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Janeiro de 2011   3
Edi
                    2                                                                                                                                                          Janeiro de 2011



                                                                                                    “Começo porque                              Colaboradores
                                                                                                     não tenho força                               Nelso Moreira
                                                                                                                                                   Poeta, nascido em Tenente Portela, Rio
                                                                                                       para pensar,                             Grande do Sul, e radicado em Araucária há
                                                                                                                                                quase vinte anos. Integra o Grupo de Poe-

                                                                                                   acabo porque não


   torial
                                                                                                                                                tas, Escritores e Trovadores Poesia em Mo-
                                                                                                                                                vimento. Também participa do Audio-Livro
                                                                                                                                                do Grupo, lançado em 2010.
                                                                                                    tenho alma para                                Marcos Monteiro

                                                                                                        suspender”.                                Cursa 3° período de Jornalismo na Uni-
                                                                                                                                                versidade Positivo. Publica suas fotografias
                                                                                                                                                no endereço flickr.com/marcos_fe e textos
                                                                                                                         Fernando Pessoa,       no endereço disfim.wordpress.com
                                                                                                                 em O livro do Desassossego.

  A    crônica está cada vez mais dissociada
       do jornal impresso de notícias. É cada
  vez mais difícil encontrar novos literatos
                                                 to atual, não comporta maior diversidade
                                                 de cronistas, pois oferece pouca respiração
                                                 à literatura, servindo a um leitor setorizado,
                                                                                                     O futuro da crônica está na internet,
                                                                                                  nos blogues, nos projetos de agregação de
                                                                                                  escritores em começo de carreira, nos sites
                                                                                                                                                   Daniel Zanella
                                                                                                                                                   Cursa 3° período de Jornalismo na UP.
                                                                                                                                                É colunista do periódico Notícias Paraná e
  nas grandes publicações. Os jornalões tem      dinâmico e que tende à infidelidade, migran-     e portais gratuitos que aglutinam literatos   integra algumas coletâneas por editoras in-
  sim seus cronistas, escritores de trajetória   do cada vez mais para novas plataformas.         de toda espécie. Nesse universo de am-        dependentes. Publica suas crônicas no ende-
  inquestionável, destilando sua individu-       Os jornais menores sobrevivem porque ofe-        plas possibilidades e convergências, o cro-   reço www.letrasnumcanto.com.br
  alidade sobre os temas contemporâneos,         recem uma informação especializada, local,       nista é livre para exercer seu olhar diante
  músicos e atores descrevendo suas alegó-       mas lutam arduamente para não fecharem           do mundo. É lá que o Relevo busca suas           Gabriel Rachwal




“
  ricas percepções. Mas ao cronista iniciante    no vermelho ao fim do mês – não que isso         vozes para integrá-las ao impresso.              Escritor e ator curitibano, mestrando em




                                                                                                                  ”
  não são reservadas essas páginas e nem há      não ocorra nas maiores publicações, entre-          Porque acreditamos que o impresso          Estudos Literários. Publica seus textos no en-
  como reivindicá-las: o impresso, no forma-     tanto, numa dimensão diferenciada.               que se propõe atemporal nunca morrerá.        dereço www.visgoesuor.blogspot.com

                                                                                                                                                   Daniel Caldeira
                                                                                                                                                   Músico e escritor carioca, publica seus tex-
                                                                                                                                                tos no endereço www.danielcst.blogspot.com




                       AlbertinA
                                                                                                                                                   Peter Hammer
                                                                                                                                                   Fotógrafo e cuteleiro, nascido em Assis, São
                                                                                                                                                Paulo. Fotografa para agências, jornais e revis-
                                                                                                                                                tas e ministra cursos de cutelaria em Curitiba.

                                                                                                                                                   Elvis Ferreira
                                                                                                                                                   Diagramador e arte-finalista. Publica al-
                                                                                                                                                guns de seus trabalhos nos endereços www.
                                                                                                                                                elvisferreira.carbonmade.com e www.flickr.

     ...Finalmente o dia da bebedeira. Me apareceu bê-
                                                                                                                                                com/elvisferreira

                                                                                                                                                   Carlos Pessoa Rosa
    bada feito um gambá; agarrando-me pelo braço:                                                                                                  Poeta, contista e cronista, escreveu Cor e
                                                                                                                                                a textura de uma folha em branco, prêmio
                                                                                                                                                Ficção Nacional, UBE/CEPE; Poemas Visce-
     - Doutor, doutor... A moça aí da vizinha dis-                                                                                              rais, prêmio Sindicato dos Escritores do Rio
                                                                                                                                                de Janeiro, entre outros. É editor do site Meio

    se que eu tou beba, mas é mentira, eu não bebi
                                                                                                                                                Tom Prosa e Verso e também assina o blogue
                                                                                                                                                www.meiotom.art.br


    nada... O senhor não acredita nela não, tá com                                                                                                 Renata Penzani
                                                                                                                                                    Cursa o 4º ano de Jornalismo na Universi-
                                                                                                                                                dade Estadual Paulista (UNESP). Reside em
    ciúme de nóis!                                                                                                                              Bauru. Publica seus textos nos endereço www.
                                                                                                                                                furtacores.tumblr.com e desenvolve o projeto

     Olhei pra ela, estupefato. Mal se sustinha sobre
                                                                                                                                                literário O Livro Que Mudou A Sua Vida no
                                                                                                                                                endereço o www.livroquemudou.tumblr.com


    as pernas e começou a chorar.                                                                                                                  Amanda Longo
                                                                                                                                                   Diretora de arte, especializada em Gestão

                                       Fernando Sabino
                                                                                                                                                da Criatividade e Inovação, formada em De-
                                                                                                                                                sing de Produto. Publica seus textos no ende-
                                                                                                                                                reço www.euamoeu.wordpress.com

                                                                                                                                                   Carla Dias

aExpediente                                         ^ Contato
                                                                                                                                                   Escritora, baterista e produtora de even-
                                                                                                                                                tos paulista. É diretora de produção do Ba-
                                                                                                                                                tuka! Brasil International Drum Fest. Publica
Edição: Daniel Zanella                              Jornal Relevo no Twitter: www.twitter.com/jornalrelevo                                      seus textos no endereço www.carladias.com
Diagramação: Daniel Zanella e Elvis Ferreira        Envie suas crônicas, críticas e sugestões para jornalrelevo@gmail.com                       e www.talhe.blogspot.com.




