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Chicos 18
Cataguases – Outubro de 2008
chicos.cataletras@hotmail.com
Veja a nossa poesia em:
http://chicoscataletras.blogspot.com/
Um dedim de prosa
Homenageamos aqui o poeta paulista José Paulo Paes, morto em outubro de 1998, portanto há dez anos.
Destaca-se em sua poesia a ironia, o olhar desmistificador e a busca da concisão; seus poemas se resolvem em poucas
linhas. Os outros ele mesmo os chama de “prosas”. Tradutor nos ofereceu a oportunidade de ler poetas alemães, gregos,
americanos, franceses e ingleses e nós do Chicos reconhecemos seu valor por tanta contribuição à poesia.
Outro que queremos agradecer e respeitosamente pedir a benção, é ao Ady Resende mestre e educador de
sucessivas gerações lá no Colégio Cataguases. Entre tantos, nós também passamos pelas mãos hábeis do acima de tudo
artista plástico que nós ensinou a ver poesia para além das palavras.
Ronaldo Cagiano nos mandou um ótimo artigo de Cunha de Leiradella, publicado em 2005. Ele é atualíssimo,
face esta confusão sem fim que é esta reforma ortográfica da língua portuguesa que um punhado de acadêmicos e/ou
burocratas discutem há tempos. Concordamos com ele, muito mais se faz pela cultura dos paises de língua portuguesa
eventos como o Cineport, onde conhecemos do cinema de Guiné-Bissau à música de Cabo Verde, passando pela cozinha
de Portugal, tudo isto regado a pinga com torresmo nas barrancas do Rio Pomba.
Os Chicos
Acima de qualquer suspeita
José Paulo Paes
a poesia está morta
mas juro que não fui eu
eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la
imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres car-
los drummond de andrade manuel bandeira murilo
mendes vladimir maiakóvski joão cabral de melo neto
paul éluard oswald de andrade guillaume apollinaire
sosígenes costa bertolt brecht augusto de campos
não adiantou nada
em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou
incerto) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada
de ferro araraquarense
porém ribeirãozinho mudou de nome a estrada de ferro
araraquarense foi extinta e josé paulo paes parece
nunca ter existido
nem eu
(o poeta faleceu em 9/10/98)
Água-forte
*Francisco Cabral
Sigo trilhas do nenhum-destino.
Pegadasfolhas avisam houve alguém.
O sol o chão cobre de ouro e ocre
Escarrego no barrosseco
amacio musgos besouros
Flechas do chovereu nuvêm
lavarbrunir as pedras
onde lagartos preguiçásperos
verdormitam
Margens da senda se aproencimam
do horizontempo
a que perdidoporto vôo
cativo pelaspenas, bico sedentro
da aguarosa da luz que tardescai
*Francisco Marcelo Cabral (Rio de Janeiro – RJ)
Pelas mãos de Ady Resende
*José Antonio Pereira
Ilustr.: Altamir Soares
Início dos 70, quase no apagar das luzes do segundo milênio. Eu e meus até hoje amigos
ginasianos estudávamos no Colégio Cataguases, freqüentávamos uma sala enorme, onde no tempo do
internato fora o refeitório. Aquele espaço ficava à direita da entrada principal do prédio. Foi lá que
aconteceram meus primeiros contatos com a escola. Assisti, antes de me tornar aluno, o primeiro filme de
Humberto Mauro. Também foi lá que fiz a prova de admissão ao ginásio. Já aluno, em alguns intervalos,
nós zanzávamos pela porta do imenso salão, perturbando a vida do João Cordovil, o homem que tocava o sino.
Sino este substituído mais adiante por uma maldita sirene que nós apelidamos de Alarme de Alcatraz. Foi
naquele espaço que conhecemos o mestre Ady Resende.
Pelas mãos do professor, começamos nossas aulas de desenho, primeiro à mão livre para aprendermos a
segurar o lápis e firmar o traço; depois o geométrico; mais adiante as barras gregas. Um dia o mestre mandou
as gregas para as calendas e mergulhamos na artesania popular. Aprendemos a confecção de peças de
piaçava, palha, cestaria de taquaruçu; descobrimos no observar de suas mãos que a esperta além de forquilha
para fazer atiradeira, era ótima para entalhar pequenos objetos.
Ainda pelas mãos do pintor, aprendi que o amarelo não era só a cor da fome e da nossa seleção de futebol,
o vermelho não era só o da raiva e da vergonha, o azul não era só o da piscina nem o de metileno, eram (acho
que ainda são) as cores primárias. Com ele descobri que olhar uma obra de arte é um mergulho para dentro
de si mesmo, imersão, observação de cores e formas que o artista usa para expressar suas emoções. Se não
conseguimos ver além da tela e da moldura, ou não estamos diante de uma obra de arte ou mandamos às favas
a nossa sensibilidade. Retornamos ao tosco.
Naqueles tempos, em que nas aulas de português com Nilton Rossi e Márcia Carrano ainda predominava a
gramática, foi olhando para Rembrant, Matisse, Van Gogh e Toulouse Lautrec na sala de aula, Candido
Portinari, Paulo Werneck nas paredes, Jan Zach nos jardins e para aquela singela coleção de arte popular do
colégio que me encontrei com a poesia através das imagens.
Recentemente, para minha surpresa, uma exposição individual do nosso mestre aconteceu lá no Chica.
Fiquei feliz em ver pela primeira vez parte da obra do pintor Ady Resende. Eu que só tinha visto seus
trabalhos em algumas coletivas e em duas visitas (separadas por quase duas décadas) a sua residência,
encontrei ali suas figuras humanas sem rostos, o que as tornam angelicalmente assexuadas, quase que numa
antevisão deste mundo contemporâneo em que tanto se discute a questão e a quantidade de gêneros. Vi
figuras populares que se agigantam contra o preconceito dos que os querem inferiores como se fossem dalits
das castas indianas. Vi figuras que flutuam a transmitir idéias em praças e ruas indiferentes.
Pelas mãos do professor e artista plástico Ady Resende, humanista de convicções firmes, continuamos a
aprender e compreender arte através de suas metáforas visuais ou de sua conversa franca pelas ruas de
Cataguases.
*José Antonio Pereira (Cataguases –MG)
Certa Lolita
*Antonio Jaime
um talho vermelho
(seus lábios) na fruta
de casca clara (seu rosto
por dante gabriel rossetti)
um lewis carroll – por ela
perderia o baralho
imaginar os seus seios
mesmo batom vermelho
nas pontas – excitantes
em breve – salientes
mormente entre o banho
e o ninho – o soutien
*Antonio Jaime Soares (Cataguases – MG)
O Mistério de uma Pincelada
Foto: Vicente Costa
*Altamir Soares
Imergir no universo do artista é perigoso tal é a individualidade de cada um. Portanto, nesta
matéria, me limitarei a fazer algumas breves considerações sobre o trabalho de Ady Resende, ao meu ver, um
ícone de minha geração... falar de nossos ídolos é complicado, temerário.
Quantos ao longo do tempo não passamos por sua sala de aula e guardamos em nós, graças ao seu
dedicado trabalho de educador, os conhecimentos sobre artes?
Ady andou sumido por opção pessoal, mas agora ressurge com uma mostra de seus trabalhos. A
exposição teve início em agosto e vai até meados de setembro no Instituto Francisca de Souza Peixoto. Pena
que não tenha trazido a lume suas criações inéditas.
