontar cada vez mais uma série de ‘patologias’ nas crianças: dislexias, problemas
psicomotores, foniátricos, neurológicos; o desinteresse total, a apatia, a falta de motivação, isto é,
começam a ‘surgir’ nas crianças problemas que não, necessariamentes, elas os têm.
No começo da década de 1980, os pesquisadores brasileiros começam a ter acesso aos primeiros
resultados do estudo de Emília Ferreiro sobre os processos de aquisição da linguagem escrita em
crianças pré-escolares argentinas e mexicanas, indagando os métodos de alfabetização existentes. É
a partir deste trabalho que Smolka desenvolveu sua pesquisa sobre os processos de aquisição da
escrita nas crianças, cujos resultados este livro apresenta.
O que de fato se comprovou, segundo Smolka, foi a indiscutível influência das condições de vida
das crianças no processo de elaboração e construção do conhecimento do mundo. E, nestas
condições, o importante papel que desempenha a presença ou a ausência de adultos ou pessoas mais
experientes, como interlocutores e informantes das crianças.
Salas de aula, relações de ensino
Entendendo que a alfabetização implica leitura e escritura como momentos discursivos, uma vez
que o próprio processo de aquisição também vai se dando numa sucessão de momentos discursivos,
de interlocução, de interação, Smolka discute neste segundo capítulo alguns parâmetros ou pontos
de apoio para a análise que busca fazer em sua pesquisa. E vai buscá-los na Teoria da Enunciação e
na Análise do Discurso.
A Teoria da Enunciação, extraída da obra de Bakhtin, aponta para a consideração do fenômeno
social da interação verbal nas suas formas orais e escritas, procurando situar essas formas em
ligação às condições concretas da vida, levando em consideração o processo de evolução da língua,
isto é, sua elaboração e transformação sócio-histórica.
As referências para a Análise do Discurso, Smoka encontra em Orlandi e Pêcheaux. Enquanto para
Orlandi o discurso pedagógico considera a função de ensinar do ponto de vista da escola e do
professor: quem/ ensina/ o que/ para quem/ onde; Pêcheaux argumenta que todo processo discursivo
supõe, da parte do emissor, uma antecipação das representações do receptor, isto é, sua habilidade
de imaginar, de pensar onde seu ouvinte o enquadra, e que esta antecipação de ‘o que o outro vai
pensar’ do lugar em que ele se representa como tal parece constitutiva de todo discurso.
Ambos os casos apontam para a ilusão em que vivem os professores que assumem a tarefa, a eles
atribuída pela sociedade, de ensinar. Ou seja, da forma como tem sido vista na escola, a tarefa de
ensinar adquiriu algumas características (é linear, unilateral, estática) porque, do lugar em que o
professor se posiciona (e é posicionado), ele se apodera (não se apropria) do conhecimento; acredita
que o possui (é levado a acreditar) e que sua tarefa é precisamente dar o conhecimento à criança.
Desse modo, o professor monopoliza o espaço da sala de aula: seu discurso pré-domina e se impõe.
Daí sucede que o estatuto do conhecimento passa pela escolarização, o que significa dizer que quem
não vai à escola não possui conhecimentos.
A ilusão ao qual o professor está submetido decorre da não-consideração de vários aspectos cruciais
no processo de convivência, interação e relação com os alunos, pais, colegas de trabalho,
funcionários, superiores, no cotidiano da escola. Nesse lugar, o(a) professora(a) ocupa uma posição
de responsável pelo processo de alfabetização e assume a tarefa de ensinar crianças a ler e a
escrever. Nesse mesmo lugar, as crianças ocupam uma posição de alunos, e assumem a tarefa de
aprender a ler e a escrever. Isto parece claro e evidente, portanto, não se questiona.
Smolka dá como exemplo uma situação em que a professora escreve na lousa e propõe às crianças
um exercício como o descrito, percebe-se que ela está desempenhando o papel a ela atribuído e
imagina-se que assim esteja alfabetizando as crianças. Mas, pelos comentários da professora desta
situação-exemplo verifica-se que as crianças não corresponderam às suas expectativas, isto é, não
entendem o que devem fazer, nem executam a tarefa dada conforme era esperado. Isto indica que as
‘pressuposições’ não se confirmam, indica que existe algo nesta situação que não está sendo
revelado, que é preciso procurar as ‘pistas’ que geralmente passam despercebidas e são tidas como
irrelevantes nas análises das relações de ensino. A professora que sabe qual é a sua função dentro da
sala de aula ensina crianças que ainda não desempenham seu papel dentro da sala de aula conforme
o esperado. Isso gera na professora um sentimento de incapacidade, incompetência e fracasso que
ela acaba por transferir para as crianças. Ou seja, como a tarefa suplanta ou apaga a relação de
ensino, evidencia-se, então a luta de poder. Como elas não conseguem realizar as expectativas da
professora, supõe-se e conclui-se que as crianças têm problemas; que elas são incapazes; que elas
não prestam atenção e não tem os pré-requisitos desenvolvidos; o que significa dizer que não
podem ser alfabetizadas. Essas conclusões e suposições, que na realidade se caracterizam como
pressuposições, transformam-se em preconceitos. E é isso, segundo Smolka, que tem permeado,
implicitamente, as relações de ensino.
Discutindo pontos de vista
Dentro desta perspectiva apontada no capítulo anterior, as falhas ou os erros estão sempre nas
crianças e nunca nos procedimentos utilizados pela escola, que são sempre ‘cientificamente’
comprovados e legitimados. Entretanto, uma análise feita sob outra perspectiva pode nos apontar,
entre outras coisas, que o que está subterrâneo nas práticas adotadas nas escolas pelos professores
são concepções de aprendizagem e de linguagem que não levam em consideração o processo de
construção, interação e interlocução das crianças, nem as necessidades e as atuais condições de vida
das crianças fora do ambiente escolar e, por isso mesmo, podem ser consideradas historicamente
ultrapassadas.
Como em inúmeras outras situações do contexto escolar, os movimentos de interação entre as
