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ANAIS




            3, 4 e 5 de maio de 2011

 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

            Câmpus de São José do Rio Preto

IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas
II Colóquio
“Vertentes do Fantástico na Literatura”


           3, 4 e 5 de maio de 2011



    Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
              Câmpus de São José do Rio Preto
   IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas




                         ANAIS




                            APOIO:




                                       Departamento de Letras Modernas
                                     Programa de Pós-Graduação em Letras
Diretor
José Roberto Ruggiero
Vice-Diretor
Maria Tercília Vilela de Azeredo Oliveira

Chefe do Departamento de Letras Modernas
Peter James Harris

Programa de Pós-Graduação em Letras
Coordenação: Giséle Manganelli Fernandes
Vice-coordenação: Susanna Busato

Grupo de Pesquisa “Vertentes do Fantástico na Literatura” (CNPq)
Líder
Karin Volobuef (UNESP-Araraquara)
Vice-líder
Roxana Guadalupe Herrera Alvarez (UNESP-SJRP)

Comissão organizadora do evento:
Coordenadora Geral: Profa. Dra. Karin Volobuef (UNESP - Araraquara)
Presidente: Profa. Dra. Roxana Guadalupe Herrera Alvarez (UNESP - SJRP)
Vice-presidente: Profa. Dra. Norma Wimmer (UNESP - SJRP)
Coordenação geral da Programação: Prof. Dr. Álvaro Luiz Hattnher (UNESP - SJRP)
Secretária Geral: Profa. Dra. Maria Celeste Tommasello Ramos (UNESP - SJRP)
Vice-secretária: Profa. Dra. Maria Cláudia Rodrigues Alves (UNESP - SJRP)
Organizadores dos Anais:, Profa. Dra. Maria Celeste Tommasello Ramos (UNESP - SJRP), Profa. Dra. Maria
Claudia Rodrigues Alves (UNESP - SJRP), Prof. Dr. Álvaro Luiz Hattnher (UNESP - SJRP)
Suporte acadêmico: Márcio Santana da Silva, Soraya Maria Xavier Bastos
                  e Elton Luiz Jitiako (UNESP - SJRP)
Assessoria administrativa: Helena Luiza Buosi de Biagi (UNESP - SJRP)


                         Colóquio “Vertentes do fantástico na literatura” (2. : 2011 : São José do
                                  Rio Preto, SP).
                              Anais [do] II Colóquio “Vertentes do fantástico na literatura “/
                         UNESP - IBILCE ; [organizadores dos Anais: Álvaro Luiz Hattnher,
                         Maria Celeste Tommasello Ramos, Maria Claudia Rodrigues Alves]. –
                         São José do Rio Preto : UNESP - Câmpus de São José do Rio Preto,
                         2011.
                               |1 CD-ROM ; 4 3/4 pol.

                                ISBN 978-85-61152-33-8

                               1. Literatura fantástica. 2. Mito na literatura . 3. Contos de fadas.
                         I. Ramos, Maria Celeste Tommasello. II. Alves, Maria Claudia
                         Rodrigues. III. Hattnher, Álvaro Luiz. IV. Título.

                                                                                 CDU: 82-344



                            Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE
                                 UNESP - Campus de São José do Rio Preto -
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO, 6

1. Adalberto Luis Vicente, 8
2. Adriana Lins Precioso, 17
3. Alexandra Britto da Silva Velásquez, 24
4. Amanda Lopes Pietrobom, 35
5. Amanda Pérez Montañés, 608
6. Ana Carolina Bianco Amaral, 41
7. Ana Maria Zanoni da Silva, 52
8. André Luis Rosa e Silva & Carlos Vinícius Teixeira Palhares, 63
9. Andrea Santurbano, 74
10. Angela das Neves, 84
11. Antônio César Frasseto & Alessandra Moreno Maestrelli, 100
12. Antônio Donizeti Pires, 109
13. Arnaldo Franco Junior, 123
14. Breno Anderson Souza de Miranda, 134
15. Breno Rodrigues de Paula, 145
16. Bruno da Silva Soares, 155
17. Cesar Augusto Sinicio Marques, 162
18. Cristiano Mello de Oliveira, 169
19. Denise Loreto de Souza, 183
20. Elaine Cristina Prado dos Santos & Maria Luiza Guarnieri Atik, 192
21. Emerson Ferreira Gomes, João Eduardo Fernandes Ramos & Luís Paulo de Carvalho
   Piassi, 200
22. Érika Bergamasco Guesse, 209
23. Fabiana Rodrigues Santos & Luís Paulo de Carvalho Piassi, 220
24. Fernanda Aquino Sylvestre, 230
25. Fernando Henrique Crepaldi Cordeiro, 240
26. Isis Milreu, 259
27. João Eduardo Fernandes Ramos & Luís Paulo Piassi, 270
28. João Olinto Trindade Junior & Flavio García, 281
29. Juliana Vilar Rodrigues Cardoso, 289
30. Karin Volobuef, 296
31. Karla Duarte Carvalho, 304
32. Karla Menezes Lopes Niels, 314
33. Kelli Mesquita Luciano, 326
34. Lígia Maria Pereira de Pádua, 334
35. Luciana Morais da Silva, 346
36. Lúcio De Franciscis dos Reis Piedade, 354
37. Luís Francisco Martorano Martini, 364
38. Luiz Gonzaga Marchezan, 371
39. Maira Angélica Pandolfi, 379
40. Márcio Henrique Muraca, 386
41. Maria Celeste Tommasello Ramos, 392
42. Maria Cláudia Rodrigues Alves, 403
43. Maria de Fatima Alves de Oliveira Marcari, 416
44. María del Carmen Tacconi, 425
45. Maria Imaculada Cavalcante, 436
46. Maria Lucia M. Carvalho Vasconcelos & Marlise Vaz Bridi, 447
47. Matheus Victor Silva, 453
48. Mauro de Sousa Ribeiro, 458
49. Nanci do Carmo Alves, 469
50. Norma Domingos, 475
51. Norma Wimmer, 486
52. Patrícia Maia Quitschal & Luís Paulo de Carvalho Piassi, 492
53. Regiane Rafaela Roda, 501
54. Rodrigo de Freitas Faqueri, 509
55. Roxana Guadalupe Herrera Álvarez, 519
56. Silvana Augusta Barbosa Carrijo, 529
57. Stanis David Lacowicz & Antonio Roberto Esteves, 540
58. Thiago Miguel Andreu, 551
59. Tristan Guillermo Torriani, 561
60. Valdemir Boranelli, 572
61. Vitor Celso Salvador, 582
62. Viviane de Guanabara Mury, 589
63. Wanderlan da Silva Alves, 599
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.               6
UNESP – Campus de São José do Rio Preto




                                 APRESENTAÇÃO


         O II Colóquio “Vertentes do fantástico na literatura”, realizado de 03 a 05 de
maio de 2011, na UNESP – IBILCE – São José do Rio Preto – SP, foi mais uma das
realizações do Grupo de Pesquisa Vertentes do Fantástico na Literatura (cadastrado no
CNPq e liderado pela Profa. Dra. Karin Volobuef) que já havia organizado o I
Colóquio, em 2009, na UNESP – FCL – Araraquara – SP e preparado a publicação de
dois livros Dimensões do fantástico: mítico e maravilhoso (2011) e Vertentes do
Fantástico na Literatura (no prelo). No II Colóquio, dois especialistas no estudo do
fantástico na literatura convidados proferiram as conferências “Lo fantástico como
problema de lenguaje” (Prof. Dr. David Roas, da Universidad Autónoma de Barcelona)
e “A literatura fantástica: alguns marcos referenciais” (Profa. Dra. Maria Cristina
Batalha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), além da apresentação de vinte e
dois trabalhos de pesquisa de membros do Grupo, distribuídos em sete Mesas-
Redondas, cento e vinte comunicações orais e dezesseis painéis de pesquisadores de
diversos estados brasileiros vindos de cidades e países diversos, que vão de Rondônia
ao Rio Grande Sul, no Brasil, e chegam à Argentina.
        Os membros do Grupo de Pesquisa Vertentes do Fantástico na Literatura são
docentes de Universidades Brasileiras como a UNESP (Campus de Araraquara, Assis e
São José do Rio Preto), USP, UFPA, UFU, UFCG, UNEMAT, MACKENZIE, UERJ e
UNISUAM.
        Todas as pesquisas apresentadas durante o evento foram voltadas a aspectos
conceituais que envolveram tanto o fantástico na acepção tradicional (baseada na
definição de Todorov), quanto as perspectivas nascidas da reconfiguração ocorrida no
séc. XX das vertentes sobre as obras fantásticas (neo-fantástico, realismo mágico,
Fantasy, etc.). Além de tratarem de variadas manifestações estéticas – como o gótico, o
mito, o macabro, o maravilhoso, o popular, o infantil, etc. foram também discutidos
aspectos como intertextualidade, tradução, recriação, ensino, leitura, entre outros. Além
disso, os trabalhos apresentados giraram em torno de um multifacetado leque de temas,
gêneros e obras: da Divina comédia à literatura contemporânea; do legado mítico e
lendário às ghost stories e à ficção científica; do fantástico em sala de aula ao fantástico
em transmedia storytelling, ou seja, construções narrativas que se manifestam em
múltiplos suportes textuais, e nas quais cada novo texto representa contribuição inédita
e valiosa para o todo. Entre os autores analisados estiveram os grandes mestres do
macabro e do insólito, mas também escritores das mais variadas tonalidades estéticas:
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.           7
UNESP – Campus de São José do Rio Preto

John Barth, Angela Carter, Dante Alighieri, Aloysius Bertrand, Italo Calvino,
Guimarães Rosa, Honoré Balzac, Mia Couto, Machado de Assis, Maria Rosa Lojo,
Virgílio, Jorge Luís Borges, Julio Cortázar, Murilo Rubião, Edgar Allan Poe, Franz
Kafka, Carlos Fuentes, Alejo Carpentier, José Lezama Lima, Júlio Verne, entre outros.
         O evento foi marcado pela curiosidade intelectual, o espírito de diálogo e a
generosidade no intercâmbio acadêmico de todos os trezentos e vinte e oito inscritos de
várias regiões geográficas brasileiras e do exterior. O II Colóquio reafirmou-se, como
em sua primeira edição, como meio de diálogo entre todos os pesquisadores
participantes, fato que marcou seu sucesso acadêmico e que levou à fixação da
realização de sua terceira edição, que acontecerá em 2013, na UNESP–FCL–Assis – SP.
        A Comissão Organizadora, presidida pela Profa. Dra. Roxana Guadalupe
Herrera Álvarez, e composta também pelos Profs. Drs. Norma Wimmer, Maria Celeste
Tommasello Ramos, Maria Cláudia Rodrigues Alves e Álvaro Luiz Hattnher (todos da
UNESP – IBILCE – São José do Rio Preto) entende que o trabalho exigido na
organização do evento foi recompensado pelos resultados obtidos pois o intercâmbio de
idéias foi bastante profícuo e o terceiro livro do Grupo já está sendo organizado pela
reunião dos trabalhos de pesquisa apresentados nas conferências e mesas-redondas. Tal
livro contará, portanto, com o texto integral das conferências do Prof. Dr. David Roas e
da Profa. Dra. Maria Cristina Batalha, que não comparecem, desta forma, nestes Anais.
        Estes Anais receberam para publicação sessenta e dois textos, dos cento e
quarenta e dois trabalhos que integraram a programação das mesas e sessões de
comunicação. Todos eles efetivamente apresentados por ocasião do colóquio e
posteriormente remetidos a nós por seus autores. Como anunciado previamente, dada a
natureza desta publicação, a Comissão Organizadora aceitou todos os textos que
estavam minimamente dentro das normas, uniformizou neles o título, as entradas para
resumo e palavras-chave, a entrada da nota de apresentação dos autores, o espaço
simples em todas as citações e eventuais e evidentes desconfigurações de alinhamento
de parágrafos e de tipo de letra advindas do envio em forma de arquivo atachado ou da
reunião dos arquivos, e não procedeu a nenhuma outra revisão dos arquivos enviados,
sendo o conteúdo de cada um deles de inteira responsabilidade de seus respectivos
autores.



                                            Maria Celeste Tommasello Ramos
                                            Maria Cláudia Rodrigues Alves
                                            Álvaro Luiz Hattnher
                                            Organizadores dos Anais
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.                         8
UNESP – Campus de São José do Rio Preto


    ENTRE DOIS MUNDOS: O SONHO E O PESADELO EM GASPARD DE LA
                  NUIT DE ALOYSIUS BERTRAND

                                                                          Adalberto Luis Vicente*


                                            RESUMO

Entre os “pequenos românticos” franceses, Aloysius Bertrand ocupa lugar de destaque
como “inventor” de um gênero poético de bastante prestígio na história da poesia
francesa, o poema em prosa. Integrando a linhagem artística do romantismo francês,
esse criador de nova forma de expressão poética inspirou-se nos costumes, lendas e
mitos da Idade Média para compor cenas de uma vivacidade e de uma poeticidade raras.
Bertrand dedica uma seção do seu Gaspard de la Nuit, intitulada “La Nuit et ses
prestiges”, à criação de um clima de inspiração fantástica pela presença de fantasmas,
gnomos, bruxas, seres lendários, além de personagens e cenas associados ao horror,
vinculados, com freqüência, ao sonho e ao pesadelo. O objetivo deste trabalho é
analisar de que modo a própria estrutura narrativa do sonho e do pesadelo conformam
certos poemas de Gaspard de La Nuit.

PALAVRAS-CHAVE: poesia francesa; Aloysius Bertrand; sonho; pesadelo.




        Aloysius Bertrand produziu sua obra no período romântico, época que viu

florescer o gênero fantástico na França. O poeta, nascido em Dijon, é também o criador

de uma forma moderna de poesia, o poema em prosa. Desconhecido em sua época, o

“petit romantique” de Dijon tornou-se modelo para poetas do quilate de Baudelaire e

Mallarmé, que adotaram o poema em prosa como forma de expressão poética. Neste

trabalho, detenho-me em dois textos terceira parte de Gaspard de la Nuit, que tem por

título “La nuit et ses prestiges”. Trata-se dos poemas: “La Chambre Gothique” e “Un

Rêve”, bastante característicos do modo como Bertrand configura seus textos a partir do

sonho e do pesadelo.



*
 Doutor em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de São Paulo. Professor assistente doutor na
Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, campus de Araraquara, área de Língua e Literatura Francesa.
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.           9
UNESP – Campus de São José do Rio Preto

       Como lembra Max Milner, na introdução à sua edição de 1980 de Gaspard de

La Nuit, “é raro assistir ao nascimento de um gênero literário” e “mais raro ainda poder

relacioná-lo com um escritor particular” (BERTRAND, 1980, p. 7), como é o caso de

Louis Bertrand, “inventor incontestável do poema em prosa francês” (BERTRAND,

1980, p. 7). Escritos a partir de 1827, mas publicados em 1842, um ano após a morte do

autor, em uma edição precária que não vendeu mais do que 20 exemplares, foi preciso

esperar que Baudelaire evocasse os poemas em prosa de Bertrand como a principal

fonte de inspiração para compor os Petits poèmes en prose ou Spleen de Paris (1869)

para que seu nome do poeta fosse salvo do limbo a que o condenou a marginalidade

provincial e econômica. Na carta-prefácio dos Petits poèmes em prose, Baudelaire diz

ter uma confissão a fazer:

                  “Foi folheando, pela vigésima vez ao menos, o famoso Gaspard de La
          Nuit de Aloysius Bertrand, que me veio a idéia de tentar algo análogo e de
          aplicar à descrição da vida moderna, ou melhor, de uma vida moderna e mais
          abstrata, o procedimento que ele aplicou à pintura da vida antiga, tão
          estranhamente pitoresca” (BAUDELAIRE, 1958, p. 6).


       Como se pode notar, Baudelaire está interessado em reter de Bertrand o

procedimento, a escritura poética em prosa, pois vê nela um instrumento apto para

exprimir a vida moderna. O autor dos Petits poèmes en prose, no entanto, rejeita o

medievalismo, os mitos e as lendas, o aspecto fantástico e grotesco dos textos de

Bertrand, que não se afinam com seu projeto de poesia moderna. No entanto, para certos

críticos, como Marvin Richards III, o poema em prosa de Bertrand é mais moderno do

que o de Baudelaire, pois este ainda mantém intacta a estrutura diegética da prosa: em

geral, Baudelaire conta uma história, com um narrador estável em primeira pessoa e

alterna tons líricos e prosaicos. Bertrand, ao contrário, tende a dispersar a diegese, a

fragmentá-la, a reduzi-la ao mínimo, a sugeri-la mais do que explicitá-la. Além disso,

Bertrand, antecipando a experiência de Um Lance de dados, dá grande importância ao
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.          10
UNESP – Campus de São José do Rio Preto

branco da página. Em nota deixada ao editor de Gaspard de La Nuit, Bertrand faz

algumas recomendações a respeito da forma como livro deveria ser impresso. Na

referida nota, dirige-se ao paginador afirmando: “paginar como se o texto fosse poesia

[...], o senhor paginador colocará grandes brancos entre as alíneas ou couplets como se

fossem estrofes” (1980, p. 9).

       Em 1865, Mallarmé escreve ao editor de Bertrand, Victor Pavie, pedindo uma

cópia do Gaspard de La Nuit. Na missiva, afirma Mallarmé:

            J’ai comme tous les poètes de notre jeune génération [... ] un culte profond
            pour l’oeuvre exquis de Louis Bertrand [. . .] je souffre de voir ma
            bibliothèque, qui renferme les merveilles du Romantisme, privée de ce cher
            volume qui ne m’abandonnait pas quand je pouvais l’emprunter à un
            confrère (apud RICHARDS III.

       Recebida a cópia do livro, Mallarmé volta a escrever a Victor Pavie,

agradecendo e sugerindo uma nova edição do Gaspard, que seria prefaciada com

poemas dedicados a Bertrand, escritos pelo próprio Mallarmé e seus amigos:


            Ce monument [. . .] à Louis Bertrand serait d’autant plus naturel qu’il est
            vraiment, par sa forme condensée et précieuse, un de nos frères. Un
            anachronisme a causé son oubli. Cette adorable bague jetée, comme celle
            des doges, à la mer, pendant la furie des vagues romantiques, et engoufrée,
            apparaît maintenant rapportée par les lames limpides de la marée [... ]
            Mais comme on rêve, en parlant de ceux qu’on aime! ( apud RICHARDS
            III)


       Como se pode notar é a forma condensada e preciosa de Bertrand que interessa a

Mallarmé, recriada poeticamente pela imagem do anel jogado ao mar e que remete,

evidentemente, à concepção do poema como um “bijou”, uma jóia. No leito de morte,

Bertrand disse a seu amigo Victor Pavie que era preciso refazer o Gaspard de La Nuit,

eliminar algumas partes, tornar alguns poemas ainda mais sintéticos. A comparação

entre versões diferentes de alguns poemas publicados anteriormente em jornais,

comprovam a tendência de Bertrand a enxugar o mais possível o texto, a dar-lhe uma
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.            11
UNESP – Campus de São José do Rio Preto

forma estruturalmente refinada e a segmentá-lo na forma de alíneas. O desconhecido

poeta de Dijon torna-se assim um dos mais importantes representantes da linha

formalista do romantismo francês, ao lado de Théophile Gautier et do Victor Hugo de

Les Orientales.

       Em geral, os poemas em prosa de Bertrand constituem uma sucessão de cenas

isoladas, unidas mais por recursos formais de natureza poética (aliterações, assonâncias,

anáforas, simetrias sintáticas) do que por uma ligação lógica do discurso. Trata-se,

como a define Max Milner de uma “estética do lacunar” (1980, p. 8).

       Há uma forte ligação entre poemas em prosa de Bertrand com a pintura. O livro

tem como subtítulo “fantasias à maneira de Rembrandt e Callot”. No entanto, o que

mais nos importa aqui é que a coletânea foi projetada pelo autor para ser ilustrada e este

deixou um projeto de ilustração. As ilustrações sugeridas por Bertrand para a terceira

parte do livro, “La nuit et ses prestiges”, confirmam a idéia de que, para Bertrand, a

composição do poema se fazia de modo análogo a uma sucessão de quadros. No projeto

de ilustração, o livro III parece sob a rubrica “FANTASTIQUE MOYEN-AGE”. É

preciso notar que elementos fantásticos não aparecem nos poemas do autor antes de sua

primeira estada em Paris, entre 1828 e 1829. Na capital, Bertrand frequentou os salões

de Victor Hugo, Charles Nodier e Émile Deschamps. Era o momento em que Hoffmann

começava ser traduzido, a literatura fantástica ganhava espaço no cenário do

romantismo e o Dictionnaire de l’Académie oficializada a palavra fantástico na língua

francesa, definindo-o como: ‘quimérico, ele (o fantástico) significa também o que só

aparenta ser corporal, sem realidade” (apud BERTRAND, 1980, p. 12). Ao termo

fantástico, Bertrand apõe a expressão idade média, uma vez que a fonte de inspiração

mais importante para compor o livro como um todo é a Dijon medieval.
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.            12
UNESP – Campus de São José do Rio Preto

       Mas voltemos ao projeto de ilustração. Bertrand sugere ao ilustrador do Gaspard

algumas gravuras e as associa aos poemas. “La Chambre Gothique”, o primeiro poema

da terceira parte, é o texto para o qual o autor projetou o maior número de ilustrações, a

saber: a terra sob a forma de uma flor cujo cálice tem, no lugar dos pistilos e estames, a

lua e as estrelas; um gnomo que bebe o óleo de uma lâmpada; uma fada que embala

numa couraça uma criança morta; um cavaleiro que molha sua mão enluvada na pia de

água benta; um esqueleto de um soldado alemão preso no madeiramento; um espírito

sob a forma de uma vela que vai apagar-se.