Ady Resende me lembra os Impressionistas, com suas lutas e desavenças, suas diferenças entre si e com a
sociedade; Ady me lembra Camille Pissaro - um senhor de certa idade e de conhecimento artístico fecundo,
sempre pronto a atender os amigos Monet, Cezzane, entre outros. Com Ady não é diferente :quando o assunto
é arte, há sempre de sua parte, a disposição para uma boa prosa!
Um homem simples no seu mundo, dono de pinceladas bem acabadas, com destaque para a preocupação
impar com as cores. “Os artistas hoje não querem mais misturar as tintas”, observa. Isso demonstra
conhecimento, palavras de quem descarta os modismos e acredita em si mesmo como criador.
Uma das características do Impressionismo é a busca do belo mas, nas telas de Ady predomina o
mistério, deixado ali propositalmente, revelando a influência do Surrealismo (o sonho, o irreal de Breton ou
Dali). Nosso artista não fecha as portas de sua criação nem mesmo para o expressionismo (Munch com sua
solidão) quando pinta figuras, alongadas, enigmáticas, solitárias, numa busca desigual dentro de si: um
mundo real ou não, podendo ser da figura, do quadro como um todo ou do próprio artista. O importante é que
a obra faz com que o espectador observe com toda a estranheza no olhar, sem fugir de si mesmo e pense, pense
muito. O mais interessante é que as telas do mestre são construídas com a delicadeza das cores em pinceladas
sutis, sobre temas que enlevam e fazem-nos mais humanos.
Conhecendo as obras de Ady Resende, com certeza você também irá conhecer o homem contido em cada
figura, em cada cena descrita pela forma, cor, e pelos pensamentos ali traduzidos. Como bem diz o nosso
professor: “numa obra tudo tem que estar no lugar certo, mas deixando transparecer sempre o mistério das
coisas, do mundo, para não perder a graça, o nome de arte.”
Assim é Ady Resende.
*Altamir Soares (Cataguases-MG) Artista Plástico
De fininho
*Zeca Junqueira
Dentro do elevador pela manhã
a caminho da rua (ai, meu Deus!)
penso nas minhas pendências proibidas:
desemprenhar no papel dois poemas que me
incomodam
como calo inflamado no dedo do pé
como cutícula solta no dedo da mão
terminar de ler um livro ora pela metade
cujo final ao longe me desafia os olhos e a paciência
rever dois filmes - Era uma vez no oeste e Fome de viver
(obras de arte)
que nada têm a ver com a nossa fome e o nosso jeito
faroeste de ser
penso ainda no elevador nas duas vidas que tenho para levar
na que fica presa no peito e por lá vai sendo esquecida
pela impossibilidade de crer e
penso apreensivo na real, na vida forçada de cada dia onde
tenho que pagar as contas e
os pecados que não cometi
onde tenho que manter a calma e
a educação, quiçá o bom humor
a boa convivência - ou a hipocrisia?
onde tenho que conter a ira e
travar a língua
onde tenho que fazer-me de trouxa e
ficar esperto e
esquivar-me da bala
esquivar-me da faca
esquivar-me do beijo
esquivar-me do outro
safar-me de tudo
onde eu devo ser ninguém
para conseguir sair vivo
de fininho
no final.
*Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista e poeta
Inconsciente, espiritualidade e catástrofe
*Felipe Fortuna
O POETA: Seu diplomata da estranja,
você manda como diz.
Quer um pedaço do reino?
Murilo Mendes, “Bumba-Meu-Poeta”
Praticamente fora do comércio, como se destinada somente a especialistas, a reunião das Cartas de
Murilo Mendes a Roberto Assumpção (Edições Casa de Rui Barbosa, 116p., R$13) constitui importante
material de um poeta ainda ausente dos currículos escolares e, mais triste ainda, de muitos currículos
universitários. Várias explicações são habitualmente apresentadas a propósito do relativo esquecimento
de uma figura primordial do Modernismo brasileiro: considere-se a tendência surrealista de Murilo
Mendes (1901-1975) em livros como As Metamorfoses (1941) e Poesia Liberdade (1947), o que o tornou um
solitário na literatura do Brasil; considere-se ainda o virtual e voluntário exílio do poeta em Roma, nos
vinte anos finais de vida, período que o isolou da vida literária brasileira, como demonstra qualquer
pesquisa em nossos jornais. Obviamente, tais explicações perdem fundamento quando se conhece a obra
original do poeta, cujos pressupostos ainda são válidos e debatidos (por exemplo, a precedência da
imagem sobre a mensagem, como bem lembrou João Cabral de Melo Neto, que reconhecia a forte
influência recebida). Do mesmo modo, Murilo Mendes terá sido o único poeta brasileiro da fase
modernista capaz de estabelecer diálogo igualitário com os principais nomes da poesia européia, pois
conhecedor imediato, e mesmo participante, das orientações e das linhas mestres daquilo que só
indiretamente alcançava as letras nacionais.
A importância dessas cartas se concentra em pelo menos dois aspectos: revelar o que Murilo Mendes
pensava sobre sua obra, no momento em que preparava sua estréia na Europa; e salientar as reflexões do
poeta sobre as influências de que se considerava devedor. Encaminhada ao diplomata Roberto
Assumpção, a correspondência é culminante por ocasião do planejamento, execução e lançamento do livro
Janela do Caos (1949), edição luxuosa destinada a bibliófilos, impressa na França, com projeto gráfico de
Michel Tapié e acompanhada de ilustrações de Francis Picabia. Tecnicamente, um objeto que mal poderia
ser classificado de livro: com apenas seis poemas, seria antes considerado uma amostra em vez de um
repertório. No entanto, Murilo Mendes jamais permite que se tenha tal impressão: o livro “parece-me que
é um resumo do espírito da minha poesia” e poderia finalmente indicar o encontro do poeta com o meio
ideal de divulgação da sua obra, já que “até agora não tenho tido sorte, pois as edições de meus livros que
têm saído são muito aquém do meu gosto”.
Os seis poemas selecionados pelo poeta são “As Lavadeiras”, “Janela do Caos”, “Poema Dialético”,
“Choques”, “Poema Barroco” e “Tobias e o Anjo”. Por que razão esses poemas “são páginas capitais da
minha poesia”, como insiste numa das cartas? Há respostas precisas sobre a questão nas cartas a seguir.
Primeiramente, Murilo Mendes confessa: “sempre compreendi as torturas de Mallarmé e o seu ideal de
um enquadramento perfeito do texto poético num papel especial, num tipo especial”. Aqui desponta o
poeta preocupado com a espacialidade e com os aspectos gráficos das palavras, o pesquisador das
vantagens do plástico sobre o musical, que tanto impressionava o poeta pernambucano de Psicologia da
Composição (1947). Em que pese o tônus surrealista dos poemas selecionados, as cartas revelam o cuidado
de Murilo Mendes em tornar preeminente o visual sobre o conceitual: por isso mesmo, o poeta considera
Janela do Caos o seu livro mais “lisível” e mais “visível”, no qual texto e imagem teriam alcançado a
convergência tão buscada. Trechos com tamanho interesse confirmam que, de fato, não se pode reduzir a
poesia de Murilo Mendes a uma corrente estética ou a uma tendência peculiar: sua poesia é
complexamente multifacetada, com mecanismos que ora geram imagens católicas, ora estridentes versos
de visionário, ora demarcam um discurso crítico e lúcido – quase sempre sobre escritores e artistas
plásticos.
