O documento discute a política educacional implementada por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, no Brasil Colônia. Pombal promoveu reformas no ensino público e na Universidade de Coimbra em 1772, visando substituir o modelo educacional controlado pelos jesuítas e alinhar a educação aos interesses do Estado português. Suas reformas tinham como objetivo modernizar o ensino e formar uma nova mentalidade entre os intelectuais brasileiros de acordo com os ideais iluministas.
1. A POLÍTICA EDUCACIONAL POMBALINA
Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes1
RESUMO
A historiografia educacional clássica negligencia a existência de uma política educacional ainda no
Brasil Colônia, ou, quando admite, credita méritos à Companhia de Jesus, renegando as reformas
geridas por Pombal em quase sua totalidade. O presente artigo pretende mostrar as ações presentes
nalegislação pombalina e as reformas promovidas no ensino, bem como o trato com a instrução
pública,a história da profissão docente e a reforma na Universidade de Coimbra, em 1772. O estudo
permitecompreender as finalidades do ensino em atender ao Estado, e mais adiante, na concepção
deconstrução da nacionalidade brasileira pelos egressos da citada universidade. O novo projeto
socialiluminado era baseado na ideia oposta da decadência e estagnação das sociedades alienadas
pelasuperstição e pelo obscurantismo religioso existente à época. Na concepção de uma
soberanianacional, a Universidade de Coimbra é posta no centro de uma produção cultural ou
sociocultural que dará formação a umanova mentalidade que os intelectuais deveriam dispor.
Palavras-Chave: Reformas Pombalinas; Nacionalidade; Políticas Educacionais.
ABSTRACT
A classical education historiography neglects the existence of an educational policy even in colonial
Brazil, or when she admits, credit merits the Society of Jesus, denying the reforms managed by
Pombal in its totality. This article highlights the actions of Pombal in legislation and the reforms in
education, as well as dealing with public education, the history of the teaching profession and
reformat the University of Coimbra in 1772. The study provides insight into the purposes of
education toserve the state, and later in the design of construction of Brazilian nationality by
graduates of thatuniversity. The new design was based on enlightened social opposite idea of
decadence and stagnationof the companies divested by superstition and religious obscurantism by
existing at the time. In theconception of national sovereignty, the PA is placed at the center of a
cultural or socio-culturalproduction that provide training to a new mentality that intellectuals should
have.
Keywords: Pombal, Nationality, Educational Policy.
1
Mestre em Administração (Universidad de Extremadura (Espanha, 2002), com titulo revalidado pela UFRN)
e Mestranda em Educação (UFS, 2012), professora e gestora acadêmica da Faculdade São Luís de França,
membro do GPHELB/CNPq, e-mail: cristiane@fslf.com.br.
2. Introdução
Sebastião José de Carvalho e Melo, compõe o gabinete do Rei D. José I (1750-
1777) como ministro responsável pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e
daGuerra, depois de ter passado pelas embaixadas de Londres e Viena. Após seis meses
comoministro, ele foi nomeado Secretário de Estado dos Negócios do Reino, cargo da mais
altarelevância junto ao rei. Dessa maneira, em 1759 recebe o título de Conde de Oeiras e
dez anosdepois, em 1769, torna-se Marquês de Pombal. Tal ascensão pode ser atribuída à
suacontribuição na reconstrução de Lisboa, por conta da ocorrência do terremoto que, em
1755,que devastou a cidade2.
Pombal3era considerado um “estrangeirado”, - para os
portugueses,“estrangeirado” era aquele que deixou Portugal para viver novas culturas pela
Europa, sendoassim rotulado de forma pejorativa pelos católicos mais conservadores.
Representante dodespotismo esclarecido europeu, que promovia o poder do Estado e do Rei
pelos ideais deprogresso e reforma, com foco na economia e na educação, ele vislumbrou
no ideal iluministaa concepção de uma nova sociedade e de um novo modelo de homem
“iluminado”, compostopelo intermédio da educação, que desde o início da colonização do
Brasil esteve a cargo daCompanhia de Jesus. A proposta consistia ainda em estabelecer
uma educação pública.