       Como se pode notar, para cada alínea do poema corresponde um quadro. Assim,

o poema teria um equivalente visual, formado pelas gravuras correspondentes a cada

alínea. Essa possibilidade de um correspondente visual ao poema é bastante reveladora

do processo de criação poética de Bertrand: o assunto do texto é fragmentado em alíneas

independentes, marcadas pela separação visual do branco da página. Assim, a estética

lacunar de Bertrand tende a eliminar a narração, o encadeamento lógico, as relações

causais. O material fantástico de que serve Bertrand, sonhos, sortilégios, malefícios,

gnomos, feiticeiros, fantasmas, criaturas de pesadelo não diferem muito o material

imaginário que lhe forneceu sua época. A originalidade de Bertrand está, sobretudo, na

forma como trabalha esses materiais dentro de uma estética lacunar.

       A questão se coloca então é como essa estrutura lacunar contribui para criar

certos efeitos que se poderiam chamar genericamente de fantásticos. Neste trabalho em

particular, interessa-nos como tal estrutura pode gerar um “equivalente do sonho”. Max

Milner já havia apontado que tal equivalente é produzido, em Bertrand, pela falta de

uma “certa ligação lógica do discurso” (1980, p.41). No entanto, a estrutura lacunar dos

poemas não tem apenas função poética, é também utilizada por Bertrand para simular a

estrutura do relato de sonho, para dar ao leitor a impressão de que está penetrando em
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.          13
UNESP – Campus de São José do Rio Preto

um universo similar ao do sonho. Vejamos como isso se dá a partir de uma visada

estrutural das narrativas de sonho.

       Segundo Guy Laflèche (1999, p. 119), a narrativa de sonho tem um uma

estrutura simples e pode ser melhor entendida quando comparada à estrutura da

narrativa factual:

História factual: Hé = Si + E1 + E2 + E3 + ... En + Sf



História de sonho: Hr = [Si] + Ex + Ey + Ez + ... Ei + [Sf]



       A história factual é caracterizada por uma situação inicial (Si) que vai se

transformando a cada acontecimento (E) segundo leis temporais e causais, até se chegar

à situação final (Sf). Na história de sonho, a situação inicial e final é inexistente ou

pouco marcada (em geral uma breve referência espacial ou temporal), e os

acontecimentos (que podem constituir uma sequência) se sucedem de forma frouxa ou

sem ligação evidente. O pesadelo seria caracterizado por um acontecimento ou

sequência de acontecimentos que, em razão de sua carga emotiva, desperta o sonhador,

retirando-o bruscamente do mundo onírico, portanto eliminando a situação final.



       O poema “La Chambre gothique” apresenta como epígrafe a frase latina “Nox et

solitudo plenae sunt diabolo” (BERTRAND, 1980, p. 78) atribuída aos Pais da Igreja. A

frase ecoa o título geral da terceira parte do Gaspard de la Nuit, “A noite e seus

prestígios”. Na primeira parte, composta de duas alíneas, o eu poético observa a noite

pela janela e seu murmúrio constitui uma comparação altamente lírica entre o céu e a

flor. Trata-se, portanto, daquele tipo de “fantástico” que é característico da linguagem

poética e que se fundamenta na analogia, na metáfora. No entanto, o eu poético fecha a
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janela e afirma estar com sono, o que prepara o a segunda parte do poema, na qual o

aspecto gótico do quarto se manifesta.

       Na segunda parte do texto, a noite manifesta seus prestígios. Entre eles estão os

seres fantasmagórios, lendários e maléficos que povoam o quarto obscuro e que o autor

evoca pela figura do gnomo, do esqueleto do soldado e de fantasmas (a ama, o

antepassado que desce do quadro). Cada um desses elementos ocupa uma alínea,

estando, portanto, isolados, constituindo um quadro independente. Uma breve referência

temporal à meia noite, na primeira alínea, marca a situação inicial do poema e um

aposto define-a como a hora “blasonada dos dragões e diabos”. Blasonner, em francês,

significa, descrever, mas também interpretar os brasões segundo as regras da heráldica.

Portanto, a palavra sugere que a meia noite traz, com suas ilusões, visões de seres

sobrenaturais e que tais visões dever ser interpretadas segundo regras que não são mais

aquelas válidas sob a luz diurna. Temos a seguir uma sucessão de quatro aparições: o

gnomo, a ama que embala uma criança morta, o esqueleto do soldado alemão preso no

madeiramento e por fim, Scarbo, o anão do pesadelo, o Smarra de Bertrand. As três

primeiras alíneas são introduzidas pela expressão “si c’était”. A conjunção condicional

seguida do verbo no imperfeito cria uma atmosfera de dúvida: ilusões que brotam da

escuridão? imagens oníricas? Não temos certeza. Na última alínea, no entanto, o verbo é

colocado no presente, “mais c’est Scarbo qui me mord le cou” (1980, p. 35). A presença

de Scarbo, personagem de três outros poemas de Bertrand, que o define como o anão do

pesadelo, marca a presença do horror que caracteriza essa forma onírica. O fim brusco

do poema com a imagem de Scarbo que morde o pescoço do eu poético e que cauteriza

a ferida com o dedo avermelhado na fornalha sugere o despertar abrupto que caracteriza

o pesadelo.
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       Como se pode notar, Bertrand eliminou de seu poema todo encadeamento

narrativo, lógico. Apenas uma anáfora de caráter temporal une cada uma das visões,

cujo isolamento na página simula a disjunção de cenas que constituem, segundo

Laflèche, o relato de sonho.

       Há, no entanto, casos em que o simples isolamento da imagem em alíneas não é

suficiente, como se pode notar no poema “Un Rêve”. O título, em que o substantivo

“revê” vem acompanhado pelo artigo definido, parece remeter a um único sonho. No

entanto, o poema é constituído pela fragmentação de três sequências oníricas em três

alíneas. A frase final “et je poursuivais d’autres songes vers le réveil” confirma que se

trata de sequências de sonhos que podem se estender até o despertar. Esse poema ilustra

de modo exemplar o modo como Bertrand utiliza a tensão entre construção e dissipação

do conteúdo onírico. Na primeira alínea o autor apresenta numa sequência simples,

marcada pelo travessão, três espaços distintos: uma abadia ao clarão da lua, uma

floresta, e Morimont, a praça de execuções de Dijon. Na segunda alínea, outras três

sequencias ecoam a primeira, o toque fúnebre de um sino ao qual respondem soluços

lúgubres numa cela, gritos cheios de lamento e a procissão dos penitentes negros que

conduzem um condenado ao suplício. A terceira alínea finaliza cada uma das

sequências: trata-se de um monge que expira na cela de uma abadia, uma moça que se

enforca nos ramos de um carvalho e, horror dos horrores, o próprio eu lírico sendo atado

pelo carrasco à roda das execuções em Morimont. Fecham-se assim as três sequências

oníricas apresentas pelo autor de modo sintético e fragmentado, mas que, por ocuparem

posições simétricas dentro das alíneas, apresentam-se de modo altamente elaborado e

construído. Com esse procedimento, Bertrand parece sugerir, que os sonhos noturnos

contínuos são construídos a partir de sequências fragmentárias, aparentemente sem

nenhuma ligação, mas que acabam por ser reconstruídas na mente do sonhador. Embora
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unidas pelo tema da morte, a relação de independência de casa cena onírica permanece

intacta.

           Os exemplos acima analisados são representativos do fascínio que o sonho

exerce no imaginário de Bertrand e também do modo como o poeta reelabora

poeticamente o conteúdo onírico. No entanto, essa técnica de escritura, fundamentada

em uma estética lacunar, é também é utilizada em textos em que o sonho não constitui o

tema privilegiado. Neste caso, a utilização dessa forma cria uma espécie de

“impregnação onírica” que causa no leitor um estranhamento e constituem um dos

elementos originais da obra de Bertrand.


Referências bibliográficas
BAUDELAIRE, C. Petits poèmes en prose (Le Spleen de Paris). Introduction, notes,
bibliographie et variants par Henri Lemaître. Paris: Classiques Garnier, 1958.
BERTRAND, A. Gaspard de La Nuit. Édition présentée, établie et annotée par Max
Milner. Paris: Gallimard, 1980.
LAFLECHE, Guy. Matériaux pour une Grammaire narrative. Montréal: Presses
universitaires de Montreal, 1999.
RICHARDS III, M. The Demon of Criticism: Mallarmé and the Prose Poem.
Disponível em http://tell.fll.purdue.edu/RLA-Archive/1995/French-
html/Richards,Marvin.htm. Acesso em 20/06/2011.
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    A PARÓDIA DO MITO DO LABIRINTO EM “A CASA DE ASTÉRION” DE

                                 JORGE LUIS BORGES


                                                                      Adriana Lins Precioso†


                                          RESUMO

A tradição literária consagra a figura de Teseu como o grande herói que, auxiliado por
Ariadne, consegue entrar no labirinto, matar o inimigo e dele sair. A narrativa
mitológica delineia a configuração do herói, constitui seus passos de vencedor e
estabelece sua superioridade frente ao seu oponente: um monstro com corpo de homem
e cabeça de touro. Jorge Luis Borges, encantado pela temática do labirinto, o faz
dispersar em diferentes formatos ao longo da coletânea de contos curtos intituilada O
Aleph (1949). Todavia, é no conto “A casa de Astérion”, que Borges atualiza o mito e o
reinventa por meio de uma versão paródica, subvertendo os valores instituídos pela
enunciação clássica, cedendo a voz ao Minotauro e proporcionando ao leitor um
mergulho na visão dos vários acontecimentos através do olhar e dos sentimentos dessa
personagem. A figura do labirinto pode representar duas funções literárias: uma
temática e a outra estrutural; ambas exploradas e desenvolvidas no texto. A proposta
deste trabalho é buscar as relações de contrariedade estabelecidas junto ao processo
intertextual do texto-base que é o mito com o texto ressignificado da contra-história que
é o conto. O aporte teórico dessa análise se pautará no percurso de geração de sentido
estabelecido pela semiótica greimasiana.

PALAVRAS-CHAVE: Paródia; Mito do Labirinto; Jorge Luis Borges.




O mito do labirinto

       A tradição conta que Minos foi escolhido por Posseidon para governar Creta e

recebeu um lindo touro branco que emergiu do mar como forma de apoio do deus,

contudo, ele deveria ser sacrificado. O rei, todavia, sacrificou outro touro no lugar e

como condenação Posseidon fez com que sua esposa Pasífae se apaixonasse pelo animal


†
 Doutora em Teoria da Literatura, na Universidade Estadual Paulista – UNESP - IBILCE – Campus de
São José do Rio Preto - Professora Doutora na UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso,
campus de Sinop na área de Literatura.
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gerando assim o Minotauro (monstro metade homem – metade touro). Para confinar o

Minotauro em um lugar longe da população, Minos convocou Dédalo para que ele

construísse um espaço para alocar o monstro. O engenheiro, então, construiu o

Labirinto. Anos depois, o jovem Teseu chega à Atenas depois de descobrir ser filho do

rei Egeu. O desejo de ser herói o fez oferecer-se como um dos quatorze jovens virgens

que cumpriu a condenação de Minos por ter perdido seu filho em terras atenienses e sob

os cuidados de Egeu. Teseu, então, com o auxílio da jovem Ariadne, consegue entrar no

labirinto, matar o Minotauro e sair com vida.

       Outras versões atribuem uma dupla paternidade a Teseu, sendo ele filho de

Posseidon e Etra, sem que Egeu soubesse a sua verdadeira origem, o rei de Atenas

sempre pensou que Teseu fosse seu filho legítimo. Daí a explicação para a força e a

determinação do jovem herói.

       O processo de reinvenção na literatura mobiliza deslocamentos de retorno,

recuperando, assim, as figuras míticas consagradas pela tradição. A figura do labirinto e

seus personagens apresentam configurações e funções diferenciadas ao longo do tempo.



Jorge Luis Borges e sua paixão pelo labirinto

       O escritor argentino Jorge Luis Borges apresenta como traço distintivo de sua

poética, uma obsessão delirante por labirintos em suas inúmeras facetas. Para Tavares:

                       A ideia de um espaço infinitamente divisível é a matriz abstrata
                       de uma das imagens preferidas de Borges: o labirinto. O que
                       aterroriza o indivíduo que vaga no labirinto é, mais do que a
                       morte às mãos do Minotauro, a possibilidade de nunca sair dali,
                       de passar o resto da eternidade vagando sem descanso por uma
                       arquitetura sem sentido...” (2005, p. 265)

       Os textos borgianos parecem explicitar em seu processo de construção,

elementos muito semelhantes aos labirintos, são, em sua maioria, enigmas textuais,

habitados por seres imaginários em universos insondáveis. Já as temáticas parecem
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refletir a metáfora do labirinto, pois discutem filosofia, matemática, metafísica,

mitologia e teologia.

       O Aleph (1949) é uma compilação de dezessete contos curtos que apresentam a

imortalidade, o tempo, o infinito, a metafísica, como temas, tudo isso relacionado com

textos clássicos, como: A Divina Comédia, de Dante Alighieri, O Castelo, de Franz

Kakfa e Os Lusíadas, de Camões. Dentre os contos dessa obra, encontra-se o texto “A

casa de Astérion”, escolhido para esta análise.



A atualização do mito: a paródia

       Um dos processos de revisitação do mito e sua atualização é a paródia. De

acordo com Hutcheon,

                        ... a paródia é, neste século, um dos modos maiores da
                        construção formal e temática dos textos. E, para além disto, tem
                        uma função hermenêutica com implicações simultaneamente
                        culturais e ideológicas.
                                A paródia é uma das formas mais importantes da
                        moderna auto-reflexividade; é uma forma de discurso
                        interatístico. (1985, 13)

       Assim, o interesse contemporâneo pela paródia tangencia tanto a auto-

representação como a intertextualidade. Hutcheon afirma que desse “centro de interesse,

surgiu uma estética do processo, da actividade dinâmica da percepção, interpretação e

produção de obras de arte” (1985, p. 12).

       Segundo Sant’Anna (1988, p. 12), “O dicionário de literatura de Brewer, por

exemplo, nos dá uma definição curta e funcional: ‘paródia significa uma ode que

perverte o sentido de outra ode (grego: para- ode)”. Tal como Hutcheon, Sant’Anna

associa a paródia com a intertextualidade: “Modernamente a paródia se define através

de um jogo intertextual.” (1988, p. 12). Desse modo, ao subverter o sentido de um texto,

a paródia precisa dialogar com um texto-base. Seu procedimento dialógico traz a
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“Intertextualidade [que] é a retomada consciente, intencional da palavra do outro,

mostrada, mas não demarcada no discurso da variante.” (DISCINI, 2004, p. 11)

       O conto “A casa de Astérion” faz a retomada do mito do labirinto pelo viés

paródico, ou seja, há uma perversão dos valores instituídos pela tradição mitológica. A

debreagem da enunciação do texto é enunciativa (eu / aqui / agora), assim, o nível

discursivo propõe um sentido de subjetividade, tal como observa-se no início da

narrativa:

                       SEI QUE ME ACUSAM DE SOBERBA, e talvez de
                       misantropia, e talvez de loucura. Tais acusações (que castigarei
                       no devido tempo) são irrisórias. É verdade que não saio de
                       minha casa, mas também é verdade que suas portas (cujo
                       número é infinito) estão abertas dia e noite aos homens e
                       também aos animais. (2001, p. 75)

       Em tom de um de desabafo, Astérion declara: “Não em vão foi uma rainha

minha mãe” (p. 76) e “O fato é que sou único” (p. 76). Ao expor sua origem, percebe-se

a intertextualidade com o mito do labirinto. O espaço também reafirma essa referência:

                       Todas as partes da casa existem muitas vezes, qualquer lugar é
                       outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, um
                       pesebre; são catorze [são infinitos] os pesebres, bebedouros,
                       pátios, cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o
                       mundo” (2001, p. 77)

       Apesar de ser um texto curto, além do mito do labirinto, outras temáticas

perpassam a narrativa, como o duplo, a solidão, a teologia, o insólito, entre outros.

Contudo, é apenas nos últimos parágrafos que se registra a evidente relação intertextual:

                       Cada nove anos, entram na casa nove homens para que eu os
                       liberte de todo o mal. Ouço seus passos ou sua voz no fundo das
                       galerias de pedra e corro alegremente para procurá-los. A
                       cerimônia dura poucos minutos. Um após outro, caem, sem que
                       eu ensangüente as mãos. Onde caíram, ficam, e os cadáveres
                       ajudam a distinguir uma galeria das outras. Ignoro quem sejam,
                       mas sei que um deles profetizou, na hora da morte, que um dia
                       chegaria meu redentor. Desde esse momento a solidão não me
                       magoa, porque sei que vive meu redentor e que por fim se
                       levantará do pó. Se meu ouvido alcançasse todos os rumores do
                       mundo, eu perceberia seus passos. Oxalá me leve para um lugar
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                       com menos galerias e menos portas. Como será meu redentor? –
                       me pergunto. Será um touro ou um homem? Será talvez um
                       touro com cara de homem? Ou será como eu?
                       O sol da manhã reverberou na espada de bronze. Já não restava
                       qualquer vestígio de sangue.
                       - Acreditarás, Ariadne? – disse Teseu. – O minotauro mal se
                       defendeu.” (2001, p. 77-8)

       Reconhece-se, na fala de Teseu, que Astérion é, na verdade, o Minotauro.

Todavia, não aquele monstro sem voz da tradição e, sim, um sujeito inocente, que ganha

a fragilidade como traço de humanidade. Portanto, os valores entre herói e anti-herói

surgem subvertidos no texto.

       Ao examinar as relações intertextuais do conto “A casa de Astérion” com o Mito

do Labirinto, nota-se que o primeiro é o texto paródico e o segundo o texto-base. “Na

verdade, a paródia contém uma diferença em relação ao texto-base, na medida em que

subverte seu enunciado e desqualifica sua enunciação, propondo uma outra enunciação

substituta, contrária, diferente.” (DISCINI, 2004, p. 26). Pode-se esquematizar essas

relações, de acordo com o quadrado semiótico proposto por Norma Discini (2004, p.

24):

       PROTO-HISTÓRIA                                           CONTRA-HISTÓRIA
        TEXTO-BASE                                                PARÓDIA




       TRANS-HISTÓRIA                                             DESISTÓRIA
         ESTILIZAÇÃO                                              POLÊMICA


       Relação de contrariedade

       Relação de contraditoriedade

       Relação de complementariedade
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       Dessa forma, em consonância com as relações propostas pelo quadrado

semiótico, o conto “A casa de Astérion” configura-se como uma contra-história. “A

contra-história, a paródia, constrói outro sentido, mas para a mesma história, do texto-

base. A paródia constrói outro texto para e pela mudança de sentido do texto-base.”

(DISCINI, 2004, p. 27). A subversão dos valores consagrados pela tradição é a marca da

paródia.



Considerações Finais

       Em consonância com a obsessão de Borges, “A casa de Astérion” revisita e

atualiza o Mito do Labirinto pelo viés da paródia, renomeando o Minotauro para

Astérion. Esse personagem que, na tradição, aparece como um monstro, na narrativa

borgeana lhe é doado à voz, é ele quem conta sua própria história, carregada de solidão,

reflexões, religião e fé. Filho de uma rainha, tal como o mito, Astérion não entende o

motivo que, ao sair nas ruas, provoca consternação no povo.

       A configuração espacial da casa de Astérion recupera os muitos caminhos

tortuosos e múltiplos, às vezes, infinitos do labirinto. A ausência da porta, fechadura e

móveis reconstroem o vazio e a imensidão desse local marcado pelo medo.

       Contudo, vale a pena ressaltar que essas relações só se evidenciam nos três

últimos parágrafos, quando, em um salto temporal, instaura-se a marca de um espaço no

corpo do texto, evidenciando uma passagem de tempo. O discurso direto que finaliza a

narrativa dá voz a Teseu, identificando Astérion como o Minotauro e afirmando que ele

“mal se defendeu” no momento da luta final.

       Nota-se, portanto que a paródia de Borges também proporciona a perda do leitor,

mas no desfecho, providencia um “fio de Ariadne” para que se possa entrar no texto,
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sair e recuperar o sentido, paródico, subversivo, questionador da tradição e renovado

por meio da visitação do mito.