crianças e entre as crianças e o professor são cerceados por questões disciplinares: o silêncio em
sala de aula, por exemplo. Dessa forma, a alfabetização na escola fica reduzida a um processo,
individualista e solitário, que pouco tem a ver com as experiências de vida e de linguagem das
crianças. Nesse sentido, é estéril e estática, porque baseada na repetição, na reprodução, na
manutenção do status quo. Configura-se assim um tipo de sujeito que não precisa perguntar, que
não precisa da ajuda dos outros para aprender.
De um ponto de vista construtivista, essa situação escolar se colocaria como insustentável uma vez
que não considera o ponto de vista da criança que aprende, não leva em consideração os processos
de elaboração do conhecimento sobre a escrita. Para compreender esta questão, Smolka se ampara
na pesquisa de Ferreiro & Teberosky que partem do pressuposto de que a criança é um sujeito ativo
e conhecedor, as autoras indicam a importância de se compreender a lógica interna das progressões
das noções infantis sobre a escrita, mostrando que as crianças exigem de si mesmas uma coerência
rigorosa no processo de construção do conhecimento. Nesse processo, as autoras mostram a
importância do erro como fundamentalmente construtivo na superação de contradições e conflitos
conceituais, explicitando, numa progressão, etapas e hipóteses que as crianças levantam sobre a
escrita: em outras palavras, o processo de aprendizagem não é conduzido pelo professor, mas pela
criança.
Porém como alerta Smolka, as análises de Ferreiro e Teberosky não podem dar conta, em termos
político-pedagógicos, do fracasso da alfabetização escolar. Elas mostram mais um fator que precisa
ser conhecido e observado no processo de alfabetização que são o significado e a importância das
interações, mas não resolvem nem pretendem resolver o problema. No entanto, os estudos destas
autoras acabou sendo incorporado pelas redes de ensino sem à devida adaptação à realidade
educacional brasileira, o que faz com que alguns conceitos provenientes da educação compensatória
sejam, agora, substituídos pelo linguajar construtivista, novamente culpabilizando a criança pela
não-aprendizagem, pela não-compreensão.
O que acontece de fato, mas que permanece implícito, é que o ensino da escrita, cristalizando a
linguagem e neutralizando (e ocultando) as diferenças, provoca um conflito fundamentalmente
social. Porque não se ‘ensina’ simplesmente a ‘ler’ e ‘escrever’, aprende-se a usar ‘uma’ forma de
linguagem, ‘uma’ forma de interação verbal, ‘uma’ atividade, ‘um’ trabalho simbólico: em outras
palavras, o processo de elaboração mental da criança na construção do conhecimento sobre a
escrita, que primeiramente passa pela linguagem falada, fica comprometido porque a escrita
apresentada na escola está longe da linguagem falada pelas crianças.
A emergência do discurso na escrita inicial
Neste capítulo, a autora discute que a alfabetização não significa apenas a aprendizagem da escrita
de letras, palavras e frases. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido.
Enquanto que a escola parece ocupada em ensinar as crianças a repetirem e reproduzirem palavras e
frases feitas, isto é, não trabalha com as crianças o ‘fluir do significado’, a estruturação deliberada
do discurso interior pela escritura. Essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um
desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor. Desse modo, implica, mais profundamente,
uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura – para quem eu escrevo o que
escrevo e por que?
Segundo Smolka, quando as crianças escrevem palavras soltas ou ditadas pelos professores, a
característica da escritura é uma, e identifica-se, mais facilmente, a correspondência entre a
dimensão sonora e a extensão gráfica. Mas quando as crianças começam a escrever o que pensam, o
que querem dizer, contar, narrar, elas escrevem porções, fragmentos do ‘discurso interior’ (que é
sempre diálogo consigo mesmo ou com outros).
Em termos pedagógicos, então, o que se faz relevante aqui é o fato de que, quando se permite as
crianças falarem e se relacionarem em sala de aula, questões vitais para elas vêm à tona e se tornam
‘matéria-prima’ do processo de alfabetização. Nessas conversas, concepções, pressuposições e
valores se revelam. Assim, o texto de cada criança não repete ou reproduz o texto coletivo, mas
permite que se inaugure novos momentos de interlocução, de acordo com o que pareceu mais
importante e relevante para cada uma, pelo que cada uma disse ou deixou de dizer. São os modos de
perceber, de sentir, de viver, de conviver, de conhecer e de pensar o mundo que as crianças passam a
expressar. A escrita começa a se tornar uma forma de interação consigo mesma e com os outros,
uma forma de ‘dizer’ as coisas. Com todas as hesitações, trocas e tentativas ortográficas, a criança
passa a escrever o que ela quer ou precisa dizer. Entretanto, a função da escritura ‘para outro’ e a
presença de interlocutores também provocam uma tensão: no esforço de explicação do discurso
interior, abreviado, sincrético, povoado de imagens – é nesse trabalho de explicitação das idéias por
escrito para o outro que as crianças vão experimentando e aprendendo as normas de convenção
porque é justamente da leitura do outro, da leitura que o outro faz (ou consegue fazer) do meu texto,
daquilo que eu escrevo no meu texto, do distanciamento que eu tomo da minha escrita, que eu me
organizo e apuro esta possibilidade de linguagem, esta forma de dizer pela escritura.
Aqui, novamente, se apresenta a questão dos procedimentos de ensino da leitura e da escrita na
escola: a escola tem ensinado as crianças a escrever, mas não a dizer – e sim, repetir – palavras e
frases pela escritura; tem ensinado as crianças a ler um sentido supostamente unívoco e literal das
palavras e dos textos e tem banido (reprovado) aqueles que não conseguem aprender o que ela
ensina, culpando-os pela incapacidade de entendimento e de compreensão. O que a escola não
percebe é que a incompreensão não é resultado de uma incapacidade do indivíduo, mas de uma
forma de interação.

