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O FUTURO DO HOMEM E O DOMÍNIO DA NATUREZA:
      UMA REFLEXÃO HISTÓRICA SOBRE O PENSAMENTO
       HUMANO E SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE.


                                                                                   Carlo Romani∗


        Antes de tudo, comecemos pelo nome que faz uma referência direta ao trabalho
desenvolvido por Laymert Garcia dos Santos sobre o futuro do humano. Laymert vem
dedicando sua pesquisa dos últimos anos no acompanhamento das transformações
ocorridas na matriz dominante do pensamento humano, em suas dimensões científicas e
éticas (novos padrões morais de conduta). Citemos como exemplo, a teoria do capital
humano desenvolvida pela Escola de Chicago, segundo a qual o homo oeconomicus do
capitalismo contemporâneo vale pelo capital humano de que dispõe. Esse capital reúne
o conjunto de habilidades e competências inatas e adquiridas durante sua vida,
diretamente relacionadas com as demandas jogadas pelo mercado, e serve para que seu
proprietário possa se mover dentro desse jogo e transformá-lo em riqueza material.
        Do ponto de vista histórico podemos situar essa última clivagem na forma
dominante do pensamento humano a partir da segunda metade do século passado, anos
1950, domínio resultante da expansão e afirmação da dinâmica econômica do
capitalismo por todo o planeta, hoje conhecida como globalização. A aceleração das
transformações no campo produtivo, com a apropriação mais intensiva dos recursos
existentes no globo terrestre, trouxe um tipo de produtividade humana que é resultado
direto da ampliação da capacidade de processamento e armazenamento do que
genericamente chamamos de informação (inclusive aquelas de ordem genética). Um
fenômeno que se constitui em decorrência de uma forma de se pensar a vida humana no
mundo que, no tocante à produção do conhecimento, torna quase indistinguível o limite
onde acaba o campo da ciência e onde se inicia aquele da tecnologia.
        Essa associação entre ciência e tecnologia, que se faz evidente nas grandes
universidades produtoras de pesquisa e nos laboratórios geridos pelas grandes
corporações privadas, coloca um fim no paradigma racionalista clássico do nascimento
das ciências modernas, herdeiro de Descartes e Bacon, paradigma constituído pela
busca de autonomia de pensamento e ação – naquele momento em relação ao poder

Este artigo é a versão escrita da conferência proferida na XXI Semana de Biologia do Departamento de
Biologia da Universidade Federal do Ceará, em março de 2009.
dominante da Igreja – e nos lança numa nova era de produção de conhecimento que
podemos chamar de era tecnocientífica. Os centros atuais de desenvolvimento científico
seguem uma lógica que subordina a produção do conhecimento ao imperativo das
demandas de novas tecnologias por parte do mercado.
       Por outro lado, nos níveis mais elementares do senso comum e do envolvimento
dos homens na rotina diária da sobrevivência (isso vale tanto para os mais ricos quanto
para os mais pobres), salvo algumas exceções motivadas por questões ainda de ordem
religiosa ou pessoal, propaga-se a idéia, uma idéia bem que se diga difundida através
dos recursos da propaganda midiática, de que o progresso científico e tecnológico
encontra-se a serviço da melhoria da qualidade de vida do homem e da humanidade. Em
geral, não há contrapartida crítica disponível à pergunta: a quem serve a ciência? – nem
nas universidades muito menos fora dos castelos do saber. Pelo contrário, a população é
bombardeada e invadida diariamente por inúmeras demandas de consumo municiadas
por uma propaganda intensa dessas inovações tecnológicas.
       Podemos listar alguns exemplos da ação da propaganda na mudança de hábitos
de vida na família brasileira. No caso da saúde alimentar, durante a década de 1970 a
mídia foi tomada por propagandas favoráveis ao consumo de gorduras vegetais em
substituição às velhas gorduras animais. As imagens mostravam famílias saudáveis,
esbeltas e sorridentes, vestidas de branco no café da manhã se deliciando com uma
marca de margarina. Hoje em dia, a esmagadora maioria da população brasileira
abandonou o consumo tradicional de manteiga passando ao consumo de margarinas e
óleo de soja. Neste último caso, a soja substituiu os tradicionais óleos de milho e de
algodão. Resultado disso: a historiografia econômica brasileira herdeira de Caio Prado e
Celso Furtado, terá de incorporar aos já consagrados ciclos da cana-de-açúcar, do ouro e
do café, o mais recente ciclo da soja. Mais de um terço do território brasileiro arável
está imerso no ciclo da monocultura da soja. A maior parte das terras aráveis da região
sul, da região centro-oeste, de Rondônia e partes da Bahia, do Pará e do Maranhão, se
tornaram imensos “sojerais”. Fazendas produzindo para um oligopólio de corporações
transnacionais que controla a industrialização, circulação, distribuição e exportação dos
alimentos. Se escrevesse sua obra em nossa época, a casa grande de Gilberto Freyre não
guardaria mais os doces sabores de José Lins do Rego, o menino do engenho, do
melado, da rapadura e da cachaça. Pergunta-se: a margarina faz menos mal ao
indivíduo, à economia do país, e à sobrevivência do planeta do que fazia a manteiga?
Tenho lá enormes dúvidas.
Até porque, para a indústria da alimentação, a mudança de hábitos alimentares
não foi motivada por uma questão relacionada à saúde pública, mas por um rearranjo
produtivo da agricultura extensiva voltada para o mercado externo. A produção de
derivados de leite é pouco rentável e as usinas de beneficiamento continuam sendo em
sua maioria, de dimensão local ou regional, geridas por cooperativas, logo o gado
leiteiro brasileiro não se faz atrativo para o grande comércio internacional. Já, a criação
de animais para consumo alimentar é a segunda fonte de renda do agro-negócio. A
maior parte da produção, por ora, ainda está sob domínio das grandes corporações
sediadas no sul do país, algumas delas já se associando com corporações transnacionais
ainda maiores para ampliar a logística de distribuição no mercado internacional. O
resultado desse rearranjo na boca do consumo popular trouxe, por exemplo, o famoso
frango congelado ao preço de um real o quilo (propaganda que promovia o governo de
Fernando Henrique Cardoso), mas em detrimento da qualidade da proteína ingerida. E a
custo, também, de uma diminuição da cobertura vegetal do solo brasileiro proporcional
ao aumento das áreas de pastagem que migraram ainda mais para o norte do país,
avançando significativamente sobre os domínios do bioma amazônico.
       Vamos deixar de lado a exposição de exemplos do rearranjo produtivo do agro-
negócio trazido pelas novas tecnologias de produção de alimentos para avaliarmos um
exemplo do avanço científico incontestável ocorrido na área da genética. O
desenvolvimento do projeto Genoma trouxe inúmeras possibilidades, ainda abertas, para
a reprodução assistida e para a cura de doenças hereditárias, entre outras demandas
envolvidas. Mas, no limite de suas aplicações futuras, a engenharia genética associada à
biotecnologia, enseja a real possibilidade da invenção de uma nova tipologia de
humanos que seria dotada de uma herança genética mutante. Em outras palavras, além
da transmissão hereditária poder vir a ser fornecida por um blend de genes dos mais
variados tipos humanos, ela poderá, também, provir de genes transmutados de outros
seres vivos. A fantasia científica da criação do Dr. Frankestein no início do século XX,
poderá finalmente ser realizada com base em modelos mais ou menos apolíneos, mas
também poderá descambar na criação de novos ciclopes e centauros, ou, ainda,
lobisomens. Os seres imaginários, meio homens meio bichos, que povoaram as mentes
de gregos e troianos e imortalizaram as páginas soberbas de um Borges, podem deixar
de serem imaginários e tornarem-se invenções reais.