Oensino jesuítico se tornou ineficaz para atender às exigências de uma
sociedade emtransformação, representando, logo, o atraso, a estagnação, a
escuridão ao progresso dohomem, sendo uma das aquisições da época das
Luzes a idéia de que o homem podia serconsiderado como um objeto de
ciência (FALCON, 1982).
Sendo assim, o sistema educacional centralizado na Companhia de Jesus, que
foipor mais de duzentos anos a detentora absoluta da educação portuguesa e brasileira
2
2O prestígio de Pombal também é creditado à ação dele por conta do atentado ao Rei D. José I, em 1758,
quando este regressava numa carruagem ao Palácio. Os responsáveis foram perseguidos e punidos por
Pombal, dentre os quais estavam membros da alta aristocracia e alguns jesuítas. Sobre o assunto, ver Perfil do
Marquês de Pombal, de Branco (1882), que caracteriza Pombal como um tirano sanguinário.
3
Pombal nasceu em Lisboa em 13 de maio de 1699. Depois da morte do rei D. José I, foi condenado e expulso
da Corte e faleceu no dia 8 de maio de 1782, com 83 anos.
3. queseguiam normas padronizadas pela RatioStudiorum4, previa a divisão dos “estudos
menores”e dos “estudos maiores”. Em 1759, o modelo vigente sofre uma ruptura histórica
com aexpulsão dos jesuítas5 pelo Marquês de Pombal. Os interesses da fé e da alma dão
lugar aosinteresses do Estado, como detentor do poder absoluto, baseado no regalismo, ou
seja, nosistema político que dava aos reis o direito de interferir na vida interna da igreja.
SegundoCarvalho (1978, p. 15), um de seus objetivos era a remodelação dos métodos
educacionaisvigentes, pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza. O
mesmo autorenfatiza ainda que,
É preciso reconhecer, entretanto, que o programa pedagógico
dopombalismo traduziu, nos seus fins, o imperativo do regalismo
doutrinário
do tempo. As escolas de latim e humanidades deveriam servir, antes de
tudo,aos interesses seculares, econômicos, políticos e ideológicos do
Estado.
Daí por diante, em todo o discurso pombalino será atribuída à Companhia
deJesus todos os males e infortúnios da educação na metrópole e na colônia, motivo pelo
qual osjesuítas são responsabilizados pela decadência cultural e educacional imperante na
sociedadeportuguesa, como podemos perceber através dos Novos Estatutos.
O espaço para estudar a historiografia do período pombalino, é, pois, um
espaçoque pode ser caracterizado como “negligenciado” por parte de alguns estudiosos que
pormeropreconceito atribuem a Pombal um vácuo ocasionado com a expulsão dos jesuítas,
o que teriarepresentado, no Brasil, um retrocesso na educação escolar, com o
desmantelamento completoda estrutura educacional brasileira oferecida pelo antigo sistema
de educação jesuítica, tidocomo melhor estruturado do que as aulas régias propostas por
Pombal. Essa concepção,presente em Fernando Azevedo, através do livro A Cultura
Brasileira, obra de referência paraa compreensão do modo como se fazia educação no
4
Constituiu-se numa espécie de plano de estudos, sistematizado pela Companhia de Jesus contendo regras
pedagógicas a serem adotadas pelo professor.
5
A Companhia de Jesus chega ao Brasil em 1549 para catequizar os índios. A conversão dos indígenas e a
instalação de colégios constituíram na missão atribuída aos jesuítas.
4. Brasil Colônia, foi compreendido poruma série de pesquisadores, como verdade posta e
validada.