Por isso mesmo, numa notável carta de 25 de julho de 1949, encaminhada a Francis Picabia e
estampada neste livro, Murilo Mendes admite que “Não sou um surrealista ortodoxo”. Em meio às
amabilidades e ao agradecimento pelas ilustrações, (“Esse livro daqui para frente me parecerá muito mais
seu do que meu”), Murilo Mendes informa que sua declarada preocupação é “o debate entre ordem e
loucura”, “o grande debate da minha poesia”. O trecho parece remeter diretamente ao poema “Pré-
História”, não citado na carta:
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
Não posso esconder aqui a minha permanente surpresa com o verbo final no presente do indicativo...
E muito menos as implicações que o verbo no presente transmite, com sua vibração familiar e psíquica. Na
mesma carta, o poeta recorda Pierre Jean Jouve, que teria resumido involuntariamente, com três palavras,
o segredo da poesia de Janela do Caos: inconsciente, espiritualidade e catástrofe. Por sua vez, num texto
em prosa, Murilo Mendes esclareceu que o poeta francês de Sueur de Sang (1935) “sofre como poucos o
drama de viver”. Depoimento ou identidade?
Júlio Castañon Guimarães editou e anotou zelosamente as Cartas de Murilo Mendes a Roberto
Assumpção, e ainda agregou substancial apêndice, o que conferiu ao livro elementos inestimáveis de
pesquisa. Quanto a Roberto Assumpção, sempre vinculado à área cultural, sobretudo cinema, a melhor
louvação foi inscrita pelo poeta: “sente-se logo em você o diplomata moderno e avançado”. Operoso
agente brasileiro, foi ele quem promoveu o livro e chegou a Francis Picabia, de algum modo transformado
em intérprete de Murilo Mendes, e não o contrário. Em outra clave, as cartas do poeta por vezes pedem
apoio a nomes e perguntam se o diplomata “poderia dar um jeito, como se diz no Brasil”. É o chão
humano e nacional de Murilo Mendes, professor mantido pelo Governo na Universidade de Roma, e
sobre o qual não se permitia delirar. Quem achar o poeta contraditório que releia, por exemplo, o texto em
prosa “Vivo em Roma”, no qual explica as razões para ficar: “porque aqui encontrei amigos deliciosos,
que geralmente não crêem que 2+2=4”.
*Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e
diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar”
Fé e luta
* José Antonio Pereira
Agnóstico entre pregadores alucinados
sentia-me iluminista nas trevas da modernidade.
Vendo aqueles mantos cor de açafrão
enfrentando o opressor e feroz dragão
apenas com a força de sua fé budista
resgatou em mim a fé e a vergonha.
Não a fé em um ser sobrenatural
mas na que brota da própria crença.
Ateus cristãos e judeus
e tantos outros em suas fés
lutaram contra o nazismo...
o franquismo... o salazarismo...
Envergonho-me de minha covardia
diante de meus nanismos.
*José Antonio Pereira (Cataguases -MG)
Gato gato, lebre lebre ou apenas faz-de-conta?
*Cunha de Leiradella
Especial para o Jornal Castelo de Lanhoso, publicado em 28.01.2005
O Velho do Restelo estava certo. Ó glória de mandar, ó vã cobiça / Desta vaidade a quem
chamamos fama! Não tinha telemóvel, não tinha computador, não tinha nenhum mercedes topo da gama, não
usava sequer um mísero relógio no pulso descarnado, mas sabia das coisas. Entendia mais de humanos
defeitos do que os padres confessores entendiam de virtudes. E também não tinha medo da verdade.
O projeto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa foi aprovado em Lisboa pela Academia
das Ciências de Lisboa, pela Academia Brasileira de Letras e pelas delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-
Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe no dia 12 de outubro de 1990. E, embora o português seja língua
oficial apenas a partir da margem esquerda do rio Minho, a delegação de observadores da Galiza também
aderiu à caldeirada. No artigo lº aprovou-se o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, no artigo 2º
avisaram-se os navegantes que os Estados signatários tinham prazo até 1º de janeiro de 1993 para tomarem as
providências necessárias à elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua, e, no artigo 3º
badalou-se aos duzentos milhões redondos de falantes que o acordo entraria em vigor no dia 1º de janeiro de
1994. Faz hoje, portanto, onze anos e vinte e oito dias. Tempo mais do que suficiente para se considerar que o
que merece ser feito merece ser bem feito.
As razões apresentadas pelos defensores do novo corte de cabelo, eu estava no Brasil naquela altura,
foram todas, pelo menos lá, de uma lógica à prova de arrotos aristotélicos ou semelhanças sovacais. Ora se
dizia que não havendo uma ortografia unificada nos países de língua portuguesa os governos não poderiam
entender-se, e isso, o mais que fez foi provocar retumbantes gargalhadas no salão, ora se dizia que sem a
santificada unificação o português, embora falado nas sete partidas do mundo, jamais poderia ser uma das
línguas oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU).
Só que as gargalhadas eram o de menos. O de mais foi o professor Antônio Houaiss, um dos mais
ferrenhos defensores do acordo, logo sair a campo com o rascunho do seu Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. Que, dizia-se, já seria editado nos conformes do novo corte capilar. Verdade ou não, o fato é que a
Editora Nova Fronteira entrou na dança e botou a boca no trombone. Nada de mexer no Novo Dicionário da
Língua Portuguesa do professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o famoso Dicionário do Aurélio,
editado por ela em 1975 e até então o seu carro-chefe de vendas. Com a ONU pudicamente recatada e sem a
menor vontade de meter a mão na cumbuca, a pergunta rolava pelo asfalto que nem minhoca em dia de
trovoada: quem ganharia a guerra das estrelas dicionarais? Ganhou o Aurélio. O professor Antônio Houaiss
morreu em 1999 e quem completou as atuais 3008 páginas do dicionário, foram os seus colaboradores. E sem
nenhum mexe-mexe no couro cabeludo.
Mas, na verdade, o que é que pretende mudar na língua portuguesa este tão cantado e decantado acordo?
Aliás, para bem da verdade, diga-se que de acordo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa não tem nada.
Poderá fazer tudo menos unificar ortografias. Como nenhum dos prazos de 1990 se cumpriu, em julho de 1998
os mesmos signatários tiraram as violas do saco e deram uma de fado em tom maior. A data de 1º de janeiro de
1993 que constava no artigo 2º virou andorinha migratória no campanário das urtigas e o mesmo aconteceu
com a data de 1º de janeiro de 1994 do artigo 3º. Mas não foi apenas esta cafungada que embotou o fio das
tesouras. No encontro de São Tomé e Príncipe, em julho de 2004, ficou assente que, em vez dos oito, uma vez
que Timor Leste também entrou na balaiada, bastaria apenas a concordância de três dos signatários para o
acordo bater asas e voar que nem corvo em manhã de nevoeiro. Forte, fiel, façanhudo, fazendo feitos famosos.
E é justamente na conjunção de todos estes efes que cabe a mais politicamente correta das perguntas: será que
a ONU vai aceitar o português como uma das suas línguas oficiais, se só Portugal, Brasil e Cabo Verde
concordam em (ou têm condições de) assinar a mexedura? Gente, cuidado com a esmola que, das duas, de
certeza que é nenhuma. Ou para a ONU tanto vale concordância total como nenhuma concordância, ou a ONU
não sabe nem o que (e quais) são as suas próprias línguas oficiais. Afinal, se são oito os países que têm que
assinar o acordo, como é que a ONU aceita a unificação da língua portuguesa apenas com a assinatura de três
deles? E se os outros cinco (ou só um) nunca quiserem assinar, que unificação vai ser essa? Fica quem nem Os
Três Mosqueteiros, que eram quatro e valiam por um cento? Em termos lógicos e sérios, não há como a ONU
considerar unificada a língua portuguesa e considerá-la uma das suas línguas oficiais se só três dos países
participarem do acordo. Ou, então, para os burocratas do outro lado do Atlântico os outros cinco países nada
valem e a ONU apenas faz de conta que valem. A ver pelos pneus, valer ou não valer é que nem mulher de
vizinho. Tem vizinho que tem, tem vizinho que não tem, e estamos conversados.