       E como então distinguiremos o real do irreal, ou haverá um real mais real do que
o outro? Isso parece estar muito além de nossa imaginação; é evidente que estou aqui
provocando vocês. Mas, o fato de parecer algo absurdo não invalida a hipótese de que
estejamos no limiar da possibilidade tecnológica real da criação de seres viventes. Ora,
se entendermos a concepção de homem que temos a partir de Lamarck/Darwin, como
herdeiro de uma longínqua evolução biológica que resultou nos primatas até se afirmar
a forma atual classificada como homo sapiens, a possibilidade de geração de uma nova
classe de humanos, cuja ascendência genética se produz sob controle absoluto da
própria espécie, levaria a um corte biológico de ordem não somente epistemológico
como traria uma inevitável reordenação de toda nossa compreensão ética da existência.
       A compreensão histórica da vida humana na Terra desde tempos antigos delimita
seus inícios para um tempo mítico, impreciso cronologicamente, seja, por exemplo,
quando nos referimos à tradição grega com seus deuses titânicos evocando as forças da
natureza e outros deuses assemelhando-se a caracteres humanos, ou seja, numa outra
tradição, a das culturas dos orixás surgidas na África Equatorial, em que ambos,
fenômenos da natureza e características humanas, se inter-relacionam. De qualquer
modo, ao fazermos a leitura das gêneses de civilizações num tempo histórico mais
remoto, não se percebe uma clara individuação do homem em relação à natureza. Pelo
contrário, o homem de tal modo pertencia à natureza que as formas utilizadas para
classificá-lo eram ligadas a arquétipos cuja origem situavam-se no mundo natural. Essa
cosmogonia antiga gerou como legado, por exemplo, a Astrologia, que estabelece
intrínseca relação entre as posições de astros no Universo com as características de
elementos da natureza, herdadas pelo homem no momento de seu nascimento. Mesmo
nas expressões comuns da fala popular, ainda percebe-se essa relação. Quando dizemos
“é da natureza de Fulano”, ou, “Sicrano tem cabeça de vento”, encontra-se presente o
mesmo vínculo ancestral das características do homem com relação a algum fenômeno
de ordem física ou natural.
       O exemplo das culturas de origem Tupi é ainda mais esclarecedor. A concepção
ameríndia de mundo, em linhas gerais, pressupõe uma unidade de espírito e uma
diversidade de corpos. O que o pensamento ocidental compreende como cultura,
civilização, homem ou sujeito, os índios americanos entenderam como espírito, forma
universal e as coisas da natureza e os objetos materiais constituem a forma particular
que toma esse espírito. Não existiu nas culturas indígenas da América uma separação
nítida entre natureza e cultura, coisas relativas à natureza e coisas criadas pela cultura,
ou humanas. Há uma diferenciação, como nos mostra Eduardo Viveiros de Castro, mas
ela não é estreita, rígida, como se constituiu no pensamento ocidental, particularmente
no moderno, ela implica numa perspectiva da ação em curso. Por exemplo, um índio em
atividade de caça se colocaria como um ser caçador, o que seria também a percepção
tida pelo animal caçado. O índio, em outra situação, fugindo de uma onça, estaria na
condição de caça e perceberia a si mesmo como tal e à onça como caçadora. Daí a
origem da lenda de Curupira que circunscreve a cultura indígena numa reciprocidade de
relações com a natureza, nesse caso com a mata, e entre a caça e o caçador. Trata-se de
uma cosmogonia bastante particular, pois implica em um mundo habitado por diferentes
espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não humanas, as quais o apreendem segundo
pontos de vista distintos. Não se pode estabelecer nessas culturas uma diferenciação
essencial, de substância inata, que separe claramente o homem de um lado e a natureza
do outro.
       Vamos transpor o oceano e o tempo em direção ao mundo europeu antigo. No
apogeu da civilização grega houve o estabelecimento de uma diferenciação entre vida
natural e vida política, entre o que os gregos chamavam de zoe e de bios. O homem
enquanto animal vivente, em sua relação com as coisas do mundo natural, ou no espaço
privado da existência junto aos de sua família, compunha o universo animal do zoe.
Esse mesmo homem, porém, comprometia-se com o espaço público da existência, ou
seja, com a gestão coletiva da vida na comunidade da polis, e quanto mais
comprometido ele fosse, mais alta reputação dispunha. Essa vida vivida pelo homem
grego no espaço público era denominada de bios, a vida ativa da existência conquanto
administração, não de sua relação com a natureza (o que hoje seria tido como o espaço
privado da existência), mas da gestão política (entendida como a participação do
indivíduo em sociedade).
       Contudo, mesmo nessas experiências antigas mais autônomas empreendidas pelo
homem, seja na polis grega como na res pública romana, não se caracterizava um
entendimento ontológico do ser humano como fenômeno ausente, separado ou,
digamos, elevado acima do mundo natural. Até porque, havia uma naturalização da
existência no âmbito da sociedade que implicava no entendimento de que as diferenças
sociais existentes entre os humanos dentro de um mesmo grupo, não eram fruto de uma
divisão social incrustada na cultura que hierarquizava homens e mulheres, velhos e
jovens, senhores e escravos, nobres e plebeus. A posição de gênero, de etnia, de
condição econômica, de distinção social, já era dada desde o nascimento, por sorte ou
azar de nascença, ou qualquer coisa parecida, mas sempre inserida numa hierarquia de
valores que fazia parte da ordem natural das coisas, por isso de castas ou estamentos,
praticamente impossível de ser modificada.
       A passagem desse tempo mítico para um tempo histórico, cronologicamente
mensurável, deu-se na medida em que as diversas civilizações, à semelhança de seus
deuses, desenvolveram um legado material e imaterial que se perpetuou através das
formas e dos lugares da memória, dentre as quais a documentação escrita logrou ocupar
espaço privilegiado no mundo ocidental da tradição judaico-cristã, ou seja, aquela que
viria a se tornar a civilização protagonista do advento da futura ciência moderna a partir
do século XVII. Foi somente com o fim da antiguidade clássica e a difusão e
massificação do cristianismo no mundo ocidental, herdeiro direto do testamento mítico
judaico, que o ser humano ascendeu por desrespeito à obra do Criador (o pecado
original) ao topo da hierarquia na Terra, cabendo ao homem, mas não ainda à mulher, o
domínio sobre todas as coisas da natureza. Deus criou o mundo natural em seis dias e o
homem por último, Adão, à sua imagem e semelhança, como nos mostra a obra de
Michelangelo na Capela Sistina. No zoológico mitológico do Jardim do Éden não havia
diferenciação qualitativa entre os seres viventes. Porém, com a queda na terra os
homens tornaram-se senhores da natureza por serem os únicos cônscios da obra do Pai.
Depois, por ocasião do dilúvio, Noé, o salvador da pátria indicado por Deus, se
incumbiu da missão de primeiro biólogo, ao coletar todas as espécies da criação para a
sobrevivência do mesmo universo natural em outro lugar.
       Ao contrário da Grécia antiga, na qual o homem exercia seu controle sobre a
natureza a partir de sua vida política, a bios, portanto, um domínio em função do
interesse comum da cidade-estado, no mundo judaico cristão o homem deve exercer seu
domínio sobre o mundo natural, não como resultado de uma atividade política
(humana), mas como destino de comando inscrito numa ordem transcendente. E esse
comando, na concepção cristã de mundo, poderia ser executado segundo os princípios
de Deus e do bem, como pregava São Francisco de Assis, ou do mal, do Diabo, como o
atribuíram aos hunos de Átila, saqueadores dos campos e das recém convertidas cidades
cristãs. Evidentemente que tudo isto trata de uma tese idealizada propagada como
pensamento dominante sobre um conjunto de pessoas que se disseminou com o passar
dos séculos. Na prática de vida mundana, a vida realmente vivida, a coisa se tornava
muito diferente.