                                                             !
Fotógrafo responsável: Peter Hammer
Diretor Comercial: Marcos Monteiro                                                                                                                 Fernanda Pinho
Impressão: Gráfica Helvética
                                                                     O Relevo, às vezes, não se responsabiliza pelo                                Jornalista mineira, radicada em Belo Ho-
                                                                                                                                                rizonte. Publica seus textos nos endereços
Tiragem: 2000                                                        conteúdo publicado de seus autores.                                        www.blogdaferdi.blogspot.com e www.cro-
Edição finalizada em: 10 de janeiro, 20h                                                                                                        nicadodia.com.br
As Estantes da
Janeiro de 2011                                                                                           3




   Blanco
                                    Biblioteca
   O espírito é uma invenção do corpo.
                                                                                                       Daniel Zanella



   O corpo é uma invenção do mundo.
   O mundo é uma invenção do espírito.
                               Octavio Paz
A     biblioteca tem estantes que lembram
      fendas se abrindo no solo da morte.
Cada autor entrincheirado dentro das folhas
                                                       Nas estantes.
                                                       Os autores.
                                                       Estão catalogados.
secas é uma sepultura absorta, é um patru-             As etiquetas são brancas e numeradas.
lheiro do nada.                                        A vida é frágil demais diante da literatura.
    Alguns meninos jogam no computador                 Há livros em braile. E há livros em espanhol.
e se piscam, não sei, porque são meninos               O que alimenta é o sonho; e o sonho é a
sem olhos. As estantes têm olhos, prismas           poeira no turbilhão da imagem.
de antigos solilóquios, sombras de perdidos            São etiquetas amarelas.
devaneios, vertigens vaporosas que arderam             A cor amadurece porque é feita de carne.
e repousam hoje sob metais duradouros (e            E a carne apodrece. Enverga.
devidamente catalogados).                              Alguns fichários acima das estantes dos
    As estantes têm adendos geográficos. A          livros.
minha frente estão os escritores da Oceania            É preciso comer a palavra. É preciso fazer
e das Regiões Árticas e Antárticas.                 da literatura uma arte gastronômica. É preci-
    Os autores estão sozinhos.                      so degustar o amargor da palavra.
    Uma criança à direita lê uma história co-          Os tacos do chão da biblioteca são decora-
lorida do Ciclope. Um rapaz de boné preto           dos por ranhuras de pés. Os pés são agitados.
copia trechos miúdos de uma apostila. Uma           Não são pés que contemplam. As estantes
menina avisa o amiguinho de que sua cerou-          acumulam mortos com algumas lamparinas
la está à mostra. Ele dá de ombros. É pra ser       enquanto as jovenzinhas com suas maquia-
assim mesmo.                                        gens de passeio riem entre si.
    Meu tio alcoólatra acaba de entrar na biblio-      As jovenzinhas com suas maquiagens
teca. Seus quarenta e poucos anos podem ser         de passeio e que riem entre si parecem cães
multiplicados por dois. Seu rosto tem sulcos        domésticos que não sabem pra onde correr
semelhantes aos astros de rock viciados em he-      quando alguém deixa o portão aberto.
roína. Meu tio não é um astro do rock. Ele senta       Meu tio se levanta. Segue indiferente a
silenciosamente, sem olhar pra lado algum, e        tudo que o cerca. Está indo embora.
folheia a página de esportes do jornal do dia.         Vá, meu tio. Vá se enterrar de álcool –
    Meu tio é um fantasma.                          logo é noite.
    Estou lendo Transblanco, de Octavio Paz. O         Assim a carne não apodrece. E os copos
espanhol é uma língua de um fascínio visceral.      reluzem nos balcões.
                                                                                                              Foto: Marcos Monteiro
    Enquanto isso.                                     Os autores estão catalogados.
Furtando
                             4                                           Janeiro de 2011




        Foto: Peter Hammer
                                                Cores      Renata Penzani
                                                            P   orque de alguma ma-
                                                                neira deve ser verdade
                                                            que tudo é apenas reflexo.
                                                            Assim como o efeito furta-
                                                            cor, que reflete as cores que
                                                            lhe chegam, também nós
                                                            somos um pouco assim,
                                                            algo que furta, que se apro-
                                                            pria, para depois refletir da
                                                            nossa maneira. Absorção.
                                                            Tudo o que expressamos é
                                                            resultado do caminho que
                                                            algo percorre dentro de
                                                            nós. Há aquelas coisas que
                                                            batem e voltam. Há as que
                                                            entram, caminham, percor-
                                                            rem-nos e saem, lentas. Há
                                                            as que são absorvidas para
                                                            não sairem nunca mais. De
                                                            qualquer maneira, o que ca-
                                                            rece entender é que não há
                                                            salvação: sempre estaremos
                                                            implicados naquilo que di-
                                                            zemos, comprometidos com
                                                            a nossa própria maneira de
                                                            apropriação.




                  Sobre a vida e os
Daniel Caldeira




                                   desdobramentos dela
                  Dobrei a vida em oito vezes
                                                                      Foto: Peter Hammer




                  Como se fosse impossível.
                  Demorei em fazê-lo,              Desdobrei a folha:
                  Mas fiz, enfim.                  Não havia nada escrito,
                  E agora estava dividido,         Mas havia marcado, ferido,
                  Descarnado, desguarnecido        Na iminência de rasgar.
                  De totalidade.                   Mas viver desdobrado,
                                                   Mesmo que posto em perigo,
                                                   É grande opção que escolho,
                                                   Viver sem olvidar o vivido.
Janeiro de 2011                                                                                                                                                        5