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

O diálogo entre o ensino e aprendizagem
O diálogo entre o ensino e aprendizagemO diálogo entre o ensino e aprendizagem
O diálogo entre o ensino e aprendizagemCeli Jandy Moraes Gomes
 
Alfabetização e letramento
Alfabetização e letramentoAlfabetização e letramento
Alfabetização e letramentoRosinara Azeredo
 
O processo de alfabetização
O processo de alfabetizaçãoO processo de alfabetização
O processo de alfabetizaçãoRosemary Batista
 
Para quem a escola gagueja
Para quem a escola gaguejaPara quem a escola gagueja
Para quem a escola gaguejaadrianomedico
 
6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklin
6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklin6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklin
6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklinchristianceapcursos
 
Metodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciais
Metodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciaisMetodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciais
Metodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciaiscefaprodematupa
 
O papel social da leitura e da escrita
O papel social da leitura e da escritaO papel social da leitura e da escrita
O papel social da leitura e da escritaMárcia Varolo
 
Aprender a ler e a escrever - Ana Teberosky
Aprender a ler e a escrever  - Ana TeberoskyAprender a ler e a escrever  - Ana Teberosky
Aprender a ler e a escrever - Ana TeberoskyCristiano Pereira
 
Alfabetização e letramento caminhos e descaminhos
Alfabetização e letramento caminhos e descaminhosAlfabetização e letramento caminhos e descaminhos
Alfabetização e letramento caminhos e descaminhosNaysa Taboada
 
ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...
ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...
ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...christianceapcursos
 
Texto artur gomes de morais
Texto artur gomes de moraisTexto artur gomes de morais
Texto artur gomes de moraisgizaflexa
 
A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)
A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)
A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)Rosivaldo Gomes
 

La actualidad más candente (19)

O diálogo entre o ensino e aprendizagem
O diálogo entre o ensino e aprendizagemO diálogo entre o ensino e aprendizagem
O diálogo entre o ensino e aprendizagem
 
Monografia Mª Clara Pedagogia 2012
Monografia Mª Clara Pedagogia 2012Monografia Mª Clara Pedagogia 2012
Monografia Mª Clara Pedagogia 2012
 
Função social da escrita
Função social da escritaFunção social da escrita
Função social da escrita
 
Alusai artigo3 copia
Alusai artigo3   copiaAlusai artigo3   copia
Alusai artigo3 copia
 
Alfabetização e letramento
Alfabetização e letramentoAlfabetização e letramento
Alfabetização e letramento
 