       A ação do homem sobre a natureza, durante todo o período medieval europeu,
deu-se de forma a atender as necessidades de uma civilização que se desenvolveu
basicamente no campo, portanto, fora da organização daquela vida política grega, de
gestão dos recursos para a cidade, de que falávamos antes. Somente a partir do fim do
século XIV com o ressurgimento de uma vida urbana intensa nas cidades marítimas e
comerciais da Itália e do norte da Europa, que o problema da exploração dos recursos
naturais passa a ser pensado em termos de uma demanda de suprimento para a vida nas
cidades. É por volta dessa época e nos dois séculos seguintes que se iniciou a ocupação
extensiva de terras no leste europeu e no mundo mediterrâneo, com a produção de
cereais para abastecer os mercados urbanos da Europa ocidental. No caso da França, da
Itália e da Espanha, como nos mostrou Fernand Braudel, houve uma profunda
transformação na paisagem terrestre com a eliminação da maior parte da cobertura
florestal nas cotas baixas mediterrâneas, particularmente sobre aqueles bosques que já
haviam se regenerado dos estragos causados pela ocupação anterior das mesmas terras
durante a antiguidade.
       No campo das idéias, as formas de apreensão da vida humana no mundo e de
construção dos saberes também estavam inseridas numa ordem hierárquica temporal.
Se, por um lado dava ao homem, por direito divino, lugar privilegiado no mundo
natural, por outro subordinava suas ações a uma relação espiritual cuja mediação, a
transmissão da palavra de Deus desde os tempos históricos da Tábua dos Mandamentos
de Moisés, ainda se fazia por meio de um seleto grupo de iniciados. No caso da religião
católica, a partir da palavra dos apóstolos sacramentada nos evangelhos, a Igreja
construiu uma hierarquia de transmissão do conhecimento passando pelo sacerdócio de
padres, bispos, cardeais até sua eminência, o Papa. Essa organização das atribuições
humanas impediu, ou retardou, o desenvolvimento de uma ciência sobre a natureza
resultante de uma ação humana secular, independente daquela hierarquia temporal.
       De certa forma, o salto para a concepção de uma ciência feita pelos homens pode
ser atribuído à libertação da relação de dependência mantida pelos leigos junto aos
sacerdotes da Igreja. A reforma protestante, essencialmente, liberou o ser humano,
enquanto indivíduo, para fazer contato direto com Deus, através da palavra do Senhor,
sem a necessidade da existência de um mediador na Terra. Por outro lado, como nos
mostrou Max Weber, a prática de vida da sociedade protestante permitiu o surgimento
de uma nova concepção da ação política e econômica, o liberalismo. Para Locke,
escrevendo em fins do século XVII, o homem tem o direito, inscrito na lei divina, de
acumular tantas propriedades quantas lhe for possível conseguir com o fruto de seu
trabalho. E assim, o progresso individual, tornou-se resultado da correta administração
dos bens privados, ou seja, da economia, pois é ela que traz a riqueza individual. A
soma das economias dos indivíduos de uma mesma nação leva ao progresso também do
Estado.
       Portanto, no decorrer do século XVIII afirma-se um tipo de compreensão da
relação humana com os recursos naturais, denominado economia política, no qual, a
vida privada e a vida pública se fundem no início da fase adulta da aventura da
acumulação capitalista. A riqueza das nações de que falava Adam Smith se fará através
da exploração racional dos recursos naturais existentes na superfície da Terra. A idéia
de razão que se expressa aqui não é a de uma racionalidade aplicada ao
desenvolvimento do corpo social como um todo. A racionalidade moderna é a do
individualismo possessivo, na qual é a soma das riquezas individuais que cria a riqueza
coletiva. As reformas de Estado posteriores, decorrentes dessa visão seminal do
indivíduo moderno, buscaram, tão somente, dotar a nação de uma maior capacidade
institucional para o desenvolvimento das habilidades individuais da população através
de políticas públicas dirigidas para a saúde, educação, segurança, assistência social, etc.
Mas, sempre seguindo a lógica de que a riqueza geral se dá pela soma das riquezas
particulares.
       Essas    novas    concepções     filosóficas   permitiram,   simultaneamente,     o
desenvolvimento da ciência moderna, uma vez que a ciência, entendida como ter o
saber sobre, separou-se da tutela que a mantinha sob dependência da religião. A
produção do conhecimento passou a ser conduzida dentro de uma concepção de razão
cartesiana, ou seja, a da separação entre o homem, o sujeito que estuda, e os objetos a
serem estudados, a ser provada através de métodos empíricos (Bacon). No decorrer do
século XVIII as pesquisas científicas desenvolvidas nas Ciências Físicas ou Naturais,
permitiram inovações tecnológicas diretamente aplicadas pelo nascente mundo
capitalista através da invenção de máquinas, industrializando métodos e mecanizando
técnicas produtivas que modificaram radicalmente as relações de trabalho e
intensificaram a demanda e a exploração dos recursos naturais existentes em todo o
planeta.
       As então denominadas Ciências Naturais, da Botânica até a História Natural,
desde os tempos de Lineu e Buffon, tiveram papel importante na transformação das
técnicas, contribuindo para a seleção e introdução de novas variedades dedicadas à
produção agrícola, ampliada com os métodos de classificação dos espécimes, seja no
Velho Mundo, como no Novo Mundo, através das viagens dos naturalistas, tão
freqüentes aqui no Brasil, de Martius a Saint-Hilaire. Em seguida, os estudos no campo
da Genética permitiram auxiliar a agricultura no aumento da produtividade no campo,
fator que praticamente erradicou a fome crônica que assolava a população européia até
meados do século XIX. O início efetivo de uma associação entre a ciência econômica,
entendida como a administração dos recursos disponíveis, e a recém-nascida ciência da
biologia, responsável pelo estudo das espécies vivas, tem como exemplo paradigmático
o trabalho desenvolvido por Malthus. O estudo da economia da população humana, ou
seja, a relação entre a disponibilidade e a produção de recursos para manter e sustentar a
população humana, que já começava a apresentar sérios desequilíbrios ecossistêmicos
em relação à sua reprodução, marcou o início científico da atividade de gestão
populacional, tema mais recente do trabalho sobre a biopolítica de Foucault. Daí para o
conceito de Ecologia, usado primeiramente por Haeckel em 1863, como sendo a ciência
sobre as relações estabelecidas entre as espécies, ou entre os recursos vivos disponíveis
no planeta, foi mera decorrência do caminho empreendido pela civilização moderna.
       O que diferencia radicalmente o pensamento humano no mundo moderno em
relação a todas as outras formas de pensamento é justamente a separação posta por ele
entre o sujeito pensante e os objetos estudados. Uma separação que resulta de um
entendimento filosófico da existência, do homem, como um ser destacado do resto da
natureza. Nem mesmo as descobertas evolucionistas protagonizadas por Darwin e
Lamarck que, contrariando o mito da criação, na prática re-inseriram o homem na
natureza e no topo da longa cadeia evolutiva da vida na Terra, foram suficientes para
uma transformação na ação do homem sobre o meio em que se vive. Pois, se no
paradigma religioso o homem tinha o direito moral de dominar a natureza, no
paradigma científico pós-evolucionista o homem o faz como resultado da competição
existente entre as espécies e também da competição que se instala dentro de sua própria
espécie pela sobrevivência (a tese do darwinismo social de Spencer).
