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“Os
fazem falta
Mário Coluna

Ficou conhecido como o Monstro Sagrado e marcou o golo que permitiu
ao Benfica derrotar o Barcelona (3-2) e conquistar a sua primeira

D

Taça dos Clubes Campeões Europeus. Foi a 31 de Maio de 1961
Texto: David M arques

o outro lado da linha, numa residência no
Bairro de Sommerschield, em Maputo,
atende-nos uma voz lenta e serena. Não
é de agora. Mário Coluna, dono do meio-campo do Benfica durante mais de década
e meia, sempre foi assim. Aos 75 anos, e já
reformado, só não controla a velhice, mas
assegura que o coração está bom e que só
o apoquentam “umas dores que aparecem
quando há mudança de tempo”.
Durante mais de uma hora falou à Focus da infância em Lourenço Marques, da
chegada (descalço) a Portugal, da primeira
Taça dos Clubes Campeões Europeus, levantada a 31 de Maio de 1961, da PIDE, do
“king” Eusébio, do “rei” Pelé e de Trapattoni – esse mesmo (!) –, que lhe rachou o
peito de um pé numa final que até estava a
correr de feição ao seu Benfica.
Focus – Nasceu em Magude e é filho de um
português da Beira Baixa e de uma africana.
Como se conheceram os seus pais?
Mário Coluna – O meu pai não falava a língua da minha mãe, que também não falava
português. Ele estava a explorar uma loja na
estação dos caminhos de ferro de Magude e
foi ali que a conheceu. Ficaram juntos, mas
depois de eu nascer o meu pai foi para Lourenço Marques. Fiquei com a minha mãe e,
quando tinha quatro anos, um sujeito que
era secretário do administrador da zona falou
com o meu pai.


88

INCONFUNDÍVEL
Em acção num jogo
diante da Selecção
de Lourenço
Marques, em Julho
de 1962
moçambicanos
ao Benfica”
ASF

89
entrevista de vida
Quatro glórias
Da direita para a esquerda: Coluna,
Valdo, Eusébio e Espírito Santo,
durante um almoço no Estádio da Luz

Vanda de Melo

“Fiz atletismo
e bati
o recorde do

salto em
altura”

 Focus – O que lhe disse?

M.C. – Que ele tinha de ir buscar-me. Ali
não havia escolas e eu não falava português.
Estava perdido. Entretanto o meu pai disse-lhe para me meter no comboio para Lourenço Marques. Só que esse sujeito disse que o
meu pai tinha de ir lá para me registar na
Administração de Magude. O meu pai foi lá,
mas só mais tarde é que fui viver com ele.

Focus – Foi sozinho?
M.C. – Não. A minha mãe veio comigo.
Só que o problema é que ele já tinha outra
senhora em casa e disse que a minha mãe
tinha de ir embora sem mim.
Ela, coitada, começou a chorar.
Eu era o único filho dela. Tinha quatro anos. Lá me disse
que eu ficava com o meu pai e
com a outra mãe, que não tinha sentido dores de parto.

M.C. – No Desportivo de Lourenço Marques, que era filial do Sport Lisboa e Benfica, com 15 anos. Eu morava no Alto Maé
e o campo era na baixa da cidade. Ainda
andava um bom bocado a pé. Só mais tarde é que o meu pai, que foi sócio-fundador
do Desportivo, soube que eu jogava lá à
bola. Disseram-lhe que eu era bom jogador.
Quando era júnior cheguei a jogar de manhã no Desportivo e à tarde nos seniores do
João Albasini.
Focus – Como eram as condições no Desportivo?
M.C. – Era amadorismo,
claro, mas era tudo bem tratado. Havia equipamentos,
botas e depois dos jogos tínhamos lanche. Não havia
prémios nem nada disso.

“Demorei quase dois
dias a chegar
a Portugal. Os pés

começaram
a inchar”

Focus – Onde começou a jogar à bola?
José João Sá

Monstros
sagrados
Mário Coluna com
José Augusto (à
direita). Estiveram
presentes nas duas
Taças dos Clubes
Campeões Europeus
ganhas pelas
águias, em 1961
e 62

Focus – Teve uma infância feliz?
M.C. – Infelizmente a minha madrasta não podia ter filhos. Andou
a criar filhos e filhas das irmãs dela. Então eu era bem afastado. Mas como eu era
pequenino, miúdo, não ligava nenhuma a
certas coisas. O meu pai nem sabia o que
se passava em casa, porque ia cedo para o
trabalho e só voltava à noite.