Referências Bibliográficas
BORGES, J. L. O Aleph. Tradução de Flávio José Cardoso). São Paulo: Globo, 2011.
BULFINCH,T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução de
David Jardim. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
DISCINI, N. Intertextualidade e conto maravilhoso. São Paulo: Associação Editorial
Humanitas, 2004.
FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São
Paulo: Ática, 2001.
HAMILTON, E. Mitologia. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia. Tradução de Teresa Louro Pérez. Rio de
Janeiro: Edições 70, 1985.
SANT’ANNA, A.F. Paródia, paráfrase & cia. São Paulo: Ática, 1988.
SEABRA, Z. Deuses e heróis. Rio de Janeiro: Record, 2002.
TAVARES, B. Contos fantásticos no labirinto de Borges. Tradução de Julio Silveira et
al. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.
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     O DUPLO NA LITERATURA FANTÁSTICA - ANÁLISE COMPARATIVA
     ENTRE OS CONTOS DE ALLAN POE, RUBENS FIGUEIREDO E SÉRGIO
       SANT'ANNA SEGUNDO TZEVAN TODOROV EM "INTRODUÇÃO À
           LITERATURA FANTÁSTICA" E CLÉMENT ROSSET EM
                       "O REAL E SEU DUPLO"

                                                             Alexandra Britto da Silva Velásquez‡


                                               RESUMO

Nas narrativas “William Wilson” de Allan Poe, “Nos olhos do Intruso” de Rubens
Figueiredo e “O vôo da madrugada” de Sérgio Sant’Anna, observamos o conceito de
duplo em relação à literatura fantástica delineada por Tzevan Todorov e como um
problema filosófico para Clément Rosset. Em Todorov, o duplo aparece como um
elemento comum à metamorfose dentro do “tema do eu” através da multiplicação da
personalidade e possibilita o contato com o sobrenatural, o que provoca uma espécie de
hesitação no narrador e no leitor. Por outro lado, para Rosset a partir do encontro
insólito com o duplo vem à tona o problema existencial, pois diante do outro duplicado
o sujeito tem a identidade e a existência confrontadas e se torna incapaz de provar quem
é a cópia e quem é o original. Sendo assim, o duplo colabora com a visão ambígua e
necessária à literatura fantástica e parece constituir um problema para o homem
moderno que vê no outro o substituto.

PALAVRAS-CHAVE: Duplo; Fantástico; Hesitação; Existência; Original; Cópia.




           O tema do duplo é recorrente na história da literatura, o duplo pode se referir a

uma dupla personalidade, na qual o sujeito vivencia o conflito entre o bem e o mal,

pode estar presente no pacto demoníaco, no qual o homem perde a alma e o reflexo no

espelho em troca do amor e/ou da juventude, e pode ser como expõe Borges em O

Livro dos Seres Imaginários:

                             Sugerido ou estimulado pelos espelhos, pelas águas e pelos
                             irmãos gêmeos, o conceito de duplo é comum a muitas
                             nações.[...] Na Alemanha, chamaram-no Doppelgänger; na
                             Escócia, fetch, porque vem buscar (fetch) os homens para levá-
                             los para a morte. Encontrar-se consigo mesmo é, por
                             conseguinte, funesto (Opus cit, 2008, p.85).


‡
    Mestranda em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
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        Mas o encontro consigo mesmo pode não significar a morte, e sim, a

perpetuação. O próprio Borges escreve “O outro”, e vemos o velho Borges em

Cambridge num encontro insólito com o jovem Borges em Genebra. Em “As ruínas

circulares” a ideia de substituição, simulacro e perpetuação também estão presentes. Na

psicanálise, o duplo pode ainda ser o alter-ego, e Freud dedica em “O Estranho” suas

observações sobre o desdobramento da personalidade e as relações entre o estranho e o

familiar. Sem dúvida, há várias formas de tratar o duplo na história da literatura, mas na

literatura fantástica, trataremos o duplo sob dois aspectos: o da metamorfose e da

relação entre o real e o sobrenatural que geram uma espécie de hesitação no narrador

e/ou personagem e no leitor ideal.

       O duplo nas obras “William Wilson”, de Allan Poe, “Nos Olhos do Intruso”, de

Rubens Figueiredo e “O vôo da madrugada”, de Sérgio Sant’Anna, objeto de nossa

investigação, contribui com a transgressão dos limites da natureza – limites entre a

matéria e o espírito -, que são evocados na literatura fantástica. Com o duplo, o narrador

e/ou personagem e o leitor hesitam entre o universo fantástico, onde o que se imagina

pode acontecer, e, o limite imposto pela realidade.

       A multiplicação da personalidade está dentro do fenômeno da metamorfose que

colabora com as transgressões das leis naturais e para Todorov, a metamorfose está

presente no que ele chama de “tema do eu”. Vale ressaltar que Todorov faz uma espécie

de classificação dos textos fantásticos e divide os temas em “tema do eu”(tema do olhar)

e “tema do tu”(tema do discurso). Dessa forma, as narrativas aqui selecionadas tratam

do tema do olhar, da aparição.

       Todavia, se por um lado, temos uma espécie sistematização de Todorov acerca

do fantástico, na qual cabe a multiplicação da personalidade, do outro, temos o olhar

filosófico de Clément Rosset, que observa no duplo o problema da cópia e da
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originalidade, e tal questionamento parece ecoar em “William Wilson” e “Nos olhos do

intruso.”

       Apesar de distintos, encontramos nos três contos a narrativa de memória, em

primeira pessoa, como o único testemunho do evento ocorrido. Em “William Wilson”, o

narrador-personagem no leito de morte dá o testemunho de memória de como encontrou

o duplo ainda na escola e como este o perseguiu por toda a vida denunciando seus atos

vis, o que culmina no enfrentamento e desfecho fatal para os dois. Para Borges, neste

conto “o duplo é a consciência do herói. Este o mata e morre.” (2008, p.85).

       Rubens Figueiredo, em “Nos olhos do intruso”, nos traz um narrador-

personagem que encontra um sósia no teatro, e que aos poucos ao ser confundido com o

duplo assume para si parte da vida do outro. Quando o outro morre, se vê desprezado e

viaja para a cidade do futuro, na qual, encontra outro sósia um pouco mais velho.

       Em “O vôo da madrugada”, nos deparamos com o relato de um homem que viaja

para Boa Vista a trabalho e na volta para casa faz um voo especial com mortos num

acidente e apenas alguns parentes das vítimas que retornam também a São Paulo. O

homem bebe e se encanta por uma passageira que possivelmente é uma das mortas e

depois ao chegar a sua casa encontra outro de si no quarto. O homem então resolve

relatar o fato e deixa a dúvida para o leitor se quem o narra está vivo ou não.

       Os três contos se iniciam de forma realista ainda que inspirem dúvida, e só mais

adiante o leitor é levado ao encontro insólito, uma característica que contribui com o

fantástico de acordo com Todorov, pois para o mesmo a realidade falseada é o que

permite a transgressão pelo sobrenatural. Além disso, o leitor ideal precisa acreditar em

parte da narrativa para depois duvidar. “A fé absoluta como a incredulidade total nos

levam para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida.” (2008, p.36).
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       Ressaltemos que o fantástico depende de uma visão ambígua e para Todorov,

diante do evento sobrenatural o personagem hesita e o leitor ao se identificar com este

também hesita.

                       O fantástico implica pois uma integração do leitor no mundo das
                       personagens; define-se pela percepção ambígua que tem o
                       próprio leitor dos acontecimentos narrados.[...] A hesitação do
                       leitor é pois a primeira condição do fantástico. Mas será
                       necessário que o leitor se identifique com uma personagem.
                       (TODOROV, 2008, p.37).

       Observemos adiante que o início das três narrativas incita à dúvida e o leitor já

vislumbra um terreno escorregadio que contribui ao relato marcado pela ambiguidade.




                       PERMITI QUE, POR ENQUANTO, me chame William
                       Wilson. A página virgem que agora se estende diante de mim
                       não precisa ser manchada com meu nome verdadeiro. Esse
                       nome já foi por demais objeto de desprezo, de horror, de
                       abominação para minha família [...] Não quereria, mesmo que o
                       pudesse, aqui ou hoje, reunir as lembranças de meus últimos
                       anos de indizível miséria e um imperdoável crime. (Apud
                       COSTA, 2006, p.289).

                       Não lembro a primeira vez. Mas aqui e ali comecei a ouvir
                       comentários: Aquela é a cidade que interessa, é onde as coisas
                       acontecem, o futuro fugiu para lá. Advertências que repetiam a
                       verdade mais simples, não há como negar. Hoje, parecem
                       ressoar a voz de um oráculo. Mas era uma verdade que entendi
                       mal, que me apressei em traduzir totalmente errado, nos termos
                       da euforia de um menino, ou até de um tolo.
                       Talvez eu pudesse ter ficado como estava, talvez o futuro ainda
                       dormisse bem longe até hoje, se naquela noite eu não tivesse ido
                       ao teatro.(Apud MORICONI, 2001, p.540).

                       Se alguma coisa digna aconteceu em minha vida dura e insípida
                       foi estar entre os passageiros daquele voo extra, de Boa Vista
                       para São Paulo. (SANT’ANNA, 2003, p.9).

       Aos poucos, os cenários das narrativas, que parecem realistas, colaboram para

instaurar o incômodo e a desconfiança por parte do leitor ideal. Em “William Wilson”, a

escola é uma casa estilo elisabetano na Inglaterra com salas de aula que inspiram o
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terror; em “Nos olhos do intruso”, o teatro – lugar de ilusão e metamorfose –, é o

primeiro local no qual o narrador-personagem encontra o seu duplo; e n’ “O vôo da

madrugada”, após viajar com mortos, o narrador-personagem chega a casa, e encontra

em seu quarto (local isolado) o duplo.

                       Minhas remotas recordações da vida escolar estão ligadas a uma
                       grande extravagante casa de estilo elisabetano numa nevoenta
                       aldeia da Inglaterra, onde havia grande quantidade de árvores
                       gigantescas e nodosas e onde todas as casas eram extremamente
                       antigas. Na verdade aquela venerável e velha cidade era um
                       lugar de sonho e repouso para o espírito. (Apud COSTA, 2006,
                       p.290)

                       A sala de aulas era a mais vasta da casa e do mundo, não podia
                       eu deixar de pensar. Era muito comprida, estreita e
                       sombriamente baixa, com janelas em ogivas e o forro de
                       carvalho. A um canto distante, e que inspirava terror, havia um
                       recinto quadrado de dois a três metros, abrangendo o sanctum
                       "durante as horas de estudo" do nosso diretor, o Reverendo Dr.
                       Bransby. Era uma sólida construção, de porta maciça; e, a abri-
                       la na ausência do Mestre Escola, teríamos todos preferido
                       morrer de la peine forte et dure. (Apud COSTA, 2006, p.292)

                       Talvez eu pudesse ter ficado como estava, talvez o futuro ainda
                       dormisse bem longe até hoje, se naquela noite eu não tivesse ido
                       ao teatro. Três atores representavam vários papéis e a história da
                       peça quase não importava. O espetáculo consistia muito mais na
                       velocidade e na perfeição das metamorfoses dos atores. Em
                       poucos minutos, eles trocavam de roupa, peruca e maquiagem,
                       encarnavam outra voz, outra personalidade, e tudo com um
                       vigor que só podia nascer de um tipo de vida. (Apud
                       MORICONI, 2001, p.540).

                        Sentado em minha cama, a fitar-me com uma placidez
                       sorridente, na qual julguei detectar uma ponta de ironia, estava
                       um homem – se assim devo nomeá-lo – que, pela absoluta
                       implausibilidade da situação e pela indefinição etária de seus
                       traços, demorei alguns segundos – se é que podia medir o tempo
                       – para identificar como sendo eu próprio. Como se fosse
                       possível eu me repartir em dois: aquele que viajara e aquele que
                       aguardava tranquilamente em casa, ou, talvez, num espaço fora
                       do tempo. ( SANT’ANNA, 2003, P.26).

       O caráter imaginativo e excitável do herói em “William Wilson” faz par com o

herói de “O vôo da madrugada” e desperta também à dúvida no leitor ideal que não tem
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certeza se o evento de fato ocorreu ou não passa de uma fantasia, de uma invenção dos

narradores-personagens. Os próprios narradores colocam em cheque se o que veem é

ilusão ou não.

                        Não teria eu na verdade, vivido em sonho? E não estarei agora
                        morrendo vítima do horror e do mistério da mais estranha de
                        todas as visões sublunares?
                        Descendo de uma raça que assinalou, em todos os tempos, pelo
                        seu temperamento imaginativo e facilmente excitável. (Apud
                        COSTA, 2006, p.290).

                        Posso imaginar, em meus devaneios noturnos, cenas de um
                        sofrimento agudo que, em geral, prefiro não materializá-las em
                        peças escritas [...] Mas garanto que sou capaz de conjeturar as
                        piores coisas. [...] Como a imaginação pode ser muito mais
                        aterrorizante do que a realidade para um insone.
                        ( SANT’ANNA, 2003, p.10).


       O entorpecimento, a bebida ou oscilação entre o estado de sono e vigília também

podem ser observados na ficção fantástica como elementos que contribuem à visão

ambígua na narrativa.


                        Uma alucinação, dirão os céticos, levando em conta, ainda mais,
                        que eu misturara aos comprimidos tomados no hotel o vinho
                        servido a bordo. Sim, uma alucinação, tudo é possível, talvez
                        naquele estágio intermediário entre a vigília e o sono. Mas no
                        meu caso, se assim tiver sido, com uma duração especial e uma
                        materialidade que fizeram dessa alucinação uma experiência
                        mais marcante do que todas as outras em minha existência; um
                        acontecimento também exterior a mim mesmo e, como já disse,
                        uma coisa física.( SANT’ANNA, 2003, p.25).


       Mas o encontro com o duplo, ponto principal da inquietação do leitor ideal nos

contos, é o marco para observamos não apenas a multiplicação do ser como um aspecto

da metamorfose comum à literatura fantástica, mas como um problema do sujeito em

relação à originalidade, à unicidade e à existência. O duplo não representa apenas o

gêmeo, o sósia, o desdobramento do ser, mas também aponta para o fim do sujeito
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único e original segundo Clément Rosset. E o sujeito passar a hesitar entre a

perpetuação e a morte.

                         Sua réplica, que era perfeita imitação de mim mesmo, consistia
                         em palavras e gestos, e desempenhava admiravelmente seu
                         papel. Minha roupa era coisa fácil de copiar; meu andar e
                         maneiras foram, sem dificuldade, assimilados e, a despeito de
                         seu defeito constitucional, até mesmo minha voz não lhe
                         escapava. Natural, não alcançava ele meus tons mais elevados,
                         mas o timbre era idêntico e seu sussurro característico tornou-se
                         o verdadeiro eco do meu. (Apud COSTA, 2006, p. 296).

                         Pensava-se tratar como original, mas na realidade só se havia
                         visto o seu duplo enganador e tranquilizador; eis de súbito o
                         original em pessoa, que zomba e se revela ao mesmo tempo
                         como o outro e o verdadeiro. Talvez o fundamento da angústia,
                         aparentemente ligado aqui à simples descoberta que o outro
                         visível não era o outro real, deva ser procurado num terror mais
                         profundo: de eu mesmo não ser aquele que pensava ser. E, mais
                         profundamente ainda, de suspeitar nesta ocasião que talvez não
                         seja alguma coisa, mas nada. (ROSSET, 2008, p.92).

       Nestas narrativas é possível olhar para o duplo como o fetch, como o

doppelgänger, como um alter-ego, mas este duplo, segundo Clément Rosset, aponta

para a não-existência do sujeito.

                         É verdade que o duplo é sempre intuitivamente compreendido
                         como tendo uma realidade “melhor” do que o próprio sujeito – e
                         ele pode aparecer neste sentido como representando uma espécie
                         de instância imortal em relação à mortalidade do sujeito. Mas o
                         que angustia o sujeito, muito mais do que a sua morte próxima,
                         é antes de tudo a sua não–realidade, a sua não-existência.
                         (ROSSET, 2008, p.88).

       A presença do outro desestabiliza o sujeito que questiona se é a cópia do outro

ou o original, se é o duplo ou o duplicado. “No par maléfico que une o eu a um outro

fantasmático, o real não está do lado do eu, mas sim do lado do fantasma: não é o outro

que me duplica, sou eu que sou o duplo do outro.” ( ROSSET, 2008, p.88).


                         Talvez a gradação de sua cópia não o tornasse prontamente
                         perceptível, ou mais provavelmente, devia eu minha segurança
                         ao ar dominador do copista que, desdenhando a letra (coisa que
                         os espíritos obtusos logo percebem numa pintura), dava apenas
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                       o espírito completo de seu original para meditação minha,
                       individual, e pesar meu. .”(Apud COSTA, 2006, p.297).


       Com o desdobramento da personalidade, de acordo com Rosset, o sujeito

procura no espelho a simetria perfeita do seu duplo embora não possa alcançá-la, pois o

espelho oferece o inverso, e o sujeito jamais alcança o duplo de si. No fim de “William

Wilson” podemos pensar no desfacelamento do espelho, na busca inacessível pelo ser

em si mesmo e nos recordamos também do mito de Narciso. Quando William Wilson

atravessa o espelho, não mata apenas o outro, mas a si mesmo.


                       Um grande espelho - assim a princípio me pareceu na confusão
                       em que me achava - erguia-se agora ali, onde nada fora visto
                       antes, e como eu caminhasse para ele, no auge do terror, minha
                       própria imagem, mas com as feições lívidas e manchadas de
                       sangue, adiantava-se ao meu encontro, com um andar fraco e
                       cambaleante. (Apud COSTA, 2006, p.308).

                       Era Wilson, mas ele falava, não mais num sussurro, e eu podia
                       imaginar que era eu próprio quem estava falando, enquanto ele
                       dizia: Venceste e eu me rendo. Contudo, de agora por diante, tu
                       também estás morto... morto para o Mundo, para o Céu e para a
                       Esperança! Em mim tu vivias... e, na minha morte, vê por esta
                       imagem, que é a tua própria imagem, quão completamente
                       assassinaste a ti mesmo! (Apud COSTA, 2006, p.308).

       Em “Nos olhos do intruso” o espelho aponta para a ideia de sucessão e de

substituição, mas não sabemos quem é de fato a réplica, o duplicado, o intruso, e quem

é o original.


                       Mas os espelhos permitiam olhares diagonais. Por esse ângulo,
                       pude notar que o sujeito era extraordinariamente parecido
                       comigo. Apenas um pouco mais velho.Fui para a rua. Forcei
                       minhas pernas a caminhar e vi a calçada fugindo para trás sob os
                       meus passos. Sei agora por que vim para esta cidade. O olhar
                       admirado do homem na barbearia foram as boas-vindas e
                       também uma despedida para mim. Já posso sentir o calor das
                       chamas estalando. Mas, até que chegue a minha vez, esse sujeito
                       ainda vai ouvir falar muito de mim. (Apud MORICONI, 2001,
                       p.543).
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       Em “O vôo da madrugada”, não sabemos se os encontros do narrador-

personagem com a morta no avião e com o seu duplo em casa foram de fato reais ou não

passaram de uma alucinação. É o próprio narrador que questiona junto ao leitor se o

encontro com a mulher não passou de um sonho. Por fim, o leitor permanece na

indecisão e o narrador colabora para isso, colocando em dúvida sua condição

existencial. Quem é o narrador - um homem vivo ou seu fantasma? “E, antes de ser esta

uma história de espectros – acrescento com uma gargalhada, pois uma súbita hilaridade

me predispõe a isso - , é uma história escrita por um deles.”(SANT’ANNA, 2003, p.28).

      Ao fim das narrativas continuamos, pois, no terreno do inexplicável, fundamental

à ficção fantástica, e diante de um dilema existencial provocado pelo desdobramento do

sujeito, já que não é possível provar a existência do outro na superfície do espelho. O

espelho para Rosset causa apenas a ilusão de uma visão, “me mostra não eu, mas um

inverso, um outro; não meu corpo, mas uma superfície, um reflexo. Ele é, em suma,

apenas uma chance de me apreender, que sempre acabará por decepcionar-me.” (2008,

p. 90). Narciso se encanta com a imagem de si mesmo, o outro, pois nunca verá a si

mesmo, é a imagem que o leva a fatalidade, pois ele imerge no que é impenetrável.

       Caminhamos assim numa espécie de labirinto sem fim onde nos resta olhar para

o insólito, posto, que pelo viés do fantástico, o que parece angústia diante do real é o

que permite a hesitação, a sensação de estranhamento, e a experiência com o

inexplicável, com o sobrenatural.




Conclusão


       Ao que parece, podemos identificar a partir do duplo nas narrativas aqui

investigadas, ainda que de forma sucinta: o caráter ambíguo que gera a hesitação, o
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efeito fantástico, as ideias de cópia, originalidade e a inexplicável existência do outro,

que ora parece um fantasma, ora um prenúncio da morte ou perpetuação da espécie.

       Percebemos que tanto em Todorov quanto em Rosset, embora as leituras sobre o

desdobramento da personalidade sejam distintas - uma pelo viés do gênero fantástico, e

outra relacionada ao problema existencialista -, é possível enxergar o homem moderno

em sua angústia frente ao duplo como um substituto, basta recordarmos da condição de

Goliádkin em “O Duplo” de Dostoiévski.

       Sem que tentemos definir ou restringir as narrativas aqui apresentadas como

alegorias, longe de nos aproximarmos de um significado, percebemos, no entanto, que o

tema do duplo é muito complexo tanto para a filosofia quanto para a literatura, sendo

que esta última acaba por fazer emergir questões da condição humana que assim como

uma obra fantástica, nos fazem hesitar entre o real e o sobrenatural, entre o que parece

tangível, compreensível e o inexplicável.