       No decorrer do século XX, a última fase do desenvolvimento da economia
política levou o planeta a uma intensa urbanização da vida que retirou o homem de sua
ligação histórica com o campo. A histórica ação antrópica pautada pelo domínio sobre a
natureza e que significou a depredação dos recursos naturais existentes para o exercício
de atividades produtivas deixou, nesse último século, de manter os vínculos que
tradicionalmente ligavam o homem à sua terra. Em seu lugar, para sustentar a
manutenção da vida de uma população planetária que triplicou no decorrer desse século,
a lógica de mercado que perpassa o globo terrestre transformou grande parte de sua
superfície em enormes indústrias de produção de suprimentos, que geraram o conceito
de agro-negócio.
         E a relação entre os estudos científicos aplicados ao desenvolvimento de
tecnologias direcionadas ao biológico também se aprofundou. No campo da produção
de alimentos de origem vegetal assistimos a uma verdadeira guerra travada pela
indústria no combate a pragas e parasitas, organismos que, na maior parte das vezes, se
proliferaram como resultado do desequilíbrio ecossistêmico causado pela funesta ação
antrópica sobre o meio. A engenharia estabelecida entre Biologia e Química na
produção de fertilizantes e agrotóxicos controlada por grandes corporações como a
Dow, Monsanto e Rodhia, foi saudada no campo como sendo a salvação da lavoura e do
aumento da produtividade agrícola. Em contrapartida, a reação da natureza a essa
agressão causou um fortalecimento daquelas mesmas pragas combatidas, demandando
doses ainda mais cavalares de venenos para o controle delas.
         A ineficiência prolongada dos agrotóxicos no combate às pragas foi causa direta
para os investimentos feitos pela Monsanto, durante a década de 1970, nos laboratórios
de pesquisa das universidades anglo-americanas no campo da biotecnologia e que
levaram à descoberta das técnicas de clonagem e à produção de sementes híbridas
inoculadas com genes animais de alta resistência à toxidade. Os organismos vivos
modificados, vulgarmente denominados transgênicos, por extensão, trouxeram outro
problema para a agricultura. Os vegetais, grãos, legumes e frutas, desenvolvidas a partir
dos OVMs geram poucas sementes e sementes que são demasiado fracas para
produzirem outra safra. Resultado da inovação tecnológica, o produtor rural tornou-se
refém da compra de sementes modificadas produzidas por grandes corporações que
detêm o monopólio da fabricação e da venda, e, portanto, encontram-se no topo da
cadeia produtiva e controlam o agro-negócio global. No caso da reprodução de animais,
a inoculação de ovelhas e bezerros, durante a década de 1990 na Inglaterra, está
diretamente relacionada à doença da vaca louca que dizimou rebanhos inteiros de gado
na Europa, e o mesmo pode-se dizer em relação aos frangos e à gripe aviária surgida na
Ásia oriental no início deste milênio e, muito provavelmente, em relação à atual gripe
suína.
         A evolução da pesquisa científica durante o século XX, particularmente a partir
da década de 1950, somente foi possível graças aos investimentos trazidos pelas grandes
corporações da indústria para as universidades ou através da criação de laboratórios de
pesquisa próprios. Isso acarretou uma subordinação dos cérebros saídos das
universidades do mundo inteiro à concepção de progresso regulada pela lógica do
mercado, que é basicamente aquela de expandir e manter o próprio negócio. Poderíamos
argumentar que os cientistas são independentes para recusarem pesquisas em objetos
que não lhes interessam do ponto de vista ético. Contudo, as formas de pensamento
dominantes, de produção econômica, e de subjetivação da vida não são processos
estanques. Encontram-se interligadas e é evidente que, se grande parte da humanidade
está sob o domínio de uma lógica de pensamento fundada no acúmulo de capitais,
inclusive o de capital humano, como já vimos, então o sistema de competição dentro da
própria espécie impele o cientista, como qualquer outro ser humano, a participar
ativamente desse processo sob pena de se ver marginalizado e fadado a abandonar sua
pesquisa ou lecionar em escolas periféricas da produção do saber. Mas, acima de tudo
com a idéia difundida de acúmulo de capital humano, portanto da necessidade de se
fazer investimento continuado em si mesmo, o homem, sob domínio das relações de
mercado, é impelido a legar também para sua prole um conjunto de capitais, inclusive
genéticos, para permitir a ela sobreviver na competição entre os indivíduos, que será
cada vez mais acirrada no mercado futuro.
       O modo de organização do pensamento no mundo moderno herdeiro de uma
visão filosófica e religiosa de separação do homem em relação à natureza produziu uma
ciência na qual o homem se empenha em racionalizar sua vida em função do domínio
sobre o meio natural. Na atualidade estamos vendo os últimos passos dados por essa
visão de mundo que, financiados por um acúmulo imenso de capitais, interliga e
subordina a produção do conhecimento à lógica do mercado. E o mercado é o resultado
da soma de todas as individualidades possessivas que compartilham a vida sobre a
Terra. A ciência aplicada à tecnologia dispõe hoje de conhecimento suficiente para
estabelecer, num futuro próximo, o domínio absoluto sobre as formas de vida, inclusive
sobre a da própria espécie humana. Portanto, nos colocamos de fronte a uma fase
inusitada do evolucionismo, na qual o homem, além de ser a resultante privilegiada do
processo evolutivo participa, também, pela primeira vez na história, de uma civilização
que dispõem de conhecimento suficiente para criar seus próprios homens e também
criar outras formas de vida, até então inusitadas.
       Por isso estamos no limiar do surgimento de uma nova revolução científica, se já
não estamos dentro dela, que implicará na completa re-elaboração da compreensão ética
da existência humana. E isso não se dará de forma pacífica, pois as forças de diferentes
civilizações em disputa, apesar de hegemonicamente dominadas pela economia de
mercado, e a repartição desigual do acesso à produção e manutenção de capitais na
Terra, estão ainda muito longe de terem sido homogeneizadas. Quando falamos em
homem, esse homo sapiens universal a que a ciência se refere, esse homem é resultado
de determinações culturais que variam no planeta e estão dispersas em modos de
compreender o mundo que são bastante heterogêneos. E particularmente num assunto
tão delicado aos povos como o do poder da criação, ou do sujeito criado querer se
transformar no sujeito criador, então uma nova guerra pela concepção que se faz sobre a
vida poderá surgir. Bom, eu vou parar por aqui, pois acho que a partir de agora
entramos em outro terreno, o das forças políticas em luta no planeta, e isso é pauta para
outra conversa.


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ROMANI, Carlo. “O mar não ta pra peixe”. Conflitos sócio-ambientais na Baixada
Santista in Reflexões em Ciências Humanas, n º. 8, FAG, Faculdade do Guarujá, 2006.
__________ “Uma análise do zoneamento ecológico-econômico da Baixada Santista”:
in Fauna, Políticas Públicas e instrumentos legais. Anais do 8º. Congresso
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SANTOS, Laymert G. dos. Politizar as novas tecnologias. O impacto sócio-tecnológico
da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2007.
THOMAS, Keith. O Homem e o mundo natural. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.

