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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC




            Gabriela Ordones Penna




               Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
                 (1938-1957)




                   São Paulo
                     2007
GABRIELA ORDONES PENNA




               Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
                 (1938-1957)




                         Dissertação de Mestrado apresentada ao
                         Centro Universitário Senac – Campus Santo
                         Amaro, como exigência parcial para
                         obtenção do grau de Mestre em Moda,
                         Cultura e Arte.

                         Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia
                         Bonadio




                   São Paulo
                     2007



                                                                2
P397z

Penna, Gabriela Ordones

Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina
(1938-1957) / Gabriela Ordones Penna – São Paulo, 2007.
165. f: il. color.

Orientadora: Profa. Dra Maria Claudia Bonadio
Dissertação de Mestrado – Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro –
São Paulo, 2007.

1. “As Garotas do Alceu” 2. Alceu Penna 3. Imprensa - O Cruzeiro. 4. Mulher –
moda e corpo. 5. Rio de Janeiro. I. Bonadio, Maria Claudia. II. Centro Universitário
Senac - Campus Santo Amaro. Mestrado Moda, Cultura e Arte. III. Título.

                                                                           CDD391




                                                                                       3
Gabriela Ordones Penna




                                            Vamos Garotas!
                                            Alceu Penna: moda, corpo e emancipação
                                            feminina


                                            Dissertação de Mestrado apresentada ao
                                            Centro Universitário Senac – Campus Santo
                                            Amaro, como exigência parcial para
                                            obtenção do grau de Mestre em Moda,
                                            Cultura e Arte.

                                            Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia
                                            Bonadio




A banca examinadora da Dissertação de Mestrado em sessão pública realizada em
04/09/07, considerou a candidata:



   1) Examinadora: Profa. Dra. Maria Gabriela Marinho


   2) Examinadora: Profa. Dra. Denise Bernuzzi Sant´Anna


   3) Presidente: Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio




                                                                                   4
Dedico esse trabalho à Thereza
Penna, que me incentivou e apoiou
em todos os momentos, tornando
essa pesquisa um momento de
descobertas e redescobertas.




                               5
SUMÁRIO




AGRADECIMENTOS............................................................................................................................ 07

RESUMO.................................................................................................................................................. 10

INTRODUÇÃO

1. Olá Garotas, muito prazer.................................................................................................................. 11
2. “Garotas”: muitas mulheres em uma representação....................................................................... 13
3. Estruturação dos capítulos e corpus documental............................................................................. 16
4. Balizas cronológicas............................................................................................................................. 19
5. Ser Alceu Penna é... ser versátil.......................................................................................................... 22

CAPÍTULO 1. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA PERSPECTIVA

1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de Janeiro 1938 -1957...................................................................... 31
1.2 O espaço urbano alia-se às cariocas................................................................................................. 46
1.3 Um broto de “Garota” : a emergência do conceito de juventude................................................. 56


CAPÍTULO 2. UMA REVISTA MODERNA: O CRUZEIRO DAS “GAROTAS”

2.1 Os Diários Associados: rumo à integração nacional....................................................................... 64
2.2 O Cruzeiro: a revista dos arranha-céus............................................................................................71
2.3 Uma história: “As Garotas do Alceu”.............................................................................................. 83


CAPÍTULO 3. O CORPO E A MODA DAS “GAROTAS DO ALCEU”: UM ESPELHO DO
AMANHÃ

3.1 A moda e o corpo das “Garotas”: um reflexo de transformações................................................ 97
3.2 A ousadia discreta das “Garotas”: objetos de desejo.................................................................... 116


CAPÍTULO 4. “GAROTAS”... ALGO A SER INDEFINIDO

4.1 Um homem que desenhou mulheres: o olhar diferenciado........................................................... 125
4.2 Imagem e texto na coluna “As Garotas”: uma relação humorística............................................ 129
4.3 Garotas modernas ou emancipadas? Uma análise imagética e textual da coluna...................... 135



CONCLUSÃO......................................................................................................................................... 148

FONTES E BIBLIOGRAFIAS.............................................................................................................. 151

CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES......................................................................................................... 162




                                                                                                                                                              6
AGRADECIMENTOS



       A coluna “As Garotas” esteve presente no imaginário de muitos brasileiros. Assim,

escrever sobre uma coluna tão significativa e, ao mesmo tempo, pouco explorada pelo

meio acadêmico, foi um desafio e, com certeza, não teria conseguido sem a ajuda de

algumas pessoas especiais.

       Agradeço à Thereza Penna, minha querida tia-avó e irmã de Alceu Penna, que

carinhosamente abriu as portas de seu apartamento no Rio de Janeiro para mim e minha

orientadora a Profa. Dra Maria Claudia Bonadio, nos mostrando o seu acervo sobre o

ilustrador. Coletamos várias imagens que serviram para a minha dissertação e para o

Projeto Figurino: Alceu Penna (2005-2007), bem como para a exposição resultante dele “O

Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Senac-SP (2007).

       Agradeço a CAPES pelo apoio concedido pela bolsa de estudos, sem a qual não

teria conseguido concretizar esse percurso acadêmico.

       Ao DEDOC do Jornal Estado de Minas e a todos os seus funcionários atenciosos.

Obrigada em especial à Ivonete, Karla, Irene e Rafael. Sem esse acervo completo, cuidado

e organizado da revista O Cruzeiro e A Cigarra, bem como o de croquis originais da

coluna “Garotas”, eu jamais teria conseguido coletar os dados e imagens que precisava.

       Obrigada aos meus pais, Aníbal Penna e Patrícia Ordones, que foram o meu porto-

seguro e fortaleza nessa caminhada difícil, mas muito compensadora. Seus esforços em

procurar registros sobre a coluna “Garotas” e sobre Alceu Penna, bem como indicar

pessoas que eu deveria conversar foram de imensa ajuda.

       À minha tia, Simone Ordones, que tão generosamente me abrigou em sua casa

durante o período do mestrado e tornou possível o meu sonho de escrever essa dissertação.




                                                                                         7
Agradeço ao meu avô Aluízio Ordones pelo carinho e apoio incondicional. Aos

meus avós Carmelita Gontijo Penna, Josaphat Penna e Zélia de Moura Ordones, aonde

quer que estejam.

       Tenho muito a agradecer, também, a paciência dos meus irmãos Marina e Aluisio

Ordones. Vocês foram demais!

       Não poderia ter chegado até aqui se não fosse a minha excepcional orientadora

Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio (queria que me orientasse o resto da vida!), que

acreditou em mim e no meu trabalho desde o primeiro momento. Foi generosa e

profissional, me auxiliando e estando sempre à postos quando precisava de qualquer coisa,

mesmo que não fosse relativo à dissertação. Obrigado pelos constantes incentivos em

buscar novas perspectivas acadêmicas e profissionais. Tenho certeza que você já faz parte,

de coração, da família Penna.

       À Heloisa Buarque de Hollanda e à editora do Caderno Feminino do Jornal Estado

de Minas, Anna Marina pelos maravilhosos depoimentos sobre a importância da coluna

“As Garotas”.

       Ao Ruy Castro pela generosidade e disposição em ajudar com o meu trabalho.

Obrigada pelo texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna,

modas e figurinos”, que acabei empregando, com muito orgulho, na minha dissertação.

       Ao corpo docente do mestrado Moda, Cultura e Arte pelo profissionalismo no

ensino e a generosidade em compartilhar tantos conhecimentos. Em especial à Maria Lúcia

Bueno Ramos, Ana Lúcia Castro, Eliane Robert de Morais, Magnólia Costa e Luiz Octávio

Camargo. Às funcionárias brilhantes Juliana e Tissyana.

       Às Profas. Dras. Maria Gabriela Marinho e Denise Bernuzzi Sant´Anna, que

aceitaram o convite, primeiramente, para estarem na minha banca de qualificação e

posteriormente na minha banca final. À Profa. Dra. Maria Eduarda Guimarães por ter sido


                                                                                        8
suplente na minha qualificação e banca final. À Profa. Dra. Solange Wajnman que aceitou

ser suplente na minha banca final. Agradeço as contribuições para o crescimento do meu

trabalho, abrindo novas perspectivas a ele, muitas vezes, despercebidas por mim.

       Aos meus colegas de mestrado, em especial Adriana Hegen, Juliana Schmitt,

Silvana Holzmeister, Celinha, Cris Gurgel, Oneide de Carvalho, Mauro Fiorani, Alexandra

Riquelme e a todos que fizeram dessa jornada algo interessante e divertido.

       À Profa. Daniela Nunes Figueira que, a partir dos desenhos coletados do ilustrador

Alceu Penna, coordenou os trabalhos de modelagem resultantes da exposição sobre o

ilustrador no Senac-SP. Ao Prof. Lázaro Mourilo responsável pela bela montagem. Às

alunas do Projeto Figurino que se dedicaram firmemente no resgate da memória do

profissional.

       À Giselda Moreira Garcia e Giselle Safar do Centro Integrado de Moda – CIMO,

que me proporcionaram horizontes profissionais e uma oportunidade de expor, pela

palestra “Alceu Penna: a trajetória de um designer versátil” (2007), o conteúdo da minha

pesquisa de mestrado até aquele momento.

       Obrigada a Cyro Del Nero que, no início do mestrado, me recebeu, juntamente com

meu pai, em sua casa. Sua atenção pela memória de Alceu Penna será sempre lembrada.

       Às Profas. Ivone Lourdes e Glória Gomide da PUC-MG, bem como ao Prof. Caio

César Giannini, que sempre me auxiliaram durante a minha graduação em Publicidade e

Propaganda na instituição e continuam, até hoje, sendo muito gentis e solícitos.

       À querida Profa. Dra. Ana Maria Rabelo Gomes, que me auxiliou na época da

elaboração do meu anteprojeto para o mestrado. Obrigada pela sua atenção e carinho.

       Por fim, ao meu querido companheiro Luis André Nobre que tão carinhosamente e

pacientemente me “suportou” nos momentos de crise, cansaço e desânimo. Sem você nada

estaria completo.


                                                                                       9
RESUMO



A moda e o corpo atuam como importantes meios de comunicação da mulher com a

sociedade. Por meio deles, a mulher estabelece um diálogo com o mundo, refletindo suas

aspirações e frustrações. Sendo assim, este trabalho consiste em demonstrar, pelo estudo de

imagens da “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a formação de uma

imagem moderna da mulher, na coluna, transmitindo, pelos corpos e a moda das

“Garotas”, imagens da emancipação feminina.




ABSTRACT



The fashion and the body acts as important medias of the woman with the society. For way

of them, the woman establishes a dialogue with the world, reflecting its aspirations and

frustrations. Being thus, this work consists of demonstrating, through the images´s study of

"As Garotas do Alceu", in which way Alceu Penna contributed for the formation of a

modern image of the woman, in the column, transmitting, through the bodies and the

fashion of the "Garotas", images of the feminine emancipation.




                                                                                         10
INTRODUÇÃO



1- Olá, Garotas, muito prazer



           Seria interessante situar o leitor sobre como a coluna “As Garotas do Alceu” cruzou

o meu caminho. Entre tantos assuntos, por que eu escolhi este para ser o objeto da minha

dissertação de mestrado? Não que fosse mera coincidência, mas o ilustrador Alceu de

Paula Penna é meu tio-avô, irmão do meu avô paterno, Josaphat. Desde pequena, os seus

desenhos estiveram presentes na minha vida, inspirando a imaginação. Era comum meu

avô chegar com cópias de trabalhos do Alceu, especialmente no almoço de domingo (com

uma Amandita escondida no casaco), pois sabia que eu adorava passar as tardes

desenhando. Aí, uma vez munida de todas aquelas figuras, eu ia, compenetrada, tentar

fazer pelo menos um parecido. Quanta presunção a minha! Por muitos anos eu não sabia,

pela questão da idade, avaliar aquele trabalho como algo além de belos desenhos.

           Meu avô, sua irmã Thereza e meu pai, Aníbal, sempre foram grandes fontes de

conhecimento do trabalho do ilustrador, pois me “abasteciam” de novos desenhos,

reportagens e conhecimentos sobre ele. Sempre gostei de desenhar e apreciava as artes

visuais: Alceu Penna era um “prato cheio”. Quanto mais eu conhecia o seu trabalho, mais

eu o admirava e me interessava por um assunto constante em seus trabalhos: a moda.

           Além da influência do meu tio-avô, tive uma ajuda da minha mãe, Patrícia Ordones,

para tomar gosto por moda, pois ela trabalhou, durante um bom tempo, como jornalista

nessa área no Jornal de Casa 1 e no Jornal de Shopping 2 em Belo Horizonte.

           Curioso que, a despeito do meu interesse pelo assunto, optei, na ocasião do

vestibular, por Publicidade e Propaganda na PUC-MG. Planejava trabalhar com Design


1
    Publicação do Diário do Comércio que circula, até hoje, semanalmente, direcionada ao público feminino.
2
    Publicação dos Diários Associados já extinta.

                                                                                                         11
Gráfico e Direção de Arte e acabei fazendo muitos estágios na área. Completei a

graduação, mas já no sexto período (mais da metade do curso) eu sabia que não queria

trabalhar como publicitária. Na ocasião, fiz uma reavaliação de interesses e decidi que era

hora de me voltar para a moda, que sempre permeou a minha vida, de uma forma ou de

outra.

           Meu trabalho de conclusão de curso não podia ter seguido outro direcionamento.

Meu grupo apresentou um projeto experimental um estudo de site para a marca mineira de

roupas Elvira Matilde, que explorava mecanismos para venda de vestuário pela internet. 3

Foi a minha primeira experiência acadêmica com a moda e aquilo me instigou a buscar um

mestrado.

           Há algum tempo, eu me interessava em estudar a obra de Alceu Penna,

principalmente, porque minha tia-avó Thereza sempre manifestou o desejo em dar

continuidade à sua memória de alguma maneira. A pesquisa do mestrado foi uma

oportunidade de concretizar esses objetivos, algo que acabou por me aproximar ainda mais

da moda.

           Essa dissertação, posso dizer, é uma concretização de um sonho, há muito tempo

almejado, em contribuir para o resgate do traço e importância do meu tio-avô, um homem,

a meu ver, à frente de seu tempo.




3
    http://www.elviramatilde.com.br/

                                                                                        12
2- As Garotas: muitas mulheres em uma representação



                                Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei.
                          Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser,
                          só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que
                          vê. Quem sente não é quem é. Atento ao que sou e vejo, torno-me
                          eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo. É do que nasce e não
                          meu. Sou minha própria paisagem, assisto à minha passagem,
                          diverso, móbil e só. Não sei sentir-me onde estou , por isso, alheio,
                          vou lendo, como páginas, meu ser (...). 4



        Nos últimos anos, têm-se ampliado os estudos sobre a história da moda brasileira,

em especial, sobre um personagem importante nessa narrativa: Alceu Penna. No decorrer

da minha pesquisa, percebi esforços variados, principalmente desde a década de 1990, no

campo de trabalhos acadêmicos como os de Ruth Joffily 5 , Maria Claudia Bonadio 6 , Carla

Bassanezzi e Leslye Bombonatto Ursini 7 e Marina Bruno Santo Anastácio 8 .

        Outra iniciativa que resgatou a memória do ilustrador foi o Projeto Figurino: Alceu

Penna, desenvolvido no Senac-SP, do qual participei colaborando com a pesquisa histórica,

que contribuiu para a sua memória instigando alunos e professores. 9 O projeto visou a

familiarizar os alunos de graduação com a obra do ilustrador e a reprodução de looks de

alguns de seus modelos. Nesse sentido, as alunas realizaram estudos sobre modelagem da

época, percebendo os significados da moda e do corpo para as mulheres que eram jovens

no período.


4
       PESSOA,           Fernando.     Não       sei    quantas     almas      tenho. Disponível   em:
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v096.txt. Acessado em 19 de junho de 2007.
5
  JOFFILY, Ruth. Jornalismo de Moda. Jornalismo feminino e a obra de Alceu Penna. Dissertação de
mestrado apresentada ao departamento de Comunicação da UFRJ, 2002.
6
  BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia S/A. 1960-
1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005
7
  BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995
8
  ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003.
9
  O Projeto Figurino teve a coordenação geral da Profa Dra Maria Claudia Bonadio e das atividades de
modelagem pela Profa Daniela Nunes Figueira. Esse núcleo de pesquisa resultou a exposição “O Brasil na
ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Centro Universitários Senac-SP em maio de 2007.

                                                                                                   13
Verifiquei que Alceu Penna é explorado em crônicas e textos não acadêmicos

também. Alguns dos autores que trabalham nesse sentido são Joaquim Ferreira dos

Santos 10 , Alberto Vilas 11 e Gonçalo Junior 12 , que lançam informações sobre a

representatividade do seu trabalho no cenário brasileiro. Eles enfocam, sobretudo, a coluna

“As Garotas”, o trabalho mais conhecido do ilustrador.

        O conjunto de sua obra traz informações importantes sobre a história brasileira, em

especial das mulheres, assim como a imprensa nacional, moda, arte, entre outros,

necessitando, portanto, de uma dedicação maior por parte dos estudiosos. Dessa maneira,

essa dissertação integra os esforços em ampliar as reflexões sobre a sua produção, em

especial, “As Garotas do Alceu”.

        Na coluna, o corpo e a moda ocupam posição de destaque, tanto que a maioria dos

autores citados neste trabalho que a abordam, tangenciam esses assuntos, de uma maneira

ou de outra. Entretanto, mesmo com as valorosas iniciativas, existe uma necessidade de

estudo maior sobre eles na coluna “As Garotas”, objetivo que procurei perseguir nesse

trabalho.

        Na ocasião da elaboração do meu anteprojeto, a obra “Alceu Penna e as Garotas do

Brasil: moda e imprensa 1933/1980”, de Gonçalo Junior, foi um começo para mim, pois

além de fazer um mapeamento da carreira do ilustrador ele tratava, brevemente, da

contribuição das “Garotas” para o cenário feminino, colocando-as como um exemplo de

futura emancipação.

        Instigada por ela, pesquisei alguns desenhos dele que tinha em casa e confirmei que

a mulher era retratada diferencialmente na coluna, principalmente para os padrões morais

vigentes. Isso me chamou a atenção e me interessou, pois, apesar de ser quase um consenso


10
   SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003
11
   VILLAS, Alberto. O mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006
12
   JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004.