90

Focus – Também praticava
outros desportos.
M.C. – Sim, sim! Fiz atletismo e bati o recorde do
salto em altura de juniores, com um metro e
oitenta e dois e meio. Também treinei boxe,
mas nunca lutei oficialmente.
Focus – E foi mecânico de automóveis.
M.C. – Fazia as duas coisas ao mesmo
tempo. De manhã era aprendiz mecânico.
Os treinos no Desportivo eram perto das
oficinas e depois das cinco horas da tarde.
Dava para conciliar e foi sempre assim até
ir para Portugal.
Focus – Em 1954 chega ao Benfica, mas o
Sporting aparece primeiro.
M.C. – Tive uma proposta do Sporting,
que nesse ano veio cá a convite do Sporting
de Lourenço Marques. Era o tempo do Zé
Travassos, do Vasques, do Carlos Gomes,
dessa malta toda. E eu joguei contra eles
pela selecção dos naturais de Moçambique.
No fim do jogo, os dirigentes do Sporting
foram ter comigo e fizeram-me um convite.
Eu disse-lhes: “Sou menor, por isso falem
com o meu pai, porque ele é que manda.”
focus 606/2011
Focus – E a viagem de avião?
M.C. – Levei quase dois dias a chegar. Fui
num Super Constellation, na altura não havia jactos. Tínhamos de estar sempre a parar
para reabastecer. Ainda passei mal. Levei
um fato novo e uns sapatos novos. Os pés começaram a inchar e quando cheguei a Lisboa já nem conseguia calçar os sapatos.
Focus – Onde ficou quando chegou?
M.C. – Em casa de um tio, que morava no
Campo Pequeno. O lar do jogador ainda estava em arranjos. Quando ficou pronto tive
de ir para lá, porque todos os jogadores solteiros do Benfica tinham de viver no lar.
Focus – Conheceu a sua primeira mulher em
Portugal?
M.C. – Sim, mas quando eu saí de Moçambique já era pai! Tinha uma filha com quatro
meses [Yolanda]. Quis casar, mas o meu pai
não autorizou porque eu era menor. Combinei com a mãe da minha filha que quando
fizesse 21 anos a ia buscar a Moçambique e
casava-me com ela.
Focus – E assim fez?
M.C. – Assim quis fazer! Mas durante o
tempo em que estive em Lisboa comecei a
receber cartas anónimas de pessoas que diziam que a mãe da minha filha andava com
outro fulano. Entretanto eu escrevi para ela a
perguntar-lhe o que é que se andava afinal
a passar. Falei-lhe das tais cartas e ela negou tudo. Disse que era a minha família que
não gostava dela. Depois, em 1958, quando
eu estava na tropa em Portugal [na Ajuda,
em Lisboa], tive férias. Apanhei o avião para
Lourenço Marques e fui a casa dela buscar a
miúda para passar o dia comigo em casa do
meu pai. Durante o caminho, a miúda, que já
tinha quatro anos, abriu a boca: “Pai! O senhor Manecas diz que não vai mais lá a casa
enquanto o pai estiver cá.” Era o tal tipo que
me andava a pôr os palitos. Ficou confirmado. Depois de fazer a quarta classe mandei-a
meter no avião para Lisboa.
Focus – Na época os jogadores eram muito
assediados?
focus 606/2011

M.C. – Éramos pois. No Benfica pediam-nos autógrafos e as miúdas andavam sempre de volta. Algumas queriam estar comigo,
mas havia muita disciplina, horários para
acordar, para dormir [...] Às 11 horas da noite
já tínhamos de estar no lar e na cama.
Focus – Como correram os primeiros tempos
no Benfica?
M.C. – Bem. Sabe que, graças a Deus, fui
sempre titular no Benfica, na selecção nacional, na selecção militar e tudo mais!
Focus – Não teve problemas por jogar na posição de avançado, a mesma ocupada por José
Águas, quando foi contratado?
M.C. – Não, não! O José Águas jogava no
lugar dele e eu jogava a interior direito ou a
interior esquerdo. Eu era mais móvel. Ia ao
meio-campo buscar a bola e transportava o
jogo. Mas é verdade que em Moçambique fui
sempre avançado centro.
Focus – Quando começou a ser apelidado de
Didi português?
M.C. – Didi português? Foi no Rio de Janeiro! Em 1955, o Benfica foi convidado para ir
lá jogar. Os jornalistas entrevistaram-me depois de um jogo e disseram-me que eu era
parecido com o Didi, que era um dos melhores jogadores brasileiros da época, a par do
Garrincha. O Pelé só apareceu mais tarde.
Focus – Chegou a ter propostas para ir jogar
para o Brasil.
M.C. – Do Vasco da Gama e do Flamengo,
mas infelizmente ou felizmente o Governo
não me deixou sair. Não deixava sair ninguém. Como não havia profissionalismo, o
Governo de Salazar é que mandava.
Focus – No Brasil tinha uma admiradora especial. A cantora Ângela Maria.
M.C. – Foi, mas lá está [...] Não podíamos
sair de Portugal para ir jogar no estrangeiro.
Conheci-a durante uma digressão ao Brasil.
Ainda nos encontrámos umas vezes, houve
uns beijinhos, mas não passou disso. A coisa
ficou por aí, também porque ela não tinha interesse em ir para Portugal.
Focus – Comemoram-se agora 50 anos da
conquista da primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus pelo Benfica. Que memórias tem
dessa final?
M.C. – Oh, isso já foi há tantos anos que já
não me lembro muito bem. Sei que fiz um
dos golos, o da vitória. Ganhámos 3-2.
Focus – E no ano seguinte ganhou a segunda
final, contra o Real Madrid. Lembra-se da maldição de Guttmann?
M.C. – Quando saiu do Benfica, ele deu
uma entrevista em que disse que o Benfi- 