Para Azevedo (1996), as Reformas Pombalinas somente desarranjaram a
estruturaseriada mantida pela Companhia de Jesus, para dar lugar ao modelo pombalino de
aulasfragmentadas com professores mal preparados. Ele ainda afirma que, mesmo depois
dalegislação pombalina, muitos professores continuaram adotando o método
pedagógicojesuítico.
Com a nova proposta educacional estabelecida através do Alvará de 28 de
junho1759, na qual, ao mesmo tempo em que era extinto o ensino dos
jesuítas, eram instituídas asaulas régias de latim, grego e retórica, com
ênfase ao estudo da língua nacional. Com essaação, é institucionalizada a
profissão docente no Brasil, sendo regulamentadas as AulasRégias e a
seleção e nomeação de Professores Régios, que passam a ser funcionários
erepresentantes do Estado português (OLIVEIRA, 2010, P. 74).
Logo, através do citado alvará,foi criado também o cargo de Diretor Geral de
Estudos, com a atribuição de nomear essesnovos professores que seriam admitidos.Pombal
tinha o objetivo de reforçar a autoridade do estado monárquico. Naconcepção do Estado
regulador, está o pensamento mercantilista que supõe a própria políticaeconômica desse
Estado. Falcon (1982) aborda as ideias do mercantilismo como formas deprogresso
econômico e desenvolvimento social na vanguarda dessa nova era. O Marquês quistornar
Portugal menos dependente da Inglaterra, incentivando uma política mercantilista
quepudesse garantir uma proteção aos comerciantes através de uma economia de
exploraçãocolonial. De fato, a expansão comercial passou a tomar novos rumos. As
reformas propostaspor Pombalvisavam colocar Portugal numa posição de maior destaque
na Europa, seguindoo exemplo da Inglaterra, e transformá-lo numa metrópole capitalista,
além de posicionar oBrasil como importante mantenedor de riqueza. Talvez essa tenha sido
a mais fortemotivação para as reformas pombalinas: pôr o reinado português em condições
econômicasde competir com as nações estrangeiras.
Pela proposta de (re)posicionamento de Portugal no cenário europeu e mais
ainda,pela concentração de poder do Estado é que está configurado um projeto de Nação
nasreformas propostas por Pombal. Neste projeto reformista estava a formação superior.
Com ajustificativa de decadência e retrocesso em seus estudos, passa a dita universidade
5. porreformas de caráter filosófico e educacional. Com a educação tutelada pelo Estado, o
papel dauniversidade se constituiu como força motriz do progresso.
O processo de reforma da Universidade de Coimbra foi formalizado pela Junta
deProvidência Literária6, criada com o objetivo de promover a criação dos novos Estatutos,
queocorreu em 1772. Existiam nesse período quatro cursos: Teologia, Cânones, Direito e
Medicina. De acordo com Carvalho (1978, p. 139),
Seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do Estado e,
nessesentido, ao invés de preconizarem uma política de difusão intensa e
extensado trabalho escolar, pretenderam os homens de Pombal organizar a
escolaque, antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da
Coroa.
O progresso do Estado era a representação do “novo” contraposto ao
“velho”,representado pelos jesuítas. A atribuição ao caos, desse modo, é dada aos
inacianos. Portanto,outra ordem religiosa recebe crédito, que são os oratonianos8.
Quebrava-se o monopóliojesuítico, mas não o eclesiástico, no campo decisivo da pedagogia
(FALCON, 1982, p. 209).Os ideais cristãos continuavam a servir de sólidos alicerces a uma
educação renovada.
No contexto das reformas pombalinas, os adversários dos construtores
damodernidade lusitana – que se propunham a reatar uma linha
decontinuidade com uma espécie de modernidade interrompida no século
XVI– são os jesuítas, que se tornam os responsáveis pelo atraso de
Portugal emtodos os setores – econômico, político e cultural (OLIVEIRA,
2010, p.22).