Mas com ou sem vizinhanças, beneplácitos e bênçãos da burocracia onululesca, o que é que muda
realmente na língua que nós aqui falamos e escrevemos e que os outros países lusófonos, oficialmente, não
entendem? Mais chinchafol, menos chinchafol. 1) Neste verdadeiro ora agora viro eu, ora agora viras tu,
Portugal mantém o acento agudo no e e no o tónicos que antecedem m ou n e o Brasil mantém o acento
circunflexo: fenómeno/fenômeno, tónico/tônico. O que vale uma honestíssima pergunta: será que com estes ó e
ô e é e ê, o prometido projeto da grafia unificada não foi pimbar pimbinhas no campanário das urtigas e tudo
que a Filomeninha ganhou entre o centeio não passou de um imenso faz-de-conta à la me engana que eu
gosto? 2) Portugal elimina as consoantes não pronunciadas já eliminadas no Brasil: ação em vez de acção,
ótimo em vez de óptimo. 3) Portugal mantém as consoantes pronunciadas, mas também já eliminadas no
Brasil: amnistia em vez de anistia, subtil em vez de sutil. 4) O trema, que ainda se usa no Brasil, lingüiça,
freqüência, some nas pororocas do Amazonas e só tremerá nas palavras derivados de nomes estrangeiros. 5)
Acaba-se o acento agudo nos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas: ideia em vez de idéia, joia em
vez de jóia. O acento é mantido quando o ditongo está na sílaba final das palavras oxítonas e vem seguido, ou
não, de s: fiéis, corrói. Agora, vejam só o mais perfeito fuzuê de quantos pênaltis não foram marcados na
última Copa do Mundo: herói continua sendo herói, mas heróico é obrigado a acobardar-se num coitado de
um heroico. 6) O acento diferencial, esse pula mais do que pipoca. É um entra-sai que nem grilo em toca de
grila. Mantém-se no verbo pôr para o distinguir da preposição por, mas tira-se da flexão pára (do verbo parar),
que não precisa ser distinguida da preposição para. Aí, D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira, primeiro
mordomo-mor da Infanta D. Tareja, abre o berro e manda ver: e ele há umas preposições mais fidalgas do que
as outras? E o pélo (verbo) e pêlo (cabelo)? Esses, coitados, serão só um pelo (amor de Deus!). 7) Do hífen,
bastará dizer que o escritor António Lobo Antunes não amará mais nenhuma pedra. O hei-de virará hei de, e
lá se foram os amores. 8) O caso do apóstrofo é específico: nem sim nem não, muito antes pelo contrário. 9) A
divisão silábica, como só uma mulher assinou o projeto em 1990 (a ministra da Educação e Cultura de São
Tomé e Príncipe), essa, ficou por conta dos fanhos. Quem gaguejar, já viu.
Só que, na realidade, e a realidade, neste caso, é a mais triste de quantas e quantas ao mundo vieram, o
que mais afasta os países lusófonos não são os sinais ortográficos ou este ou aquele espirro de algum lingüista
(leia-se burocrata) mais enfezado ou já a caminho do cemitério. O que mais afasta os países de língua
portuguesa, e muitíssimo mais do que todos os governos admitiram, admitem e hão-de admitir, são as
enormérrimas diferenças culturais. Por mais que os burocratas teimem em fazer de conta que unificam grafias
(não esqueçam o fenómeno/fenômeno, tónico/tônico), ou nos queiram impingir que a assinatura de três vale
pela assinatura de oito, coisa que nem o antigo Estado Novo se lembrou de inventar no seu todo-poderoso
quero, posso e mando, se os governos não praticarem aproximações culturais em vez de promoverem apenas
portos de honra, nada feito. Afinal, quanta cultura os oito países lusófonos intercambiaram até hoje? Em sã
consciência, o que conhecem os povos desses países (não apenas alguns ditos intelectuais, mas os povos)
daquilo que fazem os outros nas suas artes? Será que quando o Caetano Veloso vem a Portugal cantar em
inglês nos mostra que tipo de música popular se compõe hoje no Brasil? E será que quando vai algum artista
português ao Brasil, naquele sempre-cabe-mais-um dos portos de honra oficiais, o que ele por lá diz ou faz
mostra aos brasileiros a arte que se cria em Portugal? Isto, Portugal e Brasil. E, vá lá, até um pouco Angola,
Cabo Verde e Moçambique. Agora, peguem Timor Leste, Guiné-Bissau ou São Tomé e Príncipe e me digam se
neva nas alturas de Barroso. Quem, tirando as rolhas das garrafas dos portos de honra, viu filmes do
guineense Flora Gomes, um dos grandes cineastas mundiais? Nem mosca varejeira. Mas tem mais. Será
sempre muito oportuno e muito bom não esquecer que, só para mudar meia dúzia de símbolos gráficos que
nada vão unificar (o fenómeno/fenômeno, tónico/tônico estão aí para não me deixarem mentir), o preço a
pagar pelo tão cantado e decantado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa será altíssimo. Alguém já
pensou no custo que as editoras terão para mudar a impressão dos seus livros atuais? Quem toma portos de
honra não pensa em custos, já lá dizia, e muito bem, São Glutimênio de Los Pulos Olímpicos. Por isso, também
é sempre muito oportuno e muito bom lembrar aos senhores dos poderes oficiais que o mais importante não
são os beberetes nem os discursos. Seria, se eles dessem ouvidos ao bom-senso, multiplicar e multiplicar o
intercâmbio das culturas. Que importa abolir (ou não) um trema, um acento ou um hífen, se em Portugal se
continua dizendo aquela miúda é giríssima e o Brasil responde com aquela mina é muito do legal? E quem me
sabe dizer como se dirá isso em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e
Príncipe ou em Timor Leste? Será que o tão cantado e decantado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
saberá ou tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes, e apenas muda a biqueira da bota do comando?
*Cunha de Leiradella (Póvoa de Lanhoso Portugal)
Cidade
*Emanuel Medeiros
Em memória do amigo Pingo, que nos deixou nesse outubro.
“A verdade é feia. Temos a arte a fim de que a verdade não nos mate.”
(Friedrich Nietzsche.)
Avisto a cidade – o dia surgido,
planalto seco.
Já não consigo contemplar a vida,
soberano exílio,
em busca de outro mar,
da penúltima gaivota,
da ilha do coração ausente.
Sim, avisto a cidade,
céu sem mediação (parece um teto),
azul pleno,
sol de outubro,
à espera do cheiro de terra molhada depois da seca
(mangueiras em flor),
sempre esperando, sempre.
Avisto a cidade,
os primeiros ruídos,
o cerrado e uma flor retorcida,
um cheiro de morte,
sim, aquele cheiro.
A morte ganha sempre.
(Tem mais tempo.)
Então: uma noite sucedendo-se à outra noite:
sempre.
(Brasília, outubro de 2008)
*Emanuel Medeiros Vieira (Brasília DF)
Leiam os livros da Cataletras:
“A Casa da rua Alferes e outras crônicas” dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio
Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno.