                                                                                                    14
que elas eram muito avançadas para a época, seria uma oportunidade de aprofundar essa

reflexão.

        Os estudos imagéticos, juntamente com o auxílio dos textos da coluna, me

pareceram bons mecanismos para estudá-la, pois era pela visualidade da coluna (cores,

formas, composição, etc.) e pelos textos maliciosos que a figura feminina ousada se

destacava. O corpo e a moda das “Garotas”, juntamente com todos os recursos visuais

empregados, trabalhavam juntos para comunicar uma mulher em processo de transição.

        Em linhas gerais, este trabalho consiste em demonstrar, por meio do estudo da

coluna “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a construção de uma

imagem moderna da mulher13 , mostrando nos corpos e na moda das “Garotas” “imagens

da emancipação feminina” 14 .




13
   Mulher moderna: compreendo como uma mulher que, apesar de compartilhar de elementos tradicionais
relativos ao seu papel como mãe e esposa, por exemplo, consegue ir além deles, permitindo-se ter outras
aspirações, como uma profissão, uma vida ligada mais aos prazeres que aos compromissos de um lar, ter
vários relacionamentos ao mesmo tempo, enfim, experimentar papéis menos tradicionais, gozando, assim, de
maior liberdade. O conceito de mulher moderna será trabalhado com maiores detalhes no capítulo 3.
14
   Entendo como imagens da emancipação feminina um estágio em que a mulher ainda não se libertou
completamente das amarras da sociedade patriarcal, mas demonstra que já está caminhando para isso.

                                                                                                     15
3- Estruturação dos capítulos e corpus documental




       O primeiro capítulo, “Garotas cariocas e jovens: uma nova perspectiva”, traz

elementos do contexto mostrado pelas “Garotas”. Na parte inicial, procurou-se apresentar e

analisar imagens e textos presentes na coluna caracterizando as ilustrações pelo seu estilo

de vida, o grupo social, os costumes e preferências. Esse enfoque é relevante, pois

confirma as imagens propagadas na coluna, auxiliando no entendimento do contexto e das

ilustrações como figuras femininas cariocas. Na segunda parte do capítulo, trato das

“Garotas” como jovens, uma categoria etária que começava a se definir no cenário

brasileiro nos anos 1950. Nele procuro identificá-las como pertencentes a esse grupo, que

tinha vestuário, linguagem, hábitos e preferências particulares e que, naquele momento,

buscava uma identidade própria.

       O segundo capítulo, “Uma revista em especial: O Cruzeiro das ‘Garotas’”, trata,

inicialmente, do império brasileiro das comunicações daquele período, os Diários

Associados, discorrendo sobre a sua história, importância no cenário da imprensa do

Brasil, bem como, de forma breve, os periódicos e propriedades do grupo, em especial as

revistas O Cruzeiro e A Cigarra. Em um segundo momento, é abordado somente O

Cruzeiro, trazendo elementos como a sua história, características, público-alvo e conteúdo,

evidenciado o seu papel como um marco no formato de revistas. O trabalho de Alceu

Penna para a publicação é colocado em evidência, bem como a sua importância. Por fim, a

coluna “As Garotas do Alceu” é estudada com maior dedicação, sendo investigadas as

principais características, os respectivos redatores envolvidos, bem como o período de

vigência de cada um.

       O terceiro capítulo, “O corpo e a moda das ‘Garotas do Alceu’: um espelho do

amanhã”, aborda inicialmente o corpo e a moda como meios de comunicação da mulher na

                                                                                        16
sociedade. A maneira com que a mulher contemporânea à coluna se relacionava com eles é

analisada, indicando-se, comparativamente, como era essa relação para “As Garotas”,

perpassando temas como a cultura física e os comportamentos. Na segunda parte é

trabalhado o conceito de mulher moderna veiculado pelos meios de comunicação,

especialmente em O Cruzeiro. Nesse sentido é explorado até que ponto o perfil feminino

das “Garotas” vai ao encontro desse ideal e de que maneira eles se separam.

        No quarto capítulo, “’Garotas’... algo a ser indefinido”, é analisada a questão do

ilustrador, um homem que desenhou mulheres, enfocando a produção e interpretação da

imagem como um modo particular de o indivíduo ver o mundo e absorver o contexto em

que está inserido. Na segunda parte, a forte ligação entre as imagens, os textos e o humor

será abordada. Por fim, será feita uma análise de imagens da coluna, juntamente com o

auxílio dos textos, salientando os dois lados contraditórios das “Garotas”: ousado e

recatado

                                                        ***



        Atualmente, os acervos mais completos disponíveis sobre O Cruzeiro e a coluna

“As Garotas do Alceu” são: o jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte, e a Biblioteca

Mário de Andrade, em São Paulo 15 . Optei pelo acervo do Estado de Minas, pois, além de

resguardar a coleção completa da revista em microfilme, o jornal também a disponibiliza

em papel, devidamente encadernada e de fácil manuseio. Além disso, o arquivo tem

originais conservados da coluna “Garotas”, os quais trouxeram elementos novos a respeito

do processo de sua elaboração.

        Outra fonte de pesquisa foi o acervo de Thereza Penna. Nele existem registros

sobre a carreira do ilustrador em geral, tais como capas de revistas, cadernos de desenhos,

15
  O acervo de O Cruzeiro foi para o Estado de Minas, publicação dos Diários Associados, após a falência da
revista, em 1980. O jornal foi a única publicação dos Diários Associados com dinheiro e estrutura suficientes
para comprar o arquivo.

                                                                                                          17
publicidade e uma enormidade de outras referências pouco conhecidas. As conversas com

Thereza foram igualmente importantes, já que ela conviveu por anos de forma próxima

com seu irmão.




                                                                                  18
4- Balizas cronológicas



         A coluna “As Garotas” conta ao longo de sua vigência com diversas colaborações

de redatores, que auxiliaram “a dar vida” a essas figurinhas tão populares no Brasil em

meados do século XX. As contribuições mais freqüentes e homogêneas, portanto, mais

relevantes foram as de Alceu Penna, Accioly Netto (Lyto), Millôr Fernandes (Vão Gôgo),

Edgar Alencar (A. Ladino) e Maria Luiza Castelo Branco. 16

         Examinando as características de cada um deles, percebe-se que, excetuando a

redatora Maria Luiza, todos os outros formam um conjunto singular. Os temas e textos

desse grupo são mais sensuais, maliciosos e bem-humorados e, portanto, se relacionam

melhor com a imagem da mulher moderna propagada pela coluna. Esse perfil pode ser

percebido, por exemplo, no texto de A. Ladino: “E ao invés das Garotas submissas,

obedientes e quietinhas, como seria do nosso agrado, temos que enfrenta-las de igual para

igual.” 17 .

         Os temas e textos da redatora Maria Luiza Castello Branco são mais monótonos e

assumem um tom de conselho para as leitoras, deixando de lado a ousadia para tratar de

temas mais tradicionais como o casamento. A passagem a seguir, fala de um chá de

panelas, um evento preparatório para o casamento, em nada semelhante à ousadia e malícia

do primeiro grupo de redatores: “Para dar uma sacudidela nas amigas a Garota resolve dar

um “Chá de panelas”: cada uma das convidadas traz um utensílio para sua futura casa. ” 18




16
   Os redatores serão estudados com mais profundidade no capítulo 02, especificamente no item sobre a
coluna “Garotas”.
17
   “As Garotas do Alceu”. “Mas as Garotas de hoje são assim!”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 09 de
outubro de 1948. p. 34 e 35
18
   “As Garotas do Alceu”. “Garotas e o chá de panela”. Texto Maria Luiza. In: O CRUZEIRO. 31 de outubro
1959, p. 40-41.

                                                                                                    19
Assim, o trabalho terá um recorte cronológico feito pelos textos. O período a ser

estudado vai do início da coluna em 1938, quando Alceu Penna ilustra e escreve os textos

até 1957, quando Edgar Alencar (A. Ladino) finda sua colaboração.

       Esse período também se torna oportuno para a análise, pois, além de compartilhar

de textos singulares ele caracteriza-se por transformações importantes no contexto

brasileiro e na própria publicação de O Cruzeiro, os quais seriam importantes destacar.

       Além de ser o ano de início da coluna, 1938 torna-se um ponto de partida

importante, pois antecede o conflito da Segunda Guerra Mundial e marca a crescente

influência do american way of life na América Latina, principalmente pelo cinema. Esse

momento vai evidenciar a transição e o convívio das influências francesas e norte-

americanas no país, importante para a compreensão da coluna em geral.

       Além disso, é também, ocasião do Estado Novo, um período marcado pela

emergência de um determinado ideal nacional. Esse tom é reproduzido na coluna,

ilustrando uma figura feminina que, mesmo diante de influências estrangeiras, permanece

essencialmente brasileira, cultivando hábitos característicos de um morador do Rio de

Janeiro como ir às praias e aos bailes de carnaval.

       Sob a perspectivada publicação O Cruzeiro, a exploração da década de 1940 é

igualmente preciosa, pois ela sofre uma reformulação, presenciando vendagens grandiosas.

Os conteúdos femininos, incluindo a coluna “As Garotas”, ganharam uma atenção especial

nessa empreitada. Essas informações levam a crer que o público leitor da revista aumentou

e, consequentemente, o da coluna também, que começava a se tornar bastante conhecida.

       O período de análise desse trabalho se finda em 1957, pois além de ser o ano de

mudança de redator, os últimos anos da seção coincidem com um período de reestruturação

da imprensa e de novos veículos moda/mulher, que compartilharam de um direcionamento

distinto de O Cruzeiro. A revista Manchete (1952), uma importante concorrente da


                                                                                          20
publicação, vai introduzir um formato gráfico mais avançado, impressa em um papel de

melhor qualidade e contando com uma diagramação mais cuidadosa e atraente. A revista

Claudia (1961), por exemplo, coloca em pauta de forma mais aberta que na publicação das

“Garotas”, temas como sexo e comportamento, sendo direcionada a uma mulher que

ansiava por uma identidade em meio à explosão consumista.

       Em termos de contexto político-econômico, o Brasil também entra em uma nova

fase, marcada pelo governo de JK, que introduzirá metas desenvolvimentistas e de abertura

de mercado que alterarão o panorama do país em termos de padrões de consumo, imprensa,

tecnologia, transportes entre outros.

       Esses fatos, juntamente com o estudo do período dos redatores citados, só

acrescentam informações valiosas ao trabalho, onde o recorte pelos textos complementa as

informações fornecidas pelo contexto nacional contemporâneo à coluna, auxiliando na

delimitação da linha cronológica a ser seguida.




                                                                                      21
5 - Ser Alceu Penna é... ser versátil



                                     “Impossível esquecer o impacto causado por seus desenhos:
                               as cores, o movimento, a vivacidade e a criatividade. O balanço das
                               saias e dos corpos de suas Garotas ou o brilho e a sensualidade
                               esfuziante de suas fantasias para shows e bailes de carnaval. Alceu
                               misturava, como poucos, texturas, brilhos, babados, sonhos”. (Ruy
                               Castro. Exposição “O Brasil na ponta do lápis”: Alceu Penna,
                               modas e figurinos) 19




          Alceu de Paula Penna nasceu em 1915 na cidade de Curvelo, norte de Minas

Gerais. Em 1932 ele muda para o Rio de Janeiro e matricula-se na Escola Nacional de

Belas Artes. O primeiro emprego que conseguiu quando chegou à capital foi no

suplemento infantil de O Jornal, publicação do empresário Assis Chateaubriand. Esse

emprego o levaria a conhecer Accioly Netto, inicialmente secretário de redação da revista

O Cruzeiro e, mais tarde, responsável por sua reformulação, a partir da década 1940. Em

                                                1933, após esse contato, Alceu Penna dá início a

                                                um longo período de colaborações para a revista,

                                                incluindo editoriais de moda, capas e ilustrações de

                                                contos.

                                                          Em 1936, fruto de uma indicação de

                                                Accioly Netto, que viria a se tornar um grande

                                                amigo, Alceu Penna inicia trabalhos para os mais

     Fig 01. Alceu Penna desenhando. O
                                                diversos cassinos da época, contribuindo com os
     ilustrador não costumava trabalhar fora
     de casa. Apreciava a companhia de sua      figurinos, cenários e cardápios:
     irmã Thereza e o conforto da sua sala de
     estar. Sem data.




19
   CASTRO, Ruy. Texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e
figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007

                                                                                                     22
“Até o fechamento das luxuosas casas de jogo pelo
                                            Presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, ele trabalha em
                                            todos os cassinos mais famosos do Rio. Além da Urca, atua
                                            regularmente no Copacabana, no Icaraí e no Atlântico.” 20




                                                   O carnaval estava, desde o início, presente na

                                            sua trajetória e era um tema popular nas páginas da

                                            revista O Cruzeiro. Ele venceu concursos da Prefeitura

                                            do Rio de Janeiro em 1935, referentes às categorias de

                                            corso, baile e rua. Em 1936 foi a    vez    de    Alceu

                                            Penna concorrer no Palace Hotel, quando se consagrou

                                            o grande destaque dos dois concursos: “Como no

                                            concurso de 1935, coube a maioria dos prêmios, ao

                                            jovem desenhista mineiro Alceu de Paula Penna, que

                                            levantou cinco das nove colocações (...).” 21 Mais tarde,

                                            em 1974, vai assinar as fantasias do bloco Canários das

                                            Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

                                                   Alceu Penna assinou inúmeras ilustrações de

                                            sugestões para fantasias em O Cruzeiro, Globo Juvenil

Alceu Penna desenhou diversos croquis       (periódico de quadrinhos) e na Cigarra (publicação
para cassinos e shows, que encantavam
pela mistura inusitada de cores e formas.
                                            feminina), que eram ansiosamente aguardadas:
Fig.02 a. Figurino inspirado na ópera
Carmem. Sem data.
Fig 02 b. Figurino Bolero. Sem data.




20
   JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004, p. 40.
21
   “O Concurso da A.A.B”. In: Revista O Cruzeiro. 15 de fevereiro, 1936, p.37.

                                                                                                  23
“Produzia desenhos que atendiam aos variados tipos
                                          femininos que compunham seu público: desde as mais
                                          modestas, com fantasias menos luxuosas ou modelos
                                          improvisados para o carnaval de rua, até as mais abastadas,
                                          com sugestões sofisticadas para os bailes de gala.” 22




                                                 Alceu Penna se aproximou também das histórias

                                          em quadrinhos, sendo um dos pioneiros no Brasil, já que

                                          não havia muitos quadrinistas nacionais. Entre 1937 e

                                          1938 ilustrou para O Globo Juvenil, propriedade do

                                          empresário Roberto Marinho, adaptações de obras como

                                          O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, juntamente

                                          com Nelson Rodrigues, além de Rei Arthur, Alice no

                                          País das Maravilhas, entre outros.

                                                 Em 1938 começa a desenvolver a coluna “As

                                          Garotas do Alceu” em O Cruzeiro, a qual duraria até

                                          1964. Ela foi inspirada nas “Gibson Girls”, de Charles
As fantasias de carnaval criadas para O
Cruzeiro eram muito aguardadas pelas      Dana Gibson, autor de desenhos de lindas e glamourosas
leitoras, que corriam com eles para a
costureira. A variedade de modelos era
impressionante.                           mulheres. A coluna apresentava, semanalmente, uma
Fig. 03 a e 03 b. “Cada terra tem seu
uso”. Sugestão de fantasias de Alceu
                                          diversidade de ousadas jovens, acompanhada de textos
Penna, para O Cruzeiro. 04 de fevereiro
de 1939.                                  bem-humorados. Tomando como inspiração a mulher,

                                          bem como os modismos cariocas, Alceu Penna criou um




22
  ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p.5.

                                                                                                  24
universo de inspiradoras beldades. “Pelas páginas de O Cruzeiro, o país botou na cabeça

que, além de metrópole e centro gerador de cultura, hábitos e modismos, o Rio tem

                                          também as mulheres mais bonitas.” 23

                                                  A coluna ilustrada levou milhares de leitores a

                                          copiarem a moda, os gestos, penteados e até mesmo a

                                          maquiagem das “Garotas”:



                                          “(...) elas parecem ter adquirido vida própria. Seus vestidos e
                                          penteados foram copiados, suas poses e atitudes chegaram a
                                          serem imitadas. Saíram das páginas da revista e foram parar
                                          nos “cadernos de recordação”, corte e costura e economia
                                          doméstica de algumas meninas ou nos sonhos e expectativas
                                          afetivas de certos rapazes. Assim, pode-se dizer que os
                                          desenhos de Alceu Penna propagaram modos e modas”. 24




                                                  Em 1939 ele viaja para Nova Iorque como

                                          correspondente para O Cruzeiro na Feira Mundial 25 . Sua

                                          intenção, além de conhecer o país, é investigar o

                                          mercado editorial norte-americano. Ele tenta publicar nos
     O ilustrador nas suas temporadas
     no exterior trazia as novidades em   EUA e, apesar de falar muito bem a língua inglesa,
     moda, de forma adaptada para as
     leitoras de O Cruzeiro.
                                          verifica que a barreira do idioma lhe coloca em
     Fig.04 a. Croqui de modelo do
     costureiro Balenciaga, Sem data.
                                          desvantagem.
     Fig.04 b. Croqui de um modelo do
     costureiro Fath. Sem data.                   Durante a sua temporada no exterior ele se

compromete a enviar regularmente material para a coluna “Garotas” e, também, sobre

Carmen Miranda que, na ocasião, excursionava pelas terras norte-americanas. Segundo


23
   JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p. 14.
24
   BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995, p. 247.
25
   Uma das atrações da Feira de Nova Iorque era o pavilhão brasileiro chamado “Café do Brasil”. Alguns
arquitetos como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, contemporâneos de Alceu Penna na Escola de Arquitetura,
estavam participando do projeto na ocasião. Esse pavilhão evidenciava o poder de atuação da “política de boa
vizinhança” dos EUA para com a América Latina, buscando estreitar as relações entre os países.