 Que estranha necessidade:
                      a crônica nunca contada                                                                                                              Carlos Pessoa Rosa
O     jornal me pediu mais uma crônica. Es-
      tou realmente saturado de ter que pre-
encher uma tirinha todos os domingos. Que
significado pode ter a minha minúscula crô-
nica, perdida entre dramas e tragédias? O
corpo, a imoralidade e o místico esgotam-
se nos fatos. Os noticiários estão cheios de
crônica policial, social e econômica. Poderia
utilizar a alegoria, diriam os mais esperan-
çosos. Mas como desvalorizar o mundo
aparente se a arbitrariedade deixou de sê-
lo? Sentido e imagem não se ligam mais. O
arbitrário em tempos modernos roubou o
espaço da alegoria, passou a ser o próprio
exercício de cidadania. Não, não saberia fa-
zer alegoria da alegoria, essa competência
criativa não me pertence. Mas também nin-
guém entenderia o atmosférico de um tex-
to poético, a maioria fica no sentido literal
da escrita, poucos conhecem o verdadeiro
discurso. Nem eu saberia vender crônicas
poéticas. Como Baudelaire insisto uma
dignidade em uma sociedade que nunca a
                                                                                                                                                                               Foto: Marcos Monteiro
conheceu. Além disso, aquela imediatida-
de entre o poema e o leitor é um prazer de
poucos. O jornal me colocaria de escanteio       de Beckett e Artaud, incomodaria mais o         Adora ter a falsa sensação de estar sendo         bem que nenhuma obra poderá ser acabada,
tão logo os índices indicassem queda de          leitor. Loucura!, disse, sem me deixar ter-     tratado com alguém crítico e culto. A receita     além disso atinge o limite de texto permiti-
leitores. A tirinha ficaria lá, mudariam o       minar. Vou te dar umas férias, talvez assim     é algo assim, só para ilustrar: início: a misé-   do, sem excessos a inchar e sobrecarregar.
cronista, a crônica faz parte da história do     esqueça Baudelaire, escreva sobre o padre       ria e uma arma comprada de um tenente do          Duas horas da madrugada, pelo ocorrido na
jornalismo. Portanto, respeitando as leis do     Marcelo, é o que o povo quer, um pouqui-        exército; meio: questões sociais e econômi-       redação não sei se este texto será publicado,
mercado, sempre haverá espaço para ela.          nho do sangue de Paulo Coelho não faz mal       cas, além das genéticas, que levaram os dois      talvez eu seja o único leitor de minha última
    Outro dia resolvi falar ao editor do jor-    a ninguém. E ele tem razão. Tagarelices. O      personagens a necessitarem de um dinheiri-        crônica... Peço as contas; desculpas, nunca!
nal sobre minhas angústias e idéias. Sabe,       leitor gosta de tagarelices. Algo com início,   nho extra; fim: a vítima virou uma peneira,       Em tempos modernos, todo caminho corre-
disse-lhe, estou pensando em romper com          meio e fim, exatamente nessa ordem, com         mas graças à tecnologia, não morreu.              to tem como companheiro a solidão. Públi-




                                   endoscopia
a linearidade, algo parecido com os textos       alguma dose de fofoca e um final surpresa.         Melhor parar por aqui, parece acabada, se      co? Que estranha necessidade...




                                                                                                                                                                  Amanda Longo
   ontem eu fiz uma endoscopia acordada! no começo do                                                                                                                    abertos e um tubo en-
                                                             Foto: Peter Hammer
ano eu fiz uma também e dormi totalmente! não vi nada,                                                                                                                   fiado pela minha boca
acordei, já tinha acabado e eu ainda brinquei com uma                                                                                                                    até o meu estômago.
senhora que não sabia direito o que estava acontecendo:                                                                                                                  dormi depois. na sala
   (senhora) que engraçado, eles botam tipo uma chupe-                                                                                                                   de recuperação. e pa-
tinha nos pacientes e eles ficam dormindo.                                                                                                                               recia que experiência
   (eu) não é chupetinha, é o que deixa a boca aberta para                                                                                                               de ter ficado acorda-
deixar o tubo entrar, não colocaram e você?                                                                                                                              da durante o exame
   (senhora) tubo? que tubo?                                                                                                                                             já era sonho também.
   (eu) o caninho que entra pra fazer o exame.                                                                                                                           cheguei em casa e fui
   (senhora) em mim não colocaram nada disso.                                                                                                                            dormir outra vez e de
   (eu) qual exame você fez?                                                                                                                                             repente eu acordei:
   (senhora) colonoscopia                                                                                                                                                MEU DEUS ESQUECI
   (eu) hahahahaha! o seu o caninho entra por trás…                                                                                                                      QUE HOJE TINHA
   (senhora) que?                                                                                                                                                        ENDOSCOPIA MEU
   (eu) o seu exame é feito por trás hehe (e apontei)                                                                                                                    DESPERTADOR NÃO
   (senhora) não, o médico só colocou um negocinho no                                                                                                                    TOCOU QUE HORAS
meu dedo e pronto.                                                                                                                                                       SÃZzzzzzzzzz
   (eu) (???) a ta…                                                                                                                                                         e dormi mais o res-
   isso pra vocês verem como a gente não vê nada nesses                                                                                                                  to da tarde…
exames. mas dessa vez, apesar do sedativo eu não dormi.                                                                                                                     … até quase noite e
eu estava com medo de não dormir e acho que acabei me                                                                                                                    acordei com uma tem-
agitando por causa disso. ou eles colocaram menos remé-                                                                                                                  pestade deliciosa. ado-
dio, sei lá. mas fiquei bem loucona, molenga com os olhos                                                                                                                ro fazer endoscopia.
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  Sítio Abandonado
                                                                                                                                                          Janeiro de 2011




                                                                                                                                             Nelso Moreira
   I                                                III                                            V                             VII
   Lá num cantinho do Rio Grande                    Tinha água à vontade                           Ouvia mamãe chamando          Mas tudo é passado
   Onde hoje é Derrubadas                           Que nem a estiagem secava                      É hora de ir pra escola       Hoje só restam saudades
   Na beira de uma estrada                          Lembro os patos que nadavam                    E pra não perder a hora       Mesmo contra a sua vontade
   Ficava o sítio do Moreira                        No açude sossegados                            Todo mundo se apressava       O meu pai foi obrigado
   Um pedaço de ladeira                             E no verão eram pegados                        Lá no tanque se lavava        A vender a propriedade
   Mas muito bem cultivado                                                                         Pois não havia chuveiro       E se mudar pro povoado
                                                    E depenados o corpo inteiro
   Uns dois bois que puxavam o arado
                                                    Para fazer travesseiro                         E saía bem ligeiro            Hoje o sítio é do meu irmão
   E algumas vacas leiteiras
                                                    E também alguns acolchoados                    Com os cadernos na sacola     Que também vive na cidade
   II
   Me lembro que lá havia                           IV                                             VI                            VIII
   Uma casa de madeira                              Tenho saudades do potreiro                     O sítio era pequeno           Apesar dos atrapalhos
   Um galpão com uma varanda                        Eu e meus irmãos brincando                     Mas produzia de tudo          Eu gosto muito do Rio Grande
   Uma carroça, uma trilhadeira                     Ver o gado pastando                            Se plantava feijão miúdo      Em qualquer lugar que ande
   Um jipe de quatro portas                         Era uma beleza                                 Milho, arroz, soja e pipoca   Eu trago no coração
   E uma égua pariera                               Sempre alegres cantando                        Batata doce e mandioca        O carinho dos que são
   Também lembro do pilão                           Para espantar a tristeza                       E até palha pra vassoura      Gaúchos como eu
   Do forno de fazer pão                            E o meu pai com certeza                        E lá num canto da lavoura     Penso que isso tudo aconteceu
   E do cachorro Coleira                            De nós estava cuidando                         Uns pés de amendoim graúdo    Por causa da evolução


                                                                                                                                           Fernanda Pinho




    O roxo
                                                                     Foto: Peter Hammer