Referências Bibliográficas:

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2008.
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     ÂNGELO NO MUNDO DOS MORTOS: O FANTÁSTICO NA OBRA DE
                      ALUÍSIO AZEVEDO

                                                                     Amanda Lopes Pietrobom ∗


                                            RESUMO

Aluísio Azevedo é conhecido por suas obras naturalistas que retratam a sociedade
brasileira do século XIX. Nelas, ele denuncia a corrupção da burguesia e do clero bem
como problemas enfrentados pelos escravos, pobres e imigrantes. Mas Aluísio Azevedo
escreveu também obras menores, mas não menos significativas, onde questões relativas
à ciência e à religião são os temas principais.
Em A Mortalha de Alzira, seu oitavo romance, a personagem Ângelo, criado em
claustro após ter sido abandonado às portas de um mosteiro, vive vampirizado por
Alzira, uma condessa que nutre uma intensa paixão pelo padre, mesmo depois de morta.
Diariamente, a alma de Ângelo é levada para o mundo dos mortos por Alzira, assim que
ele adormece.
Nesta obra de caráter ao mesmo tempo (e contraditoriamente) naturalista e fantástico de
Aluísio Azevedo, as figuras do cientista e do padre aparecem para explicar os fatos
insólitos vivenciados pela personagem Ângelo e esclarecer ao hesitante leitor (conforme
Tzvetan Todorov em sua obra Introdução à Literatura Fantástica), os acontecimentos
ocorridos com a personagem. Para Todorov, um evento fantástico só ocorre quando há a
dúvida se esse evento é real, explicado pela lógica, ou sobrenatural, ou seja, regido por
outras leis que desconhecemos. E é dentro da atmosfera do fantástico que ocorre o
enredo de A Mortalha de Alzira.

PALAVRAS-CHAVE: Fantástico; Tzvetan Todorov; naturalismo; sobrenatural.



      A Mortalha de Alzira, o oitavo romance escrito por Aluísio de Azevedo, foi

publicado em 1893 e filia-se à literatura de caráter fantástico. Esta obra foi apresentada

inicialmente, assim como outras de faceta romântica, sob forma de folhetim, em 1891.

Aluísio de Azevedo, obrigado a viver de sua produção literária, acaba produzindo obras

pouca divulgadas que, no entanto, não deixam de ser significativas para a formação de

todo um substrato literário do século XIX brasileiro.




∗
 Mestranda em Letras na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José
do Rio Preto, na área de Literatura Brasileira.
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     A Mortalha de Alzira passa-se no século XVIII, na França, no reino de Luís XV,

nos arredores de Paris. Neste romance a intriga tem papel secundário e o objetivo do

autor é o de retratar uma época devassa. A questão do celibato clerical e suas

consequências para o indivíduo constituem um dos pontos centrais abordados pelo

ficcionista. Por tratar-se de uma ficção filiada ao mesmo tempo ao fantástico e aos

preceitos do naturalismo, o autor acabou abordando, também, a questão das doenças

nervosas decorrentes de um tipo de vida por ele considerada pouco saudável,

notadamente da histeria e de suas manifestações.

     Embora a narrativa não se passe no Brasil, nem no século XIX, ela nos coloca em

contato com o tempo do autor, no contexto social brasileiro. No Brasil, o

comportamento devasso e corrupto do clero provocava uma posição anticlerical nos

autores do século XIX. Aluísio de Azevedo viveu, assim, em um período no qual a fé

lutava contra o livre pensamento e a confiança no progresso nas ciências. O autor

denuncia em alguns de seus livros a injustiça e a corrupção da Igreja, por exemplo, e

mostra comportamentos doentios e perturbados decorrentes do condicionamento

causado pelo meio sobre o indivíduo. Esse tipo de condicionamento é muito evidente no

romance A Mortalha de Alzira.

     A narrativa começa com uma descrição de Paris e sua sociedade libertina. Um

fato rompe a descrição: o pregador La Rose, acometido por um ataque de asma, não

poderia pregar seu sermão de quinta-feira santa. Outro religioso deveria substituí-lo.

Surge no enredo a personagem Ângelo, criado em claustro por Ozéas, frei devasso que,

temendo o castigo divino, resolve fazer de Ângelo um novo messias para salvar a

França dos pecados da carne. Ângelo, em um de seus sermões, avista Alzira, mulher

aristocrática, aventuresca, rica cortesã de Paris. A partir desse fato, a vida de Ângelo

começa a mudar. Mesmo sendo um homem casto e puro, ele começa a sentir uma
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angústia sem saber ao certo o que aquilo significava. Ozéas, pressentindo que o jovem

padre estava caindo em perdição por causa de uma mulher, alertou-o para o mal que

aquilo poderia fazer a ele:



                              “ E se, apesar de tudo, encontrares alguma mulher, que te
                        leve a sonhar estranhas venturas... bate com os punhos cerrados
                        contra o peito, dilacera as tuas carnes com as unhas, até
                        sangrares de todo o veneno da tua mocidade! Esmaga, à força de
                        penitência, toda a animalidade que em ti exista! Aperta os teus
                        sentidos dentro do voto de ferro da tua castidade, até lhes
                        espremeres toda a seiva vital! Fecha-te, enfim, dentro do teu
                        voto de castidade, como se te fechasses dentro de um túmulo!”
                        (AZEVEDO, p.67)



      Com a morte de Alzira, o fantástico se instaura no texto. Alzira volta do mundo

dos mortos, todas as noites, para levar Ângelo consigo. Com o passar do tempo, Ângelo

não distingue mais o real do sonho. Passa a ter dúvidas de sua existência: não sabe mais

se sua vida real é a do claustro ou a do mundo de leviandades e devassidão ao lado de

Alzira.

      Este romance de Aluísio de Azevedo filia-se ao texto La Morte Amoureuse de

Théophile Gautier, escritor francês do século XIX. No texto de Gautier, o sagrado e o

diabólico se cruzam também na figura de um padre, que busca por meio dos sonhos a

realização de seus desejos. Romuald (padre) faz um pacto e resgata a vampira

Clarimonde do reino das sombras e isso determina a fragmentação de sua personalidade

nos limites do sonho-pesadelo. Em A Mortalha de Alzira o padre Ângelo tem sua

personalidade fragmentada nos sonhos, após a morte da condessa Alzira; ele é
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“vampirizado” por ela durante os sonhos. Aluísio de Azevedo deixa explícita essa

filiação no início de seu romance, escrevendo

                                     “Ao leitor
                                     Este romance é nada mais do que um vasto jardim
                              artificial feito de frias, perpétuas e secas margaridas, mas todo
                              ele embalsamado pelo aroma de uma flor, uma só, que é a sua
                              alma – “La Morte Amoureuse”, de Théophile Gautier.
                                     O AUTOR” (A Mortalha de Alzira)
         Tzvetan Todorov cita em Introdução à Literatura Fantástica, que dentro da nossa

realidade regida por leis, ocorrências inexplicáveis por essas leis incidem na incerteza

de serem reais ou imaginárias. Para Todorov, um evento fantástico só ocorre quando há

a dúvida se esse evento é real, explicado pela lógica, ou sobrenatural, ou seja, regido por

outras leis que desconhecemos. Porém, este fato não pode sugerir a alegoria, pois, se o

leitor ou espectador interpretar o sobrenatural como uma metáfora, num primeiro

momento, ele perde o sentido fantástico. Deve haver uma pré-disposição do leitor para

negar a alegoria e hesitar quanto à realidade do fato.

         A personagem Ângelo, vampirizado por Alzira durante o sono, vive uma vida

dupla: a de padre na vida real§ e a de homem boêmio, vida esta que ele vive no mundo

dos mortos. O padre deseja a extinção de seu rival e, por sua vez, o boêmio deseja a

extinção do padre:



                                     “Com o correr dos sonhos, formou-se uma secreta

                              rivalidade entre o padre casto e o licencioso boêmio. Odiavam-

                              se. Cada qual desejava a extinção do seu rival. O presbítero,

                              entretanto, a ninguém confiara até aí o segredo das escápulas do


§
    Realidade esta que conhecemos, regida pelas leis naturais.
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                       seu espírito, e principiava a habituar-se àquele duplo viver de

                       sacerdote virtuoso e de folião profano” (AZEVEDO, 2005,

                       p.209)



      A própria personagem questiona a experiência que tem, hesita em acreditar (ou

não) nos fatos que vivencia e já não consegue mais distinguir em qual “realidade” ele

existe:


                       “ – Eu vivo nos meus sonhos, e mentiria se dissesse que os não
                       desejo... Desejo-os ardentemente; volto deles com a consciência
                       aflita e dolorida, mas durante as longas horas do dia, nada mais
                       faço que chamar pela noite, para poder correr aos braços de
                       Alzira!... Sonhar! Será vida o sonho?... E por que não?... Por que
                       supor que esta é vida verdadeira e a outra não? ... Por que, se
                       ambas têm a mesma razão de ser? (...) Qual das duas será a
                       verdadeira? Poderei afirmar que vivo nesta?” (AZEVEDO,
                       2005, p.229)

      Segundo Todorov, há um fenômeno que pode ser explicado de duas formas, uma

pelas leis naturais e outra pelas leis sobrenaturais. Quando há a possibilidade de se

hesitar entre estas duas formas, é onde se cria o efeito do fantástico. E é dentro desta

atmosfera de hesitação que ocorre A Mortalha de Alzira.



Bibliografia

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    O FANTÁSTICO E A LOUCURA NO SÉCULO XIX: DUAS PERSPECTIVAS
    PARA O LEITOR IMPLÍCITO EM O CORAÇÃO DENUNCIADOR, DE POE E
                    EM O HORLA, DE MAUPASSANT

                                                                 Ana Carolina Bianco Amaral*


                                           RESUMO

O tema da loucura na literatura fantástica é vigente nas narrativas do século XIX. Em os
contos O coração denunciador, de Edgar Allan Poe e em O Horla, de Maupassant, a
instabilidade mental é revelada, por vezes, nos comportamentos dos personagens
centrais. O presente trabalho destacará os pontos narrativos que revelam duas tensões:
de um lado, a possibilidade da loucura do narrador em primeira pessoa, do outro, a
instauração do sobrenatural. Utilizaremos a teoria proposta por Todorov teórico para
salientar a maneira pela qual o leitor implícito pode preencher as lacunas textuais que
tendem ao módulo da interpretação.

PALAVRAS-CHAVE: Fantástico; Loucura; O coração denunciador; O Horla.




Sobre a loucura no fantástico e o leitor implícito



        O tema da loucura na literatura fantástica é tipicamente representado, no século

XIX, por publicações que circundaram a transição do século das Luzes à visão

Romântica do mundo ocidental. O fantástico, compreendido como um gênero narrativo

que concatena, em uma única estrutura, o verossímil e o sobrenatural, é amalgamado

também, com outros recursos literários. A caracterização do desequilíbrio mental, por

exemplo, é um desses aspectos que o gênero tematiza. Algumas obras publicadas no

século XIX como O homem da areia (1817), de Hoffman, Aurélia (1854), de Nerval,

Vera (1874), de L’Isle-Adam, e O sonho (1876), de Ivan Turgueniev remetem, muitas

vezes, o publico leitor à margem de especulações entre uma explicação lógica ou de

*
  Mestranda em Letras, Teoria da Literatura, pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, UNESP/IBILCE, campus de São José do Rio Preto. FAPESP 2010/03566-7;
carol17letras@yahoo.com.br
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ordem irracional para os horizontes propostos na trama. O amor do jovem Natanael pelo

autômato Olímpia, o credo sustentado pelo narrador da revivificação da presença Vera,

já falecida, Aurélia, com as visões de um mundo desconhecido, e o sonho premonitório

que resgatou o pai do personagem turguenieviano tece, à primeira vista, a instabilidade

mental no comportamento do personagem fantástico.

       Em O mundo maravilhoso do inexplicado: o fantástico como mise-em-scène da

modernidade, Batalha (2003) afirma que o louco recria o mundo, e gera uma nova

verdade, o que obriga a sociedade a pensar e a relativizar aquilo que torna a lógica da

prática humana comum. Por comportar um material de origens em zonas ainda não

exploradas na mente humana, o tratado da alucinação, do delírio e da instabilidade

mental é recorrente na literatura em questão, pois propõe questionar a racionalização, e

objetivar a compreensão das construções mentais do indivíduo defronte ao legado

ideológico instaurado pela sociedade temporal. Até o final do século XVIII, nos ares da

Revolução Francesa, e no início do século XIX, a loucura era tida como uma doença

física, genética, e não havia distinção entre o estado mental do ser humano e do físico.

A loucura desvenda as camadas mais obscuras do ser.

        A literatura fantástica, ao atualizar a experiência do personagem mentecapto,

atua no espaço limítrofe da linguagem literária, pois, cedendo voz ao desvario, recria a

possibilidade de compreensão da doença silenciada pela sociedade em nome da razão.

Assim, esse desatino mental não é mais compreendido como parte negativa do homem,

mas como outro domínio de verdade, e contesta uma cultura dominada pela plenitude

do racional.

       Mas qual processo de criação do fantástico conduz o leitor a compreender os

personagens da história como alucinados por presenciarem fenômenos estranhos, ou

estes serem de origem insólita? Encontramos em Todorov (2003) uma definição para o
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gênero em questão que prevê a participação do ledor no texto fantástico. Após realizar

um levantamento de obras do século XIX, especificamente nas produções narrativas, o

teórico enfatiza que o foco similar entre os contos e as novelas selecionadas é o

simulacro de realidade, designado, por ele, de verossimilhança. Ocorrendo a ruptura do

verossímil pela introdução de algum elemento sobrenatural e a condução do texto por

uma sequência de estratégias textuais, o narrador em primeira pessoa se questionaria

acerca da natureza dessa ocorrência inverossímil, e outorgaria suas dúvidas para o leitor

implícito que, anuente a essas proporções do texto, dialogaria, em reciprocidade com o

narrador, sobre a procedência do insólito. Tal processo é denominado de hesitação.

       O leitor implícito todoroviano é designado por uma possível participação do

leitor real na narrativa que ocorreria quando o narrador em primeira pessoa persuadisse

esse destinatário a hesitar acerca da procedência dos eventos dispostos no enredo. No

entanto, utilizaremos a definição proposta pelo alemão Wolfgang Iser de leitor

implícito, por compreendermos que o ledor não só participa a convite do narrador, mas

preenche as lacunas cedidas pelo texto, a fim de atingir o grau de interpretação. O

teórico acredita que a estrutura discursiva, articulada em um escrito que projeta a

presença do receptor é denominada de leitor implícito, e destitui-se dessa forma, do

conceito de leitor ideal. Este estabelece que a leitura plena da obra é concretizada por

meio de um receptor adequado para cada texto. Assim, o escritor precisaria desenvolver

a literatura visando a um ledor que a compreendesse e a interpretasse como foi pensada

ao ser elaborada.

       A arbitrariedade interpretativa do leitor implícito, como já dita, é parcial, pois a

aceitação das estratégias textuais, como sinalizadoras da leitura, implica no

desprendimento fracionário da liberdade dessa interpretação. Sendo, dessa maneira, por

meio do contexto situacional da história, que o receptor decifra os estratagemas pré-
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estabelecidos, e exercendo sua lógica conceitual, compara as premissas do texto com o

contexto.



Análise dos contos O coração denunciador, de Poe e O Horla, de Maupassant



       Para explorarmos a atuação do tema da loucura no século XIX, selecionamos

dois contos: o Coração denunciador, de Edgar Allan Poe e a primeira versão de O

Horla, de Guy de Maupassant. O primeiro foi publicado nos Estados Unidos, em 1843,

enquanto o segundo, na França, em 1886, pós Revolução Francesa. O conto

maupassaniano discorre sobre um paciente clínico que relata sua experiência insólita

para alguns doutores. O homem conta sobre uma presença invisível, chamada por ele de

Horla, que o acompanhava em alguns períodos. O conto de Poe também apresenta o

discurso de um narrador-personagem que prestava serviços a um idoso. Furioso com a

catarata situada em um dos olhos do senhor, comete assassinato, mas afirma ouvir as

batidas do coração defunto. Ambos os contos demonstram o esforço do narrador, em

primeira pessoa, em convencer, no primeiro caso, outros personagens da trama, no

segundo, o narratário, que os eventos estranhos decorrentes no enredo são de ordem

sobrenatural, e que por isso, não sofrem alucinações, são mentalmente estáveis.

       A narração de O Horla é iniciada por um narrador em terceira pessoa que

descreve o caso de um dos pacientes do doutor Marrande. O personagem que anunciará

os fenômenos insólitos aos colegas de trabalho do doutor toma a voz, transformando-se

em um narrador em primeira pessoa. A narrativa é descrita a partir da visão do paciente

possivelmente insano, como alega os outros personagens do enredo.



                       Senhores, sei por que vos reuniram aqui e estou disposto a
                       contar-vos minha história, conforme me pediu o meu amigo
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                        doutor Marrande. Durante muito tempo êle me julgou louco.
                        Hoje, duvida. Dentro em pouco vereis que tenho o espírito tão
                        sadio, tão lúcido, tão clarividente como o vosso, infelizmente
                        para mim, e para vós e para a humanidade inteira.
                        (MAUPASSANT, s/d, p.337)


         Neste trecho, o preâmbulo do processo de preenchimento das lacunas discursivas

é iniciado. Não podemos responder por uma coletividade interpretativa de leitores, mas

o conto, com a elaboração das estratégias textuais pode tender o leitor implícito a um

tipo de interpretação. Esse parágrafo constitui dois pólos. De um lado, a negação de

qualquer tipo de instabilidade mental, e do outro, a hipótese de loucura. Da mesma

forma, o conto O coração denunciador abarca esses dois processos:



                        É verdade! sou - nervoso - , eu estava assustadoramente nervoso
                        e ainda estou; mas por que você diria que estou louco? A doença
                        tinha aguçado os meus sentidos - não destruído - , não
                        amortecido. Acima de tudo, aguçado estava o sentido da
                        audição. Eu escutava todas as coisas no céu e na terra. Eu
                        escutava muitas coisas do inferno. Como posso estar louco?
                        Ouça com atenção! E veja com que sanidade, com que calma
                        sou capaz de contar a história inteira. (POE, 2004, p.280)


         Os dois personagens centrais dos contos norteiam a razão e a loucura, iniciando

os relatos de forma segura e estável, e intentam moldar um caráter lúcido para seus

comportamentos. Em Poe, o narrador instila o narratário acreditar que não sofre de

insanidade mental: “loucos não sabem de nada”. (POE, 2004: 280). Como não há

menção de reciprocidade de diálogo com outros personagens, os rebates sobre essa

loucura podem ser uma projeção do próprio inconsciente desequilibrado, ou até mesmo

a iteração da negação de insânia pode derivar da necessidade de expressão das suas

emoções, uma vez que o texto aborda a existência solitária dessa primeira pessoa. Em O

Horla:
II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011.          46
UNESP – Campus de São José do Rio Preto



                       Mas quero começar pelos próprios fatos, os fatos sem
                       comentários. Eis-los: Tenho quarenta e dois anos. Não sou
                       casado, minha fortuna é suficiente para eu viver com um certo
                       luxo. Habitava, pois, uma propriedade à beira do Sena, em
                       Biessard, perto do Ruão. (MAUPASSANT, s/d, p.338)


o narrador anuncia que não opinará sobre fatos do relato, sugerindo um distanciamento

opinativo. Esse afastamento tende a justificar a veracidade do fenômeno sobrenatural

que ocorrerá. Da mesma forma, o narrador do segundo conto revela:



                       É impossível dizer como a idéia entrou primeiro no meu
                       cérebro; mas, uma vez concebida, perseguia-me dia e noite.
                       Objeto, não havia nenhum. Paixão, não havia nenhuma. Eu
                       amava o velho. Ele nunca me fizera mal. Ele nunca me insultara.
                       Pelo ouro dele eu não nutria desejo. Penso que foi o olho dele!
                       Sim, foi isso! Tinha o olho de um abutre – um olho azul pálido
                       recoberto por uma película. Sempre que pousava sobre mim,
                       meu sangue congelava; e assim, por etapas – muito
                       gradualmente -, decidi tirar a vida do velho e, dessa forma
                       livrar-me do olho para sempre. (POE, 2004, p.280)


       O personagem central tenta convencer o narratário de sua inculpabilidade, não

sabendo explicar o porquê foi inspirado pelo desejo de assassinar o senhor que prestava

serviços. Todas essas justificativas formam, também, o cenário que as premissas

textuais criam a fim de influenciar a opinião do leitor implícito, num exercício de

raciocínio lógico, e que tende, na perspectiva do narrador em primeira pessoa, a

promulgar sua inocência. Devemos salientar que a narrativa é sopesada pela pessoa que

vivencia os fatos, e que todas as informações nos são cedidas pelo olhar do narrador que

pode estar equivocado acerca da procedência dos acontecimentos do enredo, os

omitindo ou os dissimulando. Em O Horla:


                       Fez um ano no último outono, invadiu-me de repente uma
                       espécie de inquietude nervosa que me mantinha acordado noites
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II Colóquio Fantástico Literatura