                                                                                                         25
Thereza Penna o ilustrador trabalhou como consultor

                                           informal das fantasias da atriz e cantora, sua conhecida

                                           desde os tempos dos cassinos (informação oral julho

                                           2007).

                                                    Uma nova etapa surge em sua carreira quando

                                           Walt Disney (1901-1966) visita o Brasil em 1941.

                                           Nesse período há um esforço de aproximação dos EUA

                                           com os países sul-americanos, fruto da política de “boa
   O ilustrador demonstrou a sua
   versatilidade ao criar diversos         vizinhança”. Um dos objetivos do empresário é
   anúncios como esse, para o famoso
   sabão Sulfuroso. A bela figura
   feminina ousada é explorada pelo        divulgar o filme de animação Fantasia. Inspirado pela
   proficional até nos anúncios.
   Fig. 05. Cartaz de Alceu Penna para o   viagem, Disney decide criar o personagem Zé Carioca.
   sabão Sulfuroso. Sem data.
                                           Segundo Gonçalo Junior, Alceu Penna é chamado pelo

Itamaraty, provavelmente em virtude da sua experiência internacional, para acompanhá-lo

na sua visita. Disney se impressiona com o talento de Alceu Penna e o contato rende ao

ilustrador um convite para trabalhar nos estúdios do norte-americano. Para a surpresa de

todos, Alceu Penna prefere ficar no Brasil, onde já era reconhecido, pois no exterior

concluiu que seria “mais um na multidão”.

        Alceu Penna também emprestou seu talento para a publicidade: cigarros Odalisca

(1938), Casa Levy (1938), Melhoral (1947), Glostora (1947) (uma brilhantina para os

cabelos), o sabão Sulfuroso, embalagens para o Café Globo, fraldas infantis. Além disso,

ele desenvolveu um estudo de uniformes para a Shell e algumas lanchonetes.




                                                                                                26
Outros trabalhos se destacam, como os desenhos para o livro de partituras O Sapo

Dourado (1934), de Hekel Tavares, além de O Palhacinho Quebrado, de Murilo Araújo

(1945). Na coleção Disquinho, da gravadora Continental, ele ilustrou Chapeuzinho

Vermelho (1959) e A Cigarra e a Formiga (1959).

                                                                                  As seções de moda da

                                                                        revista    Cigarra – Suplemento

                                                                        Feminino e de O Cruzeiro –

                                                                        Portifólio Modas foram marcos na

                                                                        carreira do ilustrador, trazendo as

                                                                        principais novidades em moda

                                                                        internacionais,           devidamente

                                                                        adaptadas ao país, além de propor

                                                                        inúmeros      figurinos     para   as

                                                                        populares festas de carnaval e

                                                                        junina.

                                                                                  Em pesquisa ao acervo de

                                                                        Thereza Penna, irmã do ilustrador,

                                                                        em junho de 2006, pude constatar

                                                                        na sua biblioteca livros que eram

Alceu Penna e Erté possuíam um estilo dinâmico de ilustração. O         constantemente utilizados por ele.
movimento era um fator central, assim como a composição de cores.
Nos primeiros anos de carreira o ilustrador parecia se inspirar nos
desenhos de J Carlos, sendo um grande admirador de seu trabalho.        Dessa forma, algumas referências

Coluna direita: Fig. 06 a. 06 b. Croquis de Alceu Penna para shows      em desenho ficaram mais claras,
ou cassinos. Sem data
Coluna esquerda: Fig. 07 a. Capa livro “J Carlos: Época, vida e obra”   como Erté (1892-1990) e J. Carlos
de Álvaro Cotrim (Alvarus). Fig. 07 b. Ilustração de Erté “Alphabet
Cloak”. Sem data.
                                                                        (1884-1950), alguns dos nomes

presentes na sua estante.


                                                                                                           27
Após essa observação, ficou clara a influência de Erté e J. Carlos nos desenhos do

                                           ilustrador, mais precisamente, no início de sua carreira,

                                           na década de 1930, e, também, nos croquis para shows e

                                           cassinos. A forma do rosto arredondada, as sobrancelhas

                                           finas, os olhos ligeiramente puxados e a boca pequena

                                           são características comuns em ambos os ilustradores e

                                           detectadas nos desenhos de Alceu Penna. Os seus croquis

                                           de shows e cassinos, assim como as ilustrações de Erté,

                                           mostram    roupas     pomposas,        em    cores     fortes    e

                                           contrastantes,      que     enfatizam        o       movimento.

                                           Naturalmente, o traço do profissional se modificaria ao

                                           longo de sua carreira, recebendo outras influências, tais

                                           como a norte-americana.

                                                  A partir de 1945, ele inicia as ilustrações para os

     As capas da Tricô e Crochê            Calendários Santista, criados para divulgar os produtos
     contavam com a ajuda de
     Mercedes      Penna,      mãe    do   da empresa Moinhos Santista S/A 26 . As ilustrações dos
     ilustrador que        tecia tramas
     diferentes para dar vida à capa.
                                           calendários eram mais sensuais e provocativas que as
     Os calendários Santistas de tão
     sensuais eram frequentemente
     censurados.                           “Garotas” e, portanto, sofreram algumas censuras. Ele irá

     Fig.09 a. Capa revista Tricô e        colaborar, também, com a revista Tricô e Crochê (1946-
     Crochê. Exemplar pertencente à
     Mercedes Penna, mãe de Alceu.
     Sem data.                             52),   publicação    de    trabalhos     manuais      femininos
     Fig. 09 b. Ilustração Calendário
     Santista. 1945-46
                                           pertencente à mesma empresa. Segundo Thereza Penna,

a sua mãe, Mercedes, auxiliava na produção das capas ao fazer tricôs para as ilustrações,

de forma a deixá-las com texturas mais reais (informação oral extraída em junho, 2006).



26
  Inicialmente, em 1905, é uma empresa de moagem de trigo e fabricação de derivados na cidade de Santos,
SP. Posteriormente ela ampliou suas atividades para o setor de alimentos, passando também para a área têxtil,
minero-químico, seguro, imobiliário, comércio exterior e transporte.

                                                                                                           28
Já na década de 1950, devido ao fechamento dos cassinos, Alceu Penna desenvolve

figurinos para o teatro e shows como a peça Escândalos (1950), com Bibi Ferreira, e Quem

roubou meu samba (1953), de Silveira Sampaio, no Hotel Glória.

        Alceu Penna, segundo sua irmã Thereza, não gostava de ser denominado estilista

(informação oral extraída em fevereiro de 2006). Esse lado, entretanto, ficou muito

evidente quando iniciou a participação nos shows-desfiles da multinacional francesa

Rhodia S/A, assinando figurinos, juntamente com outros talentos, como o costureiro Dener

Pamplona e Guilherme Guimarães. 27

        Foi nesse momento que sua ligação com São Paulo se estreita, levando-o a viagens

constantes à cidade. Cyro Del Nero lembra as particularidades de suas visitas a trabalho:



                                   “Meu amigo querido Alceu Penna era um homem de hábitos.
                           Quando vinha à São Paulo ficava sempre no mesmo hotel e no mesmo
                           apartamento, por causa da cama que tinha um colchão aprovado por ele.
                           O hotel era na Praça da Bandeira e para ir para a Standard Propaganda
                           nos encontrar – na Praça Roosevelt – ele subia a Ladeira da Memória e
                           seguia pela Consolação.” 28




        Em 1972 Alceu Penna desenha figurinos para o show Brazil Export, dirigido por

Abelardo Figueiredo no Canecão, uma casa de shows famosa no Rio de Janeiro. Em 1973

assina a coleção de verão da Fios Pessina e, em 1974, a coleção da Ducal Jeans/Madras,

intitulada Golden Years. Nesse mesmo ano, inicia a sua colaboração com a revista

Manequim, da Editora Abril, em que assina artigos sobre noivas e carnaval.


27
   A Rhodia estava presente no país desde 1919, porém, foi só a partir de 1955 que dá início à fabricação do
fio sintético: “Em 1960, a empresa francesa implementa no país uma política de publicidade calcada na
produção de editoriais de moda para revistas e de desfiles, os quais conjugavam elementos da cultura
nacional (música, arte e pintura), a fim de associar o produto da multinacional à criação de uma ‘moda
brasileira’”. In: BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia
S/A. 1960-1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005, p. 10.
28
   TOLEDO. Marina Sartori de. A teatralização da moda brasileira: Os desfiles da Rhodia nos anos 60.
Dissertação de mestrado em Artes Cênicas, ECA/USP, São Paulo, 2004, p. 24


                                                                                                         29
Segundo Thereza Penna, a partir da segunda metade da

                               década de 1970, o ilustrador diminui o ritmo das atividades

                               profissionais, em razão de problemas de pressão. Seu traço já

                               não tem a mesma firmeza, em virtude dos fortes medicamentos

                               que é obrigado a tomar (informação oral, extraída em junho

                               2006). Ela acompanhou, firme e cuidadosa, os últimos dias de

                               seu irmão. Em 13 de janeiro de 1980, Alceu Penna morre

                               vítima de problemas circulatórios no Rio de Janeiro.

                                      O ilustrador foi um dos pioneiros do desenho de moda

                               no Brasil e, também, da orientação de moda nos tempos dos

                               editoriais de O Cruzeiro, Cigarra e outras. Seu traço, atual até

Fig 08 a. Figurino de Alceu    hoje, ensina muito sobre os percursos da história da moda e da
Penna para Elza Soares. Show
Brazil Export, no Canecão.
1972.                          imprensa nacionais.
Fig. 08 b. Croqui para o
figurino da “Viúva do
Palhaço” do show da Rhodia
Stravaganza. 1969.




                                                                                            30
1. CAPÍTULO.                  “GAROTAS”              CARIOCAS             E       JOVENS:     UMA       NOVA
PERSPECTIVA



1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de janeiro 1938 -1957



            Este capítulo descreve e analisa o contexto em que se insere a coluna “As Garotas

do Alceu” – o Rio de Janeiro – procurando conectar as ilustrações a esse cenário no

período de sua vigência. Serão observados nas ilustrações elementos, tais como o estilo de

                                                                                   vida, o grupo social a que

                                                                                   indicam pertencer, os seus

                                                                                   gostos e costumes. 29

                                                                                          A cidade havia se

                                                                                   tornado o centro e modelo

                                                                                   cultural para todo o Brasil,

                                                                                   desde a chegada da Corte
     As Garotas podem ser consideradas uma das primeiras musas da Cidade
     Maravilhosa. Refletindo os hábitos cariocas, como ir à praia, elas davam o
                                                                                   Real Portuguesa, em 1808,
     que falar.
     Fig 11. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em Copacabana. 04 de            emergindo como cidade
     janeiro de 1941. Texto Lyto.
                                                                                   moderna    moldada      pelos

padrões europeus de civilidade, que se prolongam ao longo da primeira metade do século

XX 30 : “O Rio passa a editar não só as novas modas e comportamentos, mas acima de tudo

os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibilidade, o estado de espírito e as


29
   Entende-se por estilo de vida “(...) um conjunto unitário de preferências distintas que exprimem, na lógica
específica de cada subespaço simbólico (mobília, vestimenta, linguagem ou héxis corporal) a mesma
intenção expressiva (...)”. Assim, é pelas preferências de cada conjunto, não coincidentes com as de outros,
que se define a imagem ou identificação de um estilo de vida. “As Garotas” tinham algumas preferências
distintas de outras meninas, reveladas pelas roupas, linguagem, corpo, demarcando um estilo de vida à parte.
BOURDIEU, Pierre. In: ORTIZ, Renato. A sociedade de Pierre Bourdieu. São Paulo, 2003, p.74.
30
   Sobre o assunto ver: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas
distinções: Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Ed. UnB, 2002 e NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque
tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.

                                                                                                             31
disposições pulsionais que articulam a modernidade como experiência existencial e

íntima.” 31

        Apesar de a revista O Cruzeiro circular nacionalmente, Alceu Penna desenhou suas

“Garotas” como cariocas, inspirando-se na cidade e no estilo de vida dos seus habitantes.

Analisando a coluna, percebe-se que, entre os muitos programas sociais, elas gostavam de

ir à praia, tomar um lanche na Confeitaria Colombo e curtir as noites no Teatro Municipal,

ou seja, típicos programas cariocas.

        Esse era o modelo difundido pelas ilustrações e textos:




                                   “O Cruzeiro, em seus primeiros anos, ao fazer circular imagens
                          do Brasil em suas páginas e pretendendo ser um veículo integrador do
                          território nacional, acabou por levar consigo os costumes da gente do Rio
                          de Janeiro que era, na época, o portão de entrada para o Brasil e onde as
                          novidades chegavam primeiro. O Rio é então apresentado por O Cruzeiro
                          como modelo e índice de desenvolvimento para um país inteiro.” 32




        A coluna “As Garotas” surgiu em pleno Estado Novo (1937-1945). As bases do

governo totalitário foram geradas antes, na Revolução de 1930. O projeto modernizador foi

marcado pelo fortalecimento do Estado e conseqüente centralização do poder, conquistada

através de uma linha intervencionista: “A intervenção do Estado tendia a ser mais intensa

no setor da indústria básica. O Estado era, na verdade, um agente de industrialização.” 33

        Assim, o presidente implantou uma política nacionalista que, segundo Edgar

Carone, estava focada na valorização do produto brasileiro, rejeitando a influência

estrangeira que ameaçava a soberania do país: “Nacionalismo significa restrição à

iniciativa estrangeira tanto política quanto econômica (...). No entanto, sendo representante
31
   SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau.
História da vida privada volume 03. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 522.
32
   URSINI, Leslye Bombonatto. A revista O Cruzeiro na virada da década de 1930. Dissertação mestrado.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000, p. 52.
33
   TOTA, Antônio Pedro. Estado Novo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 26.

                                                                                                  32
de uma tendência geral, o fato se traduz numa ameaça ao capitalismo estrangeiro e

representa barragem à sua maior expansão.” 34

        O nacionalismo econômico-político se expandiu para o setor cultural 35 : “A questão

da cultura passa a ser concebida em termos de organização política, ou seja, o Estado cria

aparatos culturais próprios, destinados a produzir e a difundir sua concepção de mundo

para o conjunto da sociedade.” 36

        Nesse sentido será buscada a construção de um ideal nacional programado através

das elites intelectuais 37 : “Na verdade não existe uma única identidade, mas uma história da

‘ideologia da cultura brasileira’ que varia ao longo dos anos e segundo interesses políticos

dos grupos que a elaboraram.” 38

        O samba viverá, a partir dos anos 1930, uma fase de difusão em escala nunca antes

vista, ao lado do carnaval, contando com o rádio para a sua ampla divulgação. 39 Ele passa

a ser um dos símbolos mais marcantes da cultura brasileira, ou seja, do que se pretendia ser


34
   CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 72.
35
   O governo, na tentativa de promover uma cultura brasileira apropriada, lançou mão de recursos como as
datas comemorativas, buscando a legitimidade e envolvimento da população nesse projeto. Getúlio Vargas
criou, por exemplo, o “Dia da Música Popular” em 4 de janeiro de 1939, tornando-se admirado no meio
artístico, apesar da ditadura: “Era de novo a ditadura escarrada, agora sob o nome de Estado Novo, e seria
natural que muitos artistas se pusessem contra ele. Mas, pelas leis que passara beneficiando a música popular,
o teatro, o cinema, o rádio, os cassinos, Getúlio parecia ter crédito ilimitado junto à categoria.” In: CASTRO,
Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2005, p.175.
36
   VELLOSO, Mônica Pimenta. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela
Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.72.
37
   As elites foram encarregadas da manipulação de todo o conteúdo que se pretendia nacional: “(...) O Estado
Novo assumiu posturas marcadamente elitistas, empenhando-se na elevação da nação brasileira a ‘um
patamar de civilização’ que a colocasse ‘em pé de igualdade com as nações mais desenvolvidas do mundo”.
In: VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). Projeto de iniciação científica
PIBIC/CNPq.              UNICAMP,              1994,            p.           6.          Disponível         em:
http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/pdf/samba/estado_novo_ok.pdf. Acessado em 03 de julho de 2007.
38
    ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 183.
39
   A radiodifusão no Brasil desenvolveu-se rapidamente depois da Revolução de 1930, vindo a superar de
longe o cinema como instrumento de cultura de massa. Cobrindo todo o território nacional, sendo um
instrumento especial na universalização dos gostos e costumes, dando à música popular dimensão
extraordinária, em um momento que a televisão não era a realidade. In: SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de
História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1996, p.92. O rádio foi um dos pilares
na difusão da ideologia do Estado Novo e sofreu ao lado de outros meios de comunicação um forte controle
do DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda: “(...) Capanema idealiza um departamento de
propaganda com o objetivo de ‘atingir todas as camadas populares’, instrumento que deveria ser um aparelho
vivaz de alcance, dotado de forte poder de irradiação e infiltração, tendo por função o esclarecimento,
preparo, orientação edificadas numa palavra, a cultura de massa.”. In: ORTIZ, Renato. Op cit, p.51.

                                                                                                           33
nacional. 40 O ritmo foi destacado de suas origens, aproximando-se da cultura urbana e do

progresso 41 : “O samba urbano surgiu entre os compositores do Estácio, bairro proletário do

centro com a zona norte, que buscavam uma batida nova, favorável ao ritmo do desfile da

escola de samba. Como a marchinha, o samba alcançava os demais segmentos da

sociedade pelo rádio e carnaval.” 42

        Será, particularmente, o samba urbano que terá presença na coluna. A seção

“Garotas carnaval” em 14 de fevereiro de 1942 deixava claro o humor e duplo-sentido

desse tipo de música: “A Margarida disse que só andará de automóvel e ônibus no

carnaval. Mas porque? Tem medo que cantem “... tem galinha no bonde!”