O processo de alfabetização
O processo de alfabetizaçãoO processo de alfabetização
O processo de alfabetização
 
Para quem a escola gagueja
Para quem a escola gaguejaPara quem a escola gagueja
Para quem a escola gagueja
 
6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklin
6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklin6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklin
6. alfabetização e letramento nas séries iniciais franklin
 
Função social da escrita eliane poster
Função social da escrita eliane  posterFunção social da escrita eliane  poster
Função social da escrita eliane poster
 
Metodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciais
Metodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciaisMetodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciais
Metodologia e processo da alfabetizacão das séries iniciais
 
O papel social da leitura e da escrita
O papel social da leitura e da escritaO papel social da leitura e da escrita
O papel social da leitura e da escrita
 
Aprender a ler e a escrever - Ana Teberosky
Aprender a ler e a escrever  - Ana TeberoskyAprender a ler e a escrever  - Ana Teberosky
Aprender a ler e a escrever - Ana Teberosky
 
Alfabetização e letramento caminhos e descaminhos
Alfabetização e letramento caminhos e descaminhosAlfabetização e letramento caminhos e descaminhos
Alfabetização e letramento caminhos e descaminhos
 
ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...
ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...
ENSINO TRADICIONAL X CONSTRUTIVISTA: A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO NA ALFABETIZ...
 
Revista peb1
Revista peb1Revista peb1
Revista peb1
 
Délia+lerner
Délia+lernerDélia+lerner
Délia+lerner
 
Apresentacão tcc 9 final
Apresentacão tcc 9 finalApresentacão tcc 9 final
Apresentacão tcc 9 final
 
Texto artur gomes de morais
Texto artur gomes de moraisTexto artur gomes de morais
Texto artur gomes de morais
 
A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)
A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)
A aquisicao da lingua escrita como processo sociocultural (cleiton,edson,jaiane)
 

Similar a A Alfabetização como Processo Discursivo

São vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênio
São vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênioSão vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênio
São vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênioTania Braga
 
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...Elicio Lima
 
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...Elicio Lima
 
Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita”
Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita”   Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita”
Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita” ♥Marcinhatinelli♥
 
A intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagens
A intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagensA intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagens
A intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagenshelio123456
 
Teoria e prática educativa na área da alfabetização
Teoria e prática educativa na área da alfabetizaçãoTeoria e prática educativa na área da alfabetização
Teoria e prática educativa na área da alfabetizaçãoElisa Maria Gomide
 
Ii reunião alfabetização_eixos_norteadores
Ii reunião alfabetização_eixos_norteadoresIi reunião alfabetização_eixos_norteadores
Ii reunião alfabetização_eixos_norteadoresRosemary Batista
 
Psicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiro
Psicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiroPsicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiro
Psicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiroRoseParre
 
Esp. andressa jully bento de medeiros silva
Esp. andressa jully bento de medeiros silvaEsp. andressa jully bento de medeiros silva
Esp. andressa jully bento de medeiros silvahelio123456
 
Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014
Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014
Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014Keila Marcelo
 
Documentação pedagogica texto para estudo
Documentação pedagogica   texto para estudoDocumentação pedagogica   texto para estudo
Documentação pedagogica texto para estudoeliasdemoch
 
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAIS
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAISALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAIS
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAISchristianceapcursos
 
A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...
A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...
A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...Beatriz EAloísio
 
A importância da afetividade entre aluno e professor
A importância da afetividade entre aluno e professorA importância da afetividade entre aluno e professor
A importância da afetividade entre aluno e professorchristianceapcursos
 

Similar a A Alfabetização como Processo Discursivo (20)

Análise da cartilha
Análise da cartilhaAnálise da cartilha
Análise da cartilha
 
Alfabetizacao construtivista
Alfabetizacao construtivistaAlfabetizacao construtivista
Alfabetizacao construtivista
 
São vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênio
São vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênioSão vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênio
São vários os problemas que se perpetuam e se intensificam nesse novo milênio
 
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
 
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
Integração lar escola compromisso da escola e compromisso da familia na educa...
 
Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita”
Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita”   Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita”
Sintese síntese do livro “psicogênese da língua escrita”
 
A intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagens
A intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagensA intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagens
A intervenção do Psicopedagogo nas dificuldades de aprendizagens
 
Teoria e prática educativa na área da alfabetização
Teoria e prática educativa na área da alfabetizaçãoTeoria e prática educativa na área da alfabetização
Teoria e prática educativa na área da alfabetização
 
Ii reunião alfabetização_eixos_norteadores
Ii reunião alfabetização_eixos_norteadoresIi reunião alfabetização_eixos_norteadores
Ii reunião alfabetização_eixos_norteadores
 
Flavia vanuza monica
Flavia vanuza monicaFlavia vanuza monica
Flavia vanuza monica
 
Psicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiro
Psicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiroPsicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiro
Psicogênese da língua escrita segundo maria emilia ferreiro
 
Resenha revista exitus v4 n1 p275-279
Resenha   revista exitus v4 n1 p275-279Resenha   revista exitus v4 n1 p275-279
Resenha revista exitus v4 n1 p275-279
 
28022012094929 242
28022012094929 24228022012094929 242
28022012094929 242
 
Esp. andressa jully bento de medeiros silva
Esp. andressa jully bento de medeiros silvaEsp. andressa jully bento de medeiros silva
Esp. andressa jully bento de medeiros silva
 
Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014
Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014
Anexos relatório pibid pedagogia cianorte 2014
 
Documentação pedagogica texto para estudo
Documentação pedagogica   texto para estudoDocumentação pedagogica   texto para estudo
Documentação pedagogica texto para estudo
 
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAIS
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAISALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAIS
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NAS SÉRIES INICIAIS
 
Apresentaçãoç jornada de educ. 13
Apresentaçãoç  jornada de educ. 13Apresentaçãoç  jornada de educ. 13
Apresentaçãoç jornada de educ. 13
 
A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...
A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...
A afetividade nas relaçes professor aluno um estudo na educao de jovens e adu...
 
A importância da afetividade entre aluno e professor
A importância da afetividade entre aluno e professorA importância da afetividade entre aluno e professor
A importância da afetividade entre aluno e professor
 

Más de Celi Jandy Moraes Gomes

O impacto das novas tecnologias na sociedade
O impacto das novas tecnologias na sociedadeO impacto das novas tecnologias na sociedade
O impacto das novas tecnologias na sociedadeCeli Jandy Moraes Gomes
 
Dispositivos de entrada e saída de dados
Dispositivos de entrada e saída de dadosDispositivos de entrada e saída de dados
Dispositivos de entrada e saída de dadosCeli Jandy Moraes Gomes
 
Saberes docentes e formação profissional
Saberes docentes e formação profissionalSaberes docentes e formação profissional
Saberes docentes e formação profissionalCeli Jandy Moraes Gomes
 
Resolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superior
Resolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superiorResolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superior
Resolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superiorCeli Jandy Moraes Gomes
 
Resolução conselho nacional de educação câmara de educação básica (ceb) nº 1
Resolução conselho nacional de educação   câmara de educação básica (ceb) nº 1Resolução conselho nacional de educação   câmara de educação básica (ceb) nº 1
Resolução conselho nacional de educação câmara de educação básica (ceb) nº 1Celi Jandy Moraes Gomes
 
Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998
Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998
Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998Celi Jandy Moraes Gomes
 
Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998
Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998
Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998Celi Jandy Moraes Gomes
 

Más de Celi Jandy Moraes Gomes (20)

Como instalar tudo em ubuntu
Como instalar tudo em ubuntuComo instalar tudo em ubuntu
Como instalar tudo em ubuntu
 
Conjuntos numéricos
Conjuntos numéricosConjuntos numéricos
Conjuntos numéricos
 
0106 gs3 introducaoaoimpress-ptbr
0106 gs3 introducaoaoimpress-ptbr0106 gs3 introducaoaoimpress-ptbr
0106 gs3 introducaoaoimpress-ptbr
 
0105 gs3 introducaoaocalc-ptbr
0105 gs3 introducaoaocalc-ptbr0105 gs3 introducaoaocalc-ptbr
0105 gs3 introducaoaocalc-ptbr
 
0104 gs3 introducaoaowriter-ptbr
0104 gs3 introducaoaowriter-ptbr0104 gs3 introducaoaowriter-ptbr
0104 gs3 introducaoaowriter-ptbr
 
0101 gs3 introducaoaolibo-ptbr
0101 gs3 introducaoaolibo-ptbr0101 gs3 introducaoaolibo-ptbr
0101 gs3 introducaoaolibo-ptbr
 
O impacto das novas tecnologias na sociedade
O impacto das novas tecnologias na sociedadeO impacto das novas tecnologias na sociedade
O impacto das novas tecnologias na sociedade
 
áLgebra booleana e circuitos lógicos
áLgebra booleana e circuitos lógicosáLgebra booleana e circuitos lógicos
áLgebra booleana e circuitos lógicos
 
Entrada e saida
Entrada e saidaEntrada e saida
Entrada e saida
 
Dispositivos de entrada e saída de dados
Dispositivos de entrada e saída de dadosDispositivos de entrada e saída de dados
Dispositivos de entrada e saída de dados
 
Lei 10.639 2003
Lei 10.639 2003Lei 10.639 2003
Lei 10.639 2003
 
Constituição do estado do pará
Constituição do estado do paráConstituição do estado do pará
Constituição do estado do pará
 