F  az uma semana e um dia que adquiri um
   hematoma gigantesco na minha perna es-
querda. Não se trata de apenas mais um roxo
                                                 perceber que houve um clareamento conside-
                                                 rável de manhã, após ter passado horas do-
                                                 mindo e, portanto, sem vigiá-lo. E, de repente,
daqueles que aparecem do nada. Primeiro          concluo que essa minha maldita vigília é que
porque não é um roxo como outro qualquer.        estraga tudo. Se eu deixasse os hematomas de
É o roxo mais roxo que já vi na vida. É o cú-    lado, deixando-os passar naturalmente, sem
mulo da roxice. Segundo porque sei exata-        minha pressão, eles cumpririam sua função
mente sua origem: a montanha-russa do Hopi       na minha pele em muito menos tempo. Pre-
Hari. Mas, claro, passados oito dias é natural   ciso aprender a deixar as coisas de lado, cum-
que ele esteja clareando. E está mesmo. Dia      prindo sozinhas - e naturalmente - seu ciclo de
após dia percebo a mancha desmanchando.          vida. Assim é mais rápido e menos dolorido.                                                           Foto: Marcos Monteiro
O interessante é que, embora eu olhe para o      Preciso abandonar meus hematomas (os de
hematoma a cada cinco minutos, só consigo        fora e os de dentro).
7



   Eu, um marcapasso
Janeiro de 2011




    Introdução
                 cerebral e o mundo indolor             novo oficialmente. Como tatu (isso com certeza
                                                                                                                                                           Gabriel Rachwal
    Muitas pessoas acham que a dor é um mal ne-         abalará nossa convivência de anos). Se um dia te
cessário desse mundo que nos cabe, mas isso não         convidei para qualquer coisa era mentira, mas eu
é verdade. Por mais que se diga que por aí que          queria que você fosse (eu te amo, você sabe). Estou
quem não chora não mama, é possível um mundo            deixando meu currículo em vários lugares e nele
indolor onde só se sente prazer. Pessoas vão ques-      constam meus nomes e minha data de nascimento
tionar: “Como você vai poder reconhecer o prazer        falsa. Me contratem, trabalho no máximo duas ho-
se você nunca experimentou a dor?”. Tal relação         ras por dia e tenho muitas restrições morais (algu-
é falaciosa, uma pessoa não precisa ser torturada       mas saudáveis). Posso limpar a frente da sua casa.
para que possa desfrutar de boa música ou de uma        Estou esperando tua ligação (tua, especificamente)
boa janta. Outras pessoas vão dizer que o prazer é      há duas semanas. Moro com você (todos vocês) no
uma questão de livre-arbítrio. Claro, pessoas feli-     máximo dois dias, é só me ligar. Não ligo de fazer,
zes o são por terem escolhido trabalhar para ser.       se puder satisfazer minha tara de fazer xixi durante,
Aqueles que são infelizes o são porque não esco-        agradeço. Estava sozinho em casa e não tinha o que
lheram ou não trabalharam para ser. No entanto,         fazer, resolvi te falar a verdade. Não tenho nenhum
tendo em vista uma bem documentada base bio-            trabalho para amanhã, ou seja (não que haja relação
lógica (e em alguns casos contando com bases he-        de causa e efeito), nos vemos no bar de sempre, aque-
reditárias) a respeito de distúrbios depressivos, de    le daquela rua de paralelepípedos. Eu menti nos úl-
ansiedade e psicóticos – para não falar de circuns-     timos tempos.
tâncias externas adversas sobre as quais não se tem         Conclusão
controle – qualquer teoria de autodeterminação do           Dentro de algumas centenas de anos, entre o
nível de felicidade fica definitivamente abalada e      tempo presente e a implementação com êxito de
inteiramente desacreditada.                             técnicas de engenharia genética que permitirão
    A verdade sobre mim                                 criar uma vida indolor, seria um avanço desenvol-
    Estou doente há alguns anos, fase terminal. Te-     ver um marca-passo cerebral e então determinar
nho três nomes: Almir, Maria, Gabriel, Darci e Ga-      se as degenerescências do cérebro podem ser eli-
briela. Acabo de comer pão violentamente: mais          minadas ou minimizadas até um nível tolerável.
do que o necessário, rapidamente e com sentimen-        Além disso, idealizando a sua aplicação terapêu-
to de culpa. A garganta ficou arranhada de pão.         tica, é possível conceber que um tal marca-passo,
Como pão como quem fuma. Sou incapaz: nunca             suprimindo impulsos neuronais inadequados
tive um emprego. Não quero nada que me aporri-          (como aqueles responsáveis por ataques de vô-
nhe: vivo aporrinhado. Estou diferente de ontem.        mito) e favorecendo impulsos adequados (como
Nunca voltarei a ser como ontem. Quero casar e ter      aqueles responsáveis por coordenar a mobilidade
filhos problemáticos para não me sentir sozinho         da faringe e do esôfago durante a alimentação),
no mundo. Estou em um relacionamento sério que          poderia vir a gerar uma terapia mais eficaz para
pode acabar a qualquer momento. O conhecimen-           a Síndrome de Sic-Vivamus do que as disponíveis




    48
to nunca pode ser completo. Conhecimento com-           atualmente ao eliminar ou minimizar problemas
pleto é oximórico, auto-aniquilante. Fui registrado     como a aspiração do vômito, a incapacidade de se
dois anos depois de nascer, o que me faz ser mais       alimentar e etc.


                                                                                   Carla Dias
                                                        na, duração de vinte páginas cada, total de cinquen-
                                                        ta e sete capítulos... Ou episódios, se de repente o
                                                        destinatário gostar de ler pensando na cena.
                                                            A gente pede tanto por tempo extra, alegando
                                                        que não há como visitar os amigos, escrever para os
                                                        familiares, passear com as crianças. Porém, ficamos
                                                        sem saber o que fazer quando recebemos este tem-
                                                        po, como quando entramos em férias e não temos
                                                        dinheiro para viajar, então ficamos em casa, assis-
                                                        tindo a Sessão da Tarde, escutando as notícias no
    O profeta afirmou que hoje o dia passará mais       rádio, folheando o jornal. E organizando espaços
lentamente, como se tivesse sido atendido aquele        que não precisam ser organizados, relendo cartas,
pedido que, vez ou outra, todos fazemos: que cai-       revisitando o passado através das fotografias.
bam 48 horas nas 24 que temos.                              O profeta me deixou morrendo de medo, eu
    Penso o que farei com as 24 horas extras ofe-       confesso. O que farei com tanto tempo extra se eu
recidas, porque não estava preparada para elas,         nunca o tive e agora sou obrigada a preenchê-lo?
                                                                                                                                                                   Foto: Peter Hammer
tendo todo o meu dia organizado para cumprir a          Preenchê-lo com atividades diferentes das que fa-
pauta da sobrevivência.                                 zem parte da minha rotina, porque não vale sim-
    Talvez eu pare, respire, e então assopre os cabe-   plesmente ficar onde se está ou trabalhar dobrado,
los das oportunidades jamais desejadas, como a de       só para mascarar o tempo. O profeta é severo na
correr pelas ruas da cidade só para parar no quin-      afirmação de que este tempo extra deve ser gas-