        O samba na coluna vinha, normalmente, vinculado à festa carnavalesca. 43 “As

Garotas” compartilhavam dessa experiência em ambientes da classe média e elite. “Garotas

de Fevereiro”, em 7 de fevereiro de 1942 apresenta as figuras em plena folia vestindo


40
    No Brasil não havia, até então, uma fixação de gêneros musicais. A indústria fonográfica se ampliou no
período, aparecendo novos intérpretes, inclusive brancos da classe média como Noel Rosa, que impulsionam
e deram visibilidade ao estilo. O samba começa uma aproximação das classes mais abastadas e, naturalmente,
é apropriado e modificado para adequar-se às novas demandas. In: VIANNA, Hermano. O mistério do
samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Oportunamente, de alvo de preconceito ele foi alçado a símbolo
nacional. Foram criados os sambas exaltação, verdadeiros aparelhos ideológicos do Estado Novo, como
Aquarela do Brasil. Ary Barroso, o compositor da música, disse que, ao criá-la, “foi sentindo toda a grandeza
e opulência da nossa terra”, comprovando a capacidade de idealização do país nos versos da canção, que veio
a se tornar mais popular que o próprio Hino Nacional. In: ZAN, José Roberto. Música popular brasileira,
indústria cultural e identidade. In: EccoS Ver. Cient., Uninove, São Paulo (n.): 1 e v. 3: 105-122, p. 110.
Certamente, nesse sentido, o Estado soube explorar a capacidade de integração e difusão de ideais contidos
na música em benefício próprio.
41
   O samba brasileiro pode ser dividido em duas primeiras fases: o antes da década de 1930 e depois desse
período. O samba no início do século era praticado principalmente por comunidades negras e mestiças, que
levaram consigo essa manifestação da Bahia, sua terra natal, para o Rio de Janeiro, na ocasião do fim do
tráfico negreiro em 1850. Como eram festeiros, as confraternizações eram chamadas de sambas, assim como
a música presente. In: SANDRONI, Carlos. Transformações no samba carioca no século XX. Disponível em:
http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/78a83%20Po.pdf. Acessado em 28 de setembro de 2006. Assim, o
samba carioca pode ser interpretado como uma adaptação da herança escrava negra, que da Bahia migrou
para o cenário carioca, sendo modificado pelo ritmo das escolas de samba. In: SODRÉ, Muniz. Samba, o
dono do corpo: ensaios. Rio de Janeiro: Codecri, 1979.
42
   COSTA, Tânia Garcia da. O “it verde amarelo” de Carmen Miranda (1930-1946).. São Paulo: Annablume;
Fapesp, 2004, p. 34.
43
    A festa carnavalesca vai estar intimamente atrelada ao samba urbano nascido no Rio de Janeiro,
contribuindo para a sua difusão como símbolo nacional. In: VIANNA, Hermano. Op cit, p. 122. Antes, a
festa era reprimida pela polícia com o pretexto da violência entre os blocos. Em 1932 foi totalmente
regularizada, cabendo à prefeitura a sua promoção. Com o Estado Novo, o carnaval sofreu mais
modificações, pelo estabelecimento de concursos entre as escolas de samba, que deveriam criar sambas-
enredos com temas folclóricos, literários ou biográficos. Essa era uma forma de inibir a criação de conteúdos
não pertinentes e perpetuar a ideologia estado-novista. In: COSTA, Tânia Garcia da. Op cit, p.59.

                                                                                                         34
fantasias impecáveis: “Este mês é o

                                                                 mês do Momo e as Garotas ‘fans’

                                                                 da orgia meditam (sabe Deus

                                                                 como) na escolha da fantasia.”

                                                                        Em       “Batucada         das

                                                                 Garotas”, em 12 de fevereiro de

                                                                 1944, uma “Garota” relata um

                                                                 episódio ocorrido com sua amiga

                                                                 em que o marido desta expressou

                                                                 grande indignação frente à hora

                                                                 que ela tinha chegado da folia,

                                                                 entoando uma canção de carnaval:
   O samba e a festa carnavalesca estavam não apenas entre os
   símbolos nacionais promovidos pelo discurso do Estado Novo,
   mas também das “Garotas”, que continuarão a perpetuar a       “Vai, vai, vai... Não pense que eu
   dimensão urbana adquirida por eles no período, pelos anos
   seguintes com entusiasmo.                                     vou chorar... Mulher igual a você
   Fig 12 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de
   fevereiro”. 07 de fevereiro de 1942. Texto Lyto.              eu encontro em qualquer lugar.”
   Fig 12 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Municipal com as
   Garotas”. 18 de fevereiro de 1956. Texto A. Ladino
                                                                        “No   Municipal    com      as

Garotas”, em 18 de fevereiro de 1956, apesar de fugir ao período em questão, reforça a

dimensão urbana da festa carnavalesca carioca que será perpetuada: “As Garotas atraentes

são jóias resplandecentes do baile monumental. Prêmios, prêmios não ganharam, mas todas

se conformaram, pois podem dizer contentes às coleguinhas ausentes: eu fui ao

Municipal.”

       Dentro desse contexto, as manifestações cívicas entraram como mais um suporte

ideológico do governo, buscando ao mesmo tempo aproximar-se das massas e estabelecer

certa distância, ao se apresentar de forma idealizada: “O Estado Novo é o primeiro

momento em que se procura dar sentido mítico ao Estado (...) esse processo será


                                                                                                   35
desenvolvido através da imprensa,

                                                                        do rádio e do cinema, bem como

                                                                        da promoção de festas populares e

                                                                        cerimônias cívicas em exaltação às

                                                                        principais datas nacionais e feitos

                                                                        do governo.” 44

                                                                               “Garotas de setembro”, em

                                                                        5 de setembro de 1942, fazia

                                                                        referência à data comemorativa da

                                                                        independência do país, o 7 de

                                                                        Setembro:      “Vivas,    vibrantes,

                                                                        libertas, da pátria um luzido

                                                                        membro,     formam       aqui   filas
       As “Garotas” demonstravam o seu patriotismo na data
       comemorativa da independência do Brasil, em um momento que
       o Estado Novo procurou forjar uma unidade nacional.
                                                                        concretas as ‘Garotas’ de setembro
       Fig 13 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de
       setembro”. 05 de setembro de 1942. Texto Millôr Fernandes        (...) Salve ufana brasileira, não
       As ilustrações estavam mais para o descanso que para o
       trabalho. Aproveitavam o máximo a vida com passeios e            tens lança, tens espada, mas se te
       viagens. Ainda bem, que Getulio Vargas não precisou delas para
       dar continuidade ao seu projeto modernizador.                    beijam faceira, quero crer que...
       Fig 13 b. Coluna “As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”.
       17 de novembro de 1945. Texto Vão Gôgo.                          fazes nada.”

           Tendo em vista o projeto de construção de um país moderno, o Estado gerou uma

ideologia de valorização do trabalho, sendo encarado como uma ferramenta pela qual a

população participaria desse esforço. Além disso, era necessário apagar tudo que ia contra

esse ideal: “Era preciso combater tanto o subversivo, identificado ao inimigo externo, ao




44
     VICENTE. Eduardo. Cit, p. 05

                                                                                                          36
estrangeiro de pátria e de ideais, quanto o

                                                                   malandro, o inimigo interno que se definia

                                                                   como avesso ao trabalho e às leis e regras

                                                                   da ordem constituída.” 45

                                                                           Dessa maneira, reuniram-se esforços

                                                                   para tentar apagar a noção arraigada de que

                                                                   o brasileiro era preguiçoso e malandro 46 :

                                                                   “(...) nos anos 30 procura-se transformar

                                                                   radicalmente       o     conceito       de     homem

                                                                   brasileiro.   Qualidades          como       preguiça,

                                                                   indolência, consideradas inerentes à raça

                                                                   mestiça são substituídas por uma ideologia

As influências do cinema norte-americano são sentidas desde o      do trabalho.” 47
início da coluna, reproduzindo a beleza e atitudes
hollywoodinas, com o devido tempero brasileiro.
                                                                           Observando         esse     incentivo,      as
Fig 14 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garota Cinema”. 26
de novembro de 1938. Texto Alceu Penna
                                                                   ilustrações não pareciam seguir, de maneira
Na temporada de Alceu Penna em NY, o estilo de vida norte-
americano foi trazido para as leitoras e leitores de O Cruzeiro,   geral, à risca o propósito do Estado Novo.
comprovada pela tradicional luta de boxe no Madison Square
Garden.
                                                                   “As Garotas”, de maneira geral, até pela
Fig. 14 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e a luta de
Box. 27 de julho de 1940
                                                                   condição      de       jovens,    não        apareciam

                                                                   encarando responsabilidades, como um

     emprego. Eram ilustradas curtindo a vida e o relax: “Na serra, no campo, no lago ou na

     praia, lá se vão novamente de férias as nossas garotas. Vão e voltam como as andorinhas e

     como as andorinhas são inconstantes e aéreas.” 48
     45
        GOMES, Ângela Maria de Castro. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES,
     Ângela Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 164
     46
        A figura do malandro que sempre permeou a vida popular, especialmente manifestado no samba -
     malandro, modifica-se para enquadrar-se aos novos anseios. Ele torna-se civilizado, se parecendo um galã de
     Hollywood, não anda mais armado e despiu-se do lenço no pescoço e chapéu de palha, à exemplo do samba
     de Ary Barroso “Mulatinho bamba” gravado por Carmen Miranda em 1935. In: COSTA. Tânia Garcia da.
     Op cit, p. 56
     47
        ORTIZ. Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 42

                                                                                                                      37
“As Garotas”, em linhas

                                                                      gerais,       absorveram        diretrizes

                                                                      nacionalistas     do     período     pela

                                                                      valorização dos cenários brasileiros,

                                                                      da música, festas, bem como da

                                                                      mulher e do seu vestuário, ainda que

                                                                      fossem      espelhados     na      cultura
     Nesse período, até mesmo em eventos nacionais populares como
     o carnaval, a influência norte-americana se fazia presente na    carioca.    As   ilustrações,      mesmo
     coluna. Uma ilustração está vestida com um conjunto de short e
     blusa estampados com motivos da bandeira dos EUA. Apesar
     disso, havia influências da artista Carmen Miranda, também,
                                                                      assim,     não    se     fecharam      às
     notada pelas fantasias inspiradas na sua famosa baiana.
                                                                      influências                estrangeiras,
     Fig. 15. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas & Carnaval em
     14 de fevereiro de 1942. Texto Alceu Penna
                                                                      especialmente a norte-americana: “O

                                                                      traço comum às mudanças que então

ocorriam no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo era a marcante

influência que aquelas mudanças recebiam do american way of life.” 49

            Devido à Segunda Guerra Mundial, o relacionamento entre Brasil e EUA foi

fortalecido, estreitando-se essa ligação pela política de “Boa vizinhança” (1933-1945),

buscando apagar a lembrança imperialista, nada simpatizante, do Big Stick: “Os métodos

mudaram, mas os objetivos permanecem os mesmos: minimizar a influência européia na

América Latina, manter a liderança norte-americana e encorajar a estabilidade política no

continente.” 50

            No campo cultural os norte-americanos valeram-se de táticas como a Missão

Rockefeller, para aproximar a nação do Brasil, trazendo os artistas, incluindo Walt Disney

que na ocasião lançava sua última produção - Fantasia: “(...) além de Disney vieram com a

48
   “As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto Vão Gôgo. In: O CRUZEIRO. 17 de novembro de
1945, p. 22 e 23
49
   MOURA. Gerson. O Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense,
1984, p.08
50
   MOURA. Gerson. Op cit, p. 18

                                                                                                             38
missão cultural famosos artistas do

                                                                     cinema americano: Tyrone Power,

                                                                     Henry Fonda, Douglas Fairbanks. O

                                                                     Rio de Janeiro exultava com os astros

                                                                     e o governo brasileiro aproximava

                                                                     ainda mais dos americanos.” 51

                                                                            Observando o impacto dessa

                                                                     política na coluna, é perceptível que

                                                                     os costumes e estilo de vida dos EUA

                                                                     serão trazidos de maneira próxima

                                                                     para “As Garotas”, quando Alceu

                                                                     Penna viaja para a Feira de Mundial

                                                                     em Nova York. 52 Em 27 de julho de
     “As Garotas” tentavam copiar as americanas do norte na
     destreza da cozinha, embora o esforço fosse em vão. Os          1940, em “Garotas e a luta de Box”, o
     hábitos alimentares, também, sofrerão influências, fazendo as
     figurinhas trocarem caviar por um suculento beef.               cenário era um torneio de box amador
     Fig 16 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a arte da
     culinária”. 26 de novembro de 1938. Texto A. Ladino             no Madison Square Garden, um
     Fig 16 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Para Agradar as
     Garotas”. 11 de março de 1944. Texto Alceu Penna                programa       tipicamente       norte-

                                                                     americano: “Não podendo assistir ao

encontro Godoy x Loe Louis, as “Garotas” me carregaram para o Madson. Para encurtar

razões – tive que me retirar antes do fim, para evitar um conflito, dada a torcida ‘violenta’

das meninas, em favor dos boxeus... bonitinhos...”

            Na realidade a influência norte-americana será presente durante todo o Estado

Novo. Entretanto, as aproximações com a cultura estrangeira deveriam respeitar um limite,

algo ignorado por Carmen Miranda, que não escapou de uma recepção fria ao voltar de sua


51
     TOTA, Antônio Pedro. Op cit, p. 54.
52
     Alceu Penna foi para os EUA em 20 de setembro 1939 e permaneceu lá até junho de 1941.

                                                                                                         39
turnê pelos EUA, fugindo do ideal musical brasileiro aprovado pelo Estado Novo 53 : “A

denúncia da ‘americanização de Carmen Miranda mostrava que existia no Brasil de 1940

um movimento difuso que defendia a correta utilização desses novos símbolos nacionais.

A mistura do samba com a música norte-americana, por exemplo, não podia ultrapassar

determinados limites.” 54

        A figura de Carmen Miranda ecoou não apenas nos EUA, mas aqui no país. É

notável perceber na coluna a quantidade de fantasias de carnaval inspiradas no figurino da

artista. Muitos turbantes com penduricalhos, colares, frutas amarradas, tecidos coloridos e

contrastantes.

        O cinema será outra evidência da influência dos EUA na coluna, presente desde os

primórdios dela. 55 Em 10 de dezembro de 1938, em “Garotas de festas”, certo ator famoso

de Hollywood aparenta causar comoção nas ilustrações: “A Elvira se apaixonou de tal

maneira pelo Tyrone Power que quase morreu. E curou-se? Com um sósia...”

        Essa influência cinematográfica tende a crescer após a Segunda Guerra Mundial,

sendo um importante porta-voz na difusão de gostos e estilos do american way of life, em

meio à Guerra Fria: “(...) após a Segunda Guerra, o cinema se tornou a vitrine por

excelência da exibição de glamourização dos novos materiais, objetos utilitários e

equipamentos de conforto e decoração doméstica.” 56



53
   Carmen Miranda, ao se apresentar no cassino da Urca em julho de 1940, não entendeu de imediato o seu
insucesso. O que os presentes em seu show viram foi uma Carmen demasiadamente estilizada, cantando algo
que não era supostamente a música brasileira pura, gesticulando em excesso (hábito adquirido nos EUA para
suprir a falta de comunicação) e, pior, saudando a platéia com um good night, people! A artista foi aclamada
pelo povo em sua chegada, mas ali ela cantava para o alto escalão do Estado Novo. A frieza, olhada por esse
ângulo, fez completo sentido: “Carmen abriu com ‘South American Way’. Pelo menos três minutos
seguintes, gelo na platéia. O samba-rumba, muito fraco para os padrões brasileiros, teve de arrastar-se
sozinho até a última nota.” In: CASTRO, Ruy. Op cit, 249-250.
54
   VIANNA, Hermano. Op cit, p. 131.
55
   A influência do cinema norte-americano data desde a década de 1920 no Brasil. Segundo Susan Besse, as
salas de projeção proliferaram a partir de 1910 e, na década de 1920, ir ao cinema estava entre os
passatempos mais populares para jovens e velhos, homens e mulheres, pobres e ricos. In: BESSE, Susan.
Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-40. São Paulo:
Universitária SP, 1999, p.26.
56
   SEVCENKO, Nicolau. Op cit, p.602.

                                                                                                         40
Em “Garotas e a arte da

                                                                       culinária”, de 22 de abril de 1950,

                                                                       as ilustrações buscam inspiração

                                                                       nos hábitos das mulheres norte-

                                                                       americanas    ao   encarnarem    a

                                                                       “rainha do lar”: “As Garotas viram

                                                                       no cinema o desembaraço com que
     O bom gosto francês aparecia tanto na moda de gala quanto nos
     programas inspirados no país. Apesar da influência norte-
     americana maciça, ambas vertentes serão presenciadas na coluna.   as americanas do norte vão para a
     Fig.17 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a comedie
     française”. 27 de maio de 1950. Texto A. Ladino                   cozinha.”

                                                                              Os EUA promoviam o

consumo de objetos ligados ao seu estilo de vida, levando, discretamente, seu imperialismo

cultural: “Ao importar o cadillac, os chicletes, a coca-cola e o cinema, não importamos

apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e condutas que

se acham implicados nesses produtos.” 57

           Em “Para agradar as Garotas”, de 11 de março de 1944, a cultura norte-americana

parecia afetar até o paladar das “Garotas”, que buscavam alternativas ao gosto francês:

“Para agradar ao paladar das Garotas alguns aconselham champanhe, caviar e marrom-

glacê. Hoje estamos certos de que um quilo de beef será mais recomendável.”

           Além de todos os produtos que traziam o estilo de vida do país internalizado, essa

influência ficava clara até no vocabulário. “Conselhos das Garotas”, em 7 de agosto de

1943, evidencia o emprego de algumas palavras em inglês no cotidiano pelas “Garotas”,

comprovando o quão fundo foi esse imperialismo: “Quando não souberes o destino de uma

estrada, nunca andes nela com um boy. O destino em geral é o espeto.”



57
  CORBISIER, Roland. Formação e probabilidade da cultura Brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958, p. 69.
In: ORTIZ. Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 69.