Arquivo Pessoal

Focus – E falaram com o seu pai?
M.C. – Não cheguei a saber, mas mesmo
que tivessem falado o mais certo é que o meu
pai, que era um grande benfiquista, não tivesse aceite. Por causa desse interesse, os
dirigentes do Desportivo mandaram um SOS
ao Benfica, a informar que tinham um jogador, bom atleta, que estava a ser seguido pelo
Sporting. Responderam-lhes para me meterem no primeiro avião. Dito e feito. O Desportivo e o meu pai entenderam-se e o Benfica
deu 175 contos. Eu ia receber dois contos e
quinhentos por mês.

“Os dirigentes
do Desportivo

mandaram
um SOS

ao Benfica
a informar que
tinham
um jogador
que estava
a ser seguido
pelo Sporting”
91
e ntr e vi s ta d e vi da
 ca nunca mais ia ser campeão da Europa.

Jorge Firmino

O que é certo é que tem acontecido, mas não
penso que isso seja uma maldição, porque eu
sou cristão, católico, apostólico romano e o
Bella Guttmann não era nenhum deus para
fazer acontecer isso. Sei que foi para o FC
Porto e que lá não foi campeão europeu.

Capitão
Mário Coluna é ainda o
jogador mais titulado
da história do Benfica
e aquele que mais
vezes capitaneou a
equipa (328 jogos)

“Falar com ele
[Trapattoni]?
Só se fosse
para lhe dar

um
murro
naquela
cara!”

Focus – Dentro de campo o Coluna sempre se
distingiu como voz de comando.
M.C. – Sim, sim! Naquele tempo os treinadores não podiam levantar-se do banco e dar
instruções. Quando saíam do banco para dar
instruções eram logo expulsos. Os treinadores davam instruções nos balneários. “Fazem isto assim e assim, mas dentro do campo quem manda é o Mário Coluna”, diziam.
Falava com os meus colegas todos, porque
também corria para todo o lado. E isso intensificou-se depois do falecido José Águas, que
era o capitão, ter deixado de jogar.
Focus – E fora de campo?
M.C. – Também. O Eusébio quando saiu
de Moçambique levava com ele uma carta
da mãe dirigida a mim. Quando chegou ao
aeroporto entregou-ma. Abri-a, li-a e devolvi-lha. Perguntei-lhe o que estava lá escrito
para não pensar que eu queria impor-me a
ele. “A mãe pede para o senhor Coluna tomar conta de mim porque em Portugal não
conheço ninguém.” Assim foi. Abri-lhe uma
conta na Caixa Geral de Depósitos e estipulava o dinheiro que ele podia gastar durante
o mês, fosse em transportes ou na matiné.
Focus – Quando começou a ser apelidado de
Monstro Sagrado?
M.C. – Na final da Taça do Campeões contra o Barcelona. Foi o senhor Artur Agostinho,
falecido há dois meses, que me deu o título.
Focus – O Mundial de 66 ficou-lhe atravessado?
M.C. – Estava tudo preparado para ser a Inglaterra a ganhar, tanto que nas meia-finais
eles eram para jogar connosco em Liverpool,
onde nós estávamos. Só que à última da hora
a organização decidiu que nós tínhamos de
jogar em Wembley. Fomos de comboio e chegámos a Londres à meia-noite, cansados. O
jogo era no dia seguinte, da parte da tarde.

Arq. Impala

Focus – O E Trapattoni? Também lhe ficou
atravessado na final de 63 contra o Milan?
M.C. – Com certeza! Nós estávamos a ganhar, eu tinha a bola e ele veio por trás e
rachou-me o peito do pé. Naquela altura não
havia substituições. Praticamente jogávamos
com menos um, porque eu só fazia figura de
corpo presente. Osso é osso, não é músculo.

92

Focus – Chegou a falar com ele sobre o sucedido quando esteve no Benfica?