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O futuro do humano e o dominio da natureza

  • 1. O FUTURO DO HOMEM E O DOMÍNIO DA NATUREZA: UMA REFLEXÃO HISTÓRICA SOBRE O PENSAMENTO HUMANO E SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE. Carlo Romani∗ Antes de tudo, comecemos pelo nome que faz uma referência direta ao trabalho desenvolvido por Laymert Garcia dos Santos sobre o futuro do humano. Laymert vem dedicando sua pesquisa dos últimos anos no acompanhamento das transformações ocorridas na matriz dominante do pensamento humano, em suas dimensões científicas e éticas (novos padrões morais de conduta). Citemos como exemplo, a teoria do capital humano desenvolvida pela Escola de Chicago, segundo a qual o homo oeconomicus do capitalismo contemporâneo vale pelo capital humano de que dispõe. Esse capital reúne o conjunto de habilidades e competências inatas e adquiridas durante sua vida, diretamente relacionadas com as demandas jogadas pelo mercado, e serve para que seu proprietário possa se mover dentro desse jogo e transformá-lo em riqueza material. Do ponto de vista histórico podemos situar essa última clivagem na forma dominante do pensamento humano a partir da segunda metade do século passado, anos 1950, domínio resultante da expansão e afirmação da dinâmica econômica do capitalismo por todo o planeta, hoje conhecida como globalização. A aceleração das transformações no campo produtivo, com a apropriação mais intensiva dos recursos existentes no globo terrestre, trouxe um tipo de produtividade humana que é resultado direto da ampliação da capacidade de processamento e armazenamento do que genericamente chamamos de informação (inclusive aquelas de ordem genética). Um fenômeno que se constitui em decorrência de uma forma de se pensar a vida humana no mundo que, no tocante à produção do conhecimento, torna quase indistinguível o limite onde acaba o campo da ciência e onde se inicia aquele da tecnologia. Essa associação entre ciência e tecnologia, que se faz evidente nas grandes universidades produtoras de pesquisa e nos laboratórios geridos pelas grandes corporações privadas, coloca um fim no paradigma racionalista clássico do nascimento das ciências modernas, herdeiro de Descartes e Bacon, paradigma constituído pela busca de autonomia de pensamento e ação – naquele momento em relação ao poder  Este artigo é a versão escrita da conferência proferida na XXI Semana de Biologia do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Ceará, em março de 2009.
  • 2. dominante da Igreja – e nos lança numa nova era de produção de conhecimento que podemos chamar de era tecnocientífica. Os centros atuais de desenvolvimento científico seguem uma lógica que subordina a produção do conhecimento ao imperativo das demandas de novas tecnologias por parte do mercado. Por outro lado, nos níveis mais elementares do senso comum e do envolvimento dos homens na rotina diária da sobrevivência (isso vale tanto para os mais ricos quanto para os mais pobres), salvo algumas exceções motivadas por questões ainda de ordem religiosa ou pessoal, propaga-se a idéia, uma idéia bem que se diga difundida através dos recursos da propaganda midiática, de que o progresso científico e tecnológico encontra-se a serviço da melhoria da qualidade de vida do homem e da humanidade. Em geral, não há contrapartida crítica disponível à pergunta: a quem serve a ciência? – nem nas universidades muito menos fora dos castelos do saber. Pelo contrário, a população é bombardeada e invadida diariamente por inúmeras demandas de consumo municiadas por uma propaganda intensa dessas inovações tecnológicas. Podemos listar alguns exemplos da ação da propaganda na mudança de hábitos de vida na família brasileira. No caso da saúde alimentar, durante a década de 1970 a mídia foi tomada por propagandas favoráveis ao consumo de gorduras vegetais em substituição às velhas gorduras animais. As imagens mostravam famílias saudáveis, esbeltas e sorridentes, vestidas de branco no café da manhã se deliciando com uma marca de margarina. Hoje em dia, a esmagadora maioria da população brasileira abandonou o consumo tradicional de manteiga passando ao consumo de margarinas e óleo de soja. Neste último caso, a soja substituiu os tradicionais óleos de milho e de algodão. Resultado disso: a historiografia econômica brasileira herdeira de Caio Prado e Celso Furtado, terá de incorporar aos já consagrados ciclos da cana-de-açúcar, do ouro e do café, o mais recente ciclo da soja. Mais de um terço do território brasileiro arável está imerso no ciclo da monocultura da soja. A maior parte das terras aráveis da região sul, da região centro-oeste, de Rondônia e partes da Bahia, do Pará e do Maranhão, se tornaram imensos “sojerais”. Fazendas produzindo para um oligopólio de corporações transnacionais que controla a industrialização, circulação, distribuição e exportação dos alimentos. Se escrevesse sua obra em nossa época, a casa grande de Gilberto Freyre não guardaria mais os doces sabores de José Lins do Rego, o menino do engenho, do melado, da rapadura e da cachaça. Pergunta-se: a margarina faz menos mal ao indivíduo, à economia do país, e à sobrevivência do planeta do que fazia a manteiga? Tenho lá enormes dúvidas.
  • 3. Até porque, para a indústria da alimentação, a mudança de hábitos alimentares não foi motivada por uma questão relacionada à saúde pública, mas por um rearranjo produtivo da agricultura extensiva voltada para o mercado externo. A produção de derivados de leite é pouco rentável e as usinas de beneficiamento continuam sendo em sua maioria, de dimensão local ou regional, geridas por cooperativas, logo o gado leiteiro brasileiro não se faz atrativo para o grande comércio internacional. Já, a criação de animais para consumo alimentar é a segunda fonte de renda do agro-negócio. A maior parte da produção, por ora, ainda está sob domínio das grandes corporações sediadas no sul do país, algumas delas já se associando com corporações transnacionais ainda maiores para ampliar a logística de distribuição no mercado internacional. O resultado desse rearranjo na boca do consumo popular trouxe, por exemplo, o famoso frango congelado ao preço de um real o quilo (propaganda que promovia o governo de Fernando Henrique Cardoso), mas em detrimento da qualidade da proteína ingerida. E a custo, também, de uma diminuição da cobertura vegetal do solo brasileiro proporcional ao aumento das áreas de pastagem que migraram ainda mais para o norte do país, avançando significativamente sobre os domínios do bioma amazônico. Vamos deixar de lado a exposição de exemplos do rearranjo produtivo do agro- negócio trazido pelas novas tecnologias de produção de alimentos para avaliarmos um exemplo do avanço científico incontestável ocorrido na área da genética. O desenvolvimento do projeto Genoma trouxe inúmeras possibilidades, ainda abertas, para a reprodução assistida e para a cura de doenças hereditárias, entre outras demandas envolvidas. Mas, no limite de suas aplicações futuras, a engenharia genética associada à biotecnologia, enseja a real possibilidade da invenção de uma nova tipologia de humanos que seria dotada de uma herança genética mutante. Em outras palavras, além da transmissão hereditária poder vir a ser fornecida por um blend de genes dos mais variados tipos humanos, ela poderá, também, provir de genes transmutados de outros seres vivos. A fantasia científica da criação do Dr. Frankestein no início do século XX, poderá finalmente ser realizada com base em modelos mais ou menos apolíneos, mas também poderá descambar na criação de novos ciclopes e centauros, ou, ainda, lobisomens. Os seres imaginários, meio homens meio bichos, que povoaram as mentes de gregos e troianos e imortalizaram as páginas soberbas de um Borges, podem deixar de serem imaginários e tornarem-se invenções reais. E como então distinguiremos o real do irreal, ou haverá um real mais real do que o outro? Isso parece estar muito além de nossa imaginação; é evidente que estou aqui