                                                                                                       41
Apesar da emergência do modelo norte-americano, o francês continuava sendo uma

referência em bom gosto e tradição. “As Garotas” o apreciavam, sendo isso evidenciado

pelos costureiros franceses, pelo vocabulário usado na coluna e mesmo pelos programas

influenciados pela cultura do país, que garantiam certa aparência de sofisticação: “Jean

Louis Barrault! Madeleine Renaud! As Garotas tinham que assistir às noitadas

maravilhosas da ‘Comedie Française’ no Municipal.” 58

        Os dois modelos passam a conviver, lado a lado, disputando constantemente o lugar

de prestígio: “É interessante notar, que apesar da preponderância francesa, as diversas

influências passam a coexistir no mundo da moda com maior flexibilidade de aceitação,

conforme representado na coluna Garotas (...).” 59

        Em “Garotas qual é seu tipo?”, de 29 de agosto de 1942, são apresentados variados

tipos de “Garotas”, das quais destaco a Granfina que curiosamente mistura elementos

norte-americanos e franceses, em um tom de valorização dos dois países: “A autêntica, que

já esteve na Europa ou Estados Unidos, foi educada no Sion ou no Sacré Coeur. Produto

nacional, ‘não se dá bem aqui’. Fala francês e inglês. Finge detestar tudo, mas intimamente

possui gostos burgueses.”

        Influências estrangeiras continuaram a crescer, principalmente durante o governo

do presidente JK, a partir de 1956, configurando-se como o auge do americanismo no

Brasil. Ainda na trilha do desenvolvimento, o país passa a vivenciar uma urbanização e

industrialização em proporções desconhecidas. Com uma política desenvolvimentista e de

abertura do mercado, o Brasil assistiu a uma invasão de indústrias estrangeiras, como a

automobilística. O presidente propunha realizar 50 anos em 5, mesmo à custa de uma




58
   “As Garotas do Alceu”. “Garotas e a Comedie Française”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 27 de maio
de 1950, p.38 e 39.
59
   ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p. 38.

                                                                                                   42
inflação galopante: “A industrialização era apresentada, tal e qual nos anos 30, como chave

da emancipação de todos e a conquista do bem-estar geral.”60

        Os bens de consumo diversificaram-se e invadiram os lares brasileiros, tornando

cada vez mais prática a vida doméstica:



                                  “Dispúnhamos,        também,     de     todas    as    maravilhas
                          eletrodomésticas: o ferro elétrico, que substituiu o ferro a carvão (...) o
                          chuveiro elétrico; o liquidificador e a batedeira de bolo; a geladeira; o
                          secador de cabelos (....) o aspirador de pó, substituindo as vassouras e o
                          espanador; a enceradeira, no lugar do escovão(...).” 61




        Uma febre do “novo” e “moderno” se instalava no gosto nacional: “Da simples

lâmina de barbear ao mais requintado automóvel, não havia nos anos 50 e 60 bem de

consumo que não pretendesse “moderno”, “novo”, “inédito.” 62 A modernização tornou-se

um ideal a ser alcançado a fim de nos livramos do atraso em que nos encontrávamos frente

a nações mais desenvolvidas.

        Os eletrodomésticos eram anunciados como supostos libertadores da mulher,

dotados de certa aura fantástica:



                                   “Do mesmo modo, as ilustrações das propagandas de fogões, com
                          fornos que transbordam assados, suflês e outros pratos, enquanto
                          mulheres elegantemente vestidas apreciavam o espetáculo, sugeriam que
                          se tratava de máquinas de cozinhar mágicas, com capacidade de preparar
                          refeições por algum processo de imaculada concepção.” 63




60
    FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada.
Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964), São Paulo: Hucitec 1998,
p.62
61
   MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna.
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da Vida Privada v.4. São Paulo: Companhia das letras, 1998,
p. 564.
62
   FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Op cit, p.31.
63
   FORTY, Adrian. Objeto de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac & Naif, 2007, p.283.

                                                                                                     43
Paralelamente a esse movimento de desenvolvimento, a classe média brasileira

ampliou-se aproveitando de todas as novidades: “Nos anos 50 do século XX o Brasil viveu

um período de ascensão da classe média, com possibilidades de acesso à informação, ao

lazer e ao consumo.” 64

        Muitos empregos, especialmente no setor terciário, foram criados, já que o aparato

urbano crescia e precisava de uma estrutura eficiente de funcionamento:



                                   “O leque de ocupações no mercado de trabalho aumenta
                           consideravelmente promovendo a expansão e incorporação das classes
                           médias (além do proletário industrial). Cresce de forma significativa o
                           número de trabalhadores dos serviços urbanos (bancos, comércio,
                           propaganda, transportes, comunicação), da administração de empresas
                           industriais, funcionários do governo, serviços burocráticos em geral,
                           profissionais liberais etc.” 65


        Em vista desse movimento, a classe média presenciou uma sistemática salarização,

ou seja, um declínio do trabalho autônomo e da prática privada:



                                   “Empregos em escritórios aumentaram, indicando o aparecimento
                           no censo de uma nova categoria ‘ocupações relativas ao funcionamento
                           de escritórios’. Mais mulheres entraram como parte da força de trabalho
                           não manual, especialmente como funcionárias públicas, professoras,
                           vendedoras, assistentes sociais e datilógrafas.” 66




        Examinando os hábitos e posses das “Garotas”, tais como os locais freqüentados

por elas e as roupas, sempre na última moda, percebe-se à primeira vista que,

provavelmente, ou representavam moças pertencentes à classe média ou à elite.


64
   ALVES, Andréia Matias; FILHO-COURA, Pedro. Avaliação das ações das mulheres sob violência no
espaço familiar, atendidas no Centro de Apoio à Mulher (Belo Horizonte), entre 1996 e 1998. Artigo retirado
de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232001000100020&script=sci_arttext&tlng=en. Acessado
em 28de outubro de 2006.
65
   BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações homem-
mulher, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.69.
66
   OWENSBY, Brian P. Intimate Ironies: modernity and the making of middle class in Brazil. Califórnia:
Stanford University Press, 1999, p.49.

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Moda, corpo e emancipação feminina na coluna As Garotas de Alceu Penna