  • 1. ANAIS 3, 4 e 5 de maio de 2011 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Câmpus de São José do Rio Preto IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas
  • 2. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura” 3, 4 e 5 de maio de 2011 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Câmpus de São José do Rio Preto IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas ANAIS APOIO: Departamento de Letras Modernas Programa de Pós-Graduação em Letras
  • 3. Diretor José Roberto Ruggiero Vice-Diretor Maria Tercília Vilela de Azeredo Oliveira Chefe do Departamento de Letras Modernas Peter James Harris Programa de Pós-Graduação em Letras Coordenação: Giséle Manganelli Fernandes Vice-coordenação: Susanna Busato Grupo de Pesquisa “Vertentes do Fantástico na Literatura” (CNPq) Líder Karin Volobuef (UNESP-Araraquara) Vice-líder Roxana Guadalupe Herrera Alvarez (UNESP-SJRP) Comissão organizadora do evento: Coordenadora Geral: Profa. Dra. Karin Volobuef (UNESP - Araraquara) Presidente: Profa. Dra. Roxana Guadalupe Herrera Alvarez (UNESP - SJRP) Vice-presidente: Profa. Dra. Norma Wimmer (UNESP - SJRP) Coordenação geral da Programação: Prof. Dr. Álvaro Luiz Hattnher (UNESP - SJRP) Secretária Geral: Profa. Dra. Maria Celeste Tommasello Ramos (UNESP - SJRP) Vice-secretária: Profa. Dra. Maria Cláudia Rodrigues Alves (UNESP - SJRP) Organizadores dos Anais:, Profa. Dra. Maria Celeste Tommasello Ramos (UNESP - SJRP), Profa. Dra. Maria Claudia Rodrigues Alves (UNESP - SJRP), Prof. Dr. Álvaro Luiz Hattnher (UNESP - SJRP) Suporte acadêmico: Márcio Santana da Silva, Soraya Maria Xavier Bastos e Elton Luiz Jitiako (UNESP - SJRP) Assessoria administrativa: Helena Luiza Buosi de Biagi (UNESP - SJRP) Colóquio “Vertentes do fantástico na literatura” (2. : 2011 : São José do Rio Preto, SP). Anais [do] II Colóquio “Vertentes do fantástico na literatura “/ UNESP - IBILCE ; [organizadores dos Anais: Álvaro Luiz Hattnher, Maria Celeste Tommasello Ramos, Maria Claudia Rodrigues Alves]. – São José do Rio Preto : UNESP - Câmpus de São José do Rio Preto, 2011. |1 CD-ROM ; 4 3/4 pol. ISBN 978-85-61152-33-8 1. Literatura fantástica. 2. Mito na literatura . 3. Contos de fadas. I. Ramos, Maria Celeste Tommasello. II. Alves, Maria Claudia Rodrigues. III. Hattnher, Álvaro Luiz. IV. Título. CDU: 82-344 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE UNESP - Campus de São José do Rio Preto -
  • 4. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO, 6 1. Adalberto Luis Vicente, 8 2. Adriana Lins Precioso, 17 3. Alexandra Britto da Silva Velásquez, 24 4. Amanda Lopes Pietrobom, 35 5. Amanda Pérez Montañés, 608 6. Ana Carolina Bianco Amaral, 41 7. Ana Maria Zanoni da Silva, 52 8. André Luis Rosa e Silva & Carlos Vinícius Teixeira Palhares, 63 9. Andrea Santurbano, 74 10. Angela das Neves, 84 11. Antônio César Frasseto & Alessandra Moreno Maestrelli, 100 12. Antônio Donizeti Pires, 109 13. Arnaldo Franco Junior, 123 14. Breno Anderson Souza de Miranda, 134 15. Breno Rodrigues de Paula, 145 16. Bruno da Silva Soares, 155 17. Cesar Augusto Sinicio Marques, 162 18. Cristiano Mello de Oliveira, 169 19. Denise Loreto de Souza, 183 20. Elaine Cristina Prado dos Santos & Maria Luiza Guarnieri Atik, 192 21. Emerson Ferreira Gomes, João Eduardo Fernandes Ramos & Luís Paulo de Carvalho Piassi, 200 22. Érika Bergamasco Guesse, 209 23. Fabiana Rodrigues Santos & Luís Paulo de Carvalho Piassi, 220 24. Fernanda Aquino Sylvestre, 230 25. Fernando Henrique Crepaldi Cordeiro, 240 26. Isis Milreu, 259 27. João Eduardo Fernandes Ramos & Luís Paulo Piassi, 270 28. João Olinto Trindade Junior & Flavio García, 281 29. Juliana Vilar Rodrigues Cardoso, 289 30. Karin Volobuef, 296
  • 5. 31. Karla Duarte Carvalho, 304 32. Karla Menezes Lopes Niels, 314 33. Kelli Mesquita Luciano, 326 34. Lígia Maria Pereira de Pádua, 334 35. Luciana Morais da Silva, 346 36. Lúcio De Franciscis dos Reis Piedade, 354 37. Luís Francisco Martorano Martini, 364 38. Luiz Gonzaga Marchezan, 371 39. Maira Angélica Pandolfi, 379 40. Márcio Henrique Muraca, 386 41. Maria Celeste Tommasello Ramos, 392 42. Maria Cláudia Rodrigues Alves, 403 43. Maria de Fatima Alves de Oliveira Marcari, 416 44. María del Carmen Tacconi, 425 45. Maria Imaculada Cavalcante, 436 46. Maria Lucia M. Carvalho Vasconcelos & Marlise Vaz Bridi, 447 47. Matheus Victor Silva, 453 48. Mauro de Sousa Ribeiro, 458 49. Nanci do Carmo Alves, 469 50. Norma Domingos, 475 51. Norma Wimmer, 486 52. Patrícia Maia Quitschal & Luís Paulo de Carvalho Piassi, 492 53. Regiane Rafaela Roda, 501 54. Rodrigo de Freitas Faqueri, 509 55. Roxana Guadalupe Herrera Álvarez, 519 56. Silvana Augusta Barbosa Carrijo, 529 57. Stanis David Lacowicz & Antonio Roberto Esteves, 540 58. Thiago Miguel Andreu, 551 59. Tristan Guillermo Torriani, 561 60. Valdemir Boranelli, 572 61. Vitor Celso Salvador, 582 62. Viviane de Guanabara Mury, 589 63. Wanderlan da Silva Alves, 599
  • 6. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 6 UNESP – Campus de São José do Rio Preto APRESENTAÇÃO O II Colóquio “Vertentes do fantástico na literatura”, realizado de 03 a 05 de maio de 2011, na UNESP – IBILCE – São José do Rio Preto – SP, foi mais uma das realizações do Grupo de Pesquisa Vertentes do Fantástico na Literatura (cadastrado no CNPq e liderado pela Profa. Dra. Karin Volobuef) que já havia organizado o I Colóquio, em 2009, na UNESP – FCL – Araraquara – SP e preparado a publicação de dois livros Dimensões do fantástico: mítico e maravilhoso (2011) e Vertentes do Fantástico na Literatura (no prelo). No II Colóquio, dois especialistas no estudo do fantástico na literatura convidados proferiram as conferências “Lo fantástico como problema de lenguaje” (Prof. Dr. David Roas, da Universidad Autónoma de Barcelona) e “A literatura fantástica: alguns marcos referenciais” (Profa. Dra. Maria Cristina Batalha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), além da apresentação de vinte e dois trabalhos de pesquisa de membros do Grupo, distribuídos em sete Mesas- Redondas, cento e vinte comunicações orais e dezesseis painéis de pesquisadores de diversos estados brasileiros vindos de cidades e países diversos, que vão de Rondônia ao Rio Grande Sul, no Brasil, e chegam à Argentina. Os membros do Grupo de Pesquisa Vertentes do Fantástico na Literatura são docentes de Universidades Brasileiras como a UNESP (Campus de Araraquara, Assis e São José do Rio Preto), USP, UFPA, UFU, UFCG, UNEMAT, MACKENZIE, UERJ e UNISUAM. Todas as pesquisas apresentadas durante o evento foram voltadas a aspectos conceituais que envolveram tanto o fantástico na acepção tradicional (baseada na definição de Todorov), quanto as perspectivas nascidas da reconfiguração ocorrida no séc. XX das vertentes sobre as obras fantásticas (neo-fantástico, realismo mágico, Fantasy, etc.). Além de tratarem de variadas manifestações estéticas – como o gótico, o mito, o macabro, o maravilhoso, o popular, o infantil, etc. foram também discutidos aspectos como intertextualidade, tradução, recriação, ensino, leitura, entre outros. Além disso, os trabalhos apresentados giraram em torno de um multifacetado leque de temas, gêneros e obras: da Divina comédia à literatura contemporânea; do legado mítico e lendário às ghost stories e à ficção científica; do fantástico em sala de aula ao fantástico em transmedia storytelling, ou seja, construções narrativas que se manifestam em múltiplos suportes textuais, e nas quais cada novo texto representa contribuição inédita e valiosa para o todo. Entre os autores analisados estiveram os grandes mestres do macabro e do insólito, mas também escritores das mais variadas tonalidades estéticas:
  • 7. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 7 UNESP – Campus de São José do Rio Preto John Barth, Angela Carter, Dante Alighieri, Aloysius Bertrand, Italo Calvino, Guimarães Rosa, Honoré Balzac, Mia Couto, Machado de Assis, Maria Rosa Lojo, Virgílio, Jorge Luís Borges, Julio Cortázar, Murilo Rubião, Edgar Allan Poe, Franz Kafka, Carlos Fuentes, Alejo Carpentier, José Lezama Lima, Júlio Verne, entre outros. O evento foi marcado pela curiosidade intelectual, o espírito de diálogo e a generosidade no intercâmbio acadêmico de todos os trezentos e vinte e oito inscritos de várias regiões geográficas brasileiras e do exterior. O II Colóquio reafirmou-se, como em sua primeira edição, como meio de diálogo entre todos os pesquisadores participantes, fato que marcou seu sucesso acadêmico e que levou à fixação da realização de sua terceira edição, que acontecerá em 2013, na UNESP–FCL–Assis – SP. A Comissão Organizadora, presidida pela Profa. Dra. Roxana Guadalupe Herrera Álvarez, e composta também pelos Profs. Drs. Norma Wimmer, Maria Celeste Tommasello Ramos, Maria Cláudia Rodrigues Alves e Álvaro Luiz Hattnher (todos da UNESP – IBILCE – São José do Rio Preto) entende que o trabalho exigido na organização do evento foi recompensado pelos resultados obtidos pois o intercâmbio de idéias foi bastante profícuo e o terceiro livro do Grupo já está sendo organizado pela reunião dos trabalhos de pesquisa apresentados nas conferências e mesas-redondas. Tal livro contará, portanto, com o texto integral das conferências do Prof. Dr. David Roas e da Profa. Dra. Maria Cristina Batalha, que não comparecem, desta forma, nestes Anais. Estes Anais receberam para publicação sessenta e dois textos, dos cento e quarenta e dois trabalhos que integraram a programação das mesas e sessões de comunicação. Todos eles efetivamente apresentados por ocasião do colóquio e posteriormente remetidos a nós por seus autores. Como anunciado previamente, dada a natureza desta publicação, a Comissão Organizadora aceitou todos os textos que estavam minimamente dentro das normas, uniformizou neles o título, as entradas para resumo e palavras-chave, a entrada da nota de apresentação dos autores, o espaço simples em todas as citações e eventuais e evidentes desconfigurações de alinhamento de parágrafos e de tipo de letra advindas do envio em forma de arquivo atachado ou da reunião dos arquivos, e não procedeu a nenhuma outra revisão dos arquivos enviados, sendo o conteúdo de cada um deles de inteira responsabilidade de seus respectivos autores. Maria Celeste Tommasello Ramos Maria Cláudia Rodrigues Alves Álvaro Luiz Hattnher Organizadores dos Anais
  • 8. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 8 UNESP – Campus de São José do Rio Preto ENTRE DOIS MUNDOS: O SONHO E O PESADELO EM GASPARD DE LA NUIT DE ALOYSIUS BERTRAND Adalberto Luis Vicente* RESUMO Entre os “pequenos românticos” franceses, Aloysius Bertrand ocupa lugar de destaque como “inventor” de um gênero poético de bastante prestígio na história da poesia francesa, o poema em prosa. Integrando a linhagem artística do romantismo francês, esse criador de nova forma de expressão poética inspirou-se nos costumes, lendas e mitos da Idade Média para compor cenas de uma vivacidade e de uma poeticidade raras. Bertrand dedica uma seção do seu Gaspard de la Nuit, intitulada “La Nuit et ses prestiges”, à criação de um clima de inspiração fantástica pela presença de fantasmas, gnomos, bruxas, seres lendários, além de personagens e cenas associados ao horror, vinculados, com freqüência, ao sonho e ao pesadelo. O objetivo deste trabalho é analisar de que modo a própria estrutura narrativa do sonho e do pesadelo conformam certos poemas de Gaspard de La Nuit. PALAVRAS-CHAVE: poesia francesa; Aloysius Bertrand; sonho; pesadelo. Aloysius Bertrand produziu sua obra no período romântico, época que viu florescer o gênero fantástico na França. O poeta, nascido em Dijon, é também o criador de uma forma moderna de poesia, o poema em prosa. Desconhecido em sua época, o “petit romantique” de Dijon tornou-se modelo para poetas do quilate de Baudelaire e Mallarmé, que adotaram o poema em prosa como forma de expressão poética. Neste trabalho, detenho-me em dois textos terceira parte de Gaspard de la Nuit, que tem por título “La nuit et ses prestiges”. Trata-se dos poemas: “La Chambre Gothique” e “Un Rêve”, bastante característicos do modo como Bertrand configura seus textos a partir do sonho e do pesadelo. * Doutor em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de São Paulo. Professor assistente doutor na Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, campus de Araraquara, área de Língua e Literatura Francesa.
  • 9. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 9 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Como lembra Max Milner, na introdução à sua edição de 1980 de Gaspard de La Nuit, “é raro assistir ao nascimento de um gênero literário” e “mais raro ainda poder relacioná-lo com um escritor particular” (BERTRAND, 1980, p. 7), como é o caso de Louis Bertrand, “inventor incontestável do poema em prosa francês” (BERTRAND, 1980, p. 7). Escritos a partir de 1827, mas publicados em 1842, um ano após a morte do autor, em uma edição precária que não vendeu mais do que 20 exemplares, foi preciso esperar que Baudelaire evocasse os poemas em prosa de Bertrand como a principal fonte de inspiração para compor os Petits poèmes en prose ou Spleen de Paris (1869) para que seu nome do poeta fosse salvo do limbo a que o condenou a marginalidade provincial e econômica. Na carta-prefácio dos Petits poèmes em prose, Baudelaire diz ter uma confissão a fazer: “Foi folheando, pela vigésima vez ao menos, o famoso Gaspard de La Nuit de Aloysius Bertrand, que me veio a idéia de tentar algo análogo e de aplicar à descrição da vida moderna, ou melhor, de uma vida moderna e mais abstrata, o procedimento que ele aplicou à pintura da vida antiga, tão estranhamente pitoresca” (BAUDELAIRE, 1958, p. 6). Como se pode notar, Baudelaire está interessado em reter de Bertrand o procedimento, a escritura poética em prosa, pois vê nela um instrumento apto para exprimir a vida moderna. O autor dos Petits poèmes en prose, no entanto, rejeita o medievalismo, os mitos e as lendas, o aspecto fantástico e grotesco dos textos de Bertrand, que não se afinam com seu projeto de poesia moderna. No entanto, para certos críticos, como Marvin Richards III, o poema em prosa de Bertrand é mais moderno do que o de Baudelaire, pois este ainda mantém intacta a estrutura diegética da prosa: em geral, Baudelaire conta uma história, com um narrador estável em primeira pessoa e alterna tons líricos e prosaicos. Bertrand, ao contrário, tende a dispersar a diegese, a fragmentá-la, a reduzi-la ao mínimo, a sugeri-la mais do que explicitá-la. Além disso, Bertrand, antecipando a experiência de Um Lance de dados, dá grande importância ao
  • 10. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 10 UNESP – Campus de São José do Rio Preto branco da página. Em nota deixada ao editor de Gaspard de La Nuit, Bertrand faz algumas recomendações a respeito da forma como livro deveria ser impresso. Na referida nota, dirige-se ao paginador afirmando: “paginar como se o texto fosse poesia [...], o senhor paginador colocará grandes brancos entre as alíneas ou couplets como se fossem estrofes” (1980, p. 9). Em 1865, Mallarmé escreve ao editor de Bertrand, Victor Pavie, pedindo uma cópia do Gaspard de La Nuit. Na missiva, afirma Mallarmé: J’ai comme tous les poètes de notre jeune génération [... ] un culte profond pour l’oeuvre exquis de Louis Bertrand [. . .] je souffre de voir ma bibliothèque, qui renferme les merveilles du Romantisme, privée de ce cher volume qui ne m’abandonnait pas quand je pouvais l’emprunter à un confrère (apud RICHARDS III. Recebida a cópia do livro, Mallarmé volta a escrever a Victor Pavie, agradecendo e sugerindo uma nova edição do Gaspard, que seria prefaciada com poemas dedicados a Bertrand, escritos pelo próprio Mallarmé e seus amigos: Ce monument [. . .] à Louis Bertrand serait d’autant plus naturel qu’il est vraiment, par sa forme condensée et précieuse, un de nos frères. Un anachronisme a causé son oubli. Cette adorable bague jetée, comme celle des doges, à la mer, pendant la furie des vagues romantiques, et engoufrée, apparaît maintenant rapportée par les lames limpides de la marée [... ] Mais comme on rêve, en parlant de ceux qu’on aime! ( apud RICHARDS III) Como se pode notar é a forma condensada e preciosa de Bertrand que interessa a Mallarmé, recriada poeticamente pela imagem do anel jogado ao mar e que remete, evidentemente, à concepção do poema como um “bijou”, uma jóia. No leito de morte, Bertrand disse a seu amigo Victor Pavie que era preciso refazer o Gaspard de La Nuit, eliminar algumas partes, tornar alguns poemas ainda mais sintéticos. A comparação entre versões diferentes de alguns poemas publicados anteriormente em jornais, comprovam a tendência de Bertrand a enxugar o mais possível o texto, a dar-lhe uma
  • 11. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 11 UNESP – Campus de São José do Rio Preto forma estruturalmente refinada e a segmentá-lo na forma de alíneas. O desconhecido poeta de Dijon torna-se assim um dos mais importantes representantes da linha formalista do romantismo francês, ao lado de Théophile Gautier et do Victor Hugo de Les Orientales. Em geral, os poemas em prosa de Bertrand constituem uma sucessão de cenas isoladas, unidas mais por recursos formais de natureza poética (aliterações, assonâncias, anáforas, simetrias sintáticas) do que por uma ligação lógica do discurso. Trata-se, como a define Max Milner de uma “estética do lacunar” (1980, p. 8). Há uma forte ligação entre poemas em prosa de Bertrand com a pintura. O livro tem como subtítulo “fantasias à maneira de Rembrandt e Callot”. No entanto, o que mais nos importa aqui é que a coletânea foi projetada pelo autor para ser ilustrada e este deixou um projeto de ilustração. As ilustrações sugeridas por Bertrand para a terceira parte do livro, “La nuit et ses prestiges”, confirmam a idéia de que, para Bertrand, a composição do poema se fazia de modo análogo a uma sucessão de quadros. No projeto de ilustração, o livro III parece sob a rubrica “FANTASTIQUE MOYEN-AGE”. É preciso notar que elementos fantásticos não aparecem nos poemas do autor antes de sua primeira estada em Paris, entre 1828 e 1829. Na capital, Bertrand frequentou os salões de Victor Hugo, Charles Nodier e Émile Deschamps. Era o momento em que Hoffmann começava ser traduzido, a literatura fantástica ganhava espaço no cenário do romantismo e o Dictionnaire de l’Académie oficializada a palavra fantástico na língua francesa, definindo-o como: ‘quimérico, ele (o fantástico) significa também o que só aparenta ser corporal, sem realidade” (apud BERTRAND, 1980, p. 12). Ao termo fantástico, Bertrand apõe a expressão idade média, uma vez que a fonte de inspiração mais importante para compor o livro como um todo é a Dijon medieval.
  • 12. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 12 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Mas voltemos ao projeto de ilustração. Bertrand sugere ao ilustrador do Gaspard algumas gravuras e as associa aos poemas. “La Chambre Gothique”, o primeiro poema da terceira parte, é o texto para o qual o autor projetou o maior número de ilustrações, a saber: a terra sob a forma de uma flor cujo cálice tem, no lugar dos pistilos e estames, a lua e as estrelas; um gnomo que bebe o óleo de uma lâmpada; uma fada que embala numa couraça uma criança morta; um cavaleiro que molha sua mão enluvada na pia de água benta; um esqueleto de um soldado alemão preso no madeiramento; um espírito sob a forma de uma vela que vai apagar-se. Como se pode notar, para cada alínea do poema corresponde um quadro. Assim, o poema teria um equivalente visual, formado pelas gravuras correspondentes a cada alínea. Essa possibilidade de um correspondente visual ao poema é bastante reveladora do processo de criação poética de Bertrand: o assunto do texto é fragmentado em alíneas independentes, marcadas pela separação visual do branco da página. Assim, a estética lacunar de Bertrand tende a eliminar a narração, o encadeamento lógico, as relações causais. O material fantástico de que serve Bertrand, sonhos, sortilégios, malefícios, gnomos, feiticeiros, fantasmas, criaturas de pesadelo não diferem muito o material imaginário que lhe forneceu sua época. A originalidade de Bertrand está, sobretudo, na forma como trabalha esses materiais dentro de uma estética lacunar. A questão se coloca então é como essa estrutura lacunar contribui para criar certos efeitos que se poderiam chamar genericamente de fantásticos. Neste trabalho em particular, interessa-nos como tal estrutura pode gerar um “equivalente do sonho”. Max Milner já havia apontado que tal equivalente é produzido, em Bertrand, pela falta de uma “certa ligação lógica do discurso” (1980, p.41). No entanto, a estrutura lacunar dos poemas não tem apenas função poética, é também utilizada por Bertrand para simular a estrutura do relato de sonho, para dar ao leitor a impressão de que está penetrando em
