Relação de relatorias - Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câ...
Revista Consulex - entrevista Henrique Mariano
1. a
arquivopessoal
entrevista
HENRIQUE NEVES MARIANO
HENRIQUE NEVES MARIANO é Advogado. Conse-
lheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pelo
EstadodePernambucoeex-Presidentedestaseccionalda
OAB no triênio 2010 a 2012. Engajado na luta pelo direi-
to à memória e à verdade histórica, atualmente preside a
ComissãoEspecialdaMemória,VerdadeeJustiçadaOAB,
recém-criada pelo Conselho Federal, e atua como Secre-
tário-Geral da Comissão Estadual da Memória e Verdade
D. Helder Câmara (PE).
Em entrevista à Consulex, HENRIQUE MARIANO
fala sobre o papel da OAB e da nova Comissão no atual
momento político de busca pela efetivação da Justiça
de Transição no Brasil, com a eventual responsabiliza-
ção penal dos agentes públicos pelos crimes perpetrados
contra militantes opositores ao regime político instituído
entre 1964 e 1985, no Brasil, lembrando ainda as perse-
guições sofridas por advogados de escol, como Augusto
SussekinddeMoraesRego,HelenoFragosoeSobralPinto.
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2. Revista Jurídica CONSULEX – Qual o papel da Ordem
dos Advogados do Brasil no atual momento político em
que o Brasil procura efetivar o direito à memória e à ver-
dade histórica?
Advogado HENRIQUE NEVES MARIANO – Além da legí-
tima e necessária defesa dos interesses coorporativos da
classe dos advogados, a Ordem dos Advogados do Brasil
tem como objetivo institucional defender a Constituição
Federal, os direitos humanos, a justiça social, o fortaleci-
mento das instituições jurídicas e o Estado Democrático
de Direito. Por essa razão, ao longo dos seus 81 anos, a Or-
dem se destacou como uma das entidades civis de maior
expressão nacional na defesa da democracia, da liberdade
e do exercício da cidadania.
No mês de julho passado, o Conselho Federal instituiu
a Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça (CE-
MVJ). Sem hesitação, a Ordem defende e trabalha com o
desiderato de contribuir para a concretização da Justiça de
Transição no Brasil, que perpassa pela reparação às vítimas
do regime de exceção, à efetivação ao direito à memória e
à verdade histórica e à realização da
justiça, com a responsabilização pe-
nal dos agentes públicos pelos cri-
mes de homicídio, estupro e tortura
perpetrados contra os opositores ao
regime político então vigente.
CONSULEX – Nesse contexto, como
se evidenciaram as perseguições em-
preendidas no período da Ditadura
civil-militar instalada em 1964 con-
tra advogados?
HENRIQUE MARIANO – Em parce-
ria com as seccionais da OAB, a CEMVJ fará um trabalho
pontual para mostrar o quão a nossa classe profissio-
nal foi perseguida. Vários advogados foram duramente
acossados pelos agentes da repressão, sendo conhecido
que havia entre eles o jargão “advogado de comunista,
comunista é”. Desse modo, muitos profissionais foram
arbitrária e ilegalmente presos e sequestrados, pelo sim-
ples fato de estarem exercendo o seu ofício, na condição
de advogados de presos políticos. Muitas dessas prisões
e sequestros foram realizadas com o escopo de obter
informação do paradeiro de clientes. Para tanto, vários
escritórios foram invadidos e violados e outros tantos
advogados foram, persecutoriamente, processados com
base na Lei de Segurança Nacional (nº 7.170/83) e no
Código Penal Militar, por terem integrado o movimento
de resistência ao regime. Nessa esteira, os advogados e
então Conselheiros Federais Augusto Sussekind de Mo-
raes Rego, Heleno Fragoso e Sobral Pinto foram presos
em razão da destacada atuação profissional na defesa de
O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE HISTÓRICA
opositores do regime militar. Sobral Pinto, por exemplo,
ao lado dos advogados pernambucanos Antônio e Roque
de Brito Alves, foi advogado do ex-Govenador do Estado
de Pernambuco, Miguel Arraes.
CONSULEX – Como se posicionou a Instituição diante des-
ta conjuntura?
HENRIQUE MARIANO – Na fase imediatamente poste-
rior à deposição do Governo João Goulart pelo Golpe
civil-militar ocorrido em 1964, a OAB desenvolveu suas
atividades voltada aos interesses corporativos da entida-
de, privilegiando a defesa das prerrogativas dos advoga-
dos no exercício da sua atividade profissional, não tendo,
por essa razão, desenvolvido nos primeiros anos nenhu-
ma ação política de relevo contra o governo militar recen-
temente instalado.