M.C. – Eu? Falar com ele? Para quê? Só se
fosse para lhe dar um murro naquela cara,
mais nada! Nunca mais quis ver esse sujeito.
Focus – E os problemas com a PIDE, depois
de um jogo de selecções em Praga, na República Checa?
M.C. – No hotel onde estávamos passou
por lá uma cambada de estudantes negros
angolanos a pedirem bilhetes para o jogo.
Com certeza que alguns daqueles jornalistas
que acompanhavam a Selecção deviam ser
informadores da PIDE e passaram-lhes essa
informação. Queriam saber o que é que os
rapazes de cor tinham estado a fazer no hotel. Falaram comigo, porque eu é que era o
capitão e, por isso, era eu quem podia oferecer-lhes os bilhetes para fazerem claque por
Portugal. Expliquei-lhes tudo e ficou por aí.
Focus – Em 1970 teve uma festa de despedida, mas não deixou de jogar.
M.C. – Quando eu fiz 35 anos, o presidente
do Benfica, Borges Coutinho, chamou-me e
disse-me: “Mário Coluna, você para sair pela
porta grande, vai deixar de jogar e vamos fazer-lhe uma festa de homenagem e a receita
vai toda para si.” Como eu tinha o curso de
treinadores, ia treinar a escola de formação
de jogadores. Quando eu estava a treinar,
vieram ter comigo um dirigente e um empresário, do Olympique Lyonnais. Disseram-me
que sabiam que eu tinha sido dispensado
como jogador, mas que achavam que ainda
podia ser útil pelo menos uma época. Fui
para o Lyon, mas devidamente autorizado
pelo Benfica. Para além disso, o Salazar já
tinha falecido e nessa altura já era possível
sairmos para o estrangeiro.
Focus – E as condições no futebol francês?
M.C. – Profissionalismo a cem por cento.
Fazíamos estágios e havia controlo da hora
de dormir. Mas fui ganhar muito mais! Foi
o melhor contrato que eu tive. Depois tive o
convite para treinar o Estrela de Portalegre.
Estive lá um ano e voltei ao Benfica, para a
escola de jogadores. Cheguei a ir observar o
Chalana ao Barreiro.
Focus – Quando voltou para Moçambique?
M.C. – Em 75, antes da independência.
Fui convidado para treinar o Textáfrica.
O contrato era bom e fui campeão no primeiro campeonato que se realizou. Depois
disso, tive outro convite para o Ferroviário, mas eu disse que não queria contrato
como treinador. Disse ao director que sabia
ler e escrever e que os caminhos de ferro
tinham escritórios. Fora disso, também tinham oficinas com carros para arranjar.
Não me importava de sujar as mãos. Fiquei
nos caminhos de ferro muitos anos. Agora
estou reformado.
focus 606/2011
Mundial de 66
A cumprimentar
Bobby Moore,
capitão de
Inglaterra, antes
do encontro das
meias-finais.
Portugal perdeu
2-1

Popperfoto/GettyImages

Focus – Há condições para Moçambique voltar a ter jogadores como o Eusébio, o Matateu
ou o próprio Coluna?
M.C. – Há qualidade, mas tem de haver interesse da parte dos dirigentes dos clubes.
Focus – É verdade que durante um jogo com
o Santos, no Brasil, ameaçou Pelé com um murro?
M.C. – É verdade, sim! Numa jogada ele
sofreu uma falta e quis bater num colega
meu. Eu, como era o capitão, cheguei lá e
disse-lhe: “Cuidado comigo, que eu joguei
boxe e dou-te um murro nessa cabeça.” Ele
acalmou-se, claro, porque eu era mais velho
e mais forte do que ele.
focus 606/2011

Focus – Considerava-se um jogador duro?
M.C. – Tinha força porque preparava-me
bem nos treinos. Subia e descia o terceiro
anel do Estádio da Luz e também gostava
de levantar pesos, mas isso fazia às escondidas porque era proibido. Mas era por isso
que eu tinha um bom físico, bons músculos e
nos choques com os adversários quase nunca
caía, ao contrário deles. Ou era o Coluna ou
não era o Coluna, não é?
Focus – Em 1963 quase sofreu na pele as
consequências de uma entrada dura sobre o
Figueiredo. Deixou o Estádio de Alvalade sob
escolta policial.
M.C. – O nosso defesa central, que era o
Gernano, estava a jogar lesionado. O Figueiredo, que era um jogador muito rápido, apanhou a bola a meio-campo e foi para cima de
mim. Eu pensei: “Se este tipo passa por mim,
mais depressa passa pelo Germano, que não
pode correr.” Ele adianta a bola, mas eu abro
os braços, aperto-lhe o pescoço e atiro-o para
o chão. Foi falta, mas o árbitro não me expulsou. A massa associativa não gostou. Quando
acabou o jogo, queriam bater-me e fizeram-me uma espera [risos]. Fui safo pela polícia.
Focus – Continua a viver o futebol com intensidade?
M.C. – Vivo, mas como o meu Benfica tem
passado mal, raramente vejo os jogos. Só no
dia seguinte e se tiverem ganho, para não
sofrer. Só vejo os jogos do Sporting e do FC
Porto.

Arquivo Pessoal

Focus – Também teve uma passagem pela actividade política.
M.C. – Fui convidado pelo Eduardo Mondlane, fundador da Frelimo, para ser membro do partido e fui deputado. Mais tarde
também fui presidente da Federação. O
anterior presidente encheu o bolso e deixou
dívidas enormes. Quando a selecção nacional ia aos hotéis, não pagava. Na sede não
havia luz, telefone, nem água e os empregados não recebiam ordenado. Quando eu
já era presidente, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, visitou a sede e inteirou-se dos
nossos problemas. A Federação precisava de
400 mil dólares americanos para resolver os
problemas das dívidas e assim aconteceu.
Também tenho uma escola de futebol na
Namaacha [Academia Mário Esteves Coluna]. Foi a FIFA que me ofereceu dinheiro
para comprar as instalações, que foram entregues à Federação.