  • 1. CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Gabriela Ordones Penna Vamos Garotas! Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina. (1938-1957) São Paulo 2007
  • 2. GABRIELA ORDONES PENNA Vamos Garotas! Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina. (1938-1957) Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Moda, Cultura e Arte. Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio São Paulo 2007 2
  • 3. P397z Penna, Gabriela Ordones Vamos Garotas! Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina (1938-1957) / Gabriela Ordones Penna – São Paulo, 2007. 165. f: il. color. Orientadora: Profa. Dra Maria Claudia Bonadio Dissertação de Mestrado – Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro – São Paulo, 2007. 1. “As Garotas do Alceu” 2. Alceu Penna 3. Imprensa - O Cruzeiro. 4. Mulher – moda e corpo. 5. Rio de Janeiro. I. Bonadio, Maria Claudia. II. Centro Universitário Senac - Campus Santo Amaro. Mestrado Moda, Cultura e Arte. III. Título. CDD391 3
  • 4. Gabriela Ordones Penna Vamos Garotas! Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Moda, Cultura e Arte. Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio A banca examinadora da Dissertação de Mestrado em sessão pública realizada em 04/09/07, considerou a candidata: 1) Examinadora: Profa. Dra. Maria Gabriela Marinho 2) Examinadora: Profa. Dra. Denise Bernuzzi Sant´Anna 3) Presidente: Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio 4
  • 5. Dedico esse trabalho à Thereza Penna, que me incentivou e apoiou em todos os momentos, tornando essa pesquisa um momento de descobertas e redescobertas. 5
  • 6. SUMÁRIO AGRADECIMENTOS............................................................................................................................ 07 RESUMO.................................................................................................................................................. 10 INTRODUÇÃO 1. Olá Garotas, muito prazer.................................................................................................................. 11 2. “Garotas”: muitas mulheres em uma representação....................................................................... 13 3. Estruturação dos capítulos e corpus documental............................................................................. 16 4. Balizas cronológicas............................................................................................................................. 19 5. Ser Alceu Penna é... ser versátil.......................................................................................................... 22 CAPÍTULO 1. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA PERSPECTIVA 1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de Janeiro 1938 -1957...................................................................... 31 1.2 O espaço urbano alia-se às cariocas................................................................................................. 46 1.3 Um broto de “Garota” : a emergência do conceito de juventude................................................. 56 CAPÍTULO 2. UMA REVISTA MODERNA: O CRUZEIRO DAS “GAROTAS” 2.1 Os Diários Associados: rumo à integração nacional....................................................................... 64 2.2 O Cruzeiro: a revista dos arranha-céus............................................................................................71 2.3 Uma história: “As Garotas do Alceu”.............................................................................................. 83 CAPÍTULO 3. O CORPO E A MODA DAS “GAROTAS DO ALCEU”: UM ESPELHO DO AMANHÃ 3.1 A moda e o corpo das “Garotas”: um reflexo de transformações................................................ 97 3.2 A ousadia discreta das “Garotas”: objetos de desejo.................................................................... 116 CAPÍTULO 4. “GAROTAS”... ALGO A SER INDEFINIDO 4.1 Um homem que desenhou mulheres: o olhar diferenciado........................................................... 125 4.2 Imagem e texto na coluna “As Garotas”: uma relação humorística............................................ 129 4.3 Garotas modernas ou emancipadas? Uma análise imagética e textual da coluna...................... 135 CONCLUSÃO......................................................................................................................................... 148 FONTES E BIBLIOGRAFIAS.............................................................................................................. 151 CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES......................................................................................................... 162 6
  • 7. AGRADECIMENTOS A coluna “As Garotas” esteve presente no imaginário de muitos brasileiros. Assim, escrever sobre uma coluna tão significativa e, ao mesmo tempo, pouco explorada pelo meio acadêmico, foi um desafio e, com certeza, não teria conseguido sem a ajuda de algumas pessoas especiais. Agradeço à Thereza Penna, minha querida tia-avó e irmã de Alceu Penna, que carinhosamente abriu as portas de seu apartamento no Rio de Janeiro para mim e minha orientadora a Profa. Dra Maria Claudia Bonadio, nos mostrando o seu acervo sobre o ilustrador. Coletamos várias imagens que serviram para a minha dissertação e para o Projeto Figurino: Alceu Penna (2005-2007), bem como para a exposição resultante dele “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Senac-SP (2007). Agradeço a CAPES pelo apoio concedido pela bolsa de estudos, sem a qual não teria conseguido concretizar esse percurso acadêmico. Ao DEDOC do Jornal Estado de Minas e a todos os seus funcionários atenciosos. Obrigada em especial à Ivonete, Karla, Irene e Rafael. Sem esse acervo completo, cuidado e organizado da revista O Cruzeiro e A Cigarra, bem como o de croquis originais da coluna “Garotas”, eu jamais teria conseguido coletar os dados e imagens que precisava. Obrigada aos meus pais, Aníbal Penna e Patrícia Ordones, que foram o meu porto- seguro e fortaleza nessa caminhada difícil, mas muito compensadora. Seus esforços em procurar registros sobre a coluna “Garotas” e sobre Alceu Penna, bem como indicar pessoas que eu deveria conversar foram de imensa ajuda. À minha tia, Simone Ordones, que tão generosamente me abrigou em sua casa durante o período do mestrado e tornou possível o meu sonho de escrever essa dissertação. 7
  • 8. Agradeço ao meu avô Aluízio Ordones pelo carinho e apoio incondicional. Aos meus avós Carmelita Gontijo Penna, Josaphat Penna e Zélia de Moura Ordones, aonde quer que estejam. Tenho muito a agradecer, também, a paciência dos meus irmãos Marina e Aluisio Ordones. Vocês foram demais! Não poderia ter chegado até aqui se não fosse a minha excepcional orientadora Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio (queria que me orientasse o resto da vida!), que acreditou em mim e no meu trabalho desde o primeiro momento. Foi generosa e profissional, me auxiliando e estando sempre à postos quando precisava de qualquer coisa, mesmo que não fosse relativo à dissertação. Obrigado pelos constantes incentivos em buscar novas perspectivas acadêmicas e profissionais. Tenho certeza que você já faz parte, de coração, da família Penna. À Heloisa Buarque de Hollanda e à editora do Caderno Feminino do Jornal Estado de Minas, Anna Marina pelos maravilhosos depoimentos sobre a importância da coluna “As Garotas”. Ao Ruy Castro pela generosidade e disposição em ajudar com o meu trabalho. Obrigada pelo texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos”, que acabei empregando, com muito orgulho, na minha dissertação. Ao corpo docente do mestrado Moda, Cultura e Arte pelo profissionalismo no ensino e a generosidade em compartilhar tantos conhecimentos. Em especial à Maria Lúcia Bueno Ramos, Ana Lúcia Castro, Eliane Robert de Morais, Magnólia Costa e Luiz Octávio Camargo. Às funcionárias brilhantes Juliana e Tissyana. Às Profas. Dras. Maria Gabriela Marinho e Denise Bernuzzi Sant´Anna, que aceitaram o convite, primeiramente, para estarem na minha banca de qualificação e posteriormente na minha banca final. À Profa. Dra. Maria Eduarda Guimarães por ter sido 8
  • 9. suplente na minha qualificação e banca final. À Profa. Dra. Solange Wajnman que aceitou ser suplente na minha banca final. Agradeço as contribuições para o crescimento do meu trabalho, abrindo novas perspectivas a ele, muitas vezes, despercebidas por mim. Aos meus colegas de mestrado, em especial Adriana Hegen, Juliana Schmitt, Silvana Holzmeister, Celinha, Cris Gurgel, Oneide de Carvalho, Mauro Fiorani, Alexandra Riquelme e a todos que fizeram dessa jornada algo interessante e divertido. À Profa. Daniela Nunes Figueira que, a partir dos desenhos coletados do ilustrador Alceu Penna, coordenou os trabalhos de modelagem resultantes da exposição sobre o ilustrador no Senac-SP. Ao Prof. Lázaro Mourilo responsável pela bela montagem. Às alunas do Projeto Figurino que se dedicaram firmemente no resgate da memória do profissional. À Giselda Moreira Garcia e Giselle Safar do Centro Integrado de Moda – CIMO, que me proporcionaram horizontes profissionais e uma oportunidade de expor, pela palestra “Alceu Penna: a trajetória de um designer versátil” (2007), o conteúdo da minha pesquisa de mestrado até aquele momento. Obrigada a Cyro Del Nero que, no início do mestrado, me recebeu, juntamente com meu pai, em sua casa. Sua atenção pela memória de Alceu Penna será sempre lembrada. Às Profas. Ivone Lourdes e Glória Gomide da PUC-MG, bem como ao Prof. Caio César Giannini, que sempre me auxiliaram durante a minha graduação em Publicidade e Propaganda na instituição e continuam, até hoje, sendo muito gentis e solícitos. À querida Profa. Dra. Ana Maria Rabelo Gomes, que me auxiliou na época da elaboração do meu anteprojeto para o mestrado. Obrigada pela sua atenção e carinho. Por fim, ao meu querido companheiro Luis André Nobre que tão carinhosamente e pacientemente me “suportou” nos momentos de crise, cansaço e desânimo. Sem você nada estaria completo. 9
  • 10. RESUMO A moda e o corpo atuam como importantes meios de comunicação da mulher com a sociedade. Por meio deles, a mulher estabelece um diálogo com o mundo, refletindo suas aspirações e frustrações. Sendo assim, este trabalho consiste em demonstrar, pelo estudo de imagens da “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a formação de uma imagem moderna da mulher, na coluna, transmitindo, pelos corpos e a moda das “Garotas”, imagens da emancipação feminina. ABSTRACT The fashion and the body acts as important medias of the woman with the society. For way of them, the woman establishes a dialogue with the world, reflecting its aspirations and frustrations. Being thus, this work consists of demonstrating, through the images´s study of "As Garotas do Alceu", in which way Alceu Penna contributed for the formation of a modern image of the woman, in the column, transmitting, through the bodies and the fashion of the "Garotas", images of the feminine emancipation. 10
  • 11. INTRODUÇÃO 1- Olá, Garotas, muito prazer Seria interessante situar o leitor sobre como a coluna “As Garotas do Alceu” cruzou o meu caminho. Entre tantos assuntos, por que eu escolhi este para ser o objeto da minha dissertação de mestrado? Não que fosse mera coincidência, mas o ilustrador Alceu de Paula Penna é meu tio-avô, irmão do meu avô paterno, Josaphat. Desde pequena, os seus desenhos estiveram presentes na minha vida, inspirando a imaginação. Era comum meu avô chegar com cópias de trabalhos do Alceu, especialmente no almoço de domingo (com uma Amandita escondida no casaco), pois sabia que eu adorava passar as tardes desenhando. Aí, uma vez munida de todas aquelas figuras, eu ia, compenetrada, tentar fazer pelo menos um parecido. Quanta presunção a minha! Por muitos anos eu não sabia, pela questão da idade, avaliar aquele trabalho como algo além de belos desenhos. Meu avô, sua irmã Thereza e meu pai, Aníbal, sempre foram grandes fontes de conhecimento do trabalho do ilustrador, pois me “abasteciam” de novos desenhos, reportagens e conhecimentos sobre ele. Sempre gostei de desenhar e apreciava as artes visuais: Alceu Penna era um “prato cheio”. Quanto mais eu conhecia o seu trabalho, mais eu o admirava e me interessava por um assunto constante em seus trabalhos: a moda. Além da influência do meu tio-avô, tive uma ajuda da minha mãe, Patrícia Ordones, para tomar gosto por moda, pois ela trabalhou, durante um bom tempo, como jornalista nessa área no Jornal de Casa 1 e no Jornal de Shopping 2 em Belo Horizonte. Curioso que, a despeito do meu interesse pelo assunto, optei, na ocasião do vestibular, por Publicidade e Propaganda na PUC-MG. Planejava trabalhar com Design 1 Publicação do Diário do Comércio que circula, até hoje, semanalmente, direcionada ao público feminino. 2 Publicação dos Diários Associados já extinta. 11
  • 12. Gráfico e Direção de Arte e acabei fazendo muitos estágios na área. Completei a graduação, mas já no sexto período (mais da metade do curso) eu sabia que não queria trabalhar como publicitária. Na ocasião, fiz uma reavaliação de interesses e decidi que era hora de me voltar para a moda, que sempre permeou a minha vida, de uma forma ou de outra. Meu trabalho de conclusão de curso não podia ter seguido outro direcionamento. Meu grupo apresentou um projeto experimental um estudo de site para a marca mineira de roupas Elvira Matilde, que explorava mecanismos para venda de vestuário pela internet. 3 Foi a minha primeira experiência acadêmica com a moda e aquilo me instigou a buscar um mestrado. Há algum tempo, eu me interessava em estudar a obra de Alceu Penna, principalmente, porque minha tia-avó Thereza sempre manifestou o desejo em dar continuidade à sua memória de alguma maneira. A pesquisa do mestrado foi uma oportunidade de concretizar esses objetivos, algo que acabou por me aproximar ainda mais da moda. Essa dissertação, posso dizer, é uma concretização de um sonho, há muito tempo almejado, em contribuir para o resgate do traço e importância do meu tio-avô, um homem, a meu ver, à frente de seu tempo. 3 http://www.elviramatilde.com.br/ 12
  • 13. 2- As Garotas: muitas mulheres em uma representação Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê. Quem sente não é quem é. Atento ao que sou e vejo, torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo. É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem, assisto à minha passagem, diverso, móbil e só. Não sei sentir-me onde estou , por isso, alheio, vou lendo, como páginas, meu ser (...). 4 Nos últimos anos, têm-se ampliado os estudos sobre a história da moda brasileira, em especial, sobre um personagem importante nessa narrativa: Alceu Penna. No decorrer da minha pesquisa, percebi esforços variados, principalmente desde a década de 1990, no campo de trabalhos acadêmicos como os de Ruth Joffily 5 , Maria Claudia Bonadio 6 , Carla Bassanezzi e Leslye Bombonatto Ursini 7 e Marina Bruno Santo Anastácio 8 . Outra iniciativa que resgatou a memória do ilustrador foi o Projeto Figurino: Alceu Penna, desenvolvido no Senac-SP, do qual participei colaborando com a pesquisa histórica, que contribuiu para a sua memória instigando alunos e professores. 9 O projeto visou a familiarizar os alunos de graduação com a obra do ilustrador e a reprodução de looks de alguns de seus modelos. Nesse sentido, as alunas realizaram estudos sobre modelagem da época, percebendo os significados da moda e do corpo para as mulheres que eram jovens no período. 4 PESSOA, Fernando. Não sei quantas almas tenho. Disponível em: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v096.txt. Acessado em 19 de junho de 2007. 5 JOFFILY, Ruth. Jornalismo de Moda. Jornalismo feminino e a obra de Alceu Penna. Dissertação de mestrado apresentada ao departamento de Comunicação da UFRJ, 2002. 6 BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia S/A. 1960- 1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005 7 BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo de Estudos de gênero. Unicamp, 1995 8 ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003. 9 O Projeto Figurino teve a coordenação geral da Profa Dra Maria Claudia Bonadio e das atividades de modelagem pela Profa Daniela Nunes Figueira. Esse núcleo de pesquisa resultou a exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Centro Universitários Senac-SP em maio de 2007. 13
  • 14. Verifiquei que Alceu Penna é explorado em crônicas e textos não acadêmicos também. Alguns dos autores que trabalham nesse sentido são Joaquim Ferreira dos Santos 10 , Alberto Vilas 11 e Gonçalo Junior 12 , que lançam informações sobre a representatividade do seu trabalho no cenário brasileiro. Eles enfocam, sobretudo, a coluna “As Garotas”, o trabalho mais conhecido do ilustrador. O conjunto de sua obra traz informações importantes sobre a história brasileira, em especial das mulheres, assim como a imprensa nacional, moda, arte, entre outros, necessitando, portanto, de uma dedicação maior por parte dos estudiosos. Dessa maneira, essa dissertação integra os esforços em ampliar as reflexões sobre a sua produção, em especial, “As Garotas do Alceu”. Na coluna, o corpo e a moda ocupam posição de destaque, tanto que a maioria dos autores citados neste trabalho que a abordam, tangenciam esses assuntos, de uma maneira ou de outra. Entretanto, mesmo com as valorosas iniciativas, existe uma necessidade de estudo maior sobre eles na coluna “As Garotas”, objetivo que procurei perseguir nesse trabalho. Na ocasião da elaboração do meu anteprojeto, a obra “Alceu Penna e as Garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980”, de Gonçalo Junior, foi um começo para mim, pois além de fazer um mapeamento da carreira do ilustrador ele tratava, brevemente, da contribuição das “Garotas” para o cenário feminino, colocando-as como um exemplo de futura emancipação. Instigada por ela, pesquisei alguns desenhos dele que tinha em casa e confirmei que a mulher era retratada diferencialmente na coluna, principalmente para os padrões morais vigentes. Isso me chamou a atenção e me interessou, pois, apesar de ser quase um consenso 10 SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003 11 VILLAS, Alberto. O mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006 12 JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube dos Quadrinhos, 2004. 14
  • 15. que elas eram muito avançadas para a época, seria uma oportunidade de aprofundar essa reflexão. Os estudos imagéticos, juntamente com o auxílio dos textos da coluna, me pareceram bons mecanismos para estudá-la, pois era pela visualidade da coluna (cores, formas, composição, etc.) e pelos textos maliciosos que a figura feminina ousada se destacava. O corpo e a moda das “Garotas”, juntamente com todos os recursos visuais empregados, trabalhavam juntos para comunicar uma mulher em processo de transição. Em linhas gerais, este trabalho consiste em demonstrar, por meio do estudo da coluna “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a construção de uma imagem moderna da mulher13 , mostrando nos corpos e na moda das “Garotas” “imagens da emancipação feminina” 14 . 13 Mulher moderna: compreendo como uma mulher que, apesar de compartilhar de elementos tradicionais relativos ao seu papel como mãe e esposa, por exemplo, consegue ir além deles, permitindo-se ter outras aspirações, como uma profissão, uma vida ligada mais aos prazeres que aos compromissos de um lar, ter vários relacionamentos ao mesmo tempo, enfim, experimentar papéis menos tradicionais, gozando, assim, de maior liberdade. O conceito de mulher moderna será trabalhado com maiores detalhes no capítulo 3. 14 Entendo como imagens da emancipação feminina um estágio em que a mulher ainda não se libertou completamente das amarras da sociedade patriarcal, mas demonstra que já está caminhando para isso. 15
  • 16. 3- Estruturação dos capítulos e corpus documental O primeiro capítulo, “Garotas cariocas e jovens: uma nova perspectiva”, traz elementos do contexto mostrado pelas “Garotas”. Na parte inicial, procurou-se apresentar e analisar imagens e textos presentes na coluna caracterizando as ilustrações pelo seu estilo de vida, o grupo social, os costumes e preferências. Esse enfoque é relevante, pois confirma as imagens propagadas na coluna, auxiliando no entendimento do contexto e das ilustrações como figuras femininas cariocas. Na segunda parte do capítulo, trato das “Garotas” como jovens, uma categoria etária que começava a se definir no cenário brasileiro nos anos 1950. Nele procuro identificá-las como pertencentes a esse grupo, que tinha vestuário, linguagem, hábitos e preferências particulares e que, naquele momento, buscava uma identidade própria. O segundo capítulo, “Uma revista em especial: O Cruzeiro das ‘Garotas’”, trata, inicialmente, do império brasileiro das comunicações daquele período, os Diários Associados, discorrendo sobre a sua história, importância no cenário da imprensa do Brasil, bem como, de forma breve, os periódicos e propriedades do grupo, em especial as revistas O Cruzeiro e A Cigarra. Em um segundo momento, é abordado somente O Cruzeiro, trazendo elementos como a sua história, características, público-alvo e conteúdo, evidenciado o seu papel como um marco no formato de revistas. O trabalho de Alceu Penna para a publicação é colocado em evidência, bem como a sua importância. Por fim, a coluna “As Garotas do Alceu” é estudada com maior dedicação, sendo investigadas as principais características, os respectivos redatores envolvidos, bem como o período de vigência de cada um. O terceiro capítulo, “O corpo e a moda das ‘Garotas do Alceu’: um espelho do amanhã”, aborda inicialmente o corpo e a moda como meios de comunicação da mulher na 16
  • 17. sociedade. A maneira com que a mulher contemporânea à coluna se relacionava com eles é analisada, indicando-se, comparativamente, como era essa relação para “As Garotas”, perpassando temas como a cultura física e os comportamentos. Na segunda parte é trabalhado o conceito de mulher moderna veiculado pelos meios de comunicação, especialmente em O Cruzeiro. Nesse sentido é explorado até que ponto o perfil feminino das “Garotas” vai ao encontro desse ideal e de que maneira eles se separam. No quarto capítulo, “’Garotas’... algo a ser indefinido”, é analisada a questão do ilustrador, um homem que desenhou mulheres, enfocando a produção e interpretação da imagem como um modo particular de o indivíduo ver o mundo e absorver o contexto em que está inserido. Na segunda parte, a forte ligação entre as imagens, os textos e o humor será abordada. Por fim, será feita uma análise de imagens da coluna, juntamente com o auxílio dos textos, salientando os dois lados contraditórios das “Garotas”: ousado e recatado *** Atualmente, os acervos mais completos disponíveis sobre O Cruzeiro e a coluna “As Garotas do Alceu” são: o jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte, e a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo 15 . Optei pelo acervo do Estado de Minas, pois, além de resguardar a coleção completa da revista em microfilme, o jornal também a disponibiliza em papel, devidamente encadernada e de fácil manuseio. Além disso, o arquivo tem originais conservados da coluna “Garotas”, os quais trouxeram elementos novos a respeito do processo de sua elaboração. Outra fonte de pesquisa foi o acervo de Thereza Penna. Nele existem registros sobre a carreira do ilustrador em geral, tais como capas de revistas, cadernos de desenhos, 15 O acervo de O Cruzeiro foi para o Estado de Minas, publicação dos Diários Associados, após a falência da revista, em 1980. O jornal foi a única publicação dos Diários Associados com dinheiro e estrutura suficientes para comprar o arquivo. 17