Formação social da mente
Formação social da menteFormação social da mente
Formação social da mente
 
Saberes docentes e formação profissional
Saberes docentes e formação profissionalSaberes docentes e formação profissional
Saberes docentes e formação profissional
 
Resolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superior
Resolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superiorResolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superior
Resolução nº 2 conselho nacional de educação câmara de educação superior
 
Resolução conselho nacional de educação câmara de educação básica (ceb) nº 1
Resolução conselho nacional de educação   câmara de educação básica (ceb) nº 1Resolução conselho nacional de educação   câmara de educação básica (ceb) nº 1
Resolução conselho nacional de educação câmara de educação básica (ceb) nº 1
 
Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998
Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998
Resolução ceb nº 3, de 26 de junho de 1998
 
Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998
Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998
Resolução câmara de educação básica, nº 2, de 7 de abril de 1998
 
Pedagogia do oprimido
Pedagogia do oprimidoPedagogia do oprimido
Pedagogia do oprimido
 
Pedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomiaPedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomia
 

A Alfabetização como Processo Discursivo

  • 1. A Criança na Fase Inicial da Escrita: A Alfabetização como Processo Discursivo Ana Luiza Bustamante Smolka Alguns pontos de partida A alfabetização tem se revelado uma das questões sociais mais fundamentais em virtude de suas implicações político-econômicas e por ser ao mesmo tempo instrumento e veículo de uma política educacional que ultrapassa em muito o espaço meramente acadêmico e escolar. A ideologia da ‘democratização do ensino’ produz a ilusão de um maior número de alfabetizados no menor tempo possível. Ocorre que no processo da produção do ensino em massa as práticas pedagógicas aplicadas não apenas discriminam e excluem, como emudecem e calam. Durante as décadas de 1960 e 1970, o Estado brasileiro difundiu e implementou a idéia da educação compensatória que, confundindo propositadamente ‘diferença’ com ‘deficiência’, criou e, de certa forma, consolidou inúmeros mitos com relação ao fracasso escolar: do mito da incapacidade da criança começou o surgir o mito da incompetência do professor. Para ‘compensar’ esta nova ‘deficiência’ era necessário implementar os cursos de treinamento e os manuais didáticos para o professor malformado, mal-informado e desatualizado. “Numa surda situação de simulacro” – como escreve Smolka (1993, p. 16) – “em que os professores desconfiam das crianças e dos pais; os pais não confiam nos próprios filhos nem nos professores; as crianças aprendem a não confiar em si mesmas nem nos adultos, as relações interpessoais vão sendo camufladas, interrompidas e ninguém parece questionar as condições ou duvidar dos métodos” – enquanto que a escola se manteve a mesma e o problema da evasão sem solução. Segundo Smolka, a escola que se mostrou deficiente em sua tarefa pedagógica de alfabetizar, passou a apontar cada vez mais uma série de ‘patologias’ nas crianças: dislexias, problemas psicomotores, foniátricos, neurológicos; o desinteresse total, a apatia, a falta de motivação, isto é, começam a ‘surgir’ nas crianças problemas que não, necessariamentes, elas os têm. No começo da década de 1980, os pesquisadores brasileiros começam a ter acesso aos primeiros resultados do estudo de Emília Ferreiro sobre os processos de aquisição da linguagem escrita em crianças pré-escolares argentinas e mexicanas, indagando os métodos de alfabetização existentes. É a partir deste trabalho que Smolka desenvolveu sua pesquisa sobre os processos de aquisição da escrita nas crianças, cujos resultados este livro apresenta. O que de fato se comprovou, segundo Smolka, foi a indiscutível influência das condições de vida das crianças no processo de elaboração e construção do conhecimento do mundo. E, nestas condições, o importante papel que desempenha a presença ou a ausência de adultos ou pessoas mais experientes, como interlocutores e informantes das crianças. Salas de aula, relações de ensino Entendendo que a alfabetização implica leitura e escritura como momentos discursivos, uma vez que o próprio processo de aquisição também vai se dando numa sucessão de momentos discursivos, de interlocução, de interação, Smolka discute neste segundo capítulo alguns parâmetros ou pontos de apoio para a análise que busca fazer em sua pesquisa. E vai buscá-los na Teoria da Enunciação e na Análise do Discurso.