“Disse ao Pelé
num jogo:
‘Cuidado
comigo, que
eu joguei boxe
e dou-te

um
murro

nessa
cabeça’”

Focus – O que falta a este Benfica?
M.C. – Olhe, faltam aí os moçambicanos!■
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  • 1. e ntr e vi s ta d e vi da “Os fazem falta Mário Coluna Ficou conhecido como o Monstro Sagrado e marcou o golo que permitiu ao Benfica derrotar o Barcelona (3-2) e conquistar a sua primeira D Taça dos Clubes Campeões Europeus. Foi a 31 de Maio de 1961 Texto: David M arques o outro lado da linha, numa residência no Bairro de Sommerschield, em Maputo, atende-nos uma voz lenta e serena. Não é de agora. Mário Coluna, dono do meio-campo do Benfica durante mais de década e meia, sempre foi assim. Aos 75 anos, e já reformado, só não controla a velhice, mas assegura que o coração está bom e que só o apoquentam “umas dores que aparecem quando há mudança de tempo”. Durante mais de uma hora falou à Focus da infância em Lourenço Marques, da chegada (descalço) a Portugal, da primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus, levantada a 31 de Maio de 1961, da PIDE, do “king” Eusébio, do “rei” Pelé e de Trapattoni – esse mesmo (!) –, que lhe rachou o peito de um pé numa final que até estava a correr de feição ao seu Benfica. Focus – Nasceu em Magude e é filho de um português da Beira Baixa e de uma africana. Como se conheceram os seus pais? Mário Coluna – O meu pai não falava a língua da minha mãe, que também não falava português. Ele estava a explorar uma loja na estação dos caminhos de ferro de Magude e foi ali que a conheceu. Ficaram juntos, mas depois de eu nascer o meu pai foi para Lourenço Marques. Fiquei com a minha mãe e, quando tinha quatro anos, um sujeito que era secretário do administrador da zona falou com o meu pai.  88 INCONFUNDÍVEL Em acção num jogo diante da Selecção de Lourenço Marques, em Julho de 1962
  • 3. entrevista de vida Quatro glórias Da direita para a esquerda: Coluna, Valdo, Eusébio e Espírito Santo, durante um almoço no Estádio da Luz Vanda de Melo “Fiz atletismo e bati o recorde do salto em altura”  Focus – O que lhe disse? M.C. – Que ele tinha de ir buscar-me. Ali não havia escolas e eu não falava português. Estava perdido. Entretanto o meu pai disse-lhe para me meter no comboio para Lourenço Marques. Só que esse sujeito disse que o meu pai tinha de ir lá para me registar na Administração de Magude. O meu pai foi lá, mas só mais tarde é que fui viver com ele. Focus – Foi sozinho? M.C. – Não. A minha mãe veio comigo. Só que o problema é que ele já tinha outra senhora em casa e disse que a minha mãe tinha de ir embora sem mim. Ela, coitada, começou a chorar. Eu era o único filho dela. Tinha quatro anos. Lá me disse que eu ficava com o meu pai e com a outra mãe, que não tinha sentido dores de parto. M.C. – No Desportivo de Lourenço Marques, que era filial do Sport Lisboa e Benfica, com 15 anos. Eu morava no Alto Maé e o campo era na baixa da cidade. Ainda andava um bom bocado a pé. Só mais tarde é que o meu pai, que foi sócio-fundador do Desportivo, soube que eu jogava lá à bola. Disseram-lhe que eu era bom jogador. Quando era júnior cheguei a jogar de manhã no Desportivo e à tarde nos seniores do João Albasini. Focus – Como eram as condições no Desportivo? M.C. – Era amadorismo, claro, mas era tudo bem tratado. Havia equipamentos, botas e depois dos jogos tínhamos lanche. Não havia prémios nem nada disso. “Demorei quase dois dias a chegar a Portugal. Os pés começaram a inchar” Focus – Onde começou a jogar à bola? José João Sá Monstros sagrados Mário Coluna com José Augusto (à direita). Estiveram presentes nas duas Taças dos Clubes Campeões Europeus ganhas pelas águias, em 1961 e 62 Focus – Teve uma infância feliz? M.C. – Infelizmente a minha madrasta não podia ter filhos. Andou a criar filhos e filhas das irmãs dela. Então eu era bem afastado. Mas como eu era pequenino, miúdo, não ligava nenhuma a certas coisas. O meu pai nem sabia o que se passava em casa, porque ia cedo para o trabalho e só voltava à noite. 90 Focus – Também praticava outros desportos. M.C. – Sim, sim! Fiz atletismo e bati o recorde do salto em altura de juniores, com um metro e oitenta e dois e meio. Também treinei boxe, mas nunca lutei oficialmente. Focus – E foi mecânico de automóveis. M.C. – Fazia as duas coisas ao mesmo tempo. De manhã era aprendiz mecânico. Os treinos no Desportivo eram perto das oficinas e depois das cinco horas da tarde. Dava para conciliar e foi sempre assim até ir para Portugal. Focus – Em 1954 chega ao Benfica, mas o Sporting aparece primeiro. M.C. – Tive uma proposta do Sporting, que nesse ano veio cá a convite do Sporting de Lourenço Marques. Era o tempo do Zé Travassos, do Vasques, do Carlos Gomes, dessa malta toda. E eu joguei contra eles pela selecção dos naturais de Moçambique. No fim do jogo, os dirigentes do Sporting foram ter comigo e fizeram-me um convite. Eu disse-lhes: “Sou menor, por isso falem com o meu pai, porque ele é que manda.” focus 606/2011