                                                                                                                          Zanella
to quarteirão e pedir um copo de água gelada na         to de forma diferente da qual gastamos nossas 24                     Revistaria, Loja e Livraria
padaria. E respirar, de novo, até que meu coração       horas devidas.
volte a bater ao compasso do sossego, o perfume de          Posso passar 24 horas fazendo bolhas de sabão,
pão fresco invadindo as minhas narinas.                 deitada na grama, o olhar perdido no céu. E quem
    Posso aprender um ofício, através de algum          sabe cantarolar músicas inéditas, que ainda estão na
curso relâmpago: leitura dinâmica, cerâmica, adi-       fila da inspiração, à espera de serem colhidas pelos
vinhação, organização de armários, como passear         compositores. Que tal sentir o cheiro da chuva, e
com os cães da vizinha, iluminação de quadros na        então dançar horas sendo abraçada por ela?              (41) 3643-1123
parede, aplicação de reticências, como construir            Posso inventar recomeços, mas com garantia de       BREVE NET HOUSE E LOJA
uma cidade com Playmobil.                               que eles jamais se tornarão moeda, que não haverá
    Ou arquitetar mudanças: a cor do esmalte, os        como serem vendidos, apenas conquistados.
                                                                                                                DE ASSISTÊNCIA EM INFORMÁTICA
móveis, os cabelos, o endereço de casa, o itinerário        Quem sabe, tecer languidez nas faces da timi-
de viagem, o sonho, o ideal, a busca.                   dez e, ao corar de suas bochechas, arrebanhá-la                   Rua Gralha Azul, 269, Jardim Industrial
    Posso escrever uma carta, tão longa, que terei de   numa conquista de cheiros, toques, palavras a di-
enviá-la ao destinatário em capítulos, um por sema-     zerem afeto.                                                    próximo ao Supermercado Supra - Araucária
Janeiro de 2011