“A Ilha do Horizonte” de Vanderlei Pequeno – Reunião de crônicas publicadas em vários jornais
desde de 2002.
Se você quer adquirir entre em contato conosco:
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Chicos 18 outubro2008

  • 1. Chicos 18 Cataguases – Outubro de 2008 chicos.cataletras@hotmail.com Veja a nossa poesia em: http://chicoscataletras.blogspot.com/
  • 2. Um dedim de prosa Homenageamos aqui o poeta paulista José Paulo Paes, morto em outubro de 1998, portanto há dez anos. Destaca-se em sua poesia a ironia, o olhar desmistificador e a busca da concisão; seus poemas se resolvem em poucas linhas. Os outros ele mesmo os chama de “prosas”. Tradutor nos ofereceu a oportunidade de ler poetas alemães, gregos, americanos, franceses e ingleses e nós do Chicos reconhecemos seu valor por tanta contribuição à poesia. Outro que queremos agradecer e respeitosamente pedir a benção, é ao Ady Resende mestre e educador de sucessivas gerações lá no Colégio Cataguases. Entre tantos, nós também passamos pelas mãos hábeis do acima de tudo artista plástico que nós ensinou a ver poesia para além das palavras. Ronaldo Cagiano nos mandou um ótimo artigo de Cunha de Leiradella, publicado em 2005. Ele é atualíssimo, face esta confusão sem fim que é esta reforma ortográfica da língua portuguesa que um punhado de acadêmicos e/ou burocratas discutem há tempos. Concordamos com ele, muito mais se faz pela cultura dos paises de língua portuguesa eventos como o Cineport, onde conhecemos do cinema de Guiné-Bissau à música de Cabo Verde, passando pela cozinha de Portugal, tudo isto regado a pinga com torresmo nas barrancas do Rio Pomba. Os Chicos Acima de qualquer suspeita José Paulo Paes a poesia está morta mas juro que não fui eu eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres car- los drummond de andrade manuel bandeira murilo mendes vladimir maiakóvski joão cabral de melo neto paul éluard oswald de andrade guillaume apollinaire sosígenes costa bertolt brecht augusto de campos não adiantou nada em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou incerto) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada de ferro araraquarense porém ribeirãozinho mudou de nome a estrada de ferro araraquarense foi extinta e josé paulo paes parece nunca ter existido nem eu (o poeta faleceu em 9/10/98)
  • 3. Água-forte *Francisco Cabral Sigo trilhas do nenhum-destino. Pegadasfolhas avisam houve alguém. O sol o chão cobre de ouro e ocre Escarrego no barrosseco amacio musgos besouros Flechas do chovereu nuvêm lavarbrunir as pedras onde lagartos preguiçásperos verdormitam Margens da senda se aproencimam do horizontempo a que perdidoporto vôo cativo pelaspenas, bico sedentro da aguarosa da luz que tardescai *Francisco Marcelo Cabral (Rio de Janeiro – RJ)
  • 4. Pelas mãos de Ady Resende *José Antonio Pereira Ilustr.: Altamir Soares Início dos 70, quase no apagar das luzes do segundo milênio. Eu e meus até hoje amigos ginasianos estudávamos no Colégio Cataguases, freqüentávamos uma sala enorme, onde no tempo do internato fora o refeitório. Aquele espaço ficava à direita da entrada principal do prédio. Foi lá que aconteceram meus primeiros contatos com a escola. Assisti, antes de me tornar aluno, o primeiro filme de Humberto Mauro. Também foi lá que fiz a prova de admissão ao ginásio. Já aluno, em alguns intervalos, nós zanzávamos pela porta do imenso salão, perturbando a vida do João Cordovil, o homem que tocava o sino. Sino este substituído mais adiante por uma maldita sirene que nós apelidamos de Alarme de Alcatraz. Foi naquele espaço que conhecemos o mestre Ady Resende. Pelas mãos do professor, começamos nossas aulas de desenho, primeiro à mão livre para aprendermos a segurar o lápis e firmar o traço; depois o geométrico; mais adiante as barras gregas. Um dia o mestre mandou as gregas para as calendas e mergulhamos na artesania popular. Aprendemos a confecção de peças de piaçava, palha, cestaria de taquaruçu; descobrimos no observar de suas mãos que a esperta além de forquilha para fazer atiradeira, era ótima para entalhar pequenos objetos. Ainda pelas mãos do pintor, aprendi que o amarelo não era só a cor da fome e da nossa seleção de futebol, o vermelho não era só o da raiva e da vergonha, o azul não era só o da piscina nem o de metileno, eram (acho que ainda são) as cores primárias. Com ele descobri que olhar uma obra de arte é um mergulho para dentro de si mesmo, imersão, observação de cores e formas que o artista usa para expressar suas emoções. Se não conseguimos ver além da tela e da moldura, ou não estamos diante de uma obra de arte ou mandamos às favas a nossa sensibilidade. Retornamos ao tosco. Naqueles tempos, em que nas aulas de português com Nilton Rossi e Márcia Carrano ainda predominava a gramática, foi olhando para Rembrant, Matisse, Van Gogh e Toulouse Lautrec na sala de aula, Candido Portinari, Paulo Werneck nas paredes, Jan Zach nos jardins e para aquela singela coleção de arte popular do colégio que me encontrei com a poesia através das imagens.