  • 18. publicidade e uma enormidade de outras referências pouco conhecidas. As conversas com Thereza foram igualmente importantes, já que ela conviveu por anos de forma próxima com seu irmão. 18
  • 19. 4- Balizas cronológicas A coluna “As Garotas” conta ao longo de sua vigência com diversas colaborações de redatores, que auxiliaram “a dar vida” a essas figurinhas tão populares no Brasil em meados do século XX. As contribuições mais freqüentes e homogêneas, portanto, mais relevantes foram as de Alceu Penna, Accioly Netto (Lyto), Millôr Fernandes (Vão Gôgo), Edgar Alencar (A. Ladino) e Maria Luiza Castelo Branco. 16 Examinando as características de cada um deles, percebe-se que, excetuando a redatora Maria Luiza, todos os outros formam um conjunto singular. Os temas e textos desse grupo são mais sensuais, maliciosos e bem-humorados e, portanto, se relacionam melhor com a imagem da mulher moderna propagada pela coluna. Esse perfil pode ser percebido, por exemplo, no texto de A. Ladino: “E ao invés das Garotas submissas, obedientes e quietinhas, como seria do nosso agrado, temos que enfrenta-las de igual para igual.” 17 . Os temas e textos da redatora Maria Luiza Castello Branco são mais monótonos e assumem um tom de conselho para as leitoras, deixando de lado a ousadia para tratar de temas mais tradicionais como o casamento. A passagem a seguir, fala de um chá de panelas, um evento preparatório para o casamento, em nada semelhante à ousadia e malícia do primeiro grupo de redatores: “Para dar uma sacudidela nas amigas a Garota resolve dar um “Chá de panelas”: cada uma das convidadas traz um utensílio para sua futura casa. ” 18 16 Os redatores serão estudados com mais profundidade no capítulo 02, especificamente no item sobre a coluna “Garotas”. 17 “As Garotas do Alceu”. “Mas as Garotas de hoje são assim!”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 09 de outubro de 1948. p. 34 e 35 18 “As Garotas do Alceu”. “Garotas e o chá de panela”. Texto Maria Luiza. In: O CRUZEIRO. 31 de outubro 1959, p. 40-41. 19
  • 20. Assim, o trabalho terá um recorte cronológico feito pelos textos. O período a ser estudado vai do início da coluna em 1938, quando Alceu Penna ilustra e escreve os textos até 1957, quando Edgar Alencar (A. Ladino) finda sua colaboração. Esse período também se torna oportuno para a análise, pois, além de compartilhar de textos singulares ele caracteriza-se por transformações importantes no contexto brasileiro e na própria publicação de O Cruzeiro, os quais seriam importantes destacar. Além de ser o ano de início da coluna, 1938 torna-se um ponto de partida importante, pois antecede o conflito da Segunda Guerra Mundial e marca a crescente influência do american way of life na América Latina, principalmente pelo cinema. Esse momento vai evidenciar a transição e o convívio das influências francesas e norte- americanas no país, importante para a compreensão da coluna em geral. Além disso, é também, ocasião do Estado Novo, um período marcado pela emergência de um determinado ideal nacional. Esse tom é reproduzido na coluna, ilustrando uma figura feminina que, mesmo diante de influências estrangeiras, permanece essencialmente brasileira, cultivando hábitos característicos de um morador do Rio de Janeiro como ir às praias e aos bailes de carnaval. Sob a perspectivada publicação O Cruzeiro, a exploração da década de 1940 é igualmente preciosa, pois ela sofre uma reformulação, presenciando vendagens grandiosas. Os conteúdos femininos, incluindo a coluna “As Garotas”, ganharam uma atenção especial nessa empreitada. Essas informações levam a crer que o público leitor da revista aumentou e, consequentemente, o da coluna também, que começava a se tornar bastante conhecida. O período de análise desse trabalho se finda em 1957, pois além de ser o ano de mudança de redator, os últimos anos da seção coincidem com um período de reestruturação da imprensa e de novos veículos moda/mulher, que compartilharam de um direcionamento distinto de O Cruzeiro. A revista Manchete (1952), uma importante concorrente da 20
  • 21. publicação, vai introduzir um formato gráfico mais avançado, impressa em um papel de melhor qualidade e contando com uma diagramação mais cuidadosa e atraente. A revista Claudia (1961), por exemplo, coloca em pauta de forma mais aberta que na publicação das “Garotas”, temas como sexo e comportamento, sendo direcionada a uma mulher que ansiava por uma identidade em meio à explosão consumista. Em termos de contexto político-econômico, o Brasil também entra em uma nova fase, marcada pelo governo de JK, que introduzirá metas desenvolvimentistas e de abertura de mercado que alterarão o panorama do país em termos de padrões de consumo, imprensa, tecnologia, transportes entre outros. Esses fatos, juntamente com o estudo do período dos redatores citados, só acrescentam informações valiosas ao trabalho, onde o recorte pelos textos complementa as informações fornecidas pelo contexto nacional contemporâneo à coluna, auxiliando na delimitação da linha cronológica a ser seguida. 21
  • 22. 5 - Ser Alceu Penna é... ser versátil “Impossível esquecer o impacto causado por seus desenhos: as cores, o movimento, a vivacidade e a criatividade. O balanço das saias e dos corpos de suas Garotas ou o brilho e a sensualidade esfuziante de suas fantasias para shows e bailes de carnaval. Alceu misturava, como poucos, texturas, brilhos, babados, sonhos”. (Ruy Castro. Exposição “O Brasil na ponta do lápis”: Alceu Penna, modas e figurinos) 19 Alceu de Paula Penna nasceu em 1915 na cidade de Curvelo, norte de Minas Gerais. Em 1932 ele muda para o Rio de Janeiro e matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes. O primeiro emprego que conseguiu quando chegou à capital foi no suplemento infantil de O Jornal, publicação do empresário Assis Chateaubriand. Esse emprego o levaria a conhecer Accioly Netto, inicialmente secretário de redação da revista O Cruzeiro e, mais tarde, responsável por sua reformulação, a partir da década 1940. Em 1933, após esse contato, Alceu Penna dá início a um longo período de colaborações para a revista, incluindo editoriais de moda, capas e ilustrações de contos. Em 1936, fruto de uma indicação de Accioly Netto, que viria a se tornar um grande amigo, Alceu Penna inicia trabalhos para os mais Fig 01. Alceu Penna desenhando. O diversos cassinos da época, contribuindo com os ilustrador não costumava trabalhar fora de casa. Apreciava a companhia de sua figurinos, cenários e cardápios: irmã Thereza e o conforto da sua sala de estar. Sem data. 19 CASTRO, Ruy. Texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007 22
  • 23. “Até o fechamento das luxuosas casas de jogo pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, ele trabalha em todos os cassinos mais famosos do Rio. Além da Urca, atua regularmente no Copacabana, no Icaraí e no Atlântico.” 20 O carnaval estava, desde o início, presente na sua trajetória e era um tema popular nas páginas da revista O Cruzeiro. Ele venceu concursos da Prefeitura do Rio de Janeiro em 1935, referentes às categorias de corso, baile e rua. Em 1936 foi a vez de Alceu Penna concorrer no Palace Hotel, quando se consagrou o grande destaque dos dois concursos: “Como no concurso de 1935, coube a maioria dos prêmios, ao jovem desenhista mineiro Alceu de Paula Penna, que levantou cinco das nove colocações (...).” 21 Mais tarde, em 1974, vai assinar as fantasias do bloco Canários das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Alceu Penna assinou inúmeras ilustrações de sugestões para fantasias em O Cruzeiro, Globo Juvenil Alceu Penna desenhou diversos croquis (periódico de quadrinhos) e na Cigarra (publicação para cassinos e shows, que encantavam pela mistura inusitada de cores e formas. feminina), que eram ansiosamente aguardadas: Fig.02 a. Figurino inspirado na ópera Carmem. Sem data. Fig 02 b. Figurino Bolero. Sem data. 20 JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube dos Quadrinhos, 2004, p. 40. 21 “O Concurso da A.A.B”. In: Revista O Cruzeiro. 15 de fevereiro, 1936, p.37. 23
  • 24. “Produzia desenhos que atendiam aos variados tipos femininos que compunham seu público: desde as mais modestas, com fantasias menos luxuosas ou modelos improvisados para o carnaval de rua, até as mais abastadas, com sugestões sofisticadas para os bailes de gala.” 22 Alceu Penna se aproximou também das histórias em quadrinhos, sendo um dos pioneiros no Brasil, já que não havia muitos quadrinistas nacionais. Entre 1937 e 1938 ilustrou para O Globo Juvenil, propriedade do empresário Roberto Marinho, adaptações de obras como O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, juntamente com Nelson Rodrigues, além de Rei Arthur, Alice no País das Maravilhas, entre outros. Em 1938 começa a desenvolver a coluna “As Garotas do Alceu” em O Cruzeiro, a qual duraria até 1964. Ela foi inspirada nas “Gibson Girls”, de Charles As fantasias de carnaval criadas para O Cruzeiro eram muito aguardadas pelas Dana Gibson, autor de desenhos de lindas e glamourosas leitoras, que corriam com eles para a costureira. A variedade de modelos era impressionante. mulheres. A coluna apresentava, semanalmente, uma Fig. 03 a e 03 b. “Cada terra tem seu uso”. Sugestão de fantasias de Alceu diversidade de ousadas jovens, acompanhada de textos Penna, para O Cruzeiro. 04 de fevereiro de 1939. bem-humorados. Tomando como inspiração a mulher, bem como os modismos cariocas, Alceu Penna criou um 22 ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p.5. 24
  • 25. universo de inspiradoras beldades. “Pelas páginas de O Cruzeiro, o país botou na cabeça que, além de metrópole e centro gerador de cultura, hábitos e modismos, o Rio tem também as mulheres mais bonitas.” 23 A coluna ilustrada levou milhares de leitores a copiarem a moda, os gestos, penteados e até mesmo a maquiagem das “Garotas”: “(...) elas parecem ter adquirido vida própria. Seus vestidos e penteados foram copiados, suas poses e atitudes chegaram a serem imitadas. Saíram das páginas da revista e foram parar nos “cadernos de recordação”, corte e costura e economia doméstica de algumas meninas ou nos sonhos e expectativas afetivas de certos rapazes. Assim, pode-se dizer que os desenhos de Alceu Penna propagaram modos e modas”. 24 Em 1939 ele viaja para Nova Iorque como correspondente para O Cruzeiro na Feira Mundial 25 . Sua intenção, além de conhecer o país, é investigar o mercado editorial norte-americano. Ele tenta publicar nos O ilustrador nas suas temporadas no exterior trazia as novidades em EUA e, apesar de falar muito bem a língua inglesa, moda, de forma adaptada para as leitoras de O Cruzeiro. verifica que a barreira do idioma lhe coloca em Fig.04 a. Croqui de modelo do costureiro Balenciaga, Sem data. desvantagem. Fig.04 b. Croqui de um modelo do costureiro Fath. Sem data. Durante a sua temporada no exterior ele se compromete a enviar regularmente material para a coluna “Garotas” e, também, sobre Carmen Miranda que, na ocasião, excursionava pelas terras norte-americanas. Segundo 23 JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p. 14. 24 BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo de Estudos de gênero. Unicamp, 1995, p. 247. 25 Uma das atrações da Feira de Nova Iorque era o pavilhão brasileiro chamado “Café do Brasil”. Alguns arquitetos como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, contemporâneos de Alceu Penna na Escola de Arquitetura, estavam participando do projeto na ocasião. Esse pavilhão evidenciava o poder de atuação da “política de boa vizinhança” dos EUA para com a América Latina, buscando estreitar as relações entre os países. 25
  • 26. Thereza Penna o ilustrador trabalhou como consultor informal das fantasias da atriz e cantora, sua conhecida desde os tempos dos cassinos (informação oral julho 2007). Uma nova etapa surge em sua carreira quando Walt Disney (1901-1966) visita o Brasil em 1941. Nesse período há um esforço de aproximação dos EUA com os países sul-americanos, fruto da política de “boa O ilustrador demonstrou a sua versatilidade ao criar diversos vizinhança”. Um dos objetivos do empresário é anúncios como esse, para o famoso sabão Sulfuroso. A bela figura feminina ousada é explorada pelo divulgar o filme de animação Fantasia. Inspirado pela proficional até nos anúncios. Fig. 05. Cartaz de Alceu Penna para o viagem, Disney decide criar o personagem Zé Carioca. sabão Sulfuroso. Sem data. Segundo Gonçalo Junior, Alceu Penna é chamado pelo Itamaraty, provavelmente em virtude da sua experiência internacional, para acompanhá-lo na sua visita. Disney se impressiona com o talento de Alceu Penna e o contato rende ao ilustrador um convite para trabalhar nos estúdios do norte-americano. Para a surpresa de todos, Alceu Penna prefere ficar no Brasil, onde já era reconhecido, pois no exterior concluiu que seria “mais um na multidão”. Alceu Penna também emprestou seu talento para a publicidade: cigarros Odalisca (1938), Casa Levy (1938), Melhoral (1947), Glostora (1947) (uma brilhantina para os cabelos), o sabão Sulfuroso, embalagens para o Café Globo, fraldas infantis. Além disso, ele desenvolveu um estudo de uniformes para a Shell e algumas lanchonetes. 26
  • 27. Outros trabalhos se destacam, como os desenhos para o livro de partituras O Sapo Dourado (1934), de Hekel Tavares, além de O Palhacinho Quebrado, de Murilo Araújo (1945). Na coleção Disquinho, da gravadora Continental, ele ilustrou Chapeuzinho Vermelho (1959) e A Cigarra e a Formiga (1959). As seções de moda da revista Cigarra – Suplemento Feminino e de O Cruzeiro – Portifólio Modas foram marcos na carreira do ilustrador, trazendo as principais novidades em moda internacionais, devidamente adaptadas ao país, além de propor inúmeros figurinos para as populares festas de carnaval e junina. Em pesquisa ao acervo de Thereza Penna, irmã do ilustrador, em junho de 2006, pude constatar na sua biblioteca livros que eram Alceu Penna e Erté possuíam um estilo dinâmico de ilustração. O constantemente utilizados por ele. movimento era um fator central, assim como a composição de cores. Nos primeiros anos de carreira o ilustrador parecia se inspirar nos desenhos de J Carlos, sendo um grande admirador de seu trabalho. Dessa forma, algumas referências Coluna direita: Fig. 06 a. 06 b. Croquis de Alceu Penna para shows em desenho ficaram mais claras, ou cassinos. Sem data Coluna esquerda: Fig. 07 a. Capa livro “J Carlos: Época, vida e obra” como Erté (1892-1990) e J. Carlos de Álvaro Cotrim (Alvarus). Fig. 07 b. Ilustração de Erté “Alphabet Cloak”. Sem data. (1884-1950), alguns dos nomes presentes na sua estante. 27
  • 28. Após essa observação, ficou clara a influência de Erté e J. Carlos nos desenhos do ilustrador, mais precisamente, no início de sua carreira, na década de 1930, e, também, nos croquis para shows e cassinos. A forma do rosto arredondada, as sobrancelhas finas, os olhos ligeiramente puxados e a boca pequena são características comuns em ambos os ilustradores e detectadas nos desenhos de Alceu Penna. Os seus croquis de shows e cassinos, assim como as ilustrações de Erté, mostram roupas pomposas, em cores fortes e contrastantes, que enfatizam o movimento. Naturalmente, o traço do profissional se modificaria ao longo de sua carreira, recebendo outras influências, tais como a norte-americana. A partir de 1945, ele inicia as ilustrações para os As capas da Tricô e Crochê Calendários Santista, criados para divulgar os produtos contavam com a ajuda de Mercedes Penna, mãe do da empresa Moinhos Santista S/A 26 . As ilustrações dos ilustrador que tecia tramas diferentes para dar vida à capa. calendários eram mais sensuais e provocativas que as Os calendários Santistas de tão sensuais eram frequentemente censurados. “Garotas” e, portanto, sofreram algumas censuras. Ele irá Fig.09 a. Capa revista Tricô e colaborar, também, com a revista Tricô e Crochê (1946- Crochê. Exemplar pertencente à Mercedes Penna, mãe de Alceu. Sem data. 52), publicação de trabalhos manuais femininos Fig. 09 b. Ilustração Calendário Santista. 1945-46 pertencente à mesma empresa. Segundo Thereza Penna, a sua mãe, Mercedes, auxiliava na produção das capas ao fazer tricôs para as ilustrações, de forma a deixá-las com texturas mais reais (informação oral extraída em junho, 2006). 26 Inicialmente, em 1905, é uma empresa de moagem de trigo e fabricação de derivados na cidade de Santos, SP. Posteriormente ela ampliou suas atividades para o setor de alimentos, passando também para a área têxtil, minero-químico, seguro, imobiliário, comércio exterior e transporte. 28
  • 29. Já na década de 1950, devido ao fechamento dos cassinos, Alceu Penna desenvolve figurinos para o teatro e shows como a peça Escândalos (1950), com Bibi Ferreira, e Quem roubou meu samba (1953), de Silveira Sampaio, no Hotel Glória. Alceu Penna, segundo sua irmã Thereza, não gostava de ser denominado estilista (informação oral extraída em fevereiro de 2006). Esse lado, entretanto, ficou muito evidente quando iniciou a participação nos shows-desfiles da multinacional francesa Rhodia S/A, assinando figurinos, juntamente com outros talentos, como o costureiro Dener Pamplona e Guilherme Guimarães. 27 Foi nesse momento que sua ligação com São Paulo se estreita, levando-o a viagens constantes à cidade. Cyro Del Nero lembra as particularidades de suas visitas a trabalho: “Meu amigo querido Alceu Penna era um homem de hábitos. Quando vinha à São Paulo ficava sempre no mesmo hotel e no mesmo apartamento, por causa da cama que tinha um colchão aprovado por ele. O hotel era na Praça da Bandeira e para ir para a Standard Propaganda nos encontrar – na Praça Roosevelt – ele subia a Ladeira da Memória e seguia pela Consolação.” 28 Em 1972 Alceu Penna desenha figurinos para o show Brazil Export, dirigido por Abelardo Figueiredo no Canecão, uma casa de shows famosa no Rio de Janeiro. Em 1973 assina a coleção de verão da Fios Pessina e, em 1974, a coleção da Ducal Jeans/Madras, intitulada Golden Years. Nesse mesmo ano, inicia a sua colaboração com a revista Manequim, da Editora Abril, em que assina artigos sobre noivas e carnaval. 27 A Rhodia estava presente no país desde 1919, porém, foi só a partir de 1955 que dá início à fabricação do fio sintético: “Em 1960, a empresa francesa implementa no país uma política de publicidade calcada na produção de editoriais de moda para revistas e de desfiles, os quais conjugavam elementos da cultura nacional (música, arte e pintura), a fim de associar o produto da multinacional à criação de uma ‘moda brasileira’”. In: BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia S/A. 1960-1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005, p. 10. 28 TOLEDO. Marina Sartori de. A teatralização da moda brasileira: Os desfiles da Rhodia nos anos 60. Dissertação de mestrado em Artes Cênicas, ECA/USP, São Paulo, 2004, p. 24 29
  • 30. Segundo Thereza Penna, a partir da segunda metade da década de 1970, o ilustrador diminui o ritmo das atividades profissionais, em razão de problemas de pressão. Seu traço já não tem a mesma firmeza, em virtude dos fortes medicamentos que é obrigado a tomar (informação oral, extraída em junho 2006). Ela acompanhou, firme e cuidadosa, os últimos dias de seu irmão. Em 13 de janeiro de 1980, Alceu Penna morre vítima de problemas circulatórios no Rio de Janeiro. O ilustrador foi um dos pioneiros do desenho de moda no Brasil e, também, da orientação de moda nos tempos dos editoriais de O Cruzeiro, Cigarra e outras. Seu traço, atual até Fig 08 a. Figurino de Alceu hoje, ensina muito sobre os percursos da história da moda e da Penna para Elza Soares. Show Brazil Export, no Canecão. 1972. imprensa nacionais. Fig. 08 b. Croqui para o figurino da “Viúva do Palhaço” do show da Rhodia Stravaganza. 1969. 30
  • 31. 1. CAPÍTULO. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA PERSPECTIVA 1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de janeiro 1938 -1957 Este capítulo descreve e analisa o contexto em que se insere a coluna “As Garotas do Alceu” – o Rio de Janeiro – procurando conectar as ilustrações a esse cenário no período de sua vigência. Serão observados nas ilustrações elementos, tais como o estilo de vida, o grupo social a que indicam pertencer, os seus gostos e costumes. 29 A cidade havia se tornado o centro e modelo cultural para todo o Brasil, desde a chegada da Corte As Garotas podem ser consideradas uma das primeiras musas da Cidade Maravilhosa. Refletindo os hábitos cariocas, como ir à praia, elas davam o Real Portuguesa, em 1808, que falar. Fig 11. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em Copacabana. 04 de emergindo como cidade janeiro de 1941. Texto Lyto. moderna moldada pelos padrões europeus de civilidade, que se prolongam ao longo da primeira metade do século XX 30 : “O Rio passa a editar não só as novas modas e comportamentos, mas acima de tudo os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibilidade, o estado de espírito e as 29 Entende-se por estilo de vida “(...) um conjunto unitário de preferências distintas que exprimem, na lógica específica de cada subespaço simbólico (mobília, vestimenta, linguagem ou héxis corporal) a mesma intenção expressiva (...)”. Assim, é pelas preferências de cada conjunto, não coincidentes com as de outros, que se define a imagem ou identificação de um estilo de vida. “As Garotas” tinham algumas preferências distintas de outras meninas, reveladas pelas roupas, linguagem, corpo, demarcando um estilo de vida à parte. BOURDIEU, Pierre. In: ORTIZ, Renato. A sociedade de Pierre Bourdieu. São Paulo, 2003, p.74. 30 Sobre o assunto ver: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas distinções: Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Ed. UnB, 2002 e NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 31