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Crônica na internet

  • 2. Edi 2 Janeiro de 2011 “Começo porque Colaboradores não tenho força Nelso Moreira Poeta, nascido em Tenente Portela, Rio para pensar, Grande do Sul, e radicado em Araucária há quase vinte anos. Integra o Grupo de Poe- acabo porque não torial tas, Escritores e Trovadores Poesia em Mo- vimento. Também participa do Audio-Livro do Grupo, lançado em 2010. tenho alma para Marcos Monteiro suspender”. Cursa 3° período de Jornalismo na Uni- versidade Positivo. Publica suas fotografias no endereço flickr.com/marcos_fe e textos Fernando Pessoa, no endereço disfim.wordpress.com em O livro do Desassossego. A crônica está cada vez mais dissociada do jornal impresso de notícias. É cada vez mais difícil encontrar novos literatos to atual, não comporta maior diversidade de cronistas, pois oferece pouca respiração à literatura, servindo a um leitor setorizado, O futuro da crônica está na internet, nos blogues, nos projetos de agregação de escritores em começo de carreira, nos sites Daniel Zanella Cursa 3° período de Jornalismo na UP. É colunista do periódico Notícias Paraná e nas grandes publicações. Os jornalões tem dinâmico e que tende à infidelidade, migran- e portais gratuitos que aglutinam literatos integra algumas coletâneas por editoras in- sim seus cronistas, escritores de trajetória do cada vez mais para novas plataformas. de toda espécie. Nesse universo de am- dependentes. Publica suas crônicas no ende- inquestionável, destilando sua individu- Os jornais menores sobrevivem porque ofe- plas possibilidades e convergências, o cro- reço www.letrasnumcanto.com.br alidade sobre os temas contemporâneos, recem uma informação especializada, local, nista é livre para exercer seu olhar diante músicos e atores descrevendo suas alegó- mas lutam arduamente para não fecharem do mundo. É lá que o Relevo busca suas Gabriel Rachwal “ ricas percepções. Mas ao cronista iniciante no vermelho ao fim do mês – não que isso vozes para integrá-las ao impresso. Escritor e ator curitibano, mestrando em ” não são reservadas essas páginas e nem há não ocorra nas maiores publicações, entre- Porque acreditamos que o impresso Estudos Literários. Publica seus textos no en- como reivindicá-las: o impresso, no forma- tanto, numa dimensão diferenciada. que se propõe atemporal nunca morrerá. dereço www.visgoesuor.blogspot.com Daniel Caldeira Músico e escritor carioca, publica seus tex- tos no endereço www.danielcst.blogspot.com AlbertinA Peter Hammer Fotógrafo e cuteleiro, nascido em Assis, São Paulo. Fotografa para agências, jornais e revis- tas e ministra cursos de cutelaria em Curitiba. Elvis Ferreira Diagramador e arte-finalista. Publica al- guns de seus trabalhos nos endereços www. elvisferreira.carbonmade.com e www.flickr. ...Finalmente o dia da bebedeira. Me apareceu bê- com/elvisferreira Carlos Pessoa Rosa bada feito um gambá; agarrando-me pelo braço: Poeta, contista e cronista, escreveu Cor e a textura de uma folha em branco, prêmio Ficção Nacional, UBE/CEPE; Poemas Visce- - Doutor, doutor... A moça aí da vizinha dis- rais, prêmio Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, entre outros. É editor do site Meio se que eu tou beba, mas é mentira, eu não bebi Tom Prosa e Verso e também assina o blogue www.meiotom.art.br nada... O senhor não acredita nela não, tá com Renata Penzani Cursa o 4º ano de Jornalismo na Universi- dade Estadual Paulista (UNESP). Reside em ciúme de nóis! Bauru. Publica seus textos nos endereço www. furtacores.tumblr.com e desenvolve o projeto Olhei pra ela, estupefato. Mal se sustinha sobre literário O Livro Que Mudou A Sua Vida no endereço o www.livroquemudou.tumblr.com as pernas e começou a chorar. Amanda Longo Diretora de arte, especializada em Gestão Fernando Sabino da Criatividade e Inovação, formada em De- sing de Produto. Publica seus textos no ende- reço www.euamoeu.wordpress.com Carla Dias aExpediente ^ Contato Escritora, baterista e produtora de even- tos paulista. É diretora de produção do Ba- tuka! Brasil International Drum Fest. Publica Edição: Daniel Zanella Jornal Relevo no Twitter: www.twitter.com/jornalrelevo seus textos no endereço www.carladias.com Diagramação: Daniel Zanella e Elvis Ferreira Envie suas crônicas, críticas e sugestões para jornalrelevo@gmail.com e www.talhe.blogspot.com. ! Fotógrafo responsável: Peter Hammer Diretor Comercial: Marcos Monteiro Fernanda Pinho Impressão: Gráfica Helvética O Relevo, às vezes, não se responsabiliza pelo Jornalista mineira, radicada em Belo Ho- rizonte. Publica seus textos nos endereços Tiragem: 2000 conteúdo publicado de seus autores. www.blogdaferdi.blogspot.com e www.cro- Edição finalizada em: 10 de janeiro, 20h nicadodia.com.br
  • 3. As Estantes da Janeiro de 2011 3 Blanco Biblioteca O espírito é uma invenção do corpo. Daniel Zanella O corpo é uma invenção do mundo. O mundo é uma invenção do espírito. Octavio Paz A biblioteca tem estantes que lembram fendas se abrindo no solo da morte. Cada autor entrincheirado dentro das folhas Nas estantes. Os autores. Estão catalogados. secas é uma sepultura absorta, é um patru- As etiquetas são brancas e numeradas. lheiro do nada. A vida é frágil demais diante da literatura. Alguns meninos jogam no computador Há livros em braile. E há livros em espanhol. e se piscam, não sei, porque são meninos O que alimenta é o sonho; e o sonho é a sem olhos. As estantes têm olhos, prismas poeira no turbilhão da imagem. de antigos solilóquios, sombras de perdidos São etiquetas amarelas. devaneios, vertigens vaporosas que arderam A cor amadurece porque é feita de carne. e repousam hoje sob metais duradouros (e E a carne apodrece. Enverga. devidamente catalogados). Alguns fichários acima das estantes dos As estantes têm adendos geográficos. A livros. minha frente estão os escritores da Oceania É preciso comer a palavra. É preciso fazer e das Regiões Árticas e Antárticas. da literatura uma arte gastronômica. É preci- Os autores estão sozinhos. so degustar o amargor da palavra. Uma criança à direita lê uma história co- Os tacos do chão da biblioteca são decora- lorida do Ciclope. Um rapaz de boné preto dos por ranhuras de pés. Os pés são agitados. copia trechos miúdos de uma apostila. Uma Não são pés que contemplam. As estantes menina avisa o amiguinho de que sua cerou- acumulam mortos com algumas lamparinas la está à mostra. Ele dá de ombros. É pra ser enquanto as jovenzinhas com suas maquia- assim mesmo. gens de passeio riem entre si. Meu tio alcoólatra acaba de entrar na biblio- As jovenzinhas com suas maquiagens teca. Seus quarenta e poucos anos podem ser de passeio e que riem entre si parecem cães multiplicados por dois. Seu rosto tem sulcos domésticos que não sabem pra onde correr semelhantes aos astros de rock viciados em he- quando alguém deixa o portão aberto. roína. Meu tio não é um astro do rock. Ele senta Meu tio se levanta. Segue indiferente a silenciosamente, sem olhar pra lado algum, e tudo que o cerca. Está indo embora. folheia a página de esportes do jornal do dia. Vá, meu tio. Vá se enterrar de álcool – Meu tio é um fantasma. logo é noite. Estou lendo Transblanco, de Octavio Paz. O Assim a carne não apodrece. E os copos espanhol é uma língua de um fascínio visceral. reluzem nos balcões. Foto: Marcos Monteiro Enquanto isso. Os autores estão catalogados.