  • 13. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 13 UNESP – Campus de São José do Rio Preto um universo similar ao do sonho. Vejamos como isso se dá a partir de uma visada estrutural das narrativas de sonho. Segundo Guy Laflèche (1999, p. 119), a narrativa de sonho tem um uma estrutura simples e pode ser melhor entendida quando comparada à estrutura da narrativa factual: História factual: Hé = Si + E1 + E2 + E3 + ... En + Sf História de sonho: Hr = [Si] + Ex + Ey + Ez + ... Ei + [Sf] A história factual é caracterizada por uma situação inicial (Si) que vai se transformando a cada acontecimento (E) segundo leis temporais e causais, até se chegar à situação final (Sf). Na história de sonho, a situação inicial e final é inexistente ou pouco marcada (em geral uma breve referência espacial ou temporal), e os acontecimentos (que podem constituir uma sequência) se sucedem de forma frouxa ou sem ligação evidente. O pesadelo seria caracterizado por um acontecimento ou sequência de acontecimentos que, em razão de sua carga emotiva, desperta o sonhador, retirando-o bruscamente do mundo onírico, portanto eliminando a situação final. O poema “La Chambre gothique” apresenta como epígrafe a frase latina “Nox et solitudo plenae sunt diabolo” (BERTRAND, 1980, p. 78) atribuída aos Pais da Igreja. A frase ecoa o título geral da terceira parte do Gaspard de la Nuit, “A noite e seus prestígios”. Na primeira parte, composta de duas alíneas, o eu poético observa a noite pela janela e seu murmúrio constitui uma comparação altamente lírica entre o céu e a flor. Trata-se, portanto, daquele tipo de “fantástico” que é característico da linguagem poética e que se fundamenta na analogia, na metáfora. No entanto, o eu poético fecha a
  • 14. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 14 UNESP – Campus de São José do Rio Preto janela e afirma estar com sono, o que prepara o a segunda parte do poema, na qual o aspecto gótico do quarto se manifesta. Na segunda parte do texto, a noite manifesta seus prestígios. Entre eles estão os seres fantasmagórios, lendários e maléficos que povoam o quarto obscuro e que o autor evoca pela figura do gnomo, do esqueleto do soldado e de fantasmas (a ama, o antepassado que desce do quadro). Cada um desses elementos ocupa uma alínea, estando, portanto, isolados, constituindo um quadro independente. Uma breve referência temporal à meia noite, na primeira alínea, marca a situação inicial do poema e um aposto define-a como a hora “blasonada dos dragões e diabos”. Blasonner, em francês, significa, descrever, mas também interpretar os brasões segundo as regras da heráldica. Portanto, a palavra sugere que a meia noite traz, com suas ilusões, visões de seres sobrenaturais e que tais visões dever ser interpretadas segundo regras que não são mais aquelas válidas sob a luz diurna. Temos a seguir uma sucessão de quatro aparições: o gnomo, a ama que embala uma criança morta, o esqueleto do soldado alemão preso no madeiramento e por fim, Scarbo, o anão do pesadelo, o Smarra de Bertrand. As três primeiras alíneas são introduzidas pela expressão “si c’était”. A conjunção condicional seguida do verbo no imperfeito cria uma atmosfera de dúvida: ilusões que brotam da escuridão? imagens oníricas? Não temos certeza. Na última alínea, no entanto, o verbo é colocado no presente, “mais c’est Scarbo qui me mord le cou” (1980, p. 35). A presença de Scarbo, personagem de três outros poemas de Bertrand, que o define como o anão do pesadelo, marca a presença do horror que caracteriza essa forma onírica. O fim brusco do poema com a imagem de Scarbo que morde o pescoço do eu poético e que cauteriza a ferida com o dedo avermelhado na fornalha sugere o despertar abrupto que caracteriza o pesadelo.
  • 15. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 15 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Como se pode notar, Bertrand eliminou de seu poema todo encadeamento narrativo, lógico. Apenas uma anáfora de caráter temporal une cada uma das visões, cujo isolamento na página simula a disjunção de cenas que constituem, segundo Laflèche, o relato de sonho. Há, no entanto, casos em que o simples isolamento da imagem em alíneas não é suficiente, como se pode notar no poema “Un Rêve”. O título, em que o substantivo “revê” vem acompanhado pelo artigo definido, parece remeter a um único sonho. No entanto, o poema é constituído pela fragmentação de três sequências oníricas em três alíneas. A frase final “et je poursuivais d’autres songes vers le réveil” confirma que se trata de sequências de sonhos que podem se estender até o despertar. Esse poema ilustra de modo exemplar o modo como Bertrand utiliza a tensão entre construção e dissipação do conteúdo onírico. Na primeira alínea o autor apresenta numa sequência simples, marcada pelo travessão, três espaços distintos: uma abadia ao clarão da lua, uma floresta, e Morimont, a praça de execuções de Dijon. Na segunda alínea, outras três sequencias ecoam a primeira, o toque fúnebre de um sino ao qual respondem soluços lúgubres numa cela, gritos cheios de lamento e a procissão dos penitentes negros que conduzem um condenado ao suplício. A terceira alínea finaliza cada uma das sequências: trata-se de um monge que expira na cela de uma abadia, uma moça que se enforca nos ramos de um carvalho e, horror dos horrores, o próprio eu lírico sendo atado pelo carrasco à roda das execuções em Morimont. Fecham-se assim as três sequências oníricas apresentas pelo autor de modo sintético e fragmentado, mas que, por ocuparem posições simétricas dentro das alíneas, apresentam-se de modo altamente elaborado e construído. Com esse procedimento, Bertrand parece sugerir, que os sonhos noturnos contínuos são construídos a partir de sequências fragmentárias, aparentemente sem nenhuma ligação, mas que acabam por ser reconstruídas na mente do sonhador. Embora
  • 16. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 16 UNESP – Campus de São José do Rio Preto unidas pelo tema da morte, a relação de independência de casa cena onírica permanece intacta. Os exemplos acima analisados são representativos do fascínio que o sonho exerce no imaginário de Bertrand e também do modo como o poeta reelabora poeticamente o conteúdo onírico. No entanto, essa técnica de escritura, fundamentada em uma estética lacunar, é também é utilizada em textos em que o sonho não constitui o tema privilegiado. Neste caso, a utilização dessa forma cria uma espécie de “impregnação onírica” que causa no leitor um estranhamento e constituem um dos elementos originais da obra de Bertrand. Referências bibliográficas BAUDELAIRE, C. Petits poèmes en prose (Le Spleen de Paris). Introduction, notes, bibliographie et variants par Henri Lemaître. Paris: Classiques Garnier, 1958. BERTRAND, A. Gaspard de La Nuit. Édition présentée, établie et annotée par Max Milner. Paris: Gallimard, 1980. LAFLECHE, Guy. Matériaux pour une Grammaire narrative. Montréal: Presses universitaires de Montreal, 1999. RICHARDS III, M. The Demon of Criticism: Mallarmé and the Prose Poem. Disponível em http://tell.fll.purdue.edu/RLA-Archive/1995/French- html/Richards,Marvin.htm. Acesso em 20/06/2011.
  • 17. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 17 UNESP – Campus de São José do Rio Preto A PARÓDIA DO MITO DO LABIRINTO EM “A CASA DE ASTÉRION” DE JORGE LUIS BORGES Adriana Lins Precioso† RESUMO A tradição literária consagra a figura de Teseu como o grande herói que, auxiliado por Ariadne, consegue entrar no labirinto, matar o inimigo e dele sair. A narrativa mitológica delineia a configuração do herói, constitui seus passos de vencedor e estabelece sua superioridade frente ao seu oponente: um monstro com corpo de homem e cabeça de touro. Jorge Luis Borges, encantado pela temática do labirinto, o faz dispersar em diferentes formatos ao longo da coletânea de contos curtos intituilada O Aleph (1949). Todavia, é no conto “A casa de Astérion”, que Borges atualiza o mito e o reinventa por meio de uma versão paródica, subvertendo os valores instituídos pela enunciação clássica, cedendo a voz ao Minotauro e proporcionando ao leitor um mergulho na visão dos vários acontecimentos através do olhar e dos sentimentos dessa personagem. A figura do labirinto pode representar duas funções literárias: uma temática e a outra estrutural; ambas exploradas e desenvolvidas no texto. A proposta deste trabalho é buscar as relações de contrariedade estabelecidas junto ao processo intertextual do texto-base que é o mito com o texto ressignificado da contra-história que é o conto. O aporte teórico dessa análise se pautará no percurso de geração de sentido estabelecido pela semiótica greimasiana. PALAVRAS-CHAVE: Paródia; Mito do Labirinto; Jorge Luis Borges. O mito do labirinto A tradição conta que Minos foi escolhido por Posseidon para governar Creta e recebeu um lindo touro branco que emergiu do mar como forma de apoio do deus, contudo, ele deveria ser sacrificado. O rei, todavia, sacrificou outro touro no lugar e como condenação Posseidon fez com que sua esposa Pasífae se apaixonasse pelo animal † Doutora em Teoria da Literatura, na Universidade Estadual Paulista – UNESP - IBILCE – Campus de São José do Rio Preto - Professora Doutora na UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso, campus de Sinop na área de Literatura.
  • 18. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 18 UNESP – Campus de São José do Rio Preto gerando assim o Minotauro (monstro metade homem – metade touro). Para confinar o Minotauro em um lugar longe da população, Minos convocou Dédalo para que ele construísse um espaço para alocar o monstro. O engenheiro, então, construiu o Labirinto. Anos depois, o jovem Teseu chega à Atenas depois de descobrir ser filho do rei Egeu. O desejo de ser herói o fez oferecer-se como um dos quatorze jovens virgens que cumpriu a condenação de Minos por ter perdido seu filho em terras atenienses e sob os cuidados de Egeu. Teseu, então, com o auxílio da jovem Ariadne, consegue entrar no labirinto, matar o Minotauro e sair com vida. Outras versões atribuem uma dupla paternidade a Teseu, sendo ele filho de Posseidon e Etra, sem que Egeu soubesse a sua verdadeira origem, o rei de Atenas sempre pensou que Teseu fosse seu filho legítimo. Daí a explicação para a força e a determinação do jovem herói. O processo de reinvenção na literatura mobiliza deslocamentos de retorno, recuperando, assim, as figuras míticas consagradas pela tradição. A figura do labirinto e seus personagens apresentam configurações e funções diferenciadas ao longo do tempo. Jorge Luis Borges e sua paixão pelo labirinto O escritor argentino Jorge Luis Borges apresenta como traço distintivo de sua poética, uma obsessão delirante por labirintos em suas inúmeras facetas. Para Tavares: A ideia de um espaço infinitamente divisível é a matriz abstrata de uma das imagens preferidas de Borges: o labirinto. O que aterroriza o indivíduo que vaga no labirinto é, mais do que a morte às mãos do Minotauro, a possibilidade de nunca sair dali, de passar o resto da eternidade vagando sem descanso por uma arquitetura sem sentido...” (2005, p. 265) Os textos borgianos parecem explicitar em seu processo de construção, elementos muito semelhantes aos labirintos, são, em sua maioria, enigmas textuais, habitados por seres imaginários em universos insondáveis. Já as temáticas parecem
  • 19. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 19 UNESP – Campus de São José do Rio Preto refletir a metáfora do labirinto, pois discutem filosofia, matemática, metafísica, mitologia e teologia. O Aleph (1949) é uma compilação de dezessete contos curtos que apresentam a imortalidade, o tempo, o infinito, a metafísica, como temas, tudo isso relacionado com textos clássicos, como: A Divina Comédia, de Dante Alighieri, O Castelo, de Franz Kakfa e Os Lusíadas, de Camões. Dentre os contos dessa obra, encontra-se o texto “A casa de Astérion”, escolhido para esta análise. A atualização do mito: a paródia Um dos processos de revisitação do mito e sua atualização é a paródia. De acordo com Hutcheon, ... a paródia é, neste século, um dos modos maiores da construção formal e temática dos textos. E, para além disto, tem uma função hermenêutica com implicações simultaneamente culturais e ideológicas. A paródia é uma das formas mais importantes da moderna auto-reflexividade; é uma forma de discurso interatístico. (1985, 13) Assim, o interesse contemporâneo pela paródia tangencia tanto a auto- representação como a intertextualidade. Hutcheon afirma que desse “centro de interesse, surgiu uma estética do processo, da actividade dinâmica da percepção, interpretação e produção de obras de arte” (1985, p. 12). Segundo Sant’Anna (1988, p. 12), “O dicionário de literatura de Brewer, por exemplo, nos dá uma definição curta e funcional: ‘paródia significa uma ode que perverte o sentido de outra ode (grego: para- ode)”. Tal como Hutcheon, Sant’Anna associa a paródia com a intertextualidade: “Modernamente a paródia se define através de um jogo intertextual.” (1988, p. 12). Desse modo, ao subverter o sentido de um texto, a paródia precisa dialogar com um texto-base. Seu procedimento dialógico traz a
  • 20. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 20 UNESP – Campus de São José do Rio Preto “Intertextualidade [que] é a retomada consciente, intencional da palavra do outro, mostrada, mas não demarcada no discurso da variante.” (DISCINI, 2004, p. 11) O conto “A casa de Astérion” faz a retomada do mito do labirinto pelo viés paródico, ou seja, há uma perversão dos valores instituídos pela tradição mitológica. A debreagem da enunciação do texto é enunciativa (eu / aqui / agora), assim, o nível discursivo propõe um sentido de subjetividade, tal como observa-se no início da narrativa: SEI QUE ME ACUSAM DE SOBERBA, e talvez de misantropia, e talvez de loucura. Tais acusações (que castigarei no devido tempo) são irrisórias. É verdade que não saio de minha casa, mas também é verdade que suas portas (cujo número é infinito) estão abertas dia e noite aos homens e também aos animais. (2001, p. 75) Em tom de um de desabafo, Astérion declara: “Não em vão foi uma rainha minha mãe” (p. 76) e “O fato é que sou único” (p. 76). Ao expor sua origem, percebe-se a intertextualidade com o mito do labirinto. O espaço também reafirma essa referência: Todas as partes da casa existem muitas vezes, qualquer lugar é outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, um pesebre; são catorze [são infinitos] os pesebres, bebedouros, pátios, cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o mundo” (2001, p. 77) Apesar de ser um texto curto, além do mito do labirinto, outras temáticas perpassam a narrativa, como o duplo, a solidão, a teologia, o insólito, entre outros. Contudo, é apenas nos últimos parágrafos que se registra a evidente relação intertextual: Cada nove anos, entram na casa nove homens para que eu os liberte de todo o mal. Ouço seus passos ou sua voz no fundo das galerias de pedra e corro alegremente para procurá-los. A cerimônia dura poucos minutos. Um após outro, caem, sem que eu ensangüente as mãos. Onde caíram, ficam, e os cadáveres ajudam a distinguir uma galeria das outras. Ignoro quem sejam, mas sei que um deles profetizou, na hora da morte, que um dia chegaria meu redentor. Desde esse momento a solidão não me magoa, porque sei que vive meu redentor e que por fim se levantará do pó. Se meu ouvido alcançasse todos os rumores do mundo, eu perceberia seus passos. Oxalá me leve para um lugar
  • 21. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 21 UNESP – Campus de São José do Rio Preto com menos galerias e menos portas. Como será meu redentor? – me pergunto. Será um touro ou um homem? Será talvez um touro com cara de homem? Ou será como eu? O sol da manhã reverberou na espada de bronze. Já não restava qualquer vestígio de sangue. - Acreditarás, Ariadne? – disse Teseu. – O minotauro mal se defendeu.” (2001, p. 77-8) Reconhece-se, na fala de Teseu, que Astérion é, na verdade, o Minotauro. Todavia, não aquele monstro sem voz da tradição e, sim, um sujeito inocente, que ganha a fragilidade como traço de humanidade. Portanto, os valores entre herói e anti-herói surgem subvertidos no texto. Ao examinar as relações intertextuais do conto “A casa de Astérion” com o Mito do Labirinto, nota-se que o primeiro é o texto paródico e o segundo o texto-base. “Na verdade, a paródia contém uma diferença em relação ao texto-base, na medida em que subverte seu enunciado e desqualifica sua enunciação, propondo uma outra enunciação substituta, contrária, diferente.” (DISCINI, 2004, p. 26). Pode-se esquematizar essas relações, de acordo com o quadrado semiótico proposto por Norma Discini (2004, p. 24): PROTO-HISTÓRIA CONTRA-HISTÓRIA TEXTO-BASE PARÓDIA TRANS-HISTÓRIA DESISTÓRIA ESTILIZAÇÃO POLÊMICA Relação de contrariedade Relação de contraditoriedade Relação de complementariedade
  • 22. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 22 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Dessa forma, em consonância com as relações propostas pelo quadrado semiótico, o conto “A casa de Astérion” configura-se como uma contra-história. “A contra-história, a paródia, constrói outro sentido, mas para a mesma história, do texto- base. A paródia constrói outro texto para e pela mudança de sentido do texto-base.” (DISCINI, 2004, p. 27). A subversão dos valores consagrados pela tradição é a marca da paródia. Considerações Finais Em consonância com a obsessão de Borges, “A casa de Astérion” revisita e atualiza o Mito do Labirinto pelo viés da paródia, renomeando o Minotauro para Astérion. Esse personagem que, na tradição, aparece como um monstro, na narrativa borgeana lhe é doado à voz, é ele quem conta sua própria história, carregada de solidão, reflexões, religião e fé. Filho de uma rainha, tal como o mito, Astérion não entende o motivo que, ao sair nas ruas, provoca consternação no povo. A configuração espacial da casa de Astérion recupera os muitos caminhos tortuosos e múltiplos, às vezes, infinitos do labirinto. A ausência da porta, fechadura e móveis reconstroem o vazio e a imensidão desse local marcado pelo medo. Contudo, vale a pena ressaltar que essas relações só se evidenciam nos três últimos parágrafos, quando, em um salto temporal, instaura-se a marca de um espaço no corpo do texto, evidenciando uma passagem de tempo. O discurso direto que finaliza a narrativa dá voz a Teseu, identificando Astérion como o Minotauro e afirmando que ele “mal se defendeu” no momento da luta final. Nota-se, portanto que a paródia de Borges também proporciona a perda do leitor, mas no desfecho, providencia um “fio de Ariadne” para que se possa entrar no texto,
  • 23. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 23 UNESP – Campus de São José do Rio Preto sair e recuperar o sentido, paródico, subversivo, questionador da tradição e renovado por meio da visitação do mito. Referências Bibliográficas BORGES, J. L. O Aleph. Tradução de Flávio José Cardoso). São Paulo: Globo, 2011. BULFINCH,T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução de David Jardim. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. DISCINI, N. Intertextualidade e conto maravilhoso. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2004. FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 2001. HAMILTON, E. Mitologia. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1992. HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia. Tradução de Teresa Louro Pérez. Rio de Janeiro: Edições 70, 1985. SANT’ANNA, A.F. Paródia, paráfrase & cia. São Paulo: Ática, 1988. SEABRA, Z. Deuses e heróis. Rio de Janeiro: Record, 2002. TAVARES, B. Contos fantásticos no labirinto de Borges. Tradução de Julio Silveira et al. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.
  • 24. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 24 UNESP – Campus de São José do Rio Preto O DUPLO NA LITERATURA FANTÁSTICA - ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS CONTOS DE ALLAN POE, RUBENS FIGUEIREDO E SÉRGIO SANT'ANNA SEGUNDO TZEVAN TODOROV EM "INTRODUÇÃO À LITERATURA FANTÁSTICA" E CLÉMENT ROSSET EM "O REAL E SEU DUPLO" Alexandra Britto da Silva Velásquez‡ RESUMO Nas narrativas “William Wilson” de Allan Poe, “Nos olhos do Intruso” de Rubens Figueiredo e “O vôo da madrugada” de Sérgio Sant’Anna, observamos o conceito de duplo em relação à literatura fantástica delineada por Tzevan Todorov e como um problema filosófico para Clément Rosset. Em Todorov, o duplo aparece como um elemento comum à metamorfose dentro do “tema do eu” através da multiplicação da personalidade e possibilita o contato com o sobrenatural, o que provoca uma espécie de hesitação no narrador e no leitor. Por outro lado, para Rosset a partir do encontro insólito com o duplo vem à tona o problema existencial, pois diante do outro duplicado o sujeito tem a identidade e a existência confrontadas e se torna incapaz de provar quem é a cópia e quem é o original. Sendo assim, o duplo colabora com a visão ambígua e necessária à literatura fantástica e parece constituir um problema para o homem moderno que vê no outro o substituto. PALAVRAS-CHAVE: Duplo; Fantástico; Hesitação; Existência; Original; Cópia. O tema do duplo é recorrente na história da literatura, o duplo pode se referir a uma dupla personalidade, na qual o sujeito vivencia o conflito entre o bem e o mal, pode estar presente no pacto demoníaco, no qual o homem perde a alma e o reflexo no espelho em troca do amor e/ou da juventude, e pode ser como expõe Borges em O Livro dos Seres Imaginários: Sugerido ou estimulado pelos espelhos, pelas águas e pelos irmãos gêmeos, o conceito de duplo é comum a muitas nações.[...] Na Alemanha, chamaram-no Doppelgänger; na Escócia, fetch, porque vem buscar (fetch) os homens para levá- los para a morte. Encontrar-se consigo mesmo é, por conseguinte, funesto (Opus cit, 2008, p.85). ‡ Mestranda em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