  • 4. Focus – E a viagem de avião? M.C. – Levei quase dois dias a chegar. Fui num Super Constellation, na altura não havia jactos. Tínhamos de estar sempre a parar para reabastecer. Ainda passei mal. Levei um fato novo e uns sapatos novos. Os pés começaram a inchar e quando cheguei a Lisboa já nem conseguia calçar os sapatos. Focus – Onde ficou quando chegou? M.C. – Em casa de um tio, que morava no Campo Pequeno. O lar do jogador ainda estava em arranjos. Quando ficou pronto tive de ir para lá, porque todos os jogadores solteiros do Benfica tinham de viver no lar. Focus – Conheceu a sua primeira mulher em Portugal? M.C. – Sim, mas quando eu saí de Moçambique já era pai! Tinha uma filha com quatro meses [Yolanda]. Quis casar, mas o meu pai não autorizou porque eu era menor. Combinei com a mãe da minha filha que quando fizesse 21 anos a ia buscar a Moçambique e casava-me com ela. Focus – E assim fez? M.C. – Assim quis fazer! Mas durante o tempo em que estive em Lisboa comecei a receber cartas anónimas de pessoas que diziam que a mãe da minha filha andava com outro fulano. Entretanto eu escrevi para ela a perguntar-lhe o que é que se andava afinal a passar. Falei-lhe das tais cartas e ela negou tudo. Disse que era a minha família que não gostava dela. Depois, em 1958, quando eu estava na tropa em Portugal [na Ajuda, em Lisboa], tive férias. Apanhei o avião para Lourenço Marques e fui a casa dela buscar a miúda para passar o dia comigo em casa do meu pai. Durante o caminho, a miúda, que já tinha quatro anos, abriu a boca: “Pai! O senhor Manecas diz que não vai mais lá a casa enquanto o pai estiver cá.” Era o tal tipo que me andava a pôr os palitos. Ficou confirmado. Depois de fazer a quarta classe mandei-a meter no avião para Lisboa. Focus – Na época os jogadores eram muito assediados? focus 606/2011 M.C. – Éramos pois. No Benfica pediam-nos autógrafos e as miúdas andavam sempre de volta. Algumas queriam estar comigo, mas havia muita disciplina, horários para acordar, para dormir [...] Às 11 horas da noite já tínhamos de estar no lar e na cama. Focus – Como correram os primeiros tempos no Benfica? M.C. – Bem. Sabe que, graças a Deus, fui sempre titular no Benfica, na selecção nacional, na selecção militar e tudo mais! Focus – Não teve problemas por jogar na posição de avançado, a mesma ocupada por José Águas, quando foi contratado? M.C. – Não, não! O José Águas jogava no lugar dele e eu jogava a interior direito ou a interior esquerdo. Eu era mais móvel. Ia ao meio-campo buscar a bola e transportava o jogo. Mas é verdade que em Moçambique fui sempre avançado centro. Focus – Quando começou a ser apelidado de Didi português? M.C. – Didi português? Foi no Rio de Janeiro! Em 1955, o Benfica foi convidado para ir lá jogar. Os jornalistas entrevistaram-me depois de um jogo e disseram-me que eu era parecido com o Didi, que era um dos melhores jogadores brasileiros da época, a par do Garrincha. O Pelé só apareceu mais tarde. Focus – Chegou a ter propostas para ir jogar para o Brasil. M.C. – Do Vasco da Gama e do Flamengo, mas infelizmente ou felizmente o Governo não me deixou sair. Não deixava sair ninguém. Como não havia profissionalismo, o Governo de Salazar é que mandava. Focus – No Brasil tinha uma admiradora especial. A cantora Ângela Maria. M.C. – Foi, mas lá está [...] Não podíamos sair de Portugal para ir jogar no estrangeiro. Conheci-a durante uma digressão ao Brasil. Ainda nos encontrámos umas vezes, houve uns beijinhos, mas não passou disso. A coisa ficou por aí, também porque ela não tinha interesse em ir para Portugal. Focus – Comemoram-se agora 50 anos da conquista da primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus pelo Benfica. Que memórias tem dessa final? M.C. – Oh, isso já foi há tantos anos que já não me lembro muito bem. Sei que fiz um dos golos, o da vitória. Ganhámos 3-2. Focus – E no ano seguinte ganhou a segunda final, contra