  • 4. Furtando 4 Janeiro de 2011 Foto: Peter Hammer Cores Renata Penzani P orque de alguma ma- neira deve ser verdade que tudo é apenas reflexo. Assim como o efeito furta- cor, que reflete as cores que lhe chegam, também nós somos um pouco assim, algo que furta, que se apro- pria, para depois refletir da nossa maneira. Absorção. Tudo o que expressamos é resultado do caminho que algo percorre dentro de nós. Há aquelas coisas que batem e voltam. Há as que entram, caminham, percor- rem-nos e saem, lentas. Há as que são absorvidas para não sairem nunca mais. De qualquer maneira, o que ca- rece entender é que não há salvação: sempre estaremos implicados naquilo que di- zemos, comprometidos com a nossa própria maneira de apropriação. Sobre a vida e os Daniel Caldeira desdobramentos dela Dobrei a vida em oito vezes Foto: Peter Hammer Como se fosse impossível. Demorei em fazê-lo, Desdobrei a folha: Mas fiz, enfim. Não havia nada escrito, E agora estava dividido, Mas havia marcado, ferido, Descarnado, desguarnecido Na iminência de rasgar. De totalidade. Mas viver desdobrado, Mesmo que posto em perigo, É grande opção que escolho, Viver sem olvidar o vivido.
  • 5. Janeiro de 2011 5 Que estranha necessidade: a crônica nunca contada Carlos Pessoa Rosa O jornal me pediu mais uma crônica. Es- tou realmente saturado de ter que pre- encher uma tirinha todos os domingos. Que significado pode ter a minha minúscula crô- nica, perdida entre dramas e tragédias? O corpo, a imoralidade e o místico esgotam- se nos fatos. Os noticiários estão cheios de crônica policial, social e econômica. Poderia utilizar a alegoria, diriam os mais esperan- çosos. Mas como desvalorizar o mundo aparente se a arbitrariedade deixou de sê- lo? Sentido e imagem não se ligam mais. O arbitrário em tempos modernos roubou o espaço da alegoria, passou a ser o próprio exercício de cidadania. Não, não saberia fa- zer alegoria da alegoria, essa competência criativa não me pertence. Mas também nin- guém entenderia o atmosférico de um tex- to poético, a maioria fica no sentido literal da escrita, poucos conhecem o verdadeiro discurso. Nem eu saberia vender crônicas poéticas. Como Baudelaire insisto uma dignidade em uma sociedade que nunca a Foto: Marcos Monteiro conheceu. Além disso, aquela imediatida- de entre o poema e o leitor é um prazer de poucos. O jornal me colocaria de escanteio de Beckett e Artaud, incomodaria mais o Adora ter a falsa sensação de estar sendo bem que nenhuma obra poderá ser acabada, tão logo os índices indicassem queda de leitor. Loucura!, disse, sem me deixar ter- tratado com alguém crítico e culto. A receita além disso atinge o limite de texto permiti- leitores. A tirinha ficaria lá, mudariam o minar. Vou te dar umas férias, talvez assim é algo assim, só para ilustrar: início: a misé- do, sem excessos a inchar e sobrecarregar. cronista, a crônica faz parte da história do esqueça Baudelaire, escreva sobre o padre ria e uma arma comprada de um tenente do Duas horas da madrugada, pelo ocorrido na jornalismo. Portanto, respeitando as leis do Marcelo, é o que o povo quer, um pouqui- exército; meio: questões sociais e econômi- redação não sei se este texto será publicado, mercado, sempre haverá espaço para ela. nho do sangue de Paulo Coelho não faz mal cas, além das genéticas, que levaram os dois talvez eu seja o único leitor de minha última Outro dia resolvi falar ao editor do jor- a ninguém. E ele tem razão. Tagarelices. O personagens a necessitarem de um dinheiri- crônica... Peço as contas; desculpas, nunca! nal sobre minhas angústias e idéias. Sabe, leitor gosta de tagarelices. Algo com início, nho extra; fim: a vítima virou uma peneira, Em tempos modernos, todo caminho corre- disse-lhe, estou pensando em romper com meio e fim, exatamente nessa ordem, com mas graças à tecnologia, não morreu. to tem como companheiro a solidão. Públi- endoscopia a linearidade, algo parecido com os textos alguma dose de fofoca e um final surpresa. Melhor parar por aqui, parece acabada, se co? Que estranha necessidade... Amanda Longo ontem eu fiz uma endoscopia acordada! no começo do abertos e um tubo en- Foto: Peter Hammer ano eu fiz uma também e dormi totalmente! não vi nada, fiado pela minha boca acordei, já tinha acabado e eu ainda brinquei com uma até o meu estômago. senhora que não sabia direito o que estava acontecendo: dormi depois. na sala (senhora) que engraçado, eles botam tipo uma chupe- de recuperação. e pa- tinha nos pacientes e eles ficam dormindo. recia que experiência (eu) não é chupetinha, é o que deixa a boca aberta para de ter ficado acorda- deixar o tubo entrar, não colocaram e você? da durante o exame (senhora) tubo? que tubo? já era sonho também. (eu) o caninho que entra pra fazer o exame. cheguei em casa e fui (senhora) em mim não colocaram nada disso. dormir outra vez e de (eu) qual exame você fez? repente eu acordei: (senhora) colonoscopia MEU DEUS ESQUECI (eu) hahahahaha! o seu o caninho entra por trás… QUE HOJE TINHA (senhora) que? ENDOSCOPIA MEU (eu) o seu exame é feito por trás hehe (e apontei) DESPERTADOR NÃO (senhora) não, o médico só colocou um negocinho no TOCOU QUE HORAS meu dedo e pronto. SÃZzzzzzzzzz (eu) (???) a ta… e dormi mais o res- isso pra vocês verem como a gente não vê nada nesses to da tarde… exames. mas dessa vez, apesar do sedativo eu não dormi. … até quase noite e eu estava com medo de não dormir e acho que acabei me acordei com uma tem- agitando por causa disso. ou eles colocaram menos remé- pestade deliciosa. ado- dio, sei lá. mas fiquei bem loucona, molenga com os olhos ro fazer endoscopia.
  • 6. 6 Sítio Abandonado Janeiro de 2011 Nelso Moreira I III V VII Lá num cantinho do Rio Grande Tinha água à vontade Ouvia mamãe chamando Mas tudo é passado Onde hoje é Derrubadas Que nem a estiagem secava É hora de ir pra escola Hoje só restam saudades Na beira de uma estrada Lembro os patos que nadavam E pra não perder a hora Mesmo contra a sua vontade Ficava o sítio do Moreira No açude sossegados Todo mundo se apressava O meu pai foi obrigado Um pedaço de ladeira E no verão eram pegados Lá no tanque se lavava A vender a propriedade Mas muito bem cultivado Pois não havia chuveiro E se mudar pro povoado E depenados o corpo inteiro Uns dois bois que puxavam o arado Para fazer travesseiro E saía bem ligeiro Hoje o sítio é do meu irmão E algumas vacas leiteiras E também alguns acolchoados Com os cadernos na sacola Que também vive na cidade II Me lembro que lá havia IV VI VIII Uma casa de madeira Tenho saudades do potreiro O sítio era pequeno Apesar dos atrapalhos Um galpão com uma varanda Eu e meus irmãos brincando Mas produzia de tudo Eu gosto muito do Rio Grande Uma carroça, uma trilhadeira Ver o gado pastando Se plantava feijão miúdo Em qualquer lugar que ande Um jipe de quatro portas Era uma beleza Milho, arroz, soja e pipoca Eu trago no coração E uma égua pariera Sempre alegres cantando Batata doce e mandioca O carinho dos que são Também lembro do pilão Para espantar a tristeza E até palha pra vassoura Gaúchos como eu Do forno de fazer pão E o meu pai com certeza E lá num canto da lavoura Penso que isso tudo aconteceu E do cachorro Coleira De nós estava cuidando Uns pés de amendoim graúdo Por causa da evolução Fernanda Pinho O roxo Foto: Peter Hammer F az uma semana e um dia que adquiri um hematoma gigantesco na minha perna es- querda. Não se trata de apenas mais um roxo perceber que houve um clareamento conside- rável de manhã, após ter passado horas do- mindo e, portanto, sem vigiá-lo. E, de repente, daqueles que aparecem do nada. Primeiro concluo que essa minha maldita vigília é que porque não é um roxo como outro qualquer. estraga tudo. Se eu deixasse os hematomas de É o roxo mais roxo que já vi na vida. É o cú- lado, deixando-os passar naturalmente, sem mulo da roxice. Segundo porque sei exata- minha pressão, eles cumpririam sua função mente sua origem: a montanha-russa do Hopi na minha pele em muito menos tempo. Pre- Hari. Mas, claro, passados oito dias é natural ciso aprender a deixar as coisas de lado, cum- que ele esteja clareando. E está mesmo. Dia prindo sozinhas - e naturalmente - seu ciclo de após dia percebo a mancha desmanchando. vida. Assim é mais rápido e menos dolorido. Foto: Marcos Monteiro O interessante é que, embora eu olhe para o Preciso abandonar meus hematomas (os de hematoma a cada cinco minutos, só consigo fora e os de dentro).