  • 5. Recentemente, para minha surpresa, uma exposição individual do nosso mestre aconteceu lá no Chica. Fiquei feliz em ver pela primeira vez parte da obra do pintor Ady Resende. Eu que só tinha visto seus trabalhos em algumas coletivas e em duas visitas (separadas por quase duas décadas) a sua residência, encontrei ali suas figuras humanas sem rostos, o que as tornam angelicalmente assexuadas, quase que numa antevisão deste mundo contemporâneo em que tanto se discute a questão e a quantidade de gêneros. Vi figuras populares que se agigantam contra o preconceito dos que os querem inferiores como se fossem dalits das castas indianas. Vi figuras que flutuam a transmitir idéias em praças e ruas indiferentes. Pelas mãos do professor e artista plástico Ady Resende, humanista de convicções firmes, continuamos a aprender e compreender arte através de suas metáforas visuais ou de sua conversa franca pelas ruas de Cataguases. *José Antonio Pereira (Cataguases –MG) Certa Lolita *Antonio Jaime um talho vermelho (seus lábios) na fruta de casca clara (seu rosto por dante gabriel rossetti) um lewis carroll – por ela perderia o baralho imaginar os seus seios mesmo batom vermelho nas pontas – excitantes em breve – salientes mormente entre o banho e o ninho – o soutien *Antonio Jaime Soares (Cataguases – MG)
  • 6. O Mistério de uma Pincelada Foto: Vicente Costa *Altamir Soares Imergir no universo do artista é perigoso tal é a individualidade de cada um. Portanto, nesta matéria, me limitarei a fazer algumas breves considerações sobre o trabalho de Ady Resende, ao meu ver, um ícone de minha geração... falar de nossos ídolos é complicado, temerário. Quantos ao longo do tempo não passamos por sua sala de aula e guardamos em nós, graças ao seu dedicado trabalho de educador, os conhecimentos sobre artes? Ady andou sumido por opção pessoal, mas agora ressurge com uma mostra de seus trabalhos. A exposição teve início em agosto e vai até meados de setembro no Instituto Francisca de Souza Peixoto. Pena que não tenha trazido a lume suas criações inéditas. Ady Resende me lembra os Impressionistas, com suas lutas e desavenças, suas diferenças entre si e com a sociedade; Ady me lembra Camille Pissaro - um senhor de certa idade e de conhecimento artístico fecundo, sempre pronto a atender os amigos Monet, Cezzane, entre outros. Com Ady não é diferente :quando o assunto é arte, há sempre de sua parte, a disposição para uma boa prosa! Um homem simples no seu mundo, dono de pinceladas bem acabadas, com destaque para a preocupação impar com as cores. “Os artistas hoje não querem mais misturar as tintas”, observa. Isso demonstra conhecimento, palavras de quem descarta os modismos e acredita em si mesmo como criador. Uma das características do Impressionismo é a busca do belo mas, nas telas de Ady predomina o mistério, deixado ali propositalmente, revelando a influência do Surrealismo (o sonho, o irreal de Breton ou Dali). Nosso artista não fecha as portas de sua criação nem mesmo para o expressionismo (Munch com sua solidão) quando pinta figuras, alongadas, enigmáticas, solitárias, numa busca desigual dentro de si: um mundo real ou não, podendo ser da figura, do quadro como um todo ou do próprio artista. O importante é que a obra faz com que o espectador observe com toda a estranheza no olhar, sem fugir de si mesmo e pense, pense muito. O mais interessante é que as telas do mestre são construídas com a delicadeza das cores em pinceladas sutis, sobre temas que enlevam e fazem-nos mais humanos. Conhecendo as obras de Ady Resende, com certeza você também irá conhecer o homem contido em cada figura, em cada cena descrita pela forma, cor, e pelos pensamentos ali traduzidos. Como bem diz o nosso professor: “numa obra tudo tem que estar no lugar certo, mas deixando transparecer sempre o mistério das coisas, do mundo, para não perder a graça, o nome de arte.” Assim é Ady Resende. *Altamir Soares (Cataguases-MG) Artista Plástico
  • 7. De fininho *Zeca Junqueira Dentro do elevador pela manhã a caminho da rua (ai, meu Deus!) penso nas minhas pendências proibidas: desemprenhar no papel dois poemas que me incomodam como calo inflamado no dedo do pé como cutícula solta no dedo da mão terminar de ler um livro ora pela metade cujo final ao longe me desafia os olhos e a paciência rever dois filmes - Era uma vez no oeste e Fome de viver (obras de arte) que nada têm a ver com a nossa fome e o nosso jeito faroeste de ser penso ainda no elevador nas duas vidas que tenho para levar na que fica presa no peito e por lá vai sendo esquecida pela impossibilidade de crer e penso apreensivo na real, na vida forçada de cada dia onde tenho que pagar as contas e os pecados que não cometi onde tenho que manter a calma e a educação, quiçá o bom humor a boa convivência - ou a hipocrisia? onde tenho que conter a ira e travar a língua onde tenho que fazer-me de trouxa e ficar esperto e esquivar-me da bala esquivar-me da faca esquivar-me do beijo esquivar-me do outro safar-me de tudo onde eu devo ser ninguém para conseguir sair vivo de fininho no final. *Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista e poeta
  • 8. Inconsciente, espiritualidade e catástrofe *Felipe Fortuna O POETA: Seu diplomata da estranja, você manda como diz. Quer um pedaço do reino? Murilo Mendes, “Bumba-Meu-Poeta” Praticamente fora do comércio, como se destinada somente a especialistas, a reunião das Cartas de Murilo Mendes a Roberto Assumpção (Edições Casa de Rui Barbosa, 116p., R$13) constitui importante material de um poeta ainda ausente dos currículos escolares e, mais triste ainda, de muitos currículos universitários. Várias explicações são habitualmente apresentadas a propósito do relativo esquecimento de uma figura primordial do Modernismo brasileiro: considere-se a tendência surrealista de Murilo Mendes (1901-1975) em livros como As Metamorfoses (1941) e Poesia Liberdade (1947), o que o tornou um solitário na literatura do Brasil; considere-se ainda o virtual e voluntário exílio do poeta em Roma, nos vinte anos finais de vida, período que o isolou da vida literária brasileira, como demonstra qualquer pesquisa em nossos jornais. Obviamente, tais explicações perdem fundamento quando se conhece a obra original do poeta, cujos pressupostos ainda são válidos e debatidos (por exemplo, a precedência da imagem sobre a mensagem, como bem lembrou João Cabral de Melo Neto, que reconhecia a forte influência recebida). Do mesmo modo, Murilo Mendes terá sido o único poeta brasileiro da fase modernista capaz de estabelecer diálogo igualitário com os principais nomes da poesia européia, pois conhecedor imediato, e mesmo participante, das orientações e das linhas mestres daquilo que só indiretamente alcançava as letras nacionais. A importância dessas cartas se concentra em pelo menos dois aspectos: revelar o que Murilo Mendes pensava sobre sua obra, no momento em que preparava sua estréia na Europa; e salientar as reflexões do poeta sobre as influências de que se considerava devedor. Encaminhada ao diplomata Roberto Assumpção, a correspondência é culminante por ocasião do planejamento, execução e lançamento do livro
  • 9. Janela do Caos (1949), edição luxuosa destinada a bibliófilos, impressa na França, com projeto gráfico de Michel Tapié e acompanhada de ilustrações de Francis Picabia. Tecnicamente, um objeto que mal poderia ser classificado de livro: com apenas seis poemas, seria antes considerado uma amostra em vez de um repertório. No entanto, Murilo Mendes jamais permite que se tenha tal impressão: o livro “parece-me que é um resumo do espírito da minha poesia” e poderia finalmente indicar o encontro do poeta com o meio ideal de divulgação da sua obra, já que “até agora não tenho tido sorte, pois as edições de meus livros que têm saído são muito aquém do meu gosto”. Os seis poemas selecionados pelo poeta são “As Lavadeiras”, “Janela do Caos”, “Poema Dialético”, “Choques”, “Poema Barroco” e “Tobias e o Anjo”. Por que razão esses poemas “são páginas capitais da minha poesia”, como insiste numa das cartas? Há respostas precisas sobre a questão nas cartas a seguir. Primeiramente, Murilo Mendes confessa: “sempre compreendi as torturas de Mallarmé e o seu ideal de um enquadramento perfeito do texto poético num papel especial, num tipo especial”. Aqui desponta o poeta preocupado com a espacialidade e com os aspectos gráficos das palavras, o pesquisador das vantagens do plástico sobre o musical, que tanto impressionava o poeta pernambucano de Psicologia da Composição (1947). Em que pese o tônus surrealista dos poemas selecionados, as cartas revelam o cuidado de Murilo Mendes em tornar preeminente o visual sobre o conceitual: por isso mesmo, o poeta considera Janela do Caos o seu livro mais “lisível” e mais “visível”, no qual texto e imagem teriam alcançado a convergência tão buscada. Trechos com tamanho interesse confirmam que, de fato, não se pode reduzir a poesia de Murilo Mendes a uma corrente estética ou a uma tendência peculiar: sua poesia é complexamente multifacetada, com mecanismos que ora geram imagens católicas, ora estridentes versos de visionário, ora demarcam um discurso crítico e lúcido – quase sempre sobre escritores e artistas plásticos. Por isso mesmo, numa notável carta de 25 de julho de 1949, encaminhada a Francis Picabia e estampada neste livro, Murilo Mendes admite que “Não sou um surrealista ortodoxo”. Em meio às amabilidades e ao agradecimento pelas ilustrações, (“Esse livro daqui para frente me parecerá muito mais seu do que meu”), Murilo Mendes informa que sua declarada preocupação é “o debate entre ordem e loucura”, “o grande debate da minha poesia”. O trecho parece remeter diretamente ao poema “Pré- História”, não citado na carta: Mamãe vestida de rendas Tocava piano no caos. Uma noite abriu as asas Cansada de tanto som, Equilibrou-se no azul, De tonta não mais olhou Para mim, para ninguém! Cai no álbum de retratos.