  • 4. provocando vocês. Mas, o fato de parecer algo absurdo não invalida a hipótese de que estejamos no limiar da possibilidade tecnológica real da criação de seres viventes. Ora, se entendermos a concepção de homem que temos a partir de Lamarck/Darwin, como herdeiro de uma longínqua evolução biológica que resultou nos primatas até se afirmar a forma atual classificada como homo sapiens, a possibilidade de geração de uma nova classe de humanos, cuja ascendência genética se produz sob controle absoluto da própria espécie, levaria a um corte biológico de ordem não somente epistemológico como traria uma inevitável reordenação de toda nossa compreensão ética da existência. A compreensão histórica da vida humana na Terra desde tempos antigos delimita seus inícios para um tempo mítico, impreciso cronologicamente, seja, por exemplo, quando nos referimos à tradição grega com seus deuses titânicos evocando as forças da natureza e outros deuses assemelhando-se a caracteres humanos, ou seja, numa outra tradição, a das culturas dos orixás surgidas na África Equatorial, em que ambos, fenômenos da natureza e características humanas, se inter-relacionam. De qualquer modo, ao fazermos a leitura das gêneses de civilizações num tempo histórico mais remoto, não se percebe uma clara individuação do homem em relação à natureza. Pelo contrário, o homem de tal modo pertencia à natureza que as formas utilizadas para classificá-lo eram ligadas a arquétipos cuja origem situavam-se no mundo natural. Essa cosmogonia antiga gerou como legado, por exemplo, a Astrologia, que estabelece intrínseca relação entre as posições de astros no Universo com as características de elementos da natureza, herdadas pelo homem no momento de seu nascimento. Mesmo nas expressões comuns da fala popular, ainda percebe-se essa relação. Quando dizemos “é da natureza de Fulano”, ou, “Sicrano tem cabeça de vento”, encontra-se presente o mesmo vínculo ancestral das características do homem com relação a algum fenômeno de ordem física ou natural. O exemplo das culturas de origem Tupi é ainda mais esclarecedor. A concepção ameríndia de mundo, em linhas gerais, pressupõe uma unidade de espírito e uma diversidade de corpos. O que o pensamento ocidental compreende como cultura, civilização, homem ou sujeito, os índios americanos entenderam como espírito, forma universal e as coisas da natureza e os objetos materiais constituem a forma particular que toma esse espírito. Não existiu nas culturas indígenas da América uma separação nítida entre natureza e cultura, coisas relativas à natureza e coisas criadas pela cultura, ou humanas. Há uma diferenciação, como nos mostra Eduardo Viveiros de Castro, mas ela não é estreita, rígida, como se constituiu no pensamento ocidental, particularmente
  • 5. no moderno, ela implica numa perspectiva da ação em curso. Por exemplo, um índio em atividade de caça se colocaria como um ser caçador, o que seria também a percepção tida pelo animal caçado. O índio, em outra situação, fugindo de uma onça, estaria na condição de caça e perceberia a si mesmo como tal e à onça como caçadora. Daí a origem da lenda de Curupira que circunscreve a cultura indígena numa reciprocidade de relações com a natureza, nesse caso com a mata, e entre a caça e o caçador. Trata-se de uma cosmogonia bastante particular, pois implica em um mundo habitado por diferentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não humanas, as quais o apreendem segundo pontos de vista distintos. Não se pode estabelecer nessas culturas uma diferenciação essencial, de substância inata, que separe claramente o homem de um lado e a natureza do outro. Vamos transpor o oceano e o tempo em direção ao mundo europeu antigo. No apogeu da civilização grega houve o estabelecimento de uma diferenciação entre vida natural e vida política, entre o que os gregos chamavam de zoe e de bios. O homem enquanto animal vivente, em sua relação com as coisas do mundo natural, ou no espaço privado da existência junto aos de sua família, compunha o universo animal do zoe. Esse mesmo homem, porém, comprometia-se com o espaço público da existência, ou seja, com a gestão coletiva da vida na comunidade da polis, e quanto mais comprometido ele fosse, mais alta reputação dispunha. Essa vida vivida pelo homem grego no espaço público era denominada de bios, a vida ativa da existência conquanto administração, não de sua relação com a natureza (o que hoje seria tido como o espaço privado da existência), mas da gestão política (entendida como a participação do indivíduo em sociedade). Contudo, mesmo nessas experiências antigas mais autônomas empreendidas pelo homem, seja na polis grega como na res pública romana, não se caracterizava um entendimento ontológico do ser humano como fenômeno ausente, separado ou, digamos, elevado acima do mundo natural. Até porque, havia uma naturalização da existência no âmbito da sociedade que implicava no entendimento de que as diferenças sociais existentes entre os humanos dentro de um mesmo grupo, não eram fruto de uma divisão social incrustada na cultura que hierarquizava homens e mulheres, velhos e jovens, senhores e escravos, nobres e plebeus. A posição de gênero, de etnia, de condição econômica, de distinção social, já era dada desde o nascimento, por sorte ou azar de nascença, ou qualquer coisa parecida, mas sempre inserida numa hierarquia de
  • 6. valores que fazia parte da ordem natural das coisas, por isso de castas ou estamentos, praticamente impossível de ser modificada. A passagem desse tempo mítico para um tempo histórico, cronologicamente mensurável, deu-se na medida em que as diversas civilizações, à semelhança de seus deuses, desenvolveram um legado material e imaterial que se perpetuou através das formas e dos lugares da memória, dentre as quais a documentação escrita logrou ocupar espaço privilegiado no mundo ocidental da tradição judaico-cristã, ou seja, aquela que viria a se tornar a civilização protagonista do advento da futura ciência moderna a partir do século XVII. Foi somente com o fim da antiguidade clássica e a difusão e massificação do cristianismo no mundo ocidental, herdeiro direto do testamento mítico judaico, que o ser humano ascendeu por desrespeito à obra do Criador (o pecado original) ao topo da hierarquia na Terra, cabendo ao homem, mas não ainda à mulher, o domínio sobre todas as coisas da natureza. Deus criou o mundo natural em seis dias e o homem por último, Adão, à sua imagem e semelhança, como nos mostra a obra de Michelangelo na Capela Sistina. No zoológico mitológico do Jardim do Éden não havia diferenciação qualitativa entre os seres viventes. Porém, com a queda na terra os homens tornaram-se senhores da natureza por serem os únicos cônscios da obra do Pai. Depois, por ocasião do dilúvio, Noé, o salvador da pátria indicado por Deus, se incumbiu da missão de primeiro biólogo, ao coletar todas as espécies da criação para a sobrevivência do mesmo universo natural em outro lugar. Ao contrário da Grécia antiga, na qual o homem exercia seu controle sobre a natureza a partir de sua vida política, a bios, portanto, um domínio em função do interesse comum da cidade-estado, no mundo judaico cristão o homem deve exercer seu domínio sobre o mundo natural, não como resultado de uma atividade política (humana), mas como destino de comando inscrito numa ordem transcendente. E esse comando, na concepção cristã de mundo, poderia ser executado segundo os princípios de Deus e do bem, como pregava São Francisco de Assis, ou do mal, do Diabo, como o atribuíram aos hunos de Átila, saqueadores dos campos e das recém convertidas cidades cristãs. Evidentemente que tudo isto trata de uma tese idealizada propagada como pensamento dominante sobre um conjunto de pessoas que se disseminou com o passar dos séculos. Na prática de vida mundana, a vida realmente vivida, a coisa se tornava muito diferente. A ação do homem sobre a natureza, durante todo o período medieval europeu, deu-se de forma a atender as necessidades de uma civilização que se desenvolveu