  • 25. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 25 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Mas o encontro consigo mesmo pode não significar a morte, e sim, a perpetuação. O próprio Borges escreve “O outro”, e vemos o velho Borges em Cambridge num encontro insólito com o jovem Borges em Genebra. Em “As ruínas circulares” a ideia de substituição, simulacro e perpetuação também estão presentes. Na psicanálise, o duplo pode ainda ser o alter-ego, e Freud dedica em “O Estranho” suas observações sobre o desdobramento da personalidade e as relações entre o estranho e o familiar. Sem dúvida, há várias formas de tratar o duplo na história da literatura, mas na literatura fantástica, trataremos o duplo sob dois aspectos: o da metamorfose e da relação entre o real e o sobrenatural que geram uma espécie de hesitação no narrador e/ou personagem e no leitor ideal. O duplo nas obras “William Wilson”, de Allan Poe, “Nos Olhos do Intruso”, de Rubens Figueiredo e “O vôo da madrugada”, de Sérgio Sant’Anna, objeto de nossa investigação, contribui com a transgressão dos limites da natureza – limites entre a matéria e o espírito -, que são evocados na literatura fantástica. Com o duplo, o narrador e/ou personagem e o leitor hesitam entre o universo fantástico, onde o que se imagina pode acontecer, e, o limite imposto pela realidade. A multiplicação da personalidade está dentro do fenômeno da metamorfose que colabora com as transgressões das leis naturais e para Todorov, a metamorfose está presente no que ele chama de “tema do eu”. Vale ressaltar que Todorov faz uma espécie de classificação dos textos fantásticos e divide os temas em “tema do eu”(tema do olhar) e “tema do tu”(tema do discurso). Dessa forma, as narrativas aqui selecionadas tratam do tema do olhar, da aparição. Todavia, se por um lado, temos uma espécie sistematização de Todorov acerca do fantástico, na qual cabe a multiplicação da personalidade, do outro, temos o olhar filosófico de Clément Rosset, que observa no duplo o problema da cópia e da
  • 26. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 26 UNESP – Campus de São José do Rio Preto originalidade, e tal questionamento parece ecoar em “William Wilson” e “Nos olhos do intruso.” Apesar de distintos, encontramos nos três contos a narrativa de memória, em primeira pessoa, como o único testemunho do evento ocorrido. Em “William Wilson”, o narrador-personagem no leito de morte dá o testemunho de memória de como encontrou o duplo ainda na escola e como este o perseguiu por toda a vida denunciando seus atos vis, o que culmina no enfrentamento e desfecho fatal para os dois. Para Borges, neste conto “o duplo é a consciência do herói. Este o mata e morre.” (2008, p.85). Rubens Figueiredo, em “Nos olhos do intruso”, nos traz um narrador- personagem que encontra um sósia no teatro, e que aos poucos ao ser confundido com o duplo assume para si parte da vida do outro. Quando o outro morre, se vê desprezado e viaja para a cidade do futuro, na qual, encontra outro sósia um pouco mais velho. Em “O vôo da madrugada”, nos deparamos com o relato de um homem que viaja para Boa Vista a trabalho e na volta para casa faz um voo especial com mortos num acidente e apenas alguns parentes das vítimas que retornam também a São Paulo. O homem bebe e se encanta por uma passageira que possivelmente é uma das mortas e depois ao chegar a sua casa encontra outro de si no quarto. O homem então resolve relatar o fato e deixa a dúvida para o leitor se quem o narra está vivo ou não. Os três contos se iniciam de forma realista ainda que inspirem dúvida, e só mais adiante o leitor é levado ao encontro insólito, uma característica que contribui com o fantástico de acordo com Todorov, pois para o mesmo a realidade falseada é o que permite a transgressão pelo sobrenatural. Além disso, o leitor ideal precisa acreditar em parte da narrativa para depois duvidar. “A fé absoluta como a incredulidade total nos levam para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida.” (2008, p.36).
  • 27. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 27 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Ressaltemos que o fantástico depende de uma visão ambígua e para Todorov, diante do evento sobrenatural o personagem hesita e o leitor ao se identificar com este também hesita. O fantástico implica pois uma integração do leitor no mundo das personagens; define-se pela percepção ambígua que tem o próprio leitor dos acontecimentos narrados.[...] A hesitação do leitor é pois a primeira condição do fantástico. Mas será necessário que o leitor se identifique com uma personagem. (TODOROV, 2008, p.37). Observemos adiante que o início das três narrativas incita à dúvida e o leitor já vislumbra um terreno escorregadio que contribui ao relato marcado pela ambiguidade. PERMITI QUE, POR ENQUANTO, me chame William Wilson. A página virgem que agora se estende diante de mim não precisa ser manchada com meu nome verdadeiro. Esse nome já foi por demais objeto de desprezo, de horror, de abominação para minha família [...] Não quereria, mesmo que o pudesse, aqui ou hoje, reunir as lembranças de meus últimos anos de indizível miséria e um imperdoável crime. (Apud COSTA, 2006, p.289). Não lembro a primeira vez. Mas aqui e ali comecei a ouvir comentários: Aquela é a cidade que interessa, é onde as coisas acontecem, o futuro fugiu para lá. Advertências que repetiam a verdade mais simples, não há como negar. Hoje, parecem ressoar a voz de um oráculo. Mas era uma verdade que entendi mal, que me apressei em traduzir totalmente errado, nos termos da euforia de um menino, ou até de um tolo. Talvez eu pudesse ter ficado como estava, talvez o futuro ainda dormisse bem longe até hoje, se naquela noite eu não tivesse ido ao teatro.(Apud MORICONI, 2001, p.540). Se alguma coisa digna aconteceu em minha vida dura e insípida foi estar entre os passageiros daquele voo extra, de Boa Vista para São Paulo. (SANT’ANNA, 2003, p.9). Aos poucos, os cenários das narrativas, que parecem realistas, colaboram para instaurar o incômodo e a desconfiança por parte do leitor ideal. Em “William Wilson”, a escola é uma casa estilo elisabetano na Inglaterra com salas de aula que inspiram o
  • 28. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 28 UNESP – Campus de São José do Rio Preto terror; em “Nos olhos do intruso”, o teatro – lugar de ilusão e metamorfose –, é o primeiro local no qual o narrador-personagem encontra o seu duplo; e n’ “O vôo da madrugada”, após viajar com mortos, o narrador-personagem chega a casa, e encontra em seu quarto (local isolado) o duplo. Minhas remotas recordações da vida escolar estão ligadas a uma grande extravagante casa de estilo elisabetano numa nevoenta aldeia da Inglaterra, onde havia grande quantidade de árvores gigantescas e nodosas e onde todas as casas eram extremamente antigas. Na verdade aquela venerável e velha cidade era um lugar de sonho e repouso para o espírito. (Apud COSTA, 2006, p.290) A sala de aulas era a mais vasta da casa e do mundo, não podia eu deixar de pensar. Era muito comprida, estreita e sombriamente baixa, com janelas em ogivas e o forro de carvalho. A um canto distante, e que inspirava terror, havia um recinto quadrado de dois a três metros, abrangendo o sanctum "durante as horas de estudo" do nosso diretor, o Reverendo Dr. Bransby. Era uma sólida construção, de porta maciça; e, a abri- la na ausência do Mestre Escola, teríamos todos preferido morrer de la peine forte et dure. (Apud COSTA, 2006, p.292) Talvez eu pudesse ter ficado como estava, talvez o futuro ainda dormisse bem longe até hoje, se naquela noite eu não tivesse ido ao teatro. Três atores representavam vários papéis e a história da peça quase não importava. O espetáculo consistia muito mais na velocidade e na perfeição das metamorfoses dos atores. Em poucos minutos, eles trocavam de roupa, peruca e maquiagem, encarnavam outra voz, outra personalidade, e tudo com um vigor que só podia nascer de um tipo de vida. (Apud MORICONI, 2001, p.540). Sentado em minha cama, a fitar-me com uma placidez sorridente, na qual julguei detectar uma ponta de ironia, estava um homem – se assim devo nomeá-lo – que, pela absoluta implausibilidade da situação e pela indefinição etária de seus traços, demorei alguns segundos – se é que podia medir o tempo – para identificar como sendo eu próprio. Como se fosse possível eu me repartir em dois: aquele que viajara e aquele que aguardava tranquilamente em casa, ou, talvez, num espaço fora do tempo. ( SANT’ANNA, 2003, P.26). O caráter imaginativo e excitável do herói em “William Wilson” faz par com o herói de “O vôo da madrugada” e desperta também à dúvida no leitor ideal que não tem
  • 29. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 29 UNESP – Campus de São José do Rio Preto certeza se o evento de fato ocorreu ou não passa de uma fantasia, de uma invenção dos narradores-personagens. Os próprios narradores colocam em cheque se o que veem é ilusão ou não. Não teria eu na verdade, vivido em sonho? E não estarei agora morrendo vítima do horror e do mistério da mais estranha de todas as visões sublunares? Descendo de uma raça que assinalou, em todos os tempos, pelo seu temperamento imaginativo e facilmente excitável. (Apud COSTA, 2006, p.290). Posso imaginar, em meus devaneios noturnos, cenas de um sofrimento agudo que, em geral, prefiro não materializá-las em peças escritas [...] Mas garanto que sou capaz de conjeturar as piores coisas. [...] Como a imaginação pode ser muito mais aterrorizante do que a realidade para um insone. ( SANT’ANNA, 2003, p.10). O entorpecimento, a bebida ou oscilação entre o estado de sono e vigília também podem ser observados na ficção fantástica como elementos que contribuem à visão ambígua na narrativa. Uma alucinação, dirão os céticos, levando em conta, ainda mais, que eu misturara aos comprimidos tomados no hotel o vinho servido a bordo. Sim, uma alucinação, tudo é possível, talvez naquele estágio intermediário entre a vigília e o sono. Mas no meu caso, se assim tiver sido, com uma duração especial e uma materialidade que fizeram dessa alucinação uma experiência mais marcante do que todas as outras em minha existência; um acontecimento também exterior a mim mesmo e, como já disse, uma coisa física.( SANT’ANNA, 2003, p.25). Mas o encontro com o duplo, ponto principal da inquietação do leitor ideal nos contos, é o marco para observamos não apenas a multiplicação do ser como um aspecto da metamorfose comum à literatura fantástica, mas como um problema do sujeito em relação à originalidade, à unicidade e à existência. O duplo não representa apenas o gêmeo, o sósia, o desdobramento do ser, mas também aponta para o fim do sujeito
  • 30. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 30 UNESP – Campus de São José do Rio Preto único e original segundo Clément Rosset. E o sujeito passar a hesitar entre a perpetuação e a morte. Sua réplica, que era perfeita imitação de mim mesmo, consistia em palavras e gestos, e desempenhava admiravelmente seu papel. Minha roupa era coisa fácil de copiar; meu andar e maneiras foram, sem dificuldade, assimilados e, a despeito de seu defeito constitucional, até mesmo minha voz não lhe escapava. Natural, não alcançava ele meus tons mais elevados, mas o timbre era idêntico e seu sussurro característico tornou-se o verdadeiro eco do meu. (Apud COSTA, 2006, p. 296). Pensava-se tratar como original, mas na realidade só se havia visto o seu duplo enganador e tranquilizador; eis de súbito o original em pessoa, que zomba e se revela ao mesmo tempo como o outro e o verdadeiro. Talvez o fundamento da angústia, aparentemente ligado aqui à simples descoberta que o outro visível não era o outro real, deva ser procurado num terror mais profundo: de eu mesmo não ser aquele que pensava ser. E, mais profundamente ainda, de suspeitar nesta ocasião que talvez não seja alguma coisa, mas nada. (ROSSET, 2008, p.92). Nestas narrativas é possível olhar para o duplo como o fetch, como o doppelgänger, como um alter-ego, mas este duplo, segundo Clément Rosset, aponta para a não-existência do sujeito. É verdade que o duplo é sempre intuitivamente compreendido como tendo uma realidade “melhor” do que o próprio sujeito – e ele pode aparecer neste sentido como representando uma espécie de instância imortal em relação à mortalidade do sujeito. Mas o que angustia o sujeito, muito mais do que a sua morte próxima, é antes de tudo a sua não–realidade, a sua não-existência. (ROSSET, 2008, p.88). A presença do outro desestabiliza o sujeito que questiona se é a cópia do outro ou o original, se é o duplo ou o duplicado. “No par maléfico que une o eu a um outro fantasmático, o real não está do lado do eu, mas sim do lado do fantasma: não é o outro que me duplica, sou eu que sou o duplo do outro.” ( ROSSET, 2008, p.88). Talvez a gradação de sua cópia não o tornasse prontamente perceptível, ou mais provavelmente, devia eu minha segurança ao ar dominador do copista que, desdenhando a letra (coisa que os espíritos obtusos logo percebem numa pintura), dava apenas
  • 31. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 31 UNESP – Campus de São José do Rio Preto o espírito completo de seu original para meditação minha, individual, e pesar meu. .”(Apud COSTA, 2006, p.297). Com o desdobramento da personalidade, de acordo com Rosset, o sujeito procura no espelho a simetria perfeita do seu duplo embora não possa alcançá-la, pois o espelho oferece o inverso, e o sujeito jamais alcança o duplo de si. No fim de “William Wilson” podemos pensar no desfacelamento do espelho, na busca inacessível pelo ser em si mesmo e nos recordamos também do mito de Narciso. Quando William Wilson atravessa o espelho, não mata apenas o outro, mas a si mesmo. Um grande espelho - assim a princípio me pareceu na confusão em que me achava - erguia-se agora ali, onde nada fora visto antes, e como eu caminhasse para ele, no auge do terror, minha própria imagem, mas com as feições lívidas e manchadas de sangue, adiantava-se ao meu encontro, com um andar fraco e cambaleante. (Apud COSTA, 2006, p.308). Era Wilson, mas ele falava, não mais num sussurro, e eu podia imaginar que era eu próprio quem estava falando, enquanto ele dizia: Venceste e eu me rendo. Contudo, de agora por diante, tu também estás morto... morto para o Mundo, para o Céu e para a Esperança! Em mim tu vivias... e, na minha morte, vê por esta imagem, que é a tua própria imagem, quão completamente assassinaste a ti mesmo! (Apud COSTA, 2006, p.308). Em “Nos olhos do intruso” o espelho aponta para a ideia de sucessão e de substituição, mas não sabemos quem é de fato a réplica, o duplicado, o intruso, e quem é o original. Mas os espelhos permitiam olhares diagonais. Por esse ângulo, pude notar que o sujeito era extraordinariamente parecido comigo. Apenas um pouco mais velho.Fui para a rua. Forcei minhas pernas a caminhar e vi a calçada fugindo para trás sob os meus passos. Sei agora por que vim para esta cidade. O olhar admirado do homem na barbearia foram as boas-vindas e também uma despedida para mim. Já posso sentir o calor das chamas estalando. Mas, até que chegue a minha vez, esse sujeito ainda vai ouvir falar muito de mim. (Apud MORICONI, 2001, p.543).
  • 32. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 32 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Em “O vôo da madrugada”, não sabemos se os encontros do narrador- personagem com a morta no avião e com o seu duplo em casa foram de fato reais ou não passaram de uma alucinação. É o próprio narrador que questiona junto ao leitor se o encontro com a mulher não passou de um sonho. Por fim, o leitor permanece na indecisão e o narrador colabora para isso, colocando em dúvida sua condição existencial. Quem é o narrador - um homem vivo ou seu fantasma? “E, antes de ser esta uma história de espectros – acrescento com uma gargalhada, pois uma súbita hilaridade me predispõe a isso - , é uma história escrita por um deles.”(SANT’ANNA, 2003, p.28). Ao fim das narrativas continuamos, pois, no terreno do inexplicável, fundamental à ficção fantástica, e diante de um dilema existencial provocado pelo desdobramento do sujeito, já que não é possível provar a existência do outro na superfície do espelho. O espelho para Rosset causa apenas a ilusão de uma visão, “me mostra não eu, mas um inverso, um outro; não meu corpo, mas uma superfície, um reflexo. Ele é, em suma, apenas uma chance de me apreender, que sempre acabará por decepcionar-me.” (2008, p. 90). Narciso se encanta com a imagem de si mesmo, o outro, pois nunca verá a si mesmo, é a imagem que o leva a fatalidade, pois ele imerge no que é impenetrável. Caminhamos assim numa espécie de labirinto sem fim onde nos resta olhar para o insólito, posto, que pelo viés do fantástico, o que parece angústia diante do real é o que permite a hesitação, a sensação de estranhamento, e a experiência com o inexplicável, com o sobrenatural. Conclusão Ao que parece, podemos identificar a partir do duplo nas narrativas aqui investigadas, ainda que de forma sucinta: o caráter ambíguo que gera a hesitação, o
  • 33. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 33 UNESP – Campus de São José do Rio Preto efeito fantástico, as ideias de cópia, originalidade e a inexplicável existência do outro, que ora parece um fantasma, ora um prenúncio da morte ou perpetuação da espécie. Percebemos que tanto em Todorov quanto em Rosset, embora as leituras sobre o desdobramento da personalidade sejam distintas - uma pelo viés do gênero fantástico, e outra relacionada ao problema existencialista -, é possível enxergar o homem moderno em sua angústia frente ao duplo como um substituto, basta recordarmos da condição de Goliádkin em “O Duplo” de Dostoiévski. Sem que tentemos definir ou restringir as narrativas aqui apresentadas como alegorias, longe de nos aproximarmos de um significado, percebemos, no entanto, que o tema do duplo é muito complexo tanto para a filosofia quanto para a literatura, sendo que esta última acaba por fazer emergir questões da condição humana que assim como uma obra fantástica, nos fazem hesitar entre o real e o sobrenatural, entre o que parece tangível, compreensível e o inexplicável. Referências Bibliográficas: BORGES, Jorge Luís. O Livro dos Seres Imaginários. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. BORGES, Jorge Luís. O Livro de Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. BORGES, Jorge Luis. Ficções. Trad. Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. CARNEIRO, Flávio. No país do presente: ficção brasileira do século XXI. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. COSTA, Flávio Moreira da. Os melhores contos fantásticos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. FURTADO, Filipe. A construção do fantástico na narrativa. Lisboa: Livros Horizonte, 1980. MORICONI, Italo. [Org.]. Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
  • 34. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 34 UNESP – Campus de São José do Rio Preto ROSSET, Clément. O real e seu duplo. Trad. José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. SANT’ANNA, Sérgio. O vôo da madrugada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 2008.
  • 35. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 35 UNESP – Campus de São José do Rio Preto ÂNGELO NO MUNDO DOS MORTOS: O FANTÁSTICO NA OBRA DE ALUÍSIO AZEVEDO Amanda Lopes Pietrobom ∗ RESUMO Aluísio Azevedo é conhecido por suas obras naturalistas que retratam a sociedade brasileira do século XIX. Nelas, ele denuncia a corrupção da burguesia e do clero bem como problemas enfrentados pelos escravos, pobres e imigrantes. Mas Aluísio Azevedo escreveu também obras menores, mas não menos significativas, onde questões relativas à ciência e à religião são os temas principais. Em A Mortalha de Alzira, seu oitavo romance, a personagem Ângelo, criado em claustro após ter sido abandonado às portas de um mosteiro, vive vampirizado por Alzira, uma condessa que nutre uma intensa paixão pelo padre, mesmo depois de morta. Diariamente, a alma de Ângelo é levada para o mundo dos mortos por Alzira, assim que ele adormece. Nesta obra de caráter ao mesmo tempo (e contraditoriamente) naturalista e fantástico de Aluísio Azevedo, as figuras do cientista e do padre aparecem para explicar os fatos insólitos vivenciados pela personagem Ângelo e esclarecer ao hesitante leitor (conforme Tzvetan Todorov em sua obra Introdução à Literatura Fantástica), os acontecimentos ocorridos com a personagem. Para Todorov, um evento fantástico só ocorre quando há a dúvida se esse evento é real, explicado pela lógica, ou sobrenatural, ou seja, regido por outras leis que desconhecemos. E é dentro da atmosfera do fantástico que ocorre o enredo de A Mortalha de Alzira. PALAVRAS-CHAVE: Fantástico; Tzvetan Todorov; naturalismo; sobrenatural. A Mortalha de Alzira, o oitavo romance escrito por Aluísio de Azevedo, foi publicado em 1893 e filia-se à literatura de caráter fantástico. Esta obra foi apresentada inicialmente, assim como outras de faceta romântica, sob forma de folhetim, em 1891. Aluísio de Azevedo, obrigado a viver de sua produção literária, acaba produzindo obras pouca divulgadas que, no entanto, não deixam de ser significativas para a formação de todo um substrato literário do século XIX brasileiro. ∗ Mestranda em Letras na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto, na área de Literatura Brasileira.