A reforma da Universidade de Coimbra é a mais conhecida ação reformista,
decunho educacional, promovida por Pombal, que veio precedida e fundamentada
pordocumentos que, somados ao Compêndio Histórico atribuem os malefícios ocasionados
pelosjesuítas à nação lusitana. Tratou-se, na verdade, de uma ação contínua que destruiu o
ethoseducacional jesuítico. O compêndio é um texto de convencimento explícito de que de
fato everdadeiramente a educação centralizada nas mãos dos jesuítas representou um
6
Para a Junta de Providência Literária, presidida por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido Marquês
de Pombal, os conselheiros escolhidos eram o cardeal da Cunha, um familiar dos Távoras fiel a Pombal, frei
Manuel do Cenáculo, censor e preceptor do Príncipe D. José; e os irmãos João Pereira Ramos de Azeredo
Coutinho e D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, este ocupando já o lugar de Reitor Reformador da
Universidade. Ver, sobre o tema, ARAÚJO (2000, p. 33).
6. fracassocultural, um atraso econômico e toda uma desgraça generalizada com foco certo na
Companhia de Jesus7.
A preocupação fundamental dos reformadores da Universidade foi, sem
dúvida, a elaboração de um programa de estudos secularizados que, sem
feriros ideais da cristandade, correspondesse às necessidades da ideologia
política dominante (CARVALHO, 1978, p. 152).
A reforma da universidade visava modernizar as faculdades de teologia e de
leicanônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito
eatualizar a faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o estudo
deanatomia por intermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por questões
religiosas.Os cursos jurídicos tiveram redução de oito para cinco anos de duração.
Como finalidade do ensino, havia tanto a preparação para o exercício
dasprofissões correspondentes a cada uma das faculdades como também a
necessidade de fazerprogredir os conhecimentos na prática das ciências.
Com a reforma educacional, foi criado umprograma pedagógico que se
definiu como uma doutrina contra o sistema adotado nas escolasjesuíticas
(CARVALHO, 1978, p. 47).
Assim sendo, a reforma, dentre os aspectos mercantilistas a que se
destinou,procurou a investidura do progresso das investigações através da experiência, da
vivência dopesquisador, com o objetivo de se chegar a novas conclusões a partir da
gestaçãoexperimental do outro. O método que passou a vigorar foi o “sintético-
demonstrativo”,mostrando que “quem estuda sem ordem, adianta-se pouco na Estrada das
Ciências”8. Taisreformas foram incorporadas nos Novos Estatutos de 1772 da Universidade
de Coimbra.
7
Foi fundada em Roma com expansão na Europa, a Congregação do Oratório obteve respaldo nas ideias
iluministas, logo, servindo de oposto ao modelo jesuítico.
8
Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra (1980, p. 245). Os outros documentos que deram corpo
ao Compêndio Histórico são duas obras anteriores: a Dedução Cronológica e Analítica, concebida em forma
de memorial acusatório contra os jesuítas e a Cúria Romana, sendo enviado a todas as partes do reino e
domínios ultramarinos, e Origem infecta da relaxação moral dos denominados jesuítas, livro editado
anonimamente pela Régia Oficina Tipográfica. Todas elas serviram de fundamentação para a elaboração dos
Novos Estatutos. Ver ARAÚJO (2000).
7. O projeto da Nação Brasileira
A referência do papel exercido pela intelectualidade brasileira formada
emCoimbra na construção do Estado-Nação no Brasil é solidificada pela via da
Independência.
Outras universidades européias também foram berço dessa intelectualidade,
mesmo em menorproporção, a exemplo de Montpellier, Edimburgo, Paris e Estratsburgo9.
O próprio JoséBonifácio de Andrada e Silva10, considerado o Patriarca da Independência,
foi egresso deCoimbra, bem como muitos brasileiros que foram fundamentais ao
movimento em 1822,como José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu. Segundo Gauer
(2007, p. 192), a questão danacionalidade diz respeito à separação da metrópole, ficando
claro que não existia nenhumtipo de consciência nacional antes da Independência do Brasil.