  • 10. Não posso esconder aqui a minha permanente surpresa com o verbo final no presente do indicativo... E muito menos as implicações que o verbo no presente transmite, com sua vibração familiar e psíquica. Na mesma carta, o poeta recorda Pierre Jean Jouve, que teria resumido involuntariamente, com três palavras, o segredo da poesia de Janela do Caos: inconsciente, espiritualidade e catástrofe. Por sua vez, num texto em prosa, Murilo Mendes esclareceu que o poeta francês de Sueur de Sang (1935) “sofre como poucos o drama de viver”. Depoimento ou identidade? Júlio Castañon Guimarães editou e anotou zelosamente as Cartas de Murilo Mendes a Roberto Assumpção, e ainda agregou substancial apêndice, o que conferiu ao livro elementos inestimáveis de pesquisa. Quanto a Roberto Assumpção, sempre vinculado à área cultural, sobretudo cinema, a melhor louvação foi inscrita pelo poeta: “sente-se logo em você o diplomata moderno e avançado”. Operoso agente brasileiro, foi ele quem promoveu o livro e chegou a Francis Picabia, de algum modo transformado em intérprete de Murilo Mendes, e não o contrário. Em outra clave, as cartas do poeta por vezes pedem apoio a nomes e perguntam se o diplomata “poderia dar um jeito, como se diz no Brasil”. É o chão humano e nacional de Murilo Mendes, professor mantido pelo Governo na Universidade de Roma, e sobre o qual não se permitia delirar. Quem achar o poeta contraditório que releia, por exemplo, o texto em prosa “Vivo em Roma”, no qual explica as razões para ficar: “porque aqui encontrei amigos deliciosos, que geralmente não crêem que 2+2=4”. *Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar” Fé e luta * José Antonio Pereira Agnóstico entre pregadores alucinados sentia-me iluminista nas trevas da modernidade. Vendo aqueles mantos cor de açafrão enfrentando o opressor e feroz dragão apenas com a força de sua fé budista resgatou em mim a fé e a vergonha. Não a fé em um ser sobrenatural mas na que brota da própria crença. Ateus cristãos e judeus e tantos outros em suas fés lutaram contra o nazismo... o franquismo... o salazarismo... Envergonho-me de minha covardia diante de meus nanismos.
  • 11. *José Antonio Pereira (Cataguases -MG) Gato gato, lebre lebre ou apenas faz-de-conta? *Cunha de Leiradella Especial para o Jornal Castelo de Lanhoso, publicado em 28.01.2005 O Velho do Restelo estava certo. Ó glória de mandar, ó vã cobiça / Desta vaidade a quem chamamos fama! Não tinha telemóvel, não tinha computador, não tinha nenhum mercedes topo da gama, não usava sequer um mísero relógio no pulso descarnado, mas sabia das coisas. Entendia mais de humanos defeitos do que os padres confessores entendiam de virtudes. E também não tinha medo da verdade. O projeto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa foi aprovado em Lisboa pela Academia das Ciências de Lisboa, pela Academia Brasileira de Letras e pelas delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné- Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe no dia 12 de outubro de 1990. E, embora o português seja língua oficial apenas a partir da margem esquerda do rio Minho, a delegação de observadores da Galiza também aderiu à caldeirada. No artigo lº aprovou-se o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, no artigo 2º avisaram-se os navegantes que os Estados signatários tinham prazo até 1º de janeiro de 1993 para tomarem as providências necessárias à elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua, e, no artigo 3º badalou-se aos duzentos milhões redondos de falantes que o acordo entraria em vigor no dia 1º de janeiro de 1994. Faz hoje, portanto, onze anos e vinte e oito dias. Tempo mais do que suficiente para se considerar que o que merece ser feito merece ser bem feito. As razões apresentadas pelos defensores do novo corte de cabelo, eu estava no Brasil naquela altura, foram todas, pelo menos lá, de uma lógica à prova de arrotos aristotélicos ou semelhanças sovacais. Ora se dizia que não havendo uma ortografia unificada nos países de língua portuguesa os governos não poderiam entender-se, e isso, o mais que fez foi provocar retumbantes gargalhadas no salão, ora se dizia que sem a santificada unificação o português, embora falado nas sete partidas do mundo, jamais poderia ser uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU). Só que as gargalhadas eram o de menos. O de mais foi o professor Antônio Houaiss, um dos mais ferrenhos defensores do acordo, logo sair a campo com o rascunho do seu Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Que, dizia-se, já seria editado nos conformes do novo corte capilar. Verdade ou não, o fato é que a Editora Nova Fronteira entrou na dança e botou a boca no trombone. Nada de mexer no Novo Dicionário da Língua Portuguesa do professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o famoso Dicionário do Aurélio, editado por ela em 1975 e até então o seu carro-chefe de vendas. Com a ONU pudicamente recatada e sem a menor vontade de meter a mão na cumbuca, a pergunta rolava pelo asfalto que nem minhoca em dia de trovoada: quem ganharia a guerra das estrelas dicionarais? Ganhou o Aurélio. O professor Antônio Houaiss morreu em 1999 e quem completou as atuais 3008 páginas do dicionário, foram os seus colaboradores. E sem nenhum mexe-mexe no couro cabeludo.