  • 36. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 36 UNESP – Campus de São José do Rio Preto A Mortalha de Alzira passa-se no século XVIII, na França, no reino de Luís XV, nos arredores de Paris. Neste romance a intriga tem papel secundário e o objetivo do autor é o de retratar uma época devassa. A questão do celibato clerical e suas consequências para o indivíduo constituem um dos pontos centrais abordados pelo ficcionista. Por tratar-se de uma ficção filiada ao mesmo tempo ao fantástico e aos preceitos do naturalismo, o autor acabou abordando, também, a questão das doenças nervosas decorrentes de um tipo de vida por ele considerada pouco saudável, notadamente da histeria e de suas manifestações. Embora a narrativa não se passe no Brasil, nem no século XIX, ela nos coloca em contato com o tempo do autor, no contexto social brasileiro. No Brasil, o comportamento devasso e corrupto do clero provocava uma posição anticlerical nos autores do século XIX. Aluísio de Azevedo viveu, assim, em um período no qual a fé lutava contra o livre pensamento e a confiança no progresso nas ciências. O autor denuncia em alguns de seus livros a injustiça e a corrupção da Igreja, por exemplo, e mostra comportamentos doentios e perturbados decorrentes do condicionamento causado pelo meio sobre o indivíduo. Esse tipo de condicionamento é muito evidente no romance A Mortalha de Alzira. A narrativa começa com uma descrição de Paris e sua sociedade libertina. Um fato rompe a descrição: o pregador La Rose, acometido por um ataque de asma, não poderia pregar seu sermão de quinta-feira santa. Outro religioso deveria substituí-lo. Surge no enredo a personagem Ângelo, criado em claustro por Ozéas, frei devasso que, temendo o castigo divino, resolve fazer de Ângelo um novo messias para salvar a França dos pecados da carne. Ângelo, em um de seus sermões, avista Alzira, mulher aristocrática, aventuresca, rica cortesã de Paris. A partir desse fato, a vida de Ângelo começa a mudar. Mesmo sendo um homem casto e puro, ele começa a sentir uma
  • 37. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 37 UNESP – Campus de São José do Rio Preto angústia sem saber ao certo o que aquilo significava. Ozéas, pressentindo que o jovem padre estava caindo em perdição por causa de uma mulher, alertou-o para o mal que aquilo poderia fazer a ele: “ E se, apesar de tudo, encontrares alguma mulher, que te leve a sonhar estranhas venturas... bate com os punhos cerrados contra o peito, dilacera as tuas carnes com as unhas, até sangrares de todo o veneno da tua mocidade! Esmaga, à força de penitência, toda a animalidade que em ti exista! Aperta os teus sentidos dentro do voto de ferro da tua castidade, até lhes espremeres toda a seiva vital! Fecha-te, enfim, dentro do teu voto de castidade, como se te fechasses dentro de um túmulo!” (AZEVEDO, p.67) Com a morte de Alzira, o fantástico se instaura no texto. Alzira volta do mundo dos mortos, todas as noites, para levar Ângelo consigo. Com o passar do tempo, Ângelo não distingue mais o real do sonho. Passa a ter dúvidas de sua existência: não sabe mais se sua vida real é a do claustro ou a do mundo de leviandades e devassidão ao lado de Alzira. Este romance de Aluísio de Azevedo filia-se ao texto La Morte Amoureuse de Théophile Gautier, escritor francês do século XIX. No texto de Gautier, o sagrado e o diabólico se cruzam também na figura de um padre, que busca por meio dos sonhos a realização de seus desejos. Romuald (padre) faz um pacto e resgata a vampira Clarimonde do reino das sombras e isso determina a fragmentação de sua personalidade nos limites do sonho-pesadelo. Em A Mortalha de Alzira o padre Ângelo tem sua personalidade fragmentada nos sonhos, após a morte da condessa Alzira; ele é
  • 38. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 38 UNESP – Campus de São José do Rio Preto “vampirizado” por ela durante os sonhos. Aluísio de Azevedo deixa explícita essa filiação no início de seu romance, escrevendo “Ao leitor Este romance é nada mais do que um vasto jardim artificial feito de frias, perpétuas e secas margaridas, mas todo ele embalsamado pelo aroma de uma flor, uma só, que é a sua alma – “La Morte Amoureuse”, de Théophile Gautier. O AUTOR” (A Mortalha de Alzira) Tzvetan Todorov cita em Introdução à Literatura Fantástica, que dentro da nossa realidade regida por leis, ocorrências inexplicáveis por essas leis incidem na incerteza de serem reais ou imaginárias. Para Todorov, um evento fantástico só ocorre quando há a dúvida se esse evento é real, explicado pela lógica, ou sobrenatural, ou seja, regido por outras leis que desconhecemos. Porém, este fato não pode sugerir a alegoria, pois, se o leitor ou espectador interpretar o sobrenatural como uma metáfora, num primeiro momento, ele perde o sentido fantástico. Deve haver uma pré-disposição do leitor para negar a alegoria e hesitar quanto à realidade do fato. A personagem Ângelo, vampirizado por Alzira durante o sono, vive uma vida dupla: a de padre na vida real§ e a de homem boêmio, vida esta que ele vive no mundo dos mortos. O padre deseja a extinção de seu rival e, por sua vez, o boêmio deseja a extinção do padre: “Com o correr dos sonhos, formou-se uma secreta rivalidade entre o padre casto e o licencioso boêmio. Odiavam- se. Cada qual desejava a extinção do seu rival. O presbítero, entretanto, a ninguém confiara até aí o segredo das escápulas do § Realidade esta que conhecemos, regida pelas leis naturais.
  • 39. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 39 UNESP – Campus de São José do Rio Preto seu espírito, e principiava a habituar-se àquele duplo viver de sacerdote virtuoso e de folião profano” (AZEVEDO, 2005, p.209) A própria personagem questiona a experiência que tem, hesita em acreditar (ou não) nos fatos que vivencia e já não consegue mais distinguir em qual “realidade” ele existe: “ – Eu vivo nos meus sonhos, e mentiria se dissesse que os não desejo... Desejo-os ardentemente; volto deles com a consciência aflita e dolorida, mas durante as longas horas do dia, nada mais faço que chamar pela noite, para poder correr aos braços de Alzira!... Sonhar! Será vida o sonho?... E por que não?... Por que supor que esta é vida verdadeira e a outra não? ... Por que, se ambas têm a mesma razão de ser? (...) Qual das duas será a verdadeira? Poderei afirmar que vivo nesta?” (AZEVEDO, 2005, p.229) Segundo Todorov, há um fenômeno que pode ser explicado de duas formas, uma pelas leis naturais e outra pelas leis sobrenaturais. Quando há a possibilidade de se hesitar entre estas duas formas, é onde se cria o efeito do fantástico. E é dentro desta atmosfera de hesitação que ocorre A Mortalha de Alzira. Bibliografia AZEVEDO, A. A mortalha de Alzira. São Paulo: Livraria Martins, 2005. BATAILLE, G. A literatura e o mal. Trad. António Borges Coelho. Lisboa: Ulisseia, 1957. BESSIÈRE, I. Le récit fantastique: La poétique de l'incertain. Paris: Larousse, 1974. BOURNEUF, R., OUELLET, R. O universo do romance. Trad. J.C.S. Pereira. Coimbra: Almedina, 1976. CAUSO, R. S. Ficção científica, fantasia e horror no Brasil (1875 a 1950). Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003. CORTÁZAR, J. Do sentimento do fantástico. In___ Valise de Cronópio. Trad. Davi Arrigucci e João Alexandre Barbosa. São Paulo : Perspectiva, 1974. p. 175-179. DIMAS, A. (Org.). Aluisio Azevedo : literatura comentada. São Paulo : Abril, 1980. DISCINI, N. Intertextualidade e conto maravilhoso. São Paulo : Humanitas/ FFLCH/ USP, 2001.
  • 40. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 40 UNESP – Campus de São José do Rio Preto FANINI, A.M.R. Os romances-folhetins de Aluísio Azevedo : aventuras periféricas. Tese (Doutorado). Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: [s.n.], 2003. FURTADO, F. A construção do fantástico na narrativa. Lisboa : Livros Horizonte, 1980. LEVIN, O.M. (Org.). Aluísio Azevedo: ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. 2 v. LOPES, H. Literatura fantástica no Brasil: língua e literatura. São Paulo, 1975. LOVECRAFT, H. P. O horror sobrenatural na literatura. Trad. João Guilherme Linke. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987. MALRIEU, J. Le fantastique. Paris : Éditions Hachette, 1992. MÉRIAN, J.Y. Aluísio Azevedo vida e obra: (1857-1913). Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. MILNER, M. La Fantasmagorie: essai sur l’optique fantastique. Paris: Presses Universitaires de France, 1982. MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 3. ed. São Paulo : Pensamento, 1982. MONTEIRO, J. Prefácio. O conto fantástico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959. PONNAU, G. La folie dans la littérature fantastique. 1. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1997. RODRIGUES, Selma. O fantástico. São Paulo: Ática, 1988. SIEBERS, T. The Romantic Fantastic. Ithaca; London: Cornell University Press, 1984. SODRÉ, N. W. O Naturalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. SOLANOWSKI, M. Literatura fantástica : em busca de uma definição. Tema, n.5, jan/mai, 1988. TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. Trad. Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 1975. VAX, L. L'Art et la littérature fantastiques. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1974.
  • 41. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 41 UNESP – Campus de São José do Rio Preto O FANTÁSTICO E A LOUCURA NO SÉCULO XIX: DUAS PERSPECTIVAS PARA O LEITOR IMPLÍCITO EM O CORAÇÃO DENUNCIADOR, DE POE E EM O HORLA, DE MAUPASSANT Ana Carolina Bianco Amaral* RESUMO O tema da loucura na literatura fantástica é vigente nas narrativas do século XIX. Em os contos O coração denunciador, de Edgar Allan Poe e em O Horla, de Maupassant, a instabilidade mental é revelada, por vezes, nos comportamentos dos personagens centrais. O presente trabalho destacará os pontos narrativos que revelam duas tensões: de um lado, a possibilidade da loucura do narrador em primeira pessoa, do outro, a instauração do sobrenatural. Utilizaremos a teoria proposta por Todorov teórico para salientar a maneira pela qual o leitor implícito pode preencher as lacunas textuais que tendem ao módulo da interpretação. PALAVRAS-CHAVE: Fantástico; Loucura; O coração denunciador; O Horla. Sobre a loucura no fantástico e o leitor implícito O tema da loucura na literatura fantástica é tipicamente representado, no século XIX, por publicações que circundaram a transição do século das Luzes à visão Romântica do mundo ocidental. O fantástico, compreendido como um gênero narrativo que concatena, em uma única estrutura, o verossímil e o sobrenatural, é amalgamado também, com outros recursos literários. A caracterização do desequilíbrio mental, por exemplo, é um desses aspectos que o gênero tematiza. Algumas obras publicadas no século XIX como O homem da areia (1817), de Hoffman, Aurélia (1854), de Nerval, Vera (1874), de L’Isle-Adam, e O sonho (1876), de Ivan Turgueniev remetem, muitas vezes, o publico leitor à margem de especulações entre uma explicação lógica ou de * Mestranda em Letras, Teoria da Literatura, pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP/IBILCE, campus de São José do Rio Preto. FAPESP 2010/03566-7; carol17letras@yahoo.com.br
  • 42. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 42 UNESP – Campus de São José do Rio Preto ordem irracional para os horizontes propostos na trama. O amor do jovem Natanael pelo autômato Olímpia, o credo sustentado pelo narrador da revivificação da presença Vera, já falecida, Aurélia, com as visões de um mundo desconhecido, e o sonho premonitório que resgatou o pai do personagem turguenieviano tece, à primeira vista, a instabilidade mental no comportamento do personagem fantástico. Em O mundo maravilhoso do inexplicado: o fantástico como mise-em-scène da modernidade, Batalha (2003) afirma que o louco recria o mundo, e gera uma nova verdade, o que obriga a sociedade a pensar e a relativizar aquilo que torna a lógica da prática humana comum. Por comportar um material de origens em zonas ainda não exploradas na mente humana, o tratado da alucinação, do delírio e da instabilidade mental é recorrente na literatura em questão, pois propõe questionar a racionalização, e objetivar a compreensão das construções mentais do indivíduo defronte ao legado ideológico instaurado pela sociedade temporal. Até o final do século XVIII, nos ares da Revolução Francesa, e no início do século XIX, a loucura era tida como uma doença física, genética, e não havia distinção entre o estado mental do ser humano e do físico. A loucura desvenda as camadas mais obscuras do ser. A literatura fantástica, ao atualizar a experiência do personagem mentecapto, atua no espaço limítrofe da linguagem literária, pois, cedendo voz ao desvario, recria a possibilidade de compreensão da doença silenciada pela sociedade em nome da razão. Assim, esse desatino mental não é mais compreendido como parte negativa do homem, mas como outro domínio de verdade, e contesta uma cultura dominada pela plenitude do racional. Mas qual processo de criação do fantástico conduz o leitor a compreender os personagens da história como alucinados por presenciarem fenômenos estranhos, ou estes serem de origem insólita? Encontramos em Todorov (2003) uma definição para o
  • 43. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 43 UNESP – Campus de São José do Rio Preto gênero em questão que prevê a participação do ledor no texto fantástico. Após realizar um levantamento de obras do século XIX, especificamente nas produções narrativas, o teórico enfatiza que o foco similar entre os contos e as novelas selecionadas é o simulacro de realidade, designado, por ele, de verossimilhança. Ocorrendo a ruptura do verossímil pela introdução de algum elemento sobrenatural e a condução do texto por uma sequência de estratégias textuais, o narrador em primeira pessoa se questionaria acerca da natureza dessa ocorrência inverossímil, e outorgaria suas dúvidas para o leitor implícito que, anuente a essas proporções do texto, dialogaria, em reciprocidade com o narrador, sobre a procedência do insólito. Tal processo é denominado de hesitação. O leitor implícito todoroviano é designado por uma possível participação do leitor real na narrativa que ocorreria quando o narrador em primeira pessoa persuadisse esse destinatário a hesitar acerca da procedência dos eventos dispostos no enredo. No entanto, utilizaremos a definição proposta pelo alemão Wolfgang Iser de leitor implícito, por compreendermos que o ledor não só participa a convite do narrador, mas preenche as lacunas cedidas pelo texto, a fim de atingir o grau de interpretação. O teórico acredita que a estrutura discursiva, articulada em um escrito que projeta a presença do receptor é denominada de leitor implícito, e destitui-se dessa forma, do conceito de leitor ideal. Este estabelece que a leitura plena da obra é concretizada por meio de um receptor adequado para cada texto. Assim, o escritor precisaria desenvolver a literatura visando a um ledor que a compreendesse e a interpretasse como foi pensada ao ser elaborada. A arbitrariedade interpretativa do leitor implícito, como já dita, é parcial, pois a aceitação das estratégias textuais, como sinalizadoras da leitura, implica no desprendimento fracionário da liberdade dessa interpretação. Sendo, dessa maneira, por meio do contexto situacional da história, que o receptor decifra os estratagemas pré-
  • 44. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 44 UNESP – Campus de São José do Rio Preto estabelecidos, e exercendo sua lógica conceitual, compara as premissas do texto com o contexto. Análise dos contos O coração denunciador, de Poe e O Horla, de Maupassant Para explorarmos a atuação do tema da loucura no século XIX, selecionamos dois contos: o Coração denunciador, de Edgar Allan Poe e a primeira versão de O Horla, de Guy de Maupassant. O primeiro foi publicado nos Estados Unidos, em 1843, enquanto o segundo, na França, em 1886, pós Revolução Francesa. O conto maupassaniano discorre sobre um paciente clínico que relata sua experiência insólita para alguns doutores. O homem conta sobre uma presença invisível, chamada por ele de Horla, que o acompanhava em alguns períodos. O conto de Poe também apresenta o discurso de um narrador-personagem que prestava serviços a um idoso. Furioso com a catarata situada em um dos olhos do senhor, comete assassinato, mas afirma ouvir as batidas do coração defunto. Ambos os contos demonstram o esforço do narrador, em primeira pessoa, em convencer, no primeiro caso, outros personagens da trama, no segundo, o narratário, que os eventos estranhos decorrentes no enredo são de ordem sobrenatural, e que por isso, não sofrem alucinações, são mentalmente estáveis. A narração de O Horla é iniciada por um narrador em terceira pessoa que descreve o caso de um dos pacientes do doutor Marrande. O personagem que anunciará os fenômenos insólitos aos colegas de trabalho do doutor toma a voz, transformando-se em um narrador em primeira pessoa. A narrativa é descrita a partir da visão do paciente possivelmente insano, como alega os outros personagens do enredo. Senhores, sei por que vos reuniram aqui e estou disposto a contar-vos minha história, conforme me pediu o meu amigo
  • 45. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 45 UNESP – Campus de São José do Rio Preto doutor Marrande. Durante muito tempo êle me julgou louco. Hoje, duvida. Dentro em pouco vereis que tenho o espírito tão sadio, tão lúcido, tão clarividente como o vosso, infelizmente para mim, e para vós e para a humanidade inteira. (MAUPASSANT, s/d, p.337) Neste trecho, o preâmbulo do processo de preenchimento das lacunas discursivas é iniciado. Não podemos responder por uma coletividade interpretativa de leitores, mas o conto, com a elaboração das estratégias textuais pode tender o leitor implícito a um tipo de interpretação. Esse parágrafo constitui dois pólos. De um lado, a negação de qualquer tipo de instabilidade mental, e do outro, a hipótese de loucura. Da mesma forma, o conto O coração denunciador abarca esses dois processos: É verdade! sou - nervoso - , eu estava assustadoramente nervoso e ainda estou; mas por que você diria que estou louco? A doença tinha aguçado os meus sentidos - não destruído - , não amortecido. Acima de tudo, aguçado estava o sentido da audição. Eu escutava todas as coisas no céu e na terra. Eu escutava muitas coisas do inferno. Como posso estar louco? Ouça com atenção! E veja com que sanidade, com que calma sou capaz de contar a história inteira. (POE, 2004, p.280) Os dois personagens centrais dos contos norteiam a razão e a loucura, iniciando os relatos de forma segura e estável, e intentam moldar um caráter lúcido para seus comportamentos. Em Poe, o narrador instila o narratário acreditar que não sofre de insanidade mental: “loucos não sabem de nada”. (POE, 2004: 280). Como não há menção de reciprocidade de diálogo com outros personagens, os rebates sobre essa loucura podem ser uma projeção do próprio inconsciente desequilibrado, ou até mesmo a iteração da negação de insânia pode derivar da necessidade de expressão das suas emoções, uma vez que o texto aborda a existência solitária dessa primeira pessoa. Em O Horla:
  • 46. II Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura”, 3 a 5 de maio de 2011. 46 UNESP – Campus de São José do Rio Preto Mas quero começar pelos próprios fatos, os fatos sem comentários. Eis-los: Tenho quarenta e dois anos. Não sou casado, minha fortuna é suficiente para eu viver com um certo luxo. Habitava, pois, uma propriedade à beira do Sena, em Biessard, perto do Ruão. (MAUPASSANT, s/d, p.338) o narrador anuncia que não opinará sobre fatos do relato, sugerindo um distanciamento opinativo. Esse afastamento tende a justificar a veracidade do fenômeno sobrenatural que ocorrerá. Da mesma forma, o narrador do segundo conto revela: É impossível dizer como a idéia entrou primeiro no meu cérebro; mas, uma vez concebida, perseguia-me dia e noite. Objeto, não havia nenhum. Paixão, não havia nenhuma. Eu amava o velho. Ele nunca me fizera mal. Ele nunca me insultara. Pelo ouro dele eu não nutria desejo. Penso que foi o olho dele! Sim, foi isso! Tinha o olho de um abutre – um olho azul pálido recoberto por uma película. Sempre que pousava sobre mim, meu sangue congelava; e assim, por etapas – muito gradualmente -, decidi tirar a vida do velho e, dessa forma livrar-me do olho para sempre. (POE, 2004, p.280) O personagem central tenta convencer o narratário de sua inculpabilidade, não sabendo explicar o porquê foi inspirado pelo desejo de assassinar o senhor que prestava serviços. Todas essas justificativas formam, também, o cenário que as premissas textuais criam a fim de influenciar a opinião do leitor implícito, num exercício de raciocínio lógico, e que tende, na perspectiva do narrador em primeira pessoa, a promulgar sua inocência. Devemos salientar que a narrativa é sopesada pela pessoa que vivencia os fatos, e que todas as informações nos são cedidas pelo olhar do narrador que pode estar equivocado acerca da procedência dos acontecimentos do enredo, os omitindo ou os dissimulando. Em O Horla: Fez um ano no último outono, invadiu-me de repente uma espécie de inquietude nervosa que me mantinha acordado noites