o Real Madrid. Lembra-se da maldição de Guttmann? M.C. – Quando saiu do Benfica, ele deu uma entrevista em que disse que o Benfi-  Arquivo Pessoal Focus – E falaram com o seu pai? M.C. – Não cheguei a saber, mas mesmo que tivessem falado o mais certo é que o meu pai, que era um grande benfiquista, não tivesse aceite. Por causa desse interesse, os dirigentes do Desportivo mandaram um SOS ao Benfica, a informar que tinham um jogador, bom atleta, que estava a ser seguido pelo Sporting. Responderam-lhes para me meterem no primeiro avião. Dito e feito. O Desportivo e o meu pai entenderam-se e o Benfica deu 175 contos. Eu ia receber dois contos e quinhentos por mês. “Os dirigentes do Desportivo mandaram um SOS ao Benfica a informar que tinham um jogador que estava a ser seguido pelo Sporting” 91
  • 5. e ntr e vi s ta d e vi da  ca nunca mais ia ser campeão da Europa. Jorge Firmino O que é certo é que tem acontecido, mas não penso que isso seja uma maldição, porque eu sou cristão, católico, apostólico romano e o Bella Guttmann não era nenhum deus para fazer acontecer isso. Sei que foi para o FC Porto e que lá não foi campeão europeu. Capitão Mário Coluna é ainda o jogador mais titulado da história do Benfica e aquele que mais vezes capitaneou a equipa (328 jogos) “Falar com ele [Trapattoni]? Só se fosse para lhe dar um murro naquela cara!” Focus – Dentro de campo o Coluna sempre se distingiu como voz de comando. M.C. – Sim, sim! Naquele tempo os treinadores não podiam levantar-se do banco e dar instruções. Quando saíam do banco para dar instruções eram logo expulsos. Os treinadores davam instruções nos balneários. “Fazem isto assim e assim, mas dentro do campo quem manda é o Mário Coluna”, diziam. Falava com os meus colegas todos, porque também corria para todo o lado. E isso intensificou-se depois do falecido José Águas, que era o capitão, ter deixado de jogar. Focus – E fora de campo? M.C. – Também. O Eusébio quando saiu de Moçambique levava com ele uma carta da mãe dirigida a mim. Quando chegou ao aeroporto entregou-ma. Abri-a, li-a e devolvi-lha. Perguntei-lhe o que estava lá escrito para não pensar que eu queria impor-me a ele. “A mãe pede para o senhor Coluna tomar conta de mim porque em Portugal não conheço ninguém.” Assim foi. Abri-lhe uma conta na Caixa Geral de Depósitos e estipulava o dinheiro que ele podia gastar durante o mês, fosse em transportes ou na matiné. Focus – Quando começou a ser apelidado de Monstro Sagrado? M.C. – Na final da Taça do Campeões contra o Barcelona. Foi o senhor Artur Agostinho, falecido há dois meses, que me deu o título. Focus – O Mundial de 66 ficou-lhe atravessado? M.C. – Estava tudo preparado para ser a Inglaterra a ganhar, tanto que nas meia-finais eles eram para jogar connosco em Liverpool, onde nós estávamos. Só que à última da hora a organização decidiu que nós tínhamos de jogar em Wembley. Fomos de comboio e chegámos a Londres à meia-noite, cansados. O jogo era no dia seguinte, da parte da tarde. Arq. Impala Focus – O E Trapattoni? Também lhe ficou atravessado na final de 63 contra o Milan? M.C. – Com certeza! Nós estávamos a ganhar, eu tinha a bola e ele veio por trás e rachou-me o peito do pé. Naquela altura não havia substituições. Praticamente jogávamos com menos um, porque eu só fazia figura de corpo presente. Osso é osso, não é músculo. 92 Focus – Chegou a falar com ele sobre o sucedido quando esteve no Benfica? M.C. – Eu? Falar com ele? Para quê? Só se fosse para lhe dar um murro naquela cara, mais nada! Nunca mais quis ver esse sujeito. Focus – E os problemas com a PIDE, depois de um jogo de selecções em Praga, na República Checa? M.C. – No hotel onde estávamos passou por lá uma cambada de estudantes negros angolanos a pedirem bilhetes para o jogo. Com certeza que alguns daqueles jornalistas que acompanhavam a Selecção deviam ser informadores da PIDE e passaram-lhes essa informação. Queriam saber o que é que os rapazes de cor tinham estado a fazer no hotel. Falaram comigo, porque eu é que era o capitão e, por isso, era eu quem podia oferecer-lhes os bilhetes para fazerem claque por Portugal. Expliquei-lhes tudo e ficou por aí. Focus – Em 1970 teve uma festa de despedida, mas não deixou de jogar. M.C. – Quando eu fiz 35 anos, o presidente do Benfica, Borges Coutinho, chamou-me e disse-me: “Mário Coluna, você para sair pela porta grande, vai deixar de jogar e vamos fazer-lhe uma festa de homenagem e a receita vai toda para