  • 7. basicamente no campo, portanto, fora da organização daquela vida política grega, de gestão dos recursos para a cidade, de que falávamos antes. Somente a partir do fim do século XIV com o ressurgimento de uma vida urbana intensa nas cidades marítimas e comerciais da Itália e do norte da Europa, que o problema da exploração dos recursos naturais passa a ser pensado em termos de uma demanda de suprimento para a vida nas cidades. É por volta dessa época e nos dois séculos seguintes que se iniciou a ocupação extensiva de terras no leste europeu e no mundo mediterrâneo, com a produção de cereais para abastecer os mercados urbanos da Europa ocidental. No caso da França, da Itália e da Espanha, como nos mostrou Fernand Braudel, houve uma profunda transformação na paisagem terrestre com a eliminação da maior parte da cobertura florestal nas cotas baixas mediterrâneas, particularmente sobre aqueles bosques que já haviam se regenerado dos estragos causados pela ocupação anterior das mesmas terras durante a antiguidade. No campo das idéias, as formas de apreensão da vida humana no mundo e de construção dos saberes também estavam inseridas numa ordem hierárquica temporal. Se, por um lado dava ao homem, por direito divino, lugar privilegiado no mundo natural, por outro subordinava suas ações a uma relação espiritual cuja mediação, a transmissão da palavra de Deus desde os tempos históricos da Tábua dos Mandamentos de Moisés, ainda se fazia por meio de um seleto grupo de iniciados. No caso da religião católica, a partir da palavra dos apóstolos sacramentada nos evangelhos, a Igreja construiu uma hierarquia de transmissão do conhecimento passando pelo sacerdócio de padres, bispos, cardeais até sua eminência, o Papa. Essa organização das atribuições humanas impediu, ou retardou, o desenvolvimento de uma ciência sobre a natureza resultante de uma ação humana secular, independente daquela hierarquia temporal. De certa forma, o salto para a concepção de uma ciência feita pelos homens pode ser atribuído à libertação da relação de dependência mantida pelos leigos junto aos sacerdotes da Igreja. A reforma protestante, essencialmente, liberou o ser humano, enquanto indivíduo, para fazer contato direto com Deus, através da palavra do Senhor, sem a necessidade da existência de um mediador na Terra. Por outro lado, como nos mostrou Max Weber, a prática de vida da sociedade protestante permitiu o surgimento de uma nova concepção da ação política e econômica, o liberalismo. Para Locke, escrevendo em fins do século XVII, o homem tem o direito, inscrito na lei divina, de acumular tantas propriedades quantas lhe for possível conseguir com o fruto de seu trabalho. E assim, o progresso individual, tornou-se resultado da correta administração
  • 8. dos bens privados, ou seja, da economia, pois é ela que traz a riqueza individual. A soma das economias dos indivíduos de uma mesma nação leva ao progresso também do Estado. Portanto, no decorrer do século XVIII afirma-se um tipo de compreensão da relação humana com os recursos naturais, denominado economia política, no qual, a vida privada e a vida pública se fundem no início da fase adulta da aventura da acumulação capitalista. A riqueza das nações de que falava Adam Smith se fará através da exploração racional dos recursos naturais existentes na superfície da Terra. A idéia de razão que se expressa aqui não é a de uma racionalidade aplicada ao desenvolvimento do corpo social como um todo. A racionalidade moderna é a do individualismo possessivo, na qual é a soma das riquezas individuais que cria a riqueza coletiva. As reformas de Estado posteriores, decorrentes dessa visão seminal do indivíduo moderno, buscaram, tão somente, dotar a nação de uma maior capacidade institucional para o desenvolvimento das habilidades individuais da população através de políticas públicas dirigidas para a saúde, educação, segurança, assistência social, etc. Mas, sempre seguindo a lógica de que a riqueza geral se dá pela soma das riquezas particulares. Essas novas concepções filosóficas permitiram, simultaneamente, o desenvolvimento da ciência moderna, uma vez que a ciência, entendida como ter o saber sobre, separou-se da tutela que a mantinha sob dependência da religião. A produção do conhecimento passou a ser conduzida dentro de uma concepção de razão cartesiana, ou seja, a da separação entre o homem, o sujeito que estuda, e os objetos a serem estudados, a ser provada através de métodos empíricos (Bacon). No decorrer do século XVIII as pesquisas científicas desenvolvidas nas Ciências Físicas ou Naturais, permitiram inovações tecnológicas diretamente aplicadas pelo nascente mundo capitalista através da invenção de máquinas, industrializando métodos e mecanizando técnicas produtivas que modificaram radicalmente as relações de trabalho e intensificaram a demanda e a exploração dos recursos naturais existentes em todo o planeta. As então denominadas Ciências Naturais, da Botânica até a História Natural, desde os tempos de Lineu e Buffon, tiveram papel importante na transformação das técnicas, contribuindo para a seleção e introdução de novas variedades dedicadas à produção agrícola, ampliada com os métodos de classificação dos espécimes, seja no Velho Mundo, como no Novo Mundo, através das viagens dos naturalistas, tão
  • 9. freqüentes aqui no Brasil, de Martius a Saint-Hilaire. Em seguida, os estudos no campo da Genética permitiram auxiliar a agricultura no aumento da produtividade no campo, fator que praticamente erradicou a fome crônica que assolava a população européia até meados do século XIX. O início efetivo de uma associação entre a ciência econômica, entendida como a administração dos recursos disponíveis, e a recém-nascida ciência da biologia, responsável pelo estudo das espécies vivas, tem como exemplo paradigmático o trabalho desenvolvido por Malthus. O estudo da economia da população humana, ou seja, a relação entre a disponibilidade e a produção de recursos para manter e sustentar a população humana, que já começava a apresentar sérios desequilíbrios ecossistêmicos em relação à sua reprodução, marcou o início científico da atividade de gestão populacional, tema mais recente do trabalho sobre a biopolítica de Foucault. Daí para o conceito de Ecologia, usado primeiramente por Haeckel em 1863, como sendo a ciência sobre as relações estabelecidas entre as espécies, ou entre os recursos vivos disponíveis no planeta, foi mera decorrência do caminho empreendido pela civilização moderna. O que diferencia radicalmente o pensamento humano no mundo moderno em relação a todas as outras formas de pensamento é justamente a separação posta por ele entre o sujeito pensante e os objetos estudados. Uma separação que resulta de um entendimento filosófico da existência, do homem, como um ser destacado do resto da natureza. Nem mesmo as descobertas evolucionistas protagonizadas por Darwin e Lamarck que, contrariando o mito da criação, na prática re-inseriram o homem na natureza e no topo da longa cadeia evolutiva da vida na Terra, foram suficientes para uma transformação na ação do homem sobre o meio em que se vive. Pois, se no paradigma religioso o homem tinha o direito moral de dominar a natureza, no paradigma científico pós-evolucionista o homem o faz como resultado da competição existente entre as espécies e também da competição que se instala dentro de sua própria espécie pela sobrevivência (a tese do darwinismo social de Spencer). No decorrer do século XX, a última fase do desenvolvimento da economia política levou o planeta a uma intensa urbanização da vida que retirou o homem de sua ligação histórica com o campo. A histórica ação antrópica pautada pelo domínio sobre a natureza e que significou a depredação dos recursos naturais existentes para o exercício de atividades produtivas deixou, nesse último século, de manter os vínculos que tradicionalmente ligavam o homem à sua terra. Em seu lugar, para sustentar a manutenção da vida de uma população planetária que triplicou no decorrer desse século, a lógica de mercado que perpassa o globo terrestre transformou grande parte de sua