Desse modo, a contribuição de Coimbra para a formação da
nacionalidadebrasileira deve ser analisada através da ação dos egressos da Universidade de
Coimbra nosmovimentos em favor da Independência. Esse corpo técnico de brasileiros,
conforme Gauer,desempenhou tantas funções políticas, culturais, profissionais, obtiveramtantos
títulos de nobreza de honraria e títulos eclesiásticos, assumiram tantoscargos públicos e políticos
que dão conta da grande atividade desenvolvidapelos Egressos.
Assim, compreendemos a contribuição dos egressos de Coimbra na
formação danacionalidade brasileira, em todas as funções políticas,
culturais e científicas em queestiveram envolvidos. No caso dos juristas,
esse corpo esteve ligado diretamente à montagemdo Estado-Nação
brasileiro, pois eles atuaram como deputados, senadores, ministros
econselheiros, além de presidentes de Províncias (GAUER, 2007, p. 234).
A partir de 1808,foram criados cursos e academias destinados a formar
burocratas para o Estado e especialistasna produção de bens simbólicos; como subproduto,
9
Ver DIAS (2005, p. 39).
10
O brasileiro José Bonifácio foi filósofo, advogado, professor, intelectual, cientista e político. Catedrático de
mineralogia em Coimbra; deputado, vice-presidente da Província de São Paulo, ministro do Império; exilado
político, tutor do imperador Pedro II e articulador da independência brasileira.
Fonte: educacao.uol.com.br/biografias acessado em 11/07/2010.
8. formar profissionais liberais (CUNHA,2007, p. 63).Já no Império, com a instalação dos
Cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, nas duascidades consideradas, à época, capazes de
recebê-los – São Paulo e Olinda, toda a formaçãojurídica passou a ser voltada para as
questões brasileiras, direcionadas às características eproblemas do país. Os dois cursos
foram implantados em casas religiosas. Em São Paulo, noConvento de São Francisco, e em
Olinda no Mosteiro de São Bento, onde permaneceu até1854, quando foi transferido para o
Recife.
Os cursos que preparavam os burocratas para o Estado eram as
academiasmilitares e os cursos cirúrgicos. Dessa forma, a chegada dos cursos de direito
vieram legitimaro cumprimento das atividades cotidianas de elaborar, discutir e interpretar
as leis, como tarefaprincipal do aparato jurídico, fundamental para a concepção da
identidade nacional através deum Estado forte e soberano. Segundo GEARY (2005, p. 51),
Tanto em Estados fortes e hegemônicos como em movimentos
pelaindependência, afirmações como “nós sempre fomos um povo” são,
nofundo, apelos para que se tornem povos – apelos sem base histórica que
naverdade são tentativas de se criar a história. O passado, como sempre
foidito, é um país estrangeiro, e nunca nos encontraremos lá.
O ideal de nação, portanto, não apareceu da noite para o dia, nem nasceu de
umaconsciência nacional. A definição de uma consciência nacional é fenômeno bem
posterior e sóhá de refletir-se na literatura, no movimento romântico de meados do século
XIX (DIAS,2005, p. 77).Podemos considerar que a cultura ilustrada progressista e
modernizadora, baseadaem uma ciência mais pragmática, foi se incorporando lentamente
na mentalidade dosintelectuais brasileiros, pela obra que vislumbravam realizar para o
progresso de sua terra.
Neste sentido, as instituições de ensino tiveram uma importante função. Depois
daindependência, formaram-se dois setores, o do ensino estatal (laico) e o do ensino
particular(religioso ou laico) CUNHA (2007, p.78).
Dessa forma, instituições educacionais se tornaram o lócus da criação do
Estado-nação, tanto com a imposição da ideologia nacionalista como, de
forma mais sutil, com a disseminação da língua nacional, na qual estava
implícita essa ideologia (GEARY, 2005, p. 46).