  • 2. A Teoria da Enunciação, extraída da obra de Bakhtin, aponta para a consideração do fenômeno social da interação verbal nas suas formas orais e escritas, procurando situar essas formas em ligação às condições concretas da vida, levando em consideração o processo de evolução da língua, isto é, sua elaboração e transformação sócio-histórica. As referências para a Análise do Discurso, Smoka encontra em Orlandi e Pêcheaux. Enquanto para Orlandi o discurso pedagógico considera a função de ensinar do ponto de vista da escola e do professor: quem/ ensina/ o que/ para quem/ onde; Pêcheaux argumenta que todo processo discursivo supõe, da parte do emissor, uma antecipação das representações do receptor, isto é, sua habilidade de imaginar, de pensar onde seu ouvinte o enquadra, e que esta antecipação de ‘o que o outro vai pensar’ do lugar em que ele se representa como tal parece constitutiva de todo discurso. Ambos os casos apontam para a ilusão em que vivem os professores que assumem a tarefa, a eles atribuída pela sociedade, de ensinar. Ou seja, da forma como tem sido vista na escola, a tarefa de ensinar adquiriu algumas características (é linear, unilateral, estática) porque, do lugar em que o professor se posiciona (e é posicionado), ele se apodera (não se apropria) do conhecimento; acredita que o possui (é levado a acreditar) e que sua tarefa é precisamente dar o conhecimento à criança. Desse modo, o professor monopoliza o espaço da sala de aula: seu discurso pré-domina e se impõe. Daí sucede que o estatuto do conhecimento passa pela escolarização, o que significa dizer que quem não vai à escola não possui conhecimentos. A ilusão ao qual o professor está submetido decorre da não-consideração de vários aspectos cruciais no processo de convivência, interação e relação com os alunos, pais, colegas de trabalho, funcionários, superiores, no cotidiano da escola. Nesse lugar, o(a) professora(a) ocupa uma posição de responsável pelo processo de alfabetização e assume a tarefa de ensinar crianças a ler e a escrever. Nesse mesmo lugar, as crianças ocupam uma posição de alunos, e assumem a tarefa de aprender a ler e a escrever. Isto parece claro e evidente, portanto, não se questiona. Smolka dá como exemplo uma situação em que a professora escreve na lousa e propõe às crianças um exercício como o descrito, percebe-se que ela está desempenhando o papel a ela atribuído e imagina-se que assim esteja alfabetizando as crianças. Mas, pelos comentários da professora desta situação-exemplo verifica-se que as crianças não corresponderam às suas expectativas, isto é, não entendem o que devem fazer, nem executam a tarefa dada conforme era esperado. Isto indica que as ‘pressuposições’ não se confirmam, indica que existe algo nesta situação que não está sendo revelado, que é preciso procurar as ‘pistas’ que geralmente passam despercebidas e são tidas como irrelevantes nas análises das relações de ensino. A professora que sabe qual é a sua função dentro da sala de aula ensina crianças que ainda não desempenham seu papel dentro da sala de aula conforme o esperado. Isso gera na professora um sentimento de incapacidade, incompetência e fracasso que ela acaba por transferir para as crianças. Ou seja, como a tarefa suplanta ou apaga a relação de ensino, evidencia-se, então a luta de poder. Como elas não conseguem realizar as expectativas da professora, supõe-se e conclui-se que as crianças têm problemas; que elas são incapazes; que elas não prestam atenção e não tem os pré-requisitos desenvolvidos; o que significa dizer que não podem ser alfabetizadas. Essas conclusões e suposições, que na realidade se caracterizam como pressuposições, transformam-se em preconceitos. E é isso, segundo Smolka, que tem permeado, implicitamente, as relações de ensino. Discutindo pontos de vista Dentro desta perspectiva apontada no capítulo anterior, as falhas ou os erros estão sempre nas crianças e nunca nos procedimentos utilizados pela escola, que são sempre ‘cientificamente’ comprovados e legitimados. Entretanto, uma análise feita sob outra perspectiva pode nos apontar, entre outras coisas, que o que está subterrâneo nas práticas adotadas nas escolas pelos professores são concepções de aprendizagem e de linguagem que não levam em consideração o processo de construção, interação e interlocução das crianças, nem as necessidades e as atuais condições de vida das crianças fora do ambiente escolar e, por isso mesmo, podem ser consideradas historicamente ultrapassadas.
  • 3. Como em inúmeras outras situações do contexto escolar, os movimentos de interação entre as crianças e entre as crianças e o professor são cerceados por questões disciplinares: o silêncio em sala de aula, por exemplo. Dessa forma, a alfabetização na escola fica reduzida a um processo, individualista e solitário, que pouco tem a ver com as experiências de vida e de linguagem das crianças. Nesse sentido, é estéril e estática, porque baseada na repetição, na reprodução, na manutenção do status quo. Configura-se assim um tipo de sujeito que não precisa perguntar, que não precisa da ajuda dos outros para aprender. De um ponto de vista construtivista, essa situação escolar se colocaria como insustentável uma vez que não considera o ponto de vista da criança que aprende, não leva em consideração os processos de elaboração do conhecimento sobre a escrita. Para compreender esta questão, Smolka se ampara na pesquisa de Ferreiro & Teberosky que partem do pressuposto de que a criança é um sujeito ativo e conhecedor, as