  • 12. Mas, na verdade, o que é que pretende mudar na língua portuguesa este tão cantado e decantado acordo? Aliás, para bem da verdade, diga-se que de acordo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa não tem nada. Poderá fazer tudo menos unificar ortografias. Como nenhum dos prazos de 1990 se cumpriu, em julho de 1998 os mesmos signatários tiraram as violas do saco e deram uma de fado em tom maior. A data de 1º de janeiro de 1993 que constava no artigo 2º virou andorinha migratória no campanário das urtigas e o mesmo aconteceu com a data de 1º de janeiro de 1994 do artigo 3º. Mas não foi apenas esta cafungada que embotou o fio das tesouras. No encontro de São Tomé e Príncipe, em julho de 2004, ficou assente que, em vez dos oito, uma vez que Timor Leste também entrou na balaiada, bastaria apenas a concordância de três dos signatários para o acordo bater asas e voar que nem corvo em manhã de nevoeiro. Forte, fiel, façanhudo, fazendo feitos famosos. E é justamente na conjunção de todos estes efes que cabe a mais politicamente correta das perguntas: será que a ONU vai aceitar o português como uma das suas línguas oficiais, se só Portugal, Brasil e Cabo Verde concordam em (ou têm condições de) assinar a mexedura? Gente, cuidado com a esmola que, das duas, de certeza que é nenhuma. Ou para a ONU tanto vale concordância total como nenhuma concordância, ou a ONU não sabe nem o que (e quais) são as suas próprias línguas oficiais. Afinal, se são oito os países que têm que assinar o acordo, como é que a ONU aceita a unificação da língua portuguesa apenas com a assinatura de três deles? E se os outros cinco (ou só um) nunca quiserem assinar, que unificação vai ser essa? Fica quem nem Os Três Mosqueteiros, que eram quatro e valiam por um cento? Em termos lógicos e sérios, não há como a ONU considerar unificada a língua portuguesa e considerá-la uma das suas línguas oficiais se só três dos países participarem do acordo. Ou, então, para os burocratas do outro lado do Atlântico os outros cinco países nada valem e a ONU apenas faz de conta que valem. A ver pelos pneus, valer ou não valer é que nem mulher de vizinho. Tem vizinho que tem, tem vizinho que não tem, e estamos conversados. Mas com ou sem vizinhanças, beneplácitos e bênçãos da burocracia onululesca, o que é que muda realmente na língua que nós aqui falamos e escrevemos e que os outros países lusófonos, oficialmente, não entendem? Mais chinchafol, menos chinchafol. 1) Neste verdadeiro ora agora viro eu, ora agora viras tu, Portugal mantém o acento agudo no e e no o tónicos que antecedem m ou n e o Brasil mantém o acento circunflexo: fenómeno/fenômeno, tónico/tônico. O que vale uma honestíssima pergunta: será que com estes ó e ô e é e ê, o prometido projeto da grafia unificada não foi pimbar pimbinhas no campanário das urtigas e tudo que a Filomeninha ganhou entre o centeio não passou de um imenso faz-de-conta à la me engana que eu gosto? 2) Portugal elimina as consoantes não pronunciadas já eliminadas no Brasil: ação em vez de acção, ótimo em vez de óptimo. 3) Portugal mantém as consoantes pronunciadas, mas também já eliminadas no Brasil: amnistia em vez de anistia, subtil em vez de sutil. 4) O trema, que ainda se usa no Brasil, lingüiça, freqüência, some nas pororocas do Amazonas e só tremerá nas palavras derivados de nomes estrangeiros. 5) Acaba-se o acento agudo nos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas: ideia em vez de idéia, joia em vez de jóia. O acento é mantido quando o ditongo está na sílaba final das palavras oxítonas e vem seguido, ou não, de s: fiéis, corrói. Agora, vejam só o mais perfeito fuzuê de quantos pênaltis não foram marcados na última Copa do Mundo: herói continua sendo herói, mas heróico é obrigado a acobardar-se num coitado de um heroico. 6) O acento diferencial, esse pula mais do que pipoca. É um entra-sai que nem grilo em toca de grila. Mantém-se no verbo pôr para o distinguir da preposição por, mas tira-se da flexão pára (do verbo parar), que não precisa ser distinguida da preposição para. Aí, D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira, primeiro mordomo-mor da Infanta D. Tareja, abre o berro e manda ver: e ele há umas preposições mais fidalgas do que as outras? E o pélo (verbo) e pêlo (cabelo)? Esses, coitados, serão só um pelo (amor de Deus!). 7) Do hífen, bastará dizer que o escritor António Lobo Antunes não amará mais nenhuma pedra. O hei-de virará hei de, e lá se foram os amores. 8) O caso do apóstrofo é específico: nem sim nem não, muito antes pelo contrário. 9) A divisão silábica, como só uma mulher assinou o projeto em 1990 (a ministra da Educação e Cultura de São Tomé e Príncipe), essa, ficou por conta dos fanhos. Quem gaguejar, já viu.
  • 13. Só que, na realidade, e a realidade, neste caso, é a mais triste de quantas e quantas ao mundo vieram, o que mais afasta os países lusófonos não são os sinais ortográficos ou este ou aquele espirro de algum lingüista (leia-se burocrata) mais enfezado ou já a caminho do cemitério. O que mais afasta os países de língua portuguesa, e muitíssimo mais do que todos os governos admitiram, admitem e hão-de admitir, são as enormérrimas diferenças culturais. Por mais que os burocratas teimem em fazer de conta que unificam grafias (não esqueçam o fenómeno/fenômeno, tónico/tônico), ou nos queiram impingir que a assinatura de três vale pela assinatura de oito, coisa que nem o antigo Estado Novo se lembrou de inventar no seu todo-poderoso quero, posso e mando, se os governos não praticarem aproximações culturais em vez de promoverem apenas portos de honra, nada feito. Afinal, quanta cultura os oito países lusófonos intercambiaram até hoje? Em sã consciência, o que conhecem os povos desses países (não apenas alguns ditos intelectuais, mas os povos) daquilo que fazem os outros nas suas artes? Será que quando o Caetano Veloso vem a Portugal cantar em inglês nos mostra que tipo de música popular se compõe hoje no Brasil? E será que quando vai algum artista português ao Brasil, naquele sempre-cabe-mais-um dos portos de honra oficiais, o que ele por lá diz ou faz mostra aos brasileiros a arte que se cria em Portugal? Isto, Portugal e Brasil. E, vá lá, até um pouco Angola, Cabo Verde e Moçambique. Agora, peguem Timor Leste, Guiné-Bissau ou São Tomé e Príncipe e me digam se neva nas alturas de Barroso. Quem, tirando as rolhas das garrafas dos portos de honra, viu filmes do guineense Flora Gomes, um dos grandes cineastas mundiais? Nem mosca varejeira. Mas tem mais. Será sempre muito oportuno e muito bom não esquecer que, só para mudar meia dúzia de símbolos gráficos que nada vão unificar (o fenómeno/fenômeno, tónico/tônico estão aí para não me deixarem mentir), o preço a pagar pelo tão cantado e decantado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa será altíssimo. Alguém já pensou no custo que as editoras terão para mudar a impressão dos seus livros atuais? Quem toma portos de honra não pensa em custos, já lá dizia, e muito bem, São Glutimênio de Los Pulos Olímpicos. Por isso, também é sempre muito oportuno e muito bom lembrar aos senhores dos poderes oficiais que o mais importante não são os beberetes nem os discursos. Seria, se eles dessem ouvidos ao bom-senso, multiplicar e multiplicar o intercâmbio das culturas. Que importa abolir (ou não) um trema, um acento ou um hífen, se em Portugal se continua dizendo aquela miúda é giríssima e o Brasil responde com aquela mina é muito do legal? E quem me sabe dizer como se dirá isso em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe ou em Timor Leste? Será que o tão cantado e decantado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa saberá ou tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes, e apenas muda a biqueira da bota do comando? *Cunha de Leiradella (Póvoa de Lanhoso Portugal) Cidade *Emanuel Medeiros Em memória do amigo Pingo, que nos deixou nesse outubro. “A verdade é feia. Temos a arte a fim de que a verdade não nos mate.” (Friedrich Nietzsche.) Avisto a cidade – o dia surgido, planalto seco.
  • 14. Já não consigo contemplar a vida, soberano exílio, em busca de outro mar, da penúltima gaivota, da ilha do coração ausente. Sim, avisto a cidade, céu sem mediação (parece um teto), azul pleno, sol de outubro, à espera do cheiro de terra molhada depois da seca (mangueiras em flor), sempre esperando, sempre. Avisto a cidade, os primeiros ruídos, o cerrado e uma flor retorcida, um cheiro de morte, sim, aquele cheiro. A morte ganha sempre. (Tem mais tempo.) Então: uma noite sucedendo-se à outra noite: sempre. (Brasília, outubro de 2008) *Emanuel Medeiros Vieira (Brasília DF) Leiam os livros da Cataletras: “A Casa da rua Alferes e outras crônicas” dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno. “A Ilha do Horizonte” de Vanderlei Pequeno – Reunião de crônicas publicadas em vários jornais desde de 2002. Se você quer adquirir entre em contato conosco: chicos.cataletras@hotmail.com