9. Outro egresso de Coimbra, José da Silva Lisboa (1756-1835), conhecido
porVisconde de Cairu, bacharelou-se em Cânones e foi autor de importantes tratados
sobreeconomia, sendo ainda escolhido mais tarde senador do Império. Os estudos
universitáriosdespertavam nos estudantes o senso crítico e a tomada de consciência da
posição do Brasil emrelação a Portugal, paradoxalmente conscientes também do papel da
economia brasileiracomo mola propulsora da economia portuguesa, por isso mesmo eram
adeptos ao rompimentocom a metrópole.
De acordo com os estudos pioneiros de Laerte Ramos de Carvalho (1978)
asreformas pombalinas foram iniciadas em 1757 com a Lei do Diretório, na imposição
doidioma nacional. A partir daí, o Estado passa a ser o responsável pela educação – e não
maisos jesuítas. Esse Estado centralizador, ao impor uma língua oficial impõe também aos
índios acivilidade e a dominação. Assim, as discussões talvez tenham sido provocadas
pelo“Verdadeiro Método de Estudar”, obra publicada em 1747 por Luis António Verney,
queaponta a Gramática Latina como requisito fundamental para se estudar as demais
línguas –inclusive a portuguesa.
Segundo DIAS (2005, p. 48) o papel da política de Estado nesse movimento
deestudiosos, dedicados em sua maioria às ciências naturais, merece realce particular por
suas múltiplas implicações, tanto na orientação dos estudos como na mentalidade dos
principaispolíticos da Independência. O que corrobora com a afirmação de que em Coimbra
há muito jáse firmavam entre seus acadêmicos, propósitos claros de retornar ao Brasil com
a missão detentar contribuir nos movimentos em prol da Independência.
É ponto pacífico que o nacionalismo, no caso do Brasil, é oriundo
daIndependência. Assim, a nossa nacionalidade nasceu em 1822. Antes disso, o
nacionalismoera apenas uma ideologia, um objetivo a ser alcançado, que foi possível pela
ruptura dasubmissão a Portugal.
Não existia a constituição de um Estado-Nação no Brasil. Havia um
territóriodominado por Portugal. Por isso mesmo não poderia haver uma espécie de
“consciêncianacional” até porque o vínculo com Portugal foi se desfazendo gradualmente,
sem maiorestraumas, sem grandes movimentos de guerra de libertação. A maioria da
população aceitouuma independência negociada (OLIVEIRA, 2010) uma vez que Portugal
10. acatou aindependência do Brasil mediante o pagamento de uma indenização de 2 milhões
de librasesterlinas.
Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da
populaçãoexcluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um
sentido denacionalidade. No máximo, havia alguns centros urbanos
dotados de umapopulação politicamente mais aguerrida e algum
sentimento de identidaderegional (CARVALHO, 2010, p. 25).
A construção do Estado nacional nasceu em Coimbra, centro formador da
elitecolonial brasileira, pelo grupo que seria mais tarde egressos, e que se consolidariam
como aelite intectual da colônia, visto que a nacionalidade foi herança dos intelectuais e
dosacadêmicos, em um contexto que não existia a noção de igualdade entre todos.
Com as reformas pombalinas inicia-se o processo de colocar o Estado
comofomentador de apurada mão-de-obra que emanava dos cursos de Coimbra. A
Universidadenão escondia sua condição de formadora de recursos humanos qualificados
para o aparelhoestatal, isto é, de que ela era peça importante no projeto de ação política
governamental. Emseu interior, o que se pretendia, era a preparação e o treinamento de uma
única elite lusobrasileira,modernizadora e ilustrada, em favor de uma política previamente
estipulada peloEstado, cujo fim era tirar Portugal do lugar secundário em que se encontrava
no cenário dasnações européias.
A socialização do papel político da escola esteve presente nos
ideaispombalinos.Por isso que é fundamental compreender o sentido da difusão das luzes
da razão, presente nasreformas e na concepção desse ideal de progresso coletivo e de
perfeição individual. A funçãoda Universidade era essa, por isso que o ensino superior foi
fundamental na consolidação deuma identidade nacional, fomentada nos bancos
portugueses de ensino.