  • 7. 7 Eu, um marcapasso Janeiro de 2011 Introdução cerebral e o mundo indolor novo oficialmente. Como tatu (isso com certeza Gabriel Rachwal Muitas pessoas acham que a dor é um mal ne- abalará nossa convivência de anos). Se um dia te cessário desse mundo que nos cabe, mas isso não convidei para qualquer coisa era mentira, mas eu é verdade. Por mais que se diga que por aí que queria que você fosse (eu te amo, você sabe). Estou quem não chora não mama, é possível um mundo deixando meu currículo em vários lugares e nele indolor onde só se sente prazer. Pessoas vão ques- constam meus nomes e minha data de nascimento tionar: “Como você vai poder reconhecer o prazer falsa. Me contratem, trabalho no máximo duas ho- se você nunca experimentou a dor?”. Tal relação ras por dia e tenho muitas restrições morais (algu- é falaciosa, uma pessoa não precisa ser torturada mas saudáveis). Posso limpar a frente da sua casa. para que possa desfrutar de boa música ou de uma Estou esperando tua ligação (tua, especificamente) boa janta. Outras pessoas vão dizer que o prazer é há duas semanas. Moro com você (todos vocês) no uma questão de livre-arbítrio. Claro, pessoas feli- máximo dois dias, é só me ligar. Não ligo de fazer, zes o são por terem escolhido trabalhar para ser. se puder satisfazer minha tara de fazer xixi durante, Aqueles que são infelizes o são porque não esco- agradeço. Estava sozinho em casa e não tinha o que lheram ou não trabalharam para ser. No entanto, fazer, resolvi te falar a verdade. Não tenho nenhum tendo em vista uma bem documentada base bio- trabalho para amanhã, ou seja (não que haja relação lógica (e em alguns casos contando com bases he- de causa e efeito), nos vemos no bar de sempre, aque- reditárias) a respeito de distúrbios depressivos, de le daquela rua de paralelepípedos. Eu menti nos úl- ansiedade e psicóticos – para não falar de circuns- timos tempos. tâncias externas adversas sobre as quais não se tem Conclusão controle – qualquer teoria de autodeterminação do Dentro de algumas centenas de anos, entre o nível de felicidade fica definitivamente abalada e tempo presente e a implementação com êxito de inteiramente desacreditada. técnicas de engenharia genética que permitirão A verdade sobre mim criar uma vida indolor, seria um avanço desenvol- Estou doente há alguns anos, fase terminal. Te- ver um marca-passo cerebral e então determinar nho três nomes: Almir, Maria, Gabriel, Darci e Ga- se as degenerescências do cérebro podem ser eli- briela. Acabo de comer pão violentamente: mais minadas ou minimizadas até um nível tolerável. do que o necessário, rapidamente e com sentimen- Além disso, idealizando a sua aplicação terapêu- to de culpa. A garganta ficou arranhada de pão. tica, é possível conceber que um tal marca-passo, Como pão como quem fuma. Sou incapaz: nunca suprimindo impulsos neuronais inadequados tive um emprego. Não quero nada que me aporri- (como aqueles responsáveis por ataques de vô- nhe: vivo aporrinhado. Estou diferente de ontem. mito) e favorecendo impulsos adequados (como Nunca voltarei a ser como ontem. Quero casar e ter aqueles responsáveis por coordenar a mobilidade filhos problemáticos para não me sentir sozinho da faringe e do esôfago durante a alimentação), no mundo. Estou em um relacionamento sério que poderia vir a gerar uma terapia mais eficaz para pode acabar a qualquer momento. O conhecimen- a Síndrome de Sic-Vivamus do que as disponíveis 48 to nunca pode ser completo. Conhecimento com- atualmente ao eliminar ou minimizar problemas pleto é oximórico, auto-aniquilante. Fui registrado como a aspiração do vômito, a incapacidade de se dois anos depois de nascer, o que me faz ser mais alimentar e etc. Carla Dias na, duração de vinte páginas cada, total de cinquen- ta e sete capítulos... Ou episódios, se de repente o destinatário gostar de ler pensando na cena. A gente pede tanto por tempo extra, alegando que não há como visitar os amigos, escrever para os familiares, passear com as crianças. Porém, ficamos sem saber o que fazer quando recebemos este tem- po, como quando entramos em férias e não temos dinheiro para viajar, então ficamos em casa, assis- tindo a Sessão da Tarde, escutando as notícias no O profeta afirmou que hoje o dia passará mais rádio, folheando o jornal. E organizando espaços lentamente, como se tivesse sido atendido aquele que não precisam ser organizados, relendo cartas, pedido que, vez ou outra, todos fazemos: que cai- revisitando o passado através das fotografias. bam 48 horas nas 24 que temos. O profeta me deixou morrendo de medo, eu Penso o que farei com as 24 horas extras ofe- confesso. O que farei com tanto tempo extra se eu recidas, porque não estava preparada para elas, nunca o tive e agora sou obrigada a preenchê-lo? Foto: Peter Hammer tendo todo o meu dia organizado para cumprir a Preenchê-lo com atividades diferentes das que fa- pauta da sobrevivência. zem parte da minha rotina, porque não vale sim- Talvez eu pare, respire, e então assopre os cabe- plesmente ficar onde se está ou trabalhar dobrado, los das oportunidades jamais desejadas, como a de só para mascarar o tempo. O profeta é severo na correr pelas ruas da cidade só para parar no quin- afirmação de que este tempo extra deve ser gas- Zanella to quarteirão e pedir um copo de água gelada na to de forma diferente da qual gastamos nossas 24 Revistaria, Loja e Livraria padaria. E respirar, de novo, até que meu coração horas devidas. volte a bater ao compasso do sossego, o perfume de Posso passar 24 horas fazendo bolhas de sabão, pão fresco invadindo as minhas narinas. deitada na grama, o olhar perdido no céu. E quem Posso aprender um ofício, através de algum sabe cantarolar músicas inéditas, que ainda estão na curso relâmpago: leitura dinâmica, cerâmica, adi- fila da inspiração, à espera de serem colhidas pelos vinhação, organização de armários, como passear compositores. Que tal sentir o cheiro da chuva, e com os cães da vizinha, iluminação de quadros na então dançar horas sendo abraçada por ela? (41) 3643-1123 parede, aplicação de reticências, como construir Posso inventar recomeços, mas com garantia de BREVE NET HOUSE E LOJA uma cidade com Playmobil. que eles jamais se tornarão moeda, que não haverá Ou arquitetar mudanças: a cor do esmalte, os como serem vendidos, apenas conquistados. DE ASSISTÊNCIA EM INFORMÁTICA móveis, os cabelos, o endereço de casa, o itinerário Quem sabe, tecer languidez nas faces da timi- de viagem, o sonho, o ideal, a busca. dez e, ao corar de suas bochechas, arrebanhá-la Rua Gralha Azul, 269, Jardim Industrial Posso escrever uma carta, tão longa, que terei de numa conquista de cheiros, toques, palavras a di- enviá-la ao destinatário em capítulos, um por sema- zerem afeto. próximo ao Supermercado Supra - Araucária