No entanto, a partir de 1968, ano da decretação do Ato
Institucional nº 5, que representou o maior golpe desferido
contra as instituições brasileiras e a ordem constitucional, a
OAB mudou de paradigma, consolidando-se como entida-
de civil de resistência ao governo de
exceção. Ao lado de outras entidades
representativas da sociedade civil,
tais como CNBB, ABI, IAB, a Ordem
desenvolveu relevantes ações políti-
cas visando ao restabelecimento da
liberdade, da democracia e do Estado
Democrático de Direito. A Instituição
defendeu e coordenou campanhas
memoráveis da nossa história políti-
ca de resistência à Ditadura, a exem-
plo da luta pela redemocratização, o
restabelecimento do habeas corpus, a
campanha em favor da Lei da Anistia (nº 6.683/79), o fim
dos Atos Institucionais, o movimento para a instalação da
Assembleia Nacional Constituinte em 1987, o movimento
“Diretas Já” etc. Ademais, a Ordem e expressiva parcela dos
advogados desenvolveram proficientes ações na defesa dos
direitos humanos, denunciando prisões ilegais, torturas e
desaparecimentos forçados.
CONSULEX – Como a OAB vem se manifestando acerca da
responsabilização penal dos agentes do Estado acusados
da prática dos crimes de homicídio, tortura e estupro con-
tra militantes políticos?
HENRIQUE MARIANO – O Conselho Federal propôs, no
Supremo Tribunal Federal, Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (nº 153-DF), a fim de que a Cor-
te dê à Lei da Anistia interpretação conforme a Constitui-
ção, de modo a declarar, à luz dos preceitos fundamentais
inseridos na Carta de 1988, que a anistia concedida pela
citada Lei aos crimes políticos ou conexos, previstos em
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
“A Ordem defende e trabalha com
o desiderato de contribuir para
a concretização da Justiça de
Transição no Brasil, que perpassa
pela reparação às vítimas do
regime de exceção, à efetivação
ao direito à memória e à verdade
histórica e à realização da justiça.”
2 revista JURÍDICA consulex - ano xviI - nº 401 - 1º DE outubro/2013
3. entrevista
seu art. 1º, não se estende aos crimes comuns praticados
pelos agentes da repressão contra opositores políticos,
durante o Regime Militar (1964-1985).
No entanto, em 2010, dentre outros argumentos, o STF
julgou improcedente a ADPF nº 153-DF, afastando a ale-
gação da inicial ao fundamento de que a Lei da Anistia,
por se tratar de pacto bilateral objetivando a reconciliação
nacional, teve caráter amplo, geral e irrestrito.
Contra o acórdão, a OAB opôs Embargos de Declara-
ção, apontando omissão do julgado na medida em que o
Supremo não se pronunciou especificamente sobre o ca-
bimento da anistia aos crimes permanentes ou continua-
dos, como o desaparecimento forçado. O recurso ainda
está pendente de julgamento.
CONSULEX – Com a criação da Comissão Especial da Me-
mória, Verdade e Justiça, como a OAB pretende doravante
levar a efeito essa ação institucional?
HENRIQUE MARIANO – No dia 1º de agosto de 2013, na
sede do Conselho Federal da OAB, a Comissão Especial da
Memória, Verdade e Justiça realizou amplo e plural debate
para discutir os efeitos da sentença da Corte Interamerica-
na de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros vs
Brasil, proferida em 26 de novembro de 2010. A sentença,
substancialmente, condenou o Estado brasileiro a adotar
uma série de providências concretas, com destaque às se-
guintes ações: esclarecer os fatos e apurar o paradeiro das
pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Ara-
guaia, promovendo, quando for o caso, a entrega dos restos
mortais às respectivas famílias; identificar os agentes pú-
blicos responsáveis por tais desaparecimentos, esclarecer
as responsabilidades penais correspondentes e aplicar as
sanções devidas; e, adotar, em prazo razoável, as medidas
necessárias para tipificar o crime de desaparecimento for-
çado de pessoas, em conformidade com os parâmetros in-
teramericanos, dentre outras.