autoras indicam a importância de se compreender a lógica interna das progressões das noções infantis sobre a escrita, mostrando que as crianças exigem de si mesmas uma coerência rigorosa no processo de construção do conhecimento. Nesse processo, as autoras mostram a importância do erro como fundamentalmente construtivo na superação de contradições e conflitos conceituais, explicitando, numa progressão, etapas e hipóteses que as crianças levantam sobre a escrita: em outras palavras, o processo de aprendizagem não é conduzido pelo professor, mas pela criança. Porém como alerta Smolka, as análises de Ferreiro e Teberosky não podem dar conta, em termos político-pedagógicos, do fracasso da alfabetização escolar. Elas mostram mais um fator que precisa ser conhecido e observado no processo de alfabetização que são o significado e a importância das interações, mas não resolvem nem pretendem resolver o problema. No entanto, os estudos destas autoras acabou sendo incorporado pelas redes de ensino sem à devida adaptação à realidade educacional brasileira, o que faz com que alguns conceitos provenientes da educação compensatória sejam, agora, substituídos pelo linguajar construtivista, novamente culpabilizando a criança pela não-aprendizagem, pela não-compreensão. O que acontece de fato, mas que permanece implícito, é que o ensino da escrita, cristalizando a linguagem e neutralizando (e ocultando) as diferenças, provoca um conflito fundamentalmente social. Porque não se ‘ensina’ simplesmente a ‘ler’ e ‘escrever’, aprende-se a usar ‘uma’ forma de linguagem, ‘uma’ forma de interação verbal, ‘uma’ atividade, ‘um’ trabalho simbólico: em outras palavras, o processo de elaboração mental da criança na construção do conhecimento sobre a escrita, que primeiramente passa pela linguagem falada, fica comprometido porque a escrita apresentada na escola está longe da linguagem falada pelas crianças. A emergência do discurso na escrita inicial Neste capítulo, a autora discute que a alfabetização não significa apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e frases. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido. Enquanto que a escola parece ocupada em ensinar as crianças a repetirem e reproduzirem palavras e frases feitas, isto é, não trabalha com as crianças o ‘fluir do significado’, a estruturação deliberada do discurso interior pela escritura. Essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor. Desse modo, implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura – para quem eu escrevo o que escrevo e por que? Segundo Smolka, quando as crianças escrevem palavras soltas ou ditadas pelos professores, a característica da escritura é uma, e identifica-se, mais facilmente, a correspondência entre a dimensão sonora e a extensão gráfica. Mas quando as crianças começam a escrever o que pensam, o que querem dizer, contar, narrar, elas escrevem porções, fragmentos do ‘discurso interior’ (que é sempre diálogo consigo mesmo ou com outros). Em termos pedagógicos, então, o que se faz relevante aqui é o fato de que, quando se permite as crianças falarem e se relacionarem em sala de aula, questões vitais para elas vêm à tona e se tornam
  • 4. ‘matéria-prima’ do processo de alfabetização. Nessas conversas, concepções, pressuposições e valores se revelam. Assim, o texto de cada criança não repete ou reproduz o texto coletivo, mas permite que se inaugure novos momentos de interlocução, de acordo com o que pareceu mais importante e relevante para cada uma, pelo que cada uma disse ou deixou de dizer. São os modos de perceber, de sentir, de viver, de conviver, de conhecer e de pensar o mundo que as crianças passam a expressar. A escrita começa a se tornar uma forma de interação consigo mesma e com os outros, uma forma de ‘dizer’ as coisas. Com todas as hesitações, trocas e tentativas ortográficas, a criança passa a escrever o que ela quer ou precisa dizer. Entretanto, a função da escritura ‘para outro’ e a presença de interlocutores também provocam uma tensão: no esforço de explicação do discurso interior, abreviado, sincrético, povoado de imagens – é nesse trabalho de explicitação das idéias por escrito para o outro que as crianças vão experimentando e aprendendo as normas de convenção porque é justamente da leitura do outro, da leitura que o outro faz (ou consegue fazer) do meu texto, daquilo que eu escrevo no meu texto, do distanciamento que eu tomo da minha escrita, que eu me organizo e apuro esta possibilidade de linguagem, esta forma de dizer pela escritura. Aqui, novamente, se apresenta a questão dos procedimentos de ensino da leitura e da escrita na escola: a escola tem ensinado as crianças a escrever, mas não a dizer – e sim, repetir – palavras e frases pela escritura; tem ensinado as crianças a ler um sentido supostamente unívoco e literal das palavras e dos textos e tem banido (reprovado) aqueles que não conseguem aprender o que ela ensina, culpando-os pela incapacidade de entendimento e de compreensão. O que a escola não percebe é que a incompreensão não é resultado de uma incapacidade do indivíduo, mas de uma forma de interação.