1. CURSO : Interação dos Saberes sobre História e Culturas Africanas e
Afrobrasileiras
PROFESSOR: Valdilene de Assis Ferreira Gondim
TEMA: Literatura Afrobrasileira.
PÚBLICO ALVO: Comunidade dos terreiros de candomblé
DATA: 09/06/2011
QUERO SER TAMBOR - JOSÉ CRAVEIRINHA
Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
2. até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
José Craveirinha
A literatura brasileira, escrita maciçamente por escritores brancos,
imprime, historicamente, uma imagem pejorativa e destrutiva do negro, sempre
considerado inferior do ponto de vista cultural e, consequentemente, do ponto
de vista social. Deturpadas, as visões sobre o negro, invariavelmente foram
construídas de cima para baixo. Essa visão ideológica e equivocada do outro
criou os ―estereótipos sobre os negros: um clichê aviltado, simplificado
preconceituosamente‖. (LOBO, 1993, p. 171)
O romance brasileiro funda sua análise na questão dos estereótipos. O
que se pode perceber é que, no Brasil, os intelectuais em sua maioria
estiveram atrelados a uma identidade cultural ocidental europeia e acabaram
compactuando com a política de exclusões. A literatura desempenha um papel
de suma importância na constituição da nacionalidade brasileira. Por seu
caráter didático-pedagógico estabelece modelos de heróis, perfis
comportamentais constroe idéias e valores que são tomados como ideais. Mas,
em seu contexto geralmente o negro está fora ou aparece em condições de
inferioridade. É preciso efetuar uma reconfiguração do imaginário negro
desconstruindo uma memória que foi forjada pela História dita oficial.
Percebe-se que a literatura brasileira desenvolve-se fazendo contornos
altamente racistas o que torna problemático pensar na busca da identidade
nacional.
O cânone literário reflete um sistema de valores instituído por grupos
detentores de poder, que legitimam decisões particulares com um discurso
globalizante.
Os currículos das faculdades de Letras, no Brasil, em principio
marginalizaram grande parte da produção literária africana e afro-brasileira.
Jogada à margem do cânone ocidental e discriminada pela critica, esta
literatura foi reduzida e classificada como ―menor, daí a necessidade de ampliar
3. a reflexão brasileira a propósito das questões teóricas e teórico-práticas sobre
a produção cultural de afro-brasileiros e abreviar o caminho dessa
literatura,sobretudo no momento presente, que demanda a inclusão dos
estudos afro-brasileiros nos currículos escolares de todo o país. O estudo
dessas questões nos mostra a urgência de se recontar a história e dar voz aos
cantos silenciados.
O preconceito racial
Foi da Bíblia que os europeus retiraram suas explicações para a
inferioridade do negro. O Livro do Gênesis
- Maldito seja Canaã!
Que ele seja, para seus irmãos,
O último dos escravos.
E disse também:
- Bendito seja Iahweh, o Deus de Sem,
e que Canaã seja seu escravo!
Que Deus dilate a Jafé,
Que ele habite nas tendas de Sem,
E que Canaã seja teu escravo!
(Gênesis, 9,18-27)
A LITERATURA BRASILEIRA
Quem são os nossos heróis. Descrições étnicas.
* Iracema
* Peri
* A Moreninha
* A escrava Isaura
* Capitu
* (...)
Humanidade branca cristã e a bestialidade preta pagã
― Em Deus você nunca teve crença
Com Cristo você não tem parença
Quando canta só solta termo imundo
Maluco, visão de outro mundo
Papa molho, cachorro da doença
Negro não nasce, aparece!
E não morre-bate o cabo!
Branco dá a alma a Deus
E negro dá a alma ao Diabo.‖
( Cascudo. Luis Câmara. Vaqueiros e Cantadores. Rio de Janeiro, 1968.p.115-
21)
4. Gregório de Matos
― Mulher branca para casar
Mulata para fornicar
Negra para trabalhar‖.
Castro Alves
VOZES D’ÁFRICA (Castro Alves)
Deus! Ó Deus onde estás que não respondes?
Em que mundo, e, qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
..................................................................
Não basta inda de dor, ó Deus terrível.
É, pois, teu peito eterno, inexaurível.
De vingança e rancor?...
E o que é que fiz, Senhor?que torno crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?...
Foi depois do dilúvio... Um viandante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
―Cam... serás meu esposo bem-amado...
Serei tua Eloá...‖.
.......................................................................