FatorelevanteéqueasentençadaCorteInteramericanade
DireitosHumanosésupervenienteaojulgamentodaADPFnº
153 pelo STF. No mérito, a decisão considerou a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos incompatível com a Lei
da Anistia, que impede a apuração e a punição de atos que
constituam graves ofensas aos direitos humanos perpetrados
durante o regime de exceção.
Acatando proposição do Jurista e Professor Fábio Kon-
der Comparato, a OAB já analisou e concluiu pela possibi-
lidade jurídica para ajuizamento de nova ADPF, desta feita
com vistas a que o Estado brasileiro efetivamente cumpra
os dispositivos da sentença da Corte Interamericana. Em
síntese, o entendimento explicitado pelo Professor e inte-
gralmente endossado pela OAB é no sentido que o Estado
brasileiro não pode esquivar-se do cumprimento da deci-
são, porquanto o art. 4º da Constituição Federal consagra
os dispositivos da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos como preceitos fundamentais da nossa Carta
Magna. Ademais, a Convenção deViena sobre o Direito dos
Tratados, de 1969, ratificada pelo Brasil em 25 de outubro
de 2009, dispõe categoricamente, em seu Artigo 27, que
“uma parte não pode invocar disposições de seu Direito
interno para justificar o descumprimento de um Tratado.”
CONSULEX–OeventorealizadonasededoConselhoFederal
culminou em alguma deliberação para o futuro?
HENRIQUE MARIANO – Preliminarmente, destaco que o
debate teve a participação de 47 entidades compromis-
sadas com a efetivação do direito à memória e à verdade
histórica no Brasil, tais como a Comissão Nacional da Ver-
dade, o Ministério Público Federal, as Comissões da Ver-
dade dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio de Janeiro,
da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, de vá-
rias Universidades Públicas e Privadas, Comissão de Fa-
miliares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Centro pela
Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Associação Juí-
zes pela Democracia, Grupo Tortura Nunca Mais, Anistia
Internacional – Brasil, Comissão da Anistia do Ministério
da Justiça, Comissão Nacional da Verdade dos Jornalistas,
membros honorários vitalícios da OAB, advogados e es-
tudantes, além de palestrantes o Professor Fábio Konder
Comparato e o Procurador da República da 3ª Região,
Doutor Marlon Alberto Weichert.
Como deliberação, saliento a criação do Fórum Per-
manente da Memória, Verdade e Justiça, formado por
todas as entidades presentes ao evento, o qual se reunirá
sempre que for necessário para tratar de temas afeitos
ao interesse comum dos integrantes e estabelecer ações
institucionais coordenadas com vistas a fortalecer a efe-
tivação da Justiça de Transição no Brasil. Deliberamos
também a nomeação, por parte do Conselho Federal da
OAB, de assistente de acusação para atuar nas denúncias
oferecidas pelo Ministério Público Federal, que, aliás,
vem realizando proficiente trabalho em várias regiões do
Brasil. Promoveremos gestões com vistas ao julgamento
dos Embargos de Declaração opostos contra o acórdão
do Supremo na ADPF nº 153-DF.
CONSULEX – Além dos já citados, quais os objetivos cen-
trais da Comissão Especial da Memória,Verdade e Justiça?
HENRIQUE MARIANO – O trabalho da CEMVJ será exe-
cutado em sintonia com as Comissões da Memória e
Verdade instituídas pelas seccionais da OAB. Para tan-
to, vamos com brevidade realizar, no Conselho Federal,
reunião conjunta para estabelecer metodologia de
trabalho, a fim de estabelecer objetivos e metas afins.
Ademais, a CEMVJ já apresentou o seu plano de tra-
balho, no qual foram inseridos como objetivos cen-
trais: posicionar-se como órgão especial de levanta-
mento em assuntos referentes à memória e verdade
quanto a advogados e seus defensores, vítimas da Di-
tadura civil-militar; sugerir à Diretoria do Conselho
Federal a adoção de medidas e realização de eventos
que se relacionem com o estabelecimento da verdade
e a preservação da memória quanto aos fatos levanta-
dos; organizar e realizar sessões públicas para ouvida
de advogados, visando ao resgate da memória dos ad-
vogados e da OAB no combate ao regime de exceção;
tornar visível e público o papel do advogado e da OAB
no processo de restabelecimento do Estado Democrá-
tico de Direito e na superação do regime de Ditadura
civil-militar; e posicionar-se quanto à necessidade de
política de preservação da memória e verdade.
HENRIQUE NEVES MARIANO
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