  • 32. disposições pulsionais que articulam a modernidade como experiência existencial e íntima.” 31 Apesar de a revista O Cruzeiro circular nacionalmente, Alceu Penna desenhou suas “Garotas” como cariocas, inspirando-se na cidade e no estilo de vida dos seus habitantes. Analisando a coluna, percebe-se que, entre os muitos programas sociais, elas gostavam de ir à praia, tomar um lanche na Confeitaria Colombo e curtir as noites no Teatro Municipal, ou seja, típicos programas cariocas. Esse era o modelo difundido pelas ilustrações e textos: “O Cruzeiro, em seus primeiros anos, ao fazer circular imagens do Brasil em suas páginas e pretendendo ser um veículo integrador do território nacional, acabou por levar consigo os costumes da gente do Rio de Janeiro que era, na época, o portão de entrada para o Brasil e onde as novidades chegavam primeiro. O Rio é então apresentado por O Cruzeiro como modelo e índice de desenvolvimento para um país inteiro.” 32 A coluna “As Garotas” surgiu em pleno Estado Novo (1937-1945). As bases do governo totalitário foram geradas antes, na Revolução de 1930. O projeto modernizador foi marcado pelo fortalecimento do Estado e conseqüente centralização do poder, conquistada através de uma linha intervencionista: “A intervenção do Estado tendia a ser mais intensa no setor da indústria básica. O Estado era, na verdade, um agente de industrialização.” 33 Assim, o presidente implantou uma política nacionalista que, segundo Edgar Carone, estava focada na valorização do produto brasileiro, rejeitando a influência estrangeira que ameaçava a soberania do país: “Nacionalismo significa restrição à iniciativa estrangeira tanto política quanto econômica (...). No entanto, sendo representante 31 SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau. História da vida privada volume 03. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 522. 32 URSINI, Leslye Bombonatto. A revista O Cruzeiro na virada da década de 1930. Dissertação mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000, p. 52. 33 TOTA, Antônio Pedro. Estado Novo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 26. 32
  • 33. de uma tendência geral, o fato se traduz numa ameaça ao capitalismo estrangeiro e representa barragem à sua maior expansão.” 34 O nacionalismo econômico-político se expandiu para o setor cultural 35 : “A questão da cultura passa a ser concebida em termos de organização política, ou seja, o Estado cria aparatos culturais próprios, destinados a produzir e a difundir sua concepção de mundo para o conjunto da sociedade.” 36 Nesse sentido será buscada a construção de um ideal nacional programado através das elites intelectuais 37 : “Na verdade não existe uma única identidade, mas uma história da ‘ideologia da cultura brasileira’ que varia ao longo dos anos e segundo interesses políticos dos grupos que a elaboraram.” 38 O samba viverá, a partir dos anos 1930, uma fase de difusão em escala nunca antes vista, ao lado do carnaval, contando com o rádio para a sua ampla divulgação. 39 Ele passa a ser um dos símbolos mais marcantes da cultura brasileira, ou seja, do que se pretendia ser 34 CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 72. 35 O governo, na tentativa de promover uma cultura brasileira apropriada, lançou mão de recursos como as datas comemorativas, buscando a legitimidade e envolvimento da população nesse projeto. Getúlio Vargas criou, por exemplo, o “Dia da Música Popular” em 4 de janeiro de 1939, tornando-se admirado no meio artístico, apesar da ditadura: “Era de novo a ditadura escarrada, agora sob o nome de Estado Novo, e seria natural que muitos artistas se pusessem contra ele. Mas, pelas leis que passara beneficiando a música popular, o teatro, o cinema, o rádio, os cassinos, Getúlio parecia ter crédito ilimitado junto à categoria.” In: CASTRO, Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2005, p.175. 36 VELLOSO, Mônica Pimenta. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.72. 37 As elites foram encarregadas da manipulação de todo o conteúdo que se pretendia nacional: “(...) O Estado Novo assumiu posturas marcadamente elitistas, empenhando-se na elevação da nação brasileira a ‘um patamar de civilização’ que a colocasse ‘em pé de igualdade com as nações mais desenvolvidas do mundo”. In: VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). Projeto de iniciação científica PIBIC/CNPq. UNICAMP, 1994, p. 6. Disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/pdf/samba/estado_novo_ok.pdf. Acessado em 03 de julho de 2007. 38 ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 183. 39 A radiodifusão no Brasil desenvolveu-se rapidamente depois da Revolução de 1930, vindo a superar de longe o cinema como instrumento de cultura de massa. Cobrindo todo o território nacional, sendo um instrumento especial na universalização dos gostos e costumes, dando à música popular dimensão extraordinária, em um momento que a televisão não era a realidade. In: SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1996, p.92. O rádio foi um dos pilares na difusão da ideologia do Estado Novo e sofreu ao lado de outros meios de comunicação um forte controle do DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda: “(...) Capanema idealiza um departamento de propaganda com o objetivo de ‘atingir todas as camadas populares’, instrumento que deveria ser um aparelho vivaz de alcance, dotado de forte poder de irradiação e infiltração, tendo por função o esclarecimento, preparo, orientação edificadas numa palavra, a cultura de massa.”. In: ORTIZ, Renato. Op cit, p.51. 33
  • 34. nacional. 40 O ritmo foi destacado de suas origens, aproximando-se da cultura urbana e do progresso 41 : “O samba urbano surgiu entre os compositores do Estácio, bairro proletário do centro com a zona norte, que buscavam uma batida nova, favorável ao ritmo do desfile da escola de samba. Como a marchinha, o samba alcançava os demais segmentos da sociedade pelo rádio e carnaval.” 42 Será, particularmente, o samba urbano que terá presença na coluna. A seção “Garotas carnaval” em 14 de fevereiro de 1942 deixava claro o humor e duplo-sentido desse tipo de música: “A Margarida disse que só andará de automóvel e ônibus no carnaval. Mas porque? Tem medo que cantem “... tem galinha no bonde!” O samba na coluna vinha, normalmente, vinculado à festa carnavalesca. 43 “As Garotas” compartilhavam dessa experiência em ambientes da classe média e elite. “Garotas de Fevereiro”, em 7 de fevereiro de 1942 apresenta as figuras em plena folia vestindo 40 No Brasil não havia, até então, uma fixação de gêneros musicais. A indústria fonográfica se ampliou no período, aparecendo novos intérpretes, inclusive brancos da classe média como Noel Rosa, que impulsionam e deram visibilidade ao estilo. O samba começa uma aproximação das classes mais abastadas e, naturalmente, é apropriado e modificado para adequar-se às novas demandas. In: VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Oportunamente, de alvo de preconceito ele foi alçado a símbolo nacional. Foram criados os sambas exaltação, verdadeiros aparelhos ideológicos do Estado Novo, como Aquarela do Brasil. Ary Barroso, o compositor da música, disse que, ao criá-la, “foi sentindo toda a grandeza e opulência da nossa terra”, comprovando a capacidade de idealização do país nos versos da canção, que veio a se tornar mais popular que o próprio Hino Nacional. In: ZAN, José Roberto. Música popular brasileira, indústria cultural e identidade. In: EccoS Ver. Cient., Uninove, São Paulo (n.): 1 e v. 3: 105-122, p. 110. Certamente, nesse sentido, o Estado soube explorar a capacidade de integração e difusão de ideais contidos na música em benefício próprio. 41 O samba brasileiro pode ser dividido em duas primeiras fases: o antes da década de 1930 e depois desse período. O samba no início do século era praticado principalmente por comunidades negras e mestiças, que levaram consigo essa manifestação da Bahia, sua terra natal, para o Rio de Janeiro, na ocasião do fim do tráfico negreiro em 1850. Como eram festeiros, as confraternizações eram chamadas de sambas, assim como a música presente. In: SANDRONI, Carlos. Transformações no samba carioca no século XX. Disponível em: http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/78a83%20Po.pdf. Acessado em 28 de setembro de 2006. Assim, o samba carioca pode ser interpretado como uma adaptação da herança escrava negra, que da Bahia migrou para o cenário carioca, sendo modificado pelo ritmo das escolas de samba. In: SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo: ensaios. Rio de Janeiro: Codecri, 1979. 42 COSTA, Tânia Garcia da. O “it verde amarelo” de Carmen Miranda (1930-1946).. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004, p. 34. 43 A festa carnavalesca vai estar intimamente atrelada ao samba urbano nascido no Rio de Janeiro, contribuindo para a sua difusão como símbolo nacional. In: VIANNA, Hermano. Op cit, p. 122. Antes, a festa era reprimida pela polícia com o pretexto da violência entre os blocos. Em 1932 foi totalmente regularizada, cabendo à prefeitura a sua promoção. Com o Estado Novo, o carnaval sofreu mais modificações, pelo estabelecimento de concursos entre as escolas de samba, que deveriam criar sambas- enredos com temas folclóricos, literários ou biográficos. Essa era uma forma de inibir a criação de conteúdos não pertinentes e perpetuar a ideologia estado-novista. In: COSTA, Tânia Garcia da. Op cit, p.59. 34
  • 35. fantasias impecáveis: “Este mês é o mês do Momo e as Garotas ‘fans’ da orgia meditam (sabe Deus como) na escolha da fantasia.” Em “Batucada das Garotas”, em 12 de fevereiro de 1944, uma “Garota” relata um episódio ocorrido com sua amiga em que o marido desta expressou grande indignação frente à hora que ela tinha chegado da folia, entoando uma canção de carnaval: O samba e a festa carnavalesca estavam não apenas entre os símbolos nacionais promovidos pelo discurso do Estado Novo, mas também das “Garotas”, que continuarão a perpetuar a “Vai, vai, vai... Não pense que eu dimensão urbana adquirida por eles no período, pelos anos seguintes com entusiasmo. vou chorar... Mulher igual a você Fig 12 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de fevereiro”. 07 de fevereiro de 1942. Texto Lyto. eu encontro em qualquer lugar.” Fig 12 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Municipal com as Garotas”. 18 de fevereiro de 1956. Texto A. Ladino “No Municipal com as Garotas”, em 18 de fevereiro de 1956, apesar de fugir ao período em questão, reforça a dimensão urbana da festa carnavalesca carioca que será perpetuada: “As Garotas atraentes são jóias resplandecentes do baile monumental. Prêmios, prêmios não ganharam, mas todas se conformaram, pois podem dizer contentes às coleguinhas ausentes: eu fui ao Municipal.” Dentro desse contexto, as manifestações cívicas entraram como mais um suporte ideológico do governo, buscando ao mesmo tempo aproximar-se das massas e estabelecer certa distância, ao se apresentar de forma idealizada: “O Estado Novo é o primeiro momento em que se procura dar sentido mítico ao Estado (...) esse processo será 35
  • 36. desenvolvido através da imprensa, do rádio e do cinema, bem como da promoção de festas populares e cerimônias cívicas em exaltação às principais datas nacionais e feitos do governo.” 44 “Garotas de setembro”, em 5 de setembro de 1942, fazia referência à data comemorativa da independência do país, o 7 de Setembro: “Vivas, vibrantes, libertas, da pátria um luzido membro, formam aqui filas As “Garotas” demonstravam o seu patriotismo na data comemorativa da independência do Brasil, em um momento que o Estado Novo procurou forjar uma unidade nacional. concretas as ‘Garotas’ de setembro Fig 13 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de setembro”. 05 de setembro de 1942. Texto Millôr Fernandes (...) Salve ufana brasileira, não As ilustrações estavam mais para o descanso que para o trabalho. Aproveitavam o máximo a vida com passeios e tens lança, tens espada, mas se te viagens. Ainda bem, que Getulio Vargas não precisou delas para dar continuidade ao seu projeto modernizador. beijam faceira, quero crer que... Fig 13 b. Coluna “As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. 17 de novembro de 1945. Texto Vão Gôgo. fazes nada.” Tendo em vista o projeto de construção de um país moderno, o Estado gerou uma ideologia de valorização do trabalho, sendo encarado como uma ferramenta pela qual a população participaria desse esforço. Além disso, era necessário apagar tudo que ia contra esse ideal: “Era preciso combater tanto o subversivo, identificado ao inimigo externo, ao 44 VICENTE. Eduardo. Cit, p. 05 36
  • 37. estrangeiro de pátria e de ideais, quanto o malandro, o inimigo interno que se definia como avesso ao trabalho e às leis e regras da ordem constituída.” 45 Dessa maneira, reuniram-se esforços para tentar apagar a noção arraigada de que o brasileiro era preguiçoso e malandro 46 : “(...) nos anos 30 procura-se transformar radicalmente o conceito de homem brasileiro. Qualidades como preguiça, indolência, consideradas inerentes à raça mestiça são substituídas por uma ideologia As influências do cinema norte-americano são sentidas desde o do trabalho.” 47 início da coluna, reproduzindo a beleza e atitudes hollywoodinas, com o devido tempero brasileiro. Observando esse incentivo, as Fig 14 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garota Cinema”. 26 de novembro de 1938. Texto Alceu Penna ilustrações não pareciam seguir, de maneira Na temporada de Alceu Penna em NY, o estilo de vida norte- americano foi trazido para as leitoras e leitores de O Cruzeiro, geral, à risca o propósito do Estado Novo. comprovada pela tradicional luta de boxe no Madison Square Garden. “As Garotas”, de maneira geral, até pela Fig. 14 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e a luta de Box. 27 de julho de 1940 condição de jovens, não apareciam encarando responsabilidades, como um emprego. Eram ilustradas curtindo a vida e o relax: “Na serra, no campo, no lago ou na praia, lá se vão novamente de férias as nossas garotas. Vão e voltam como as andorinhas e como as andorinhas são inconstantes e aéreas.” 48 45 GOMES, Ângela Maria de Castro. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 164 46 A figura do malandro que sempre permeou a vida popular, especialmente manifestado no samba - malandro, modifica-se para enquadrar-se aos novos anseios. Ele torna-se civilizado, se parecendo um galã de Hollywood, não anda mais armado e despiu-se do lenço no pescoço e chapéu de palha, à exemplo do samba de Ary Barroso “Mulatinho bamba” gravado por Carmen Miranda em 1935. In: COSTA. Tânia Garcia da. Op cit, p. 56 47 ORTIZ. Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 42 37
  • 38. “As Garotas”, em linhas gerais, absorveram diretrizes nacionalistas do período pela valorização dos cenários brasileiros, da música, festas, bem como da mulher e do seu vestuário, ainda que fossem espelhados na cultura Nesse período, até mesmo em eventos nacionais populares como o carnaval, a influência norte-americana se fazia presente na carioca. As ilustrações, mesmo coluna. Uma ilustração está vestida com um conjunto de short e blusa estampados com motivos da bandeira dos EUA. Apesar disso, havia influências da artista Carmen Miranda, também, assim, não se fecharam às notada pelas fantasias inspiradas na sua famosa baiana. influências estrangeiras, Fig. 15. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas & Carnaval em 14 de fevereiro de 1942. Texto Alceu Penna especialmente a norte-americana: “O traço comum às mudanças que então ocorriam no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo era a marcante influência que aquelas mudanças recebiam do american way of life.” 49 Devido à Segunda Guerra Mundial, o relacionamento entre Brasil e EUA foi fortalecido, estreitando-se essa ligação pela política de “Boa vizinhança” (1933-1945), buscando apagar a lembrança imperialista, nada simpatizante, do Big Stick: “Os métodos mudaram, mas os objetivos permanecem os mesmos: minimizar a influência européia na América Latina, manter a liderança norte-americana e encorajar a estabilidade política no continente.” 50 No campo cultural os norte-americanos valeram-se de táticas como a Missão Rockefeller, para aproximar a nação do Brasil, trazendo os artistas, incluindo Walt Disney que na ocasião lançava sua última produção - Fantasia: “(...) além de Disney vieram com a 48 “As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto Vão Gôgo. In: O CRUZEIRO. 17 de novembro de 1945, p. 22 e 23 49 MOURA. Gerson. O Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.08 50 MOURA. Gerson. Op cit, p. 18 38
  • 39. missão cultural famosos artistas do cinema americano: Tyrone Power, Henry Fonda, Douglas Fairbanks. O Rio de Janeiro exultava com os astros e o governo brasileiro aproximava ainda mais dos americanos.” 51 Observando o impacto dessa política na coluna, é perceptível que os costumes e estilo de vida dos EUA serão trazidos de maneira próxima para “As Garotas”, quando Alceu Penna viaja para a Feira de Mundial em Nova York. 52 Em 27 de julho de “As Garotas” tentavam copiar as americanas do norte na destreza da cozinha, embora o esforço fosse em vão. Os 1940, em “Garotas e a luta de Box”, o hábitos alimentares, também, sofrerão influências, fazendo as figurinhas trocarem caviar por um suculento beef. cenário era um torneio de box amador Fig 16 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a arte da culinária”. 26 de novembro de 1938. Texto A. Ladino no Madison Square Garden, um Fig 16 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Para Agradar as Garotas”. 11 de março de 1944. Texto Alceu Penna programa tipicamente norte- americano: “Não podendo assistir ao encontro Godoy x Loe Louis, as “Garotas” me carregaram para o Madson. Para encurtar razões – tive que me retirar antes do fim, para evitar um conflito, dada a torcida ‘violenta’ das meninas, em favor dos boxeus... bonitinhos...” Na realidade a influência norte-americana será presente durante todo o Estado Novo. Entretanto, as aproximações com a cultura estrangeira deveriam respeitar um limite, algo ignorado por Carmen Miranda, que não escapou de uma recepção fria ao voltar de sua 51 TOTA, Antônio Pedro. Op cit, p. 54. 52 Alceu Penna foi para os EUA em 20 de setembro 1939 e permaneceu lá até junho de 1941. 39
  • 40. turnê pelos EUA, fugindo do ideal musical brasileiro aprovado pelo Estado Novo 53 : “A denúncia da ‘americanização de Carmen Miranda mostrava que existia no Brasil de 1940 um movimento difuso que defendia a correta utilização desses novos símbolos nacionais. A mistura do samba com a música norte-americana, por exemplo, não podia ultrapassar determinados limites.” 54 A figura de Carmen Miranda ecoou não apenas nos EUA, mas aqui no país. É notável perceber na coluna a quantidade de fantasias de carnaval inspiradas no figurino da artista. Muitos turbantes com penduricalhos, colares, frutas amarradas, tecidos coloridos e contrastantes. O cinema será outra evidência da influência dos EUA na coluna, presente desde os primórdios dela. 55 Em 10 de dezembro de 1938, em “Garotas de festas”, certo ator famoso de Hollywood aparenta causar comoção nas ilustrações: “A Elvira se apaixonou de tal maneira pelo Tyrone Power que quase morreu. E curou-se? Com um sósia...” Essa influência cinematográfica tende a crescer após a Segunda Guerra Mundial, sendo um importante porta-voz na difusão de gostos e estilos do american way of life, em meio à Guerra Fria: “(...) após a Segunda Guerra, o cinema se tornou a vitrine por excelência da exibição de glamourização dos novos materiais, objetos utilitários e equipamentos de conforto e decoração doméstica.” 56 53 Carmen Miranda, ao se apresentar no cassino da Urca em julho de 1940, não entendeu de imediato o seu insucesso. O que os presentes em seu show viram foi uma Carmen demasiadamente estilizada, cantando algo que não era supostamente a música brasileira pura, gesticulando em excesso (hábito adquirido nos EUA para suprir a falta de comunicação) e, pior, saudando a platéia com um good night, people! A artista foi aclamada pelo povo em sua chegada, mas ali ela cantava para o alto escalão do Estado Novo. A frieza, olhada por esse ângulo, fez completo sentido: “Carmen abriu com ‘South American Way’. Pelo menos três minutos seguintes, gelo na platéia. O samba-rumba, muito fraco para os padrões brasileiros, teve de arrastar-se sozinho até a última nota.” In: CASTRO, Ruy. Op cit, 249-250. 54 VIANNA, Hermano. Op cit, p. 131. 55 A influência do cinema norte-americano data desde a década de 1920 no Brasil. Segundo Susan Besse, as salas de projeção proliferaram a partir de 1910 e, na década de 1920, ir ao cinema estava entre os passatempos mais populares para jovens e velhos, homens e mulheres, pobres e ricos. In: BESSE, Susan. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-40. São Paulo: Universitária SP, 1999, p.26. 56 SEVCENKO, Nicolau. Op cit, p.602. 40
  • 41. Em “Garotas e a arte da culinária”, de 22 de abril de 1950, as ilustrações buscam inspiração nos hábitos das mulheres norte- americanas ao encarnarem a “rainha do lar”: “As Garotas viram no cinema o desembaraço com que O bom gosto francês aparecia tanto na moda de gala quanto nos programas inspirados no país. Apesar da influência norte- americana maciça, ambas vertentes serão presenciadas na coluna. as americanas do norte vão para a Fig.17 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a comedie française”. 27 de maio de 1950. Texto A. Ladino cozinha.” Os EUA promoviam o consumo de objetos ligados ao seu estilo de vida, levando, discretamente, seu imperialismo cultural: “Ao importar o cadillac, os chicletes, a coca-cola e o cinema, não importamos apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e condutas que se acham implicados nesses produtos.” 57 Em “Para agradar as Garotas”, de 11 de março de 1944, a cultura norte-americana parecia afetar até o paladar das “Garotas”, que buscavam alternativas ao gosto francês: “Para agradar ao paladar das Garotas alguns aconselham champanhe, caviar e marrom- glacê. Hoje estamos certos de que um quilo de beef será mais recomendável.” Além de todos os produtos que traziam o estilo de vida do país internalizado, essa influência ficava clara até no vocabulário. “Conselhos das Garotas”, em 7 de agosto de 1943, evidencia o emprego de algumas palavras em inglês no cotidiano pelas “Garotas”, comprovando o quão fundo foi esse imperialismo: “Quando não souberes o destino de uma estrada, nunca andes nela com um boy. O destino em geral é o espeto.” 57 CORBISIER, Roland. Formação e probabilidade da cultura Brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958, p. 69. In: ORTIZ. Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 69. 41
  • 42. Apesar da emergência do modelo norte-americano, o francês continuava sendo uma referência em bom gosto e tradição. “As Garotas” o apreciavam, sendo isso evidenciado pelos costureiros franceses, pelo vocabulário usado na coluna e mesmo pelos programas influenciados pela cultura do país, que garantiam certa aparência de sofisticação: “Jean Louis Barrault! Madeleine Renaud! As Garotas tinham que assistir às noitadas maravilhosas da ‘Comedie Française’ no Municipal.” 58 Os dois modelos passam a conviver, lado a lado, disputando constantemente o lugar de prestígio: “É interessante notar, que apesar da preponderância francesa, as diversas influências passam a coexistir no mundo da moda com maior flexibilidade de aceitação, conforme representado na coluna Garotas (...).” 59 Em “Garotas qual é seu tipo?”, de 29 de agosto de 1942, são apresentados variados tipos de “Garotas”, das quais destaco a Granfina que curiosamente mistura elementos norte-americanos e franceses, em