Cristo! Embalde morreste sobre um monte...
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fardo adverso,
Meus filhos – alimária do universo,
Eu – pasto universal
.......................................................
Basta, Senhor!De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p’ra os crimes meus!...
Há dois mil anos... eu soluço um grito...
Escuta o brado meu lá no infinito,
Meu deus! Senhor, meu Deus!...
5. José de Alencar
Til
―Não me torno (...) escravo de um homem, que nasceu rico, por causa das
sobras que me atirava como atiraria a qualquer outro, ou a seu negro.‖
O demônio familiar
Gira em torno dos esforços de um crioulo negro para mudar os planos de
casamento de seu senhor em sua própria vantagem. O culpado é descoberto,
libertado por seu dono, mas expulso de casa comas palavras: ―Toma: é a carta
de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas
recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta
severa de tuas ações‖.
Bernardo Guimarães
A escrava Isaura)
―Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça.
As linhas do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do
piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e
suaves essas linhas, que facinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda
análise. A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada
por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor- de-
rosa desmaiada‖.
Rosa(personagem)
― Se não fossem os brinquinhos de ouro,que lhes tremiam nas pequenas e bem
molduradas orelhas, e os túrgidos e ofegantes seios que como dois trêfegos
cabritinhos lhe pulavam para baixo da transparente camisa,toma-la-íeis
por um rapazote maroto e petulante.‖
Joaquim Manuel de Macedo
AS VÍTIMAS ALGOZES
Pai Raiol ―Era um negro africano de trinta a trinta e seis anos de idade, um
dos últimos importados da África pelo tráfico nefando: homem de baixa
estatura, tinha o corpo exageradamente maior que as pernas; a cabeça
grande, os olhos vesgos, mas brilhantes e impossíveis de se resistir à
fixidade do seu olhar pela impressão incômoda do estrabismo duplo, e por
não sabermos que fluição de magnetismo infernal; quanto ao mais,
mostrava os caracteres físicos da sua raça; trazia porém nas faces
cicatrizes vultuosas de sarjaduras recebidas na infância: um golpe de
6. azorrague lhe partira pelo meio o lábio superior, e a fenda resultante deixara
a descoberto dois dentes brancos, alvejantes,pontudos, dentes caninos que
pareciam ostentar-se ameaçadores; sua boca era pois como mal fechada
por três lábios; dois superiores e completamente separados, e um inferior
perfeito: o rir aliás muito raro desse negro era hediondo por semelhante
deformidade; a barda retorcida e pobre que ele tinha mal crescida no
queixo, como erva mesquinha em solo árido, em vez de ornar afeiava-lhe o
semblante; uma de suas orelhas perdera o terço da concha na parte
superior cortada irregularmente em violência de castigo ou em furor de
desordem; e finalmente braços longos prendendo-se a mãos descomunais
que desciam à altura dos joelhos completavam-lhe o aspecto repugnante da
figura mais antipática. (Macedo 1988: 88).
Aluísio Azevedo
O Mulato
“Raimundo (...) seria um tipo bem acabado de brasileiro, se não foram os
grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e
crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a
negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e fronte
espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia eram os olhos –
grandes, ramalhudos, cheio de sombras azuis; (...) a frescura da epiderme
lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sob papel de arroz‖.
Monteiro Lobato
Histórias de Tia Nastácia
―Só aturo estas histórias como estudo da ignorância e burrice do povo. Prazer
não sinto nenhum. Não são engraçadas. Não têm humorismo. Parecem-me
muito grosseiras e bárbaras – coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia
Nastácia. Não gosto. Não gosto e não gosto‖ (LOBATO, 1937, p. 31).
O escritor negro
Machado de Assis
Lima Barreto
Cruz e Souza
Domingos Caldas Barbosa
Luiz Gama
Lino Guedes
Solano Trindade
7. Machado de Assis Lima Barreto Cruz e Sousa
Emparedado ( Cruz e Souza)
―Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa
parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se
caminhares para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta do
que a primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares para
a frente, ainda nova parede, feita de Despeitos e Impotências, tremenda, de
granito, broncamente se elevará ao alto! Se caminhares, enfim, para trás, ah!
ainda, uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo — horrível! —
parede de Imbecilidade e Ignorância, te deixará num frio espasmo de terror
absoluto...
Domingos C Barbosa Luiz Gama Lino Guedes
Domingos Caldas Barbosa
― Não tens nas faces
jasmins e rosas.
