Advogados membros da Comissão da Verdade da OAB-MG confirmam que houve tortura sistemática de militantes de esquerda em Juiz de Fora durante a ditadura militar no Brasil. Eles relatam ter visto bilhetes que descreviam atrocidades cometidas contra presos políticos na cidade. A presidente Dilma Rousseff foi uma das pessoas torturadas em Juiz de Fora, onde sofreu choques elétricos e espancamentos.
1. E STA D O D E M I N A S ● Q U A R T A - F E I R A , 2 0 D E J U N H O D E 2 0 1 2
4 POLÍTICA
Fahid Tahan e Carlos Augusto Cateb, membros da Comissão da ❚ REPERCUSSÃO
Verdade da OAB-MG, relatam que militantes de esquerda, como
FOTOS: REPRODUÇÃO/INTERNET
Dilma, sofreram castigos nos porões da cidade durante a ditadura
Advogados confirmam PRAVDA (RÚSSIA)
tortura em Juiz de Fora
Documentos revelam detalhes da
tortura sofrida por Dilma em Minas
A presidente Dilma Vana Rousseff foi
torturada nos porões da ditadura em Juiz de
Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas
em São Paulo e no Rio de Janeiro, como se
BETO NOVAIS/EM/D.A PRESS pensava até agora. É o que revelam
DANIEL CAMARGOS documentos obtidos com exclusividade pelo
Estado de Minas , que até então mofavam
Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, foi um dos na sala do Conselho dos Direitos Humanos
principais palcos do horror vivido pelos militantes de Minas Gerais (Conedh-MG), no Edifício
que tentavam derrubar o governo militar. É o que ga- Maletta, no Centro de Belo Horizonte.
rantem dois renomados advogados mineiros que
defenderam presos políticos durante a ditadura.
“Não há como negar que houve tortura. Foi um ins-
trumento institucionalizado. Basta olhar todos os
processos de presos políticos. O preso político pas-
sou por tortura física ou psicológica”, afirma o advo-
gado Fahid Tahan Sab, membro da Comissão da Ver-
dade da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB-MG). Fahid foi advogado de vários pre-
sos políticos que estiveram em Juiz de Fora, incluin-
do alguns nomes de expressão da política nacional,
como o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda
(PSB), e o ex-deputado federal e presidente da Fun-
dação Perseu Abramo, Nilmário Miranda (PT). Na se- FOCUS AGENCE (BULGÁRIA)
gunda-feira, o general de quatro estrelas Marco Antô-
nio Felício da Silva disse em entrevista ao Estado de Dilma Rousseff fala de
Minas que não houve tortura em Juiz de Fora. sua tortura por militares
Na análise de Fahid é uma vergonha para o país
ter concedido anistia os torturadores. “É um crime De acordo com um relato autobiográfico
contra a humanidade”. Fahid destaca uma questão: inédito feito pela primeira presidente da
“Se os rapazes e as moças que pegaram em armas nação sul-americana, publicado na
não têm vergonha de dizer que fizeram isso e têm segunda-feira em meios de comunicação,
até orgulho, por que os militares tentam esconder ela foi submetida a tortura regular. Rousseff,
que houve tortura?”. O próprio advogado respon- 64, contou suas experiências sob o regime
de: “Os militares têm um verdadeiro horror de que militar no Brasil mais de uma década atrás.
a família deles descubra o passado. Que ele pegou
uma pessoa subjugada para impor humilhações e
torturas. A pena deles é a própria consciência”.
Quem também confirma as torturas praticadas
em Juiz de Fora é outro advogado membro da Co-
missão da Verdade da OAB-MG, Carlos Augusto Ca-
teb, que fez a defesa de diversos integrantes do Co-
mando de Libertação Nacional (Colina), grupo da
presidente Dilma Rousseff. “Houve tortura em Juiz
de Fora. Eu mesmo portei vários bilhetes que nar-
ravam as atrocidades cometidas”, lembra.