Ao reformar a Universidade de Coimbra, e, portanto, estabelecer um cânone
doensino superior, Pombal vislumbrou modernizar as faculdades de teologia e de lei
canônica,incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito e
atualizar afaculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o estudo de
anatomia porintermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por questões religiosas.
Também foiimplantado o estudo da higiene, adotar as descobertas de Harvey relacionadas
com acirculação do sangue; as teorias de Albinus em anatomia, as de Boerhaave em
11. patologia e asde Van Swieten em farmacologia. Os cursos jurídicos tiveram redução de oito
para cinco anosde duração. Além disso foram criadas duas novas faculdades, a de filosofia
e a de matemática(MAXWELL, 1996, p. 110).
Segundo DIAS (2005, p. 79), a mentalidade pragmática dos iluministas foi-
seenraizando entre os brasileiros. Esses ilustrados dos fins do século XVIII foram geradores
deprofissionais fruto de uma elite letrada e assim a representação e a importância
dasinstituições de ensino, notadamente de ensino superior, configura-se como o berço que
abrigou a nacionalidade brasileira, embalada pelos intelectuais e cientistas que buscaram na
formação européia ilustrada a inspiração para serem úteis à sua terra de origem,
contribuindona constituição de um Estado-Nação.
A reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, modificou a formação do
corpotécnico brasileiro, composto por um grande número de egressos da Universidade de
CoimbraReformada, que foram sustentáculo para a construção da legislação do Estado-
Nação, sejaatravés do acúmulo de cargos e funções, seja pela organização dos grandes
códigos doImpério e das Academias Científicas, dos primeiros cursos superiores, das
primeirassociedades culturais. O legado desse grupo de cientistas possibilitou a formação
da identidadenacional brasileira.
Referências Bibliográficas
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão
donacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ANDRADE, Antonio Alberto Banha de. A reforma pombalina dos estudos secundários
noBrasil. São Paulo: Saraiva/EDUSP, 1978.
ARAÚJO, Ana Cristina. O Marquês de Pombal e a Universidade. Coimbra: Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2000.
AZEVEDO, Fernando de. “As origens das instituições escolares”. In: A Cultura
Brasileira.Parte III – A transmissão da cultura. 6ª Ed. Brasília: EdUnB, 1996.
CARVALHO, Laerte Ramos de. As Reformas Pombalinas da Instrução Pública. São
Paulo: Editora Saraiva, Ed. USP, 1978.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 13ª Ed. Rio de
12. Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã: o ensino superior, da Colônia à Era
Vargas. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São
Paulo: Alameda, 2005.
ESTATUTO da Universidade de Coimbra 1772. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1972,
v.I, II e III.
FALCON, Francisco J. C. A época pombalina. São Paulo: Ática, 1982.
FÉRRER, Francisco Adegildo. O obscurantismo iluminado: Pombal e a instrução em
Portugal e no Brasil. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, 1998.
GAUER, Ruth Maria Chittó. A modernidade portuguesa e a reforma pombalina de
1772.Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
_______. A contribuição dos egressos de Coimbra para a construção do Estado-nação
noBrasil. Curitiba: Juruá, 2007.
GEARY, Patrick J. O Mito das Nações: a invenção do nacionalismo. São Paulo: Conrad
Editora do Brasil, 2005.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da
Silva, Guaracira Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo:
Pioneira/Thomson Learning, 2003.
OLIVEIRA, Luiz Eduardo (org.). A legislação pombalina sobre o ensino de línguas: suas
implicações na educação brasileira (1757-1827). Maceió: EDUFAL, 2010.
TEIXEIRA, Ivan. Mecenato Pombalino e poesia neoclássica. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1999.
POMBAL, Marques de. Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra. Porto:
Campodas Letras, 2008.