  • 10. superfície em enormes indústrias de produção de suprimentos, que geraram o conceito de agro-negócio. E a relação entre os estudos científicos aplicados ao desenvolvimento de tecnologias direcionadas ao biológico também se aprofundou. No campo da produção de alimentos de origem vegetal assistimos a uma verdadeira guerra travada pela indústria no combate a pragas e parasitas, organismos que, na maior parte das vezes, se proliferaram como resultado do desequilíbrio ecossistêmico causado pela funesta ação antrópica sobre o meio. A engenharia estabelecida entre Biologia e Química na produção de fertilizantes e agrotóxicos controlada por grandes corporações como a Dow, Monsanto e Rodhia, foi saudada no campo como sendo a salvação da lavoura e do aumento da produtividade agrícola. Em contrapartida, a reação da natureza a essa agressão causou um fortalecimento daquelas mesmas pragas combatidas, demandando doses ainda mais cavalares de venenos para o controle delas. A ineficiência prolongada dos agrotóxicos no combate às pragas foi causa direta para os investimentos feitos pela Monsanto, durante a década de 1970, nos laboratórios de pesquisa das universidades anglo-americanas no campo da biotecnologia e que levaram à descoberta das técnicas de clonagem e à produção de sementes híbridas inoculadas com genes animais de alta resistência à toxidade. Os organismos vivos modificados, vulgarmente denominados transgênicos, por extensão, trouxeram outro problema para a agricultura. Os vegetais, grãos, legumes e frutas, desenvolvidas a partir dos OVMs geram poucas sementes e sementes que são demasiado fracas para produzirem outra safra. Resultado da inovação tecnológica, o produtor rural tornou-se refém da compra de sementes modificadas produzidas por grandes corporações que detêm o monopólio da fabricação e da venda, e, portanto, encontram-se no topo da cadeia produtiva e controlam o agro-negócio global. No caso da reprodução de animais, a inoculação de ovelhas e bezerros, durante a década de 1990 na Inglaterra, está diretamente relacionada à doença da vaca louca que dizimou rebanhos inteiros de gado na Europa, e o mesmo pode-se dizer em relação aos frangos e à gripe aviária surgida na Ásia oriental no início deste milênio e, muito provavelmente, em relação à atual gripe suína. A evolução da pesquisa científica durante o século XX, particularmente a partir da década de 1950, somente foi possível graças aos investimentos trazidos pelas grandes corporações da indústria para as universidades ou através da criação de laboratórios de pesquisa próprios. Isso acarretou uma subordinação dos cérebros saídos das
  • 11. universidades do mundo inteiro à concepção de progresso regulada pela lógica do mercado, que é basicamente aquela de expandir e manter o próprio negócio. Poderíamos argumentar que os cientistas são independentes para recusarem pesquisas em objetos que não lhes interessam do ponto de vista ético. Contudo, as formas de pensamento dominantes, de produção econômica, e de subjetivação da vida não são processos estanques. Encontram-se interligadas e é evidente que, se grande parte da humanidade está sob o domínio de uma lógica de pensamento fundada no acúmulo de capitais, inclusive o de capital humano, como já vimos, então o sistema de competição dentro da própria espécie impele o cientista, como qualquer outro ser humano, a participar ativamente desse processo sob pena de se ver marginalizado e fadado a abandonar sua pesquisa ou lecionar em escolas periféricas da produção do saber. Mas, acima de tudo com a idéia difundida de acúmulo de capital humano, portanto da necessidade de se fazer investimento continuado em si mesmo, o homem, sob domínio das relações de mercado, é impelido a legar também para sua prole um conjunto de capitais, inclusive genéticos, para permitir a ela sobreviver na competição entre os indivíduos, que será cada vez mais acirrada no mercado futuro. O modo de organização do pensamento no mundo moderno herdeiro de uma visão filosófica e religiosa de separação do homem em relação à natureza produziu uma ciência na qual o homem se empenha em racionalizar sua vida em função do domínio sobre o meio natural. Na atualidade estamos vendo os últimos passos dados por essa visão de mundo que, financiados por um acúmulo imenso de capitais, interliga e subordina a produção do conhecimento à lógica do mercado. E o mercado é o resultado da soma de todas as individualidades possessivas que compartilham a vida sobre a Terra. A ciência aplicada à tecnologia dispõe hoje de conhecimento suficiente para estabelecer, num futuro próximo, o domínio absoluto sobre as formas de vida, inclusive sobre a da própria espécie humana. Portanto, nos colocamos de fronte a uma fase inusitada do evolucionismo, na qual o homem, além de ser a resultante privilegiada do processo evolutivo participa, também, pela primeira vez na história, de uma civilização que dispõem de conhecimento suficiente para criar seus próprios homens e também criar outras formas de vida, até então inusitadas. Por isso estamos no limiar do surgimento de uma nova revolução científica, se já não estamos dentro dela, que implicará na completa re-elaboração da compreensão ética da existência humana. E isso não se dará de forma pacífica, pois as forças de diferentes civilizações em disputa, apesar de hegemonicamente dominadas pela economia de
  • 12. mercado, e a repartição desigual do acesso à produção e manutenção de capitais na Terra, estão ainda muito longe de terem sido homogeneizadas. Quando falamos em homem, esse homo sapiens universal a que a ciência se refere, esse homem é resultado de determinações culturais que variam no planeta e estão dispersas em modos de compreender o mundo que são bastante heterogêneos. E particularmente num assunto tão delicado aos povos como o do poder da criação, ou do sujeito criado querer se transformar no sujeito criador, então uma nova guerra pela concepção que se faz sobre a vida poderá surgir. Bom, eu vou parar por aqui, pois acho que a partir de agora entramos em outro terreno, o das forças políticas em luta no planeta, e isso é pauta para outra conversa. SUGESTÕES PARA LEITURA BAHRO, Rudolf. The alternative: towards a critique of real, existing socialism. Londres: New Left, 1979. BECK, Ulrich. Risk society. Towards a new modernity. Londres:. SAGE. 1992. BOOKCHIN, Murray. Historia, civilización y progreso. Madrid: Nossa y Jara, 1997. BRANCO, Samuel M. Ecossistêmica. São Paulo: Edgard Blücher, 1989. BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II. São Paulo: Cia. das Letras, 2004 CARVALHO, Marivaldo A. de. Introdução à práxis indígena: “gente humana” ou “gente natureza”. São Paulo: Imprensa Oficial, 2002. CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado. Ensaios de antropologia política. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. CROSBY, Alfred. Imperialismo ecológico. São Paulo: Companhia. das Letras, 1993. DEAN, Warren. A ferro e fogo. A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. ENGELS, Fredrich. A dialética da natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1987. ____________ Naissance de la biopolitique. Cours au Collège de France (1978-1979). Paris: Gallimard/Seuil, 2004. LAZZARATO, Maurizio. Del biopoder a la biopolitica. (2000) in http://multitudes.samizdat.net/article.ph3?id_article=298 (acesso em 22/05/2005)
  • 13. MARTINEZ-ALIER, Joan. De la economia ecológica al ecologismo popular. Montevideo: Nordan, 1995. NOBRE, Marcos e AMAZONAS, Maurício de C. Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito. Brasília: IBAMA, 2002. PÁDUA, José A. de. (org.). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987. ROMANI, Carlo. “O mar não ta pra peixe”. Conflitos sócio-ambientais na Baixada Santista in Reflexões em Ciências Humanas, n º. 8, FAG, Faculdade do Guarujá, 2006. __________ “Uma análise do zoneamento ecológico-econômico da Baixada Santista”: in Fauna, Políticas Públicas e instrumentos legais. Anais do 8º. Congresso Internacional de Direito Ambiental. Instituto o Direito por um Planeta Verde. São Paulo, 2004. SANTOS, Laymert G. dos. Politizar as novas tecnologias. O impacto sócio-tecnológico da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2007. THOMAS, Keith. O Homem e o mundo natural. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.