O documento descreve a endocardite infecciosa (EI), definindo-a como um processo infeccioso que acomete o endocárdio. Apresenta sua etiologia, classificação, manifestações clínicas, diagnóstico e critérios diagnósticos. A EI é uma doença grave causada principalmente por bactérias, com risco elevado de morbidade e mortalidade em portadores de cardiopatias. O diagnóstico é baseado em critérios clínicos, laboratoriais e de imagem como hemoculturas e
2. I - Definição
É um processo infeccioso que acomete o endocárdio
(endotélio das valvas cardíacas). O termo também
denomina a doença produzida pela infecção de próteses
valvares cardíacas.
É uma doença grave (alto risco de morbidade e
mortalidade) e de elevada incidência. Portadores de
disfunção valvar, cardiopatia congênita ou de válvula
cardíaca artificial são considerados de maior risco de
contrair a doença.
O prognóstico depende: diagnóstico precoce, tratamento
efetivo e reconhecimento de suas complicações.
3. II - Etiologia
Predominam os estreptococos (cerca de 40% - 60% dos casos) e
os estafilococos (20% - 30 dos casos).
Outras bactérias Gram-positivas ou Gram-negativas são
causadoras de EI em cerca de 10% - 20% dos casos.
Fungos são causas mais raras.
Riquetsias, clamídias, espiroquetas e até mesmo vírus.
Streptococcus bovis tem associação com neoplasia de cólon. Por
esse motivo, mesmo na ausência de sintomas de afecção
gastrointestinal, está indicada a pesquisa de tumores colônicos nos
portadores de EI por S. bovis.
O Staphilococcus aureus causa EI em portadores de lesões
cardíacas, de próteses valvares cardíacas, nos hospitalizados
(principalmente com cateteres e imunossuprimidos) e em viciados
em drogas injetáveis.
Outros agentes: grupo HACEK (Haemophilus, Actinobacilos,
Carbobacterium, Eikenella e a Kingella).
4. III - Classificação
De acordo com o curso clínico:
a) Aguda:
- Se caracteriza por lesão invasiva, ulcerativa e
necrosante, de difícil cura, necessitando muitas vezes
de intervenção cirúrgica além de tratamento
antimicrobiano prolongado;
- É frequentemente causada por Staphilococcus e outros
agente virulentos;
- Localmente destrutiva e rapidamente progressiva;
- Há disseminação local, com formação de abscessos e
sistêmica, com abscessos pulmonares, cerebrais,
renais e esplênicos.
5. b) Sub-Aguda:
- Causada por agentes menos virulentos, que geralmente
fazem parte da microbiota normal da cavidade oral e
ataca principalmente valvas anormais ou previamente
lesadas e melhora com o uso apenas de antibióticos,
levando a um processo de fibrose e cicatrização.
6. III. 1. Classificação baseada na doença
valvular ou condição pre-existente
a) EI de valvas naturais
- A grande maioria é causada por Streptococcus,
Staphilococcus e Enterococcus.
- Streptococcus: 40% - 70% dos casos em não usuários
de drogas venosas. A maioria do grupo viridans ou
alfa-hemoliticos. São organismos de virulência
relativamente baixa, que causam síndromes sub
agudas, infectando defeitos congênitos e válvulas
previamente lesadas. Fazem parte da flora
endógena do homem, particularmente da orofaringe
e cavidade oral. São normalmente sensíveis à
Penicilina.
7. - Enterococcus: São habitantes naturais da uretra
anterior, trato digestivo e orofaringe. Também colonizam
úlceras de decúbito em pacientes imobilizados. São
relativamente resistentes à Penicilina, droga que é
bacteriostática contra esses organismos.
- Staphilococcus: A incidência de EI tem aumentado
principalmente devido o aumento da população de
usuários de drogas intravenosas e de pacientes com
cateteres de acesso venoso prolongado.
8. - HACEK: Bacilos Gram-negativos que habitam a
cavidade oral, tem baixa virulência e difícil cultivo.
Causam quadro de EI subaguda com grandes
vegetações. São comumentes implicados em casos de
EI com hemoculturas negativas.
- Fungos: EI fungica é uma doença grave. Cândida
frequentemente isolada. Populações de risco: pacientes
com acesso venoso central e prolongado,
imunossuprimidos.
9. III.2. EI em usuários de droga
A grande maioria dos UDIV não tem valvopatia prévia.
O envolvimento da tricúspide é visto em 50% a 60% dos
casos, seguido da aórtica (25%) e mitral (20%).
Agentes envolvidos: S. aureus (60%), enterococcus e
fungos.
10. III.3. EI em próteses valvares (EPV)
Válvulas na posição aórtica são infectadas mais
frequentemente que as em posição mitral.
A EPV é dividida em:
- Precoce: primeiros 60 dias após a cirurgia. O
Estafilococcus representa a maioria dos patógenos.Se
apresenta como uma doença aguda, com disfunção
valvular, insuficiência e deiscência da sutura.
- Tardia: Relacionada à implantação de
microorganismo na prótese durante episódio de
bacteremia transitória. Há longo período de latência
entre a contaminação e o desenvolvimento de EI (até 2
anos). Se apresenta mais como EI sub-aguda.
11. IV. Epidemiologia
A EI é incomum em crianças. A média de idade, em
países desenvolvidos, é 50 anos (pela menor incidência
de doença reumática, bem como, pelo aumento de
doenças degenerativas e procedimentos invasivos na
população idosa).
Grupo especialmente predisposto: usuários de drogas
injetáveis – acometimento freqüente da valva tricúspide.
Válvulas mais afetadas: aórtica e mitral.
Lesões cardíacas subjacentes são encontradas em 75%
dos casos, incluindo doença reumática, PVM com
insuficiência, cardiopatias congênitas e doenças
degenerativas.
12. V. Patologia
A lesão característica da EI é a vegetação. As bactérias
fazem parte do núcleo da vegetação e são recobertas por
camadas sucessivas de fibrina, o que dificulta a fagocitose
por neutrófilos. A vegetação forma, assim, um santuário onde
as bactérias se dividem livremente.
O primeiro passo é a lesão endotelial, geralmente
provocada pelo fluxo turbulento do sangue (gerado pela
presença de alto gradiente de pressão entre duas câmaras
cardíacas) ou pode também ser causadas por próteses intra
cardíacas (exemplo: cateteres venosos, marcapasso,
próteses valvulares) e outros corpos estranhos (em UDIN
material infectado e injetado com as drogas). A lesão inicial é
chamada de endocardite trombótica estéril e é composta
de plaquetas e fibrinas que aderem a superfície endotelial
lesada. A cascata de coagulação é ativada no local, levando
a deposição de mais fibrina promovendo, assim, o
crescimento da vegetação.
13. O segundo passo é o alojamento de microorganismo na
vegetação estéril durante episódios de bacteremia (exemplo:
manipulações dentárias ou geniturinárias). A formação de
uma capa protetora constituída de plaquetas e proteínas
plasmáticas dificulta atuação das defesas orgânicas. Ao
longo do tempo, haverá uma estimulação antigênica intensa
causada pela liberação de antígenos bacterianos na
circulação. Títulos altos de anticorpos se formam, assim
como imunocomplexos, que podem causar lesões a
distância. Esses complexos podem se depositar em tecidos
como rins (glomerulonefrite), pele, articulações, superfícies
serosas e promover inflamações. Localmente, a vegetação
causa destruição valvular, mais intensa na forma aguda e
causada por organismos virulentos. A vegetação varia em
tamanho podendo até causar obstrução do orifício valvular e,
se friável (EI fungicas), produzir embolizações sistêmicas.
Pode haver formação de abscessos valvulares e perfuração
das valvas. O processo pode envolver a cordoalha tendinosa
e músculos papilares, causando ruptura das estruturas de
suporte das válvulas.
14. Êmbolos coronários, infrequentes, provocam infartos
miocárdicos enquanto êmbolos sistêmicos se associam
à infartos e abscessos de sítios distantes (rins, baço,
cérebro, pulmões e vasos sanguíneos).
As válvulas lesadas podem apresentar seqüelas
definitivas com posterior comprometimento da função
cardíaca.
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17. VI. Manifestações Clínicas
A síndrome começa usualmente 2 semanas após o evento
precipitante (exemplo: manipulação dentária), com sintomas como:
febre, sudorese noturna, perda do apetite e dores generalizadas.
Sopros cardíacos;
Esplenomegalia;
Nódulos de Osler: nódulos pequenos dolorosos, em pele ou dedos,
em eminência tenar e hipotenar, múltiplos podendo desaparecer em
horas ou dias. 10 a 20% dos casos. Deposição de imunocomplexos.
Manchas de Janeway: pequenas máculas hemorrágicas em palmas
das mãos e solas dos pés.
Mancha de Roth: Hemorragia retiniana com centro claro.
Representam vaculites de vasos retinianos.
Petéquias: no palato, conjuntiva e mucosa oral.
Hemorragias em tiras, pequenas e lineares localizados no leito
ungueal.
Atralgias e atrites sépticas.
Pneumonia metastática, embolia pulmonar ou abscessos podem ser
vistos principalmente na EI tricúspide – tosse com expectoração
purulenta, dor torácica e hemoptiase.
22. VII. Diagnóstico
↑ de sensibilidade e especificidade – valor de dados
clínicos: cardiopatia predisponente, febre, novo sopro
regurgitante, fenômenos vasculares com dados
laboratoriais fundamentais, hemocultura e estudo
ecocardiográfico.
23. VII.1. Exames
Exames laboratoriais:
a) Inespecíficos:
- hemograma: anemia normo/normo e leucocitose.
- VHS: aumentado (inespecífico)
- PCR: aumentada. É útil para monitorização da resposta
terapêutica e o diagnóstico de complicações.
- Urina I: proteinúria e hematúria microscópica e, menos
comumente, leucocitúria (complicações renais).
- Eletroforese de proteínas: hipergamaglobulinemia.
- Fator reumatóide: 50% dos casos.
- Dosagem de complemento: baixo
- OBS: Tríade clássica da EI: febre, sopro e anemia.
24. b) Definitivo
- Hemoculturas: recomenda-se obtenção de 2 ou 3 amostras de
hemocultura com intervalo de 30 min entre elas e em locais
diferentes.
- Ecocardiografia: Documenta a presença de vegetação que é útil na
avaliação das complicações da doença (ex: abscesso no anel
valvar).
- Transtorácica (convencional) – limitações obesos,
DPOC, deformidade da parede torácica, trauma –
sensibilidade 70% especificidade de 90%.
- Trans-esofágica (superior) – detecta vegetações
menores – sensibilidade de 90 a 100% e especificidade
de 90%.
26. c) Outros exames:
- ECG
- Rx tórax: sinais de congestão pulmonar ou sugestivo de
embolia.
27. d) Critérios diagnósticos
CRITÉRIOS DE DUKE MODIFICADOS PARA O DIAGNÓSTICO DE
ENDOCARDITE INFECCIOSA (EI)
São necessários para o diagnóstico:
2 critérios maiores ou
1 critério maior e 3 menores ou
5 critérios menores
Critérios maiores
Isolamento dos agentes típicos de EI em duas hemoculturas distintas, sem
foco primário: Streptococcus viridas, Streptococcus bovis, grupo HACEK,
Streptococcus aureus ou bacteremia por enterococo adquirido na
comunidade;
Microorganismo compatível com EI isolado em hemoculturas
persistentemente positivas;
Única cultura ou sorologia positiva (IgG > 1:800) para Coxiella burnetii;
Nova regurgitação valvar (Aparecimento de sopro ou mudança de sopro
pré-existente não é suficiente);
Ecocardiograma com evidências de endocardite (há 3 possíveis achados
ecocardiográficos: massa intracardíaca oscilante ecogênica em sítio de
lesão endocárdica, abscesso perivalvar e nova deiscência em valva
prostética).
28. Critérios menores
Fator predisponente para EI (uso de drogas injetáveis ou doença
cardiovascular predisponente);
Febre > 38ºC;
Fenômenos vasculares (exceto petéquias e outras hemorragias);
Fenômenos imunológicos (presença de fator reumatóide,
glomerulonefrite, nódulo de Osler ou manchas de Roth);
Hemocultura positiva que não preencha critérios maiores ou
evidência sorológica de infecção ativa (exclui-se hemocultura única
positiva para estafilococo coagulase-negativo ou para
microorganismo que raramente cause endocardite).
29. VIII. Tratamento
Envolve a erradicação do organismo causador e o
tratamento das manifestações hemodinâmicas e
embólicas da doença secundária à destruição valvar e a
formação de vegetação.
Antibioticoterapia é fundamental e, em alguns casos, há
indicação de cirurgia.
A endocardite por S. aureus associa-se a pior
prognóstico devido a maior virulência, freqüência
aumentada de embolia e formação de abscessos.
Varia de 4 a 6 semanas, de acordo com a
antinbioticoterapia e agente infectante.
30. VIII.1. Tratamento Clínico
a) Streptococcus (viridans/ bovis):
- Penicilina cristalina (20 milhões U/dia);
+
- Gentamicina
b) Staphilococcus
- Valva normal
- Sensíveis a Meticilina (Oxacilina + Gentamicina)
- Resistentes a Meticilina – Vancomicina
- Prótese Valvar:
- Vancomicina + Rifanpicina + Gentamicina
31. c) Grupo HACEK
- Ceftriaxone
Ou
- Ampicilina + Gentamicina
d) Fungos
- Anfotericina B
OBS: - Alternativa Streptococcus (bons resultados):
Ceftriaxone – 4 semanas;
- Quando empírico em EI aguda e complicada –
Staphilococcus: Vancomicina/ Teicoplamina +
Aminoglicosídeo. Se for EI sub aguda usar Ceftriaxona +
Aminoglicosídeo
32. VIII.2. Tratamento Cirúrgico
Indicações:
- ICC por disfunção valvar (moderada/ grave) e fístulas
entre câmaras;
- Abscesso miocárdico ou valvular;
- Bacteremia persistente apesar da terapia adequada;
- Retirada de marcapasso quando ele for o foco.
33. IX. Profilaxia
VI.1. Recomendações
- EI prévia
- Próteses valvares
- Cardiopatia congênita cianogênica
- Valvulopatias reumáticas (ou não)
- Procedimentos dentários que envolvam manipulação do tecido
gengival e da região periapical ou perfuração de mucos oral
- Pacientes de alto risco cardíaco com infecção de trato
gastrintestinal ou geniturinário e que serão submetidos a
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos desses sistemas
34. REGIME PADRÃO DE PROFILAXIA
DROGAS ALTERNATIVAS
DROGAS ALTERNATIVAS VIA ORAL NÃO
VIA ORAL (HIPERSENSIBILIDADE E
(HIPERSENSIBILIDADE) DISPONÍVEL
IMPOSSIBILIDADE VIA ORAL)
AMOXACILINA CLINDAMICINA 600 mg EV
CEFALEXINA
ADULTOS 2,0 g VO AMPICILINA (30 MIN - 1 H ANTES
ADULTO: 2,0g VO
CRINAÇAS 50 mg/Kg PROCEDIMENTO
DOSE ÚNICA
CRIANÇA: 50 mg/Kg DOSE CEFAZOLINA OU CEFTRIAXONE
2g EV OU im
ÚNICA 1,0 g EV OU IM
CLINDAMICINA
ADULTO 600 MG VO
CRIANÇA 20mg/ kg
DOSE ÚNICA
CEFAZOLINA OU
AZITROMICINA OU
CEFTRIAXONE 1,0
CLARITROMICINA
g EV OU IM
ADULTO: 500 mg VO
CRIANÇA: 15mg/Kg
DOSE ÚNICA
(1H ANTES PROCEDIMENTO)
35. X. Complicações
a) Neurológicas:
- Avci;
- Hemorragia intracraniana;
- Encefalopatia, meningite e abscesso;
b) Cardiológicas:
- ICC;
- Embolias;
- TEP;
c) Outras:
- Infarto esplênico (44% das autópsias);
- Abscesso esplênico (3 a 5% das EI – relacionado com
Staphilo);
- Alterações renais: abscessos, embolicas e
glomerulonefrites.