si.” Como eu tinha o curso de treinadores, ia treinar a escola de formação de jogadores. Quando eu estava a treinar, vieram ter comigo um dirigente e um empresário, do Olympique Lyonnais. Disseram-me que sabiam que eu tinha sido dispensado como jogador, mas que achavam que ainda podia ser útil pelo menos uma época. Fui para o Lyon, mas devidamente autorizado pelo Benfica. Para além disso, o Salazar já tinha falecido e nessa altura já era possível sairmos para o estrangeiro. Focus – E as condições no futebol francês? M.C. – Profissionalismo a cem por cento. Fazíamos estágios e havia controlo da hora de dormir. Mas fui ganhar muito mais! Foi o melhor contrato que eu tive. Depois tive o convite para treinar o Estrela de Portalegre. Estive lá um ano e voltei ao Benfica, para a escola de jogadores. Cheguei a ir observar o Chalana ao Barreiro. Focus – Quando voltou para Moçambique? M.C. – Em 75, antes da independência. Fui convidado para treinar o Textáfrica. O contrato era bom e fui campeão no primeiro campeonato que se realizou. Depois disso, tive outro convite para o Ferroviário, mas eu disse que não queria contrato como treinador. Disse ao director que sabia ler e escrever e que os caminhos de ferro tinham escritórios. Fora disso, também tinham oficinas com carros para arranjar. Não me importava de sujar as mãos. Fiquei nos caminhos de ferro muitos anos. Agora estou reformado. focus 606/2011
  • 6. Mundial de 66 A cumprimentar Bobby Moore, capitão de Inglaterra, antes do encontro das meias-finais. Portugal perdeu 2-1 Popperfoto/GettyImages Focus – Há condições para Moçambique voltar a ter jogadores como o Eusébio, o Matateu ou o próprio Coluna? M.C. – Há qualidade, mas tem de haver interesse da parte dos dirigentes dos clubes. Focus – É verdade que durante um jogo com o Santos, no Brasil, ameaçou Pelé com um murro? M.C. – É verdade, sim! Numa jogada ele sofreu uma falta e quis bater num colega meu. Eu, como era o capitão, cheguei lá e disse-lhe: “Cuidado comigo, que eu joguei boxe e dou-te um murro nessa cabeça.” Ele acalmou-se, claro, porque eu era mais velho e mais forte do que ele. focus 606/2011 Focus – Considerava-se um jogador duro? M.C. – Tinha força porque preparava-me bem nos treinos. Subia e descia o terceiro anel do Estádio da Luz e também gostava de levantar pesos, mas isso fazia às escondidas porque era proibido. Mas era por isso que eu tinha um bom físico, bons músculos e nos choques com os adversários quase nunca caía, ao contrário deles. Ou era o Coluna ou não era o Coluna, não é? Focus – Em 1963 quase sofreu na pele as consequências de uma entrada dura sobre o Figueiredo. Deixou o Estádio de Alvalade sob escolta policial. M.C. – O nosso defesa central, que era o Gernano, estava a jogar lesionado. O Figueiredo, que era um jogador muito rápido, apanhou a bola a meio-campo e foi para cima de mim. Eu pensei: “Se este tipo passa por mim, mais depressa passa pelo Germano, que não pode correr.” Ele adianta a bola, mas eu abro os braços, aperto-lhe o pescoço e atiro-o para o chão. Foi falta, mas o árbitro não me expulsou. A massa associativa não gostou. Quando acabou o jogo, queriam bater-me e fizeram-me uma espera [risos]. Fui safo pela polícia. Focus – Continua a viver o futebol com intensidade? M.C. – Vivo, mas como o meu Benfica tem passado mal, raramente vejo os jogos. Só no dia seguinte e se tiverem ganho, para não sofrer. Só vejo os jogos do Sporting e do FC Porto. Arquivo Pessoal Focus – Também teve uma passagem pela actividade política. M.C. – Fui convidado pelo Eduardo Mondlane, fundador da Frelimo, para ser membro do partido e fui deputado. Mais tarde também fui presidente da Federação. O anterior presidente encheu o bolso e deixou dívidas enormes. Quando a selecção nacional ia aos hotéis, não pagava. Na sede não havia luz, telefone, nem água e os empregados não recebiam ordenado. Quando eu já era presidente, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, visitou a sede e inteirou-se dos nossos problemas. A Federação precisava de 400 mil dólares americanos para resolver os problemas das dívidas e assim aconteceu. Também tenho uma escola de futebol na Namaacha [Academia Mário Esteves Coluna]. Foi a FIFA que me ofereceu dinheiro para comprar as instalações, que foram entregues à Federação. “Disse ao Pelé num jogo: ‘Cuidado comigo, que eu joguei boxe e dou-te um murro nessa cabeça’” Focus – O que falta a este Benfica? M.C. – Olhe, faltam aí os moçambicanos!■ 93