Cor mais graciosa
Nas faces tens
Todas t’a invejam
E há quem ser queira
Assim trigueira
Como tu és‖.
( Retrato de Lucinda)
8. Luiz Gama ( Quem sou eu)
O que sou, e como penso, Tinha pêlo e má catinga;
Aqui vai com todo o senso, O deus Mendes, pelas costas,
Posto que já veja irados Na cabeça tinha pontas;
Muitos lorpas enfurnados Jove, quando foi menino,
Vomitando maldições, Chupitou leite caprino;
Contra as minhas reflexões. E segundo o antigo mito
Eu bem sei que sou qual Grilo, Também Fauno foi cabrito.
De maçante e mau estilo; Nos domínios de Plutão,
E que os homens poderosos Guarda um bode o Alcorão;
Desta arenga receosos Nos lundus e nas modinhas
Hão de chamar-me Tarelo São cantadas as bodinhas:
Bode, negro, Mongibelo; Pois se todos têm rabicho,
Porém eu que não me abalo Para que tanto capricho?
Vou tangendo o meu badalo Haja paz, haja alegria,
Com repique impertinente, Folgue e brinque a bodaria;
Pondo a trote muita gente. Cesse pois a matinada,
Se negro sou, ou sou bode Porque tudo é bodarrada!
Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda casta
Pois que a espécie é muito vasta…
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos, Lino Guedes
Uns plebeus e outros nobres.
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios importantes,
E também alguns tratantes… Negro preto cor da noite, nunca
Aqui, nesta boa terra, te esqueças do açoite que
Marram todos, tudo berra; cruciou tua raça em nome dela
Nobres, Condes e Duquesas, somente faze com que a nossa
Ricas Damas e Marquesas
Deputados, senadores,
gente um dia gente se faça!.
Gentis-homens, vereadores;
Belas damas emproadas
De nobreza empantufadas;
Repimpados principotes,
Orgulhosos fidalgotes,
Frades, Bispos, Cardeais,
Fanfarrões imperiais,
Gentes pobres, nobres gentes
Em todos há meus parentes.
Entre a brava militança
Fulge e brilha alta bodança;
Guardas, Cabos, Furriéis
Brigadeiros, Coronéis
Destemidos Marechais,
Rutilantes Generais,
Capitães de mar-e-guerra
- Tudo marra, tudo berra –
Na suprema eternidade,
Onde habita a Divindade,
Bodes há santificados,
Que por nós são adorados.
Entre o coro dos Anjinhos
Também há muitos bodinhos.
O amante de Syringa
9. Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dzier
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
Solano Trindade
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome parece dizer
tem gente com fome
10. em gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Culturais. Belo Horizonte:
Editora UFMG; Brasília:
Representação da UNESCO
BERND, Zilá. Introdução à
no Brasil, 2003.
literatura negra. São Paulo:
Brasiliense,1988.
LEITE, Sebastião Uchoa.
Bosi, Alfredo. Sob o signo de
Presença negra na literatura
Cam. In: Dialética da
brasileira moderna. In: Negro
Colonização.São Paulo:
brasileiro negro. Revista do
Companhia das Letras, 1992.
Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Brasília:
BROOKSHAW, David. Raça IPHAN, 1997.
e cor na literatura
Brasileira. Porto Alegre:
PROENÇA FILHO, Domício.
Mercado Aberto,1983.
A trajetória do negro na
(Novas Perspectivas)
literatura brasileira. In: Negro
brasileiro negro. Revista do
Cadernos Negros Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional,25.
DAMASCENO,Benedita Brasília: IPHAN, 1997.
Gouveia.Características da
poesia negra brasileira. In: SANTIAGO, Silviano. A cor
Poesia negra no da pele.In: Vale quanto
Modernismo brasileiro. pesa.: ensaios sobre
Campinas: Pontes, 1988. questões político-sociais. Rio
FONSECA.Maria de Janeiro: Paz e Terra,
Nazareth.(org)Brasil afro- 1982.
brasileiro.Belo
Horizonte:Autêntica, 2000. SANSONE, Lívio. Negritude
sem etnicidade: O local e o
HALL, Stuart. Da Diáspora: global nas relações raciais e
Identidades e Mediações na produção cultural negra
do Brasil.Salvador: Edufba;
Pallas,2003.
SANTILLI, Maria Aparecida.
Africanidade. São Paulo:
Ática, 1985.