Cateb foi advogado de Ângelo Pezzuti, um dos
líderes do Colina. Foi por uma suposta troca de bi-
lhetes entre Pezzuti e Dilma que a presidente foi AUFAIT (MARROCOS)
torturada em Juiz de Fora, conforme revelou com
exclusividade o Estado de Minas, em série de re- A presidente do Brasil faz relato
portagens iniciada no domingo. A maneira como inédito da tortura que sofreu
os bilhetes entravam e saíam do Presídio de Linha-
res, em Juiz de Fora, é sui generis e revela que apesar Aos 22 anos, quando lutou contra a ditadura
do poder e das armas, os militares podiam ser en- militar, a presidente do Brasil, Dilma
ganados com um pouco de esperteza. Rousseff, foi torturada, incluindo sessões de
“O pessoal dos movimentos confeccionava os bi- choques elétricos e espancamentos que
lhetes em papéis bem pequenos. Pegavam um maço deslocaram sua mandíbula, de acordo com
de cigarro, tiravam o fumo dos cigarros, colocavam o depoimento inédito dela publicado na mídia.
bilheteenroladinhoecolocavamofumonovamente.
Quando chegava para falar com o Ângelo vários mi-
litaresarmadosficavamobservandoaconversa.Mos-
trava o maço de cigarro, colocava em cima da mesa e
começava a fumar. O Ângelo, ou outro preso, fazia a
mesma coisa. No fim da conversa eu pegava a carte-
la de cigarro dele e ele pegava a minha. Enquanto es-
tava preso, ele também fazia os bilhetes e levava pa-
ra o pessoal do movimento”, relata Cateb.
O que atesta as péssimas condições em Linhares
são as greves de fome feitas pelos presos políticos. A
primeira foi em março de 1971, quando 42 homens e
mulheresficaram13diassemcomer.Cincomesesde-
pois, 50 presos voltaram a fazer outra greve de fome. Houve tortura em Juiz de Fora. Eu TM NEWS (ITÁLIA)
GUERRILHA CateblembraqueoacessoparaLinhares
era uma rua estreita, na beira de um rio, em que pas-
mesmo portei vários bilhetes que Brasil: Presidente Dilma reconta
tortura sofrida sob a ditadura
sava apenas um carro. A historiadora Isabel Cristina
Leitefezumtrabalhodeconclusãodecurso,em2006,
narravam as atrocidades cometidas Era 1970, a atual chefe de Estado tinha 22
na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), focan- ■ Carlos Augusto Cateb, anos quando foi presa e encarcerada
do o Colina. No trabalho, Leite escreveu sobre a Peni- advogado durante três anos no Rio, São Paulo e Minas
tenciária de Linhares: “A Penitenciária Regional José Gerais, onde aos 16 anos ela se juntou aos
Edson Cavalieri foi inaugurada em 1966 com presos guerrilheiros. Segundo estimativas oficiais,
vindos de Belo Horizonte. Ficou conhecida por Peni- HENRIQUE VIARD/TRIBUNA DE MINAS - 13/5/04 cerca de 400 brasileiros foram assassinados
tenciária de Linhares por causa da sua localização – o ou desapareceram durante a ditadura.
BairrodeLinhares,emJuizdeFora.Arecepçãodepre-
sos políticos começou em 1967, com militantes pre-
sos na Guerrilha do Caparaó, contudo, somente em
1969 é que chegam os primeiros integrantes da guer-
rilha urbana – integrantes da Colina e Corrente.”
De acordo com a pesquisa da historiadora, os pre-
sos se referiam a Linhares como um purgatório. A
frase usada pelos detentos era: “Sair do inferno e cair
no purgatório”. Isso é, sair do local onde aconteciam
as torturas e ir para a prisão. Porém, as torturas mais
cruéis aconteciam fora da prisão. Como aconteceu
com a presidente Dilma, que foi levada para outro
local na cidade para ser torturada. “Os militares esta-
vam empenhados em uma espécie de guerra sagra- GIONARLLETTISMO (ITÁLIA)
da para impedir um iminente perigo de revolução
socialista”, diz Fahid, sobre a convicção dos militares.
Eu, guerrilheira, fui torturada
O documento com o depoimento de Dilma
Rousseff chegou ao jornal Estado de Minas,
LEIA AMANHÃ que publicou trechos. A presidente fala sobre
MAIS DETALHES SOBRE A TORTURA SOFRIDA POR uma série de ataques em Minas, incluindo
DILMA EM MINAS NO PERÍODO DA DITADURA sessões de eletrochoque e de pau de arara.
Presídio de Linhares, em Juiz de Fora. Presos políticos de Belo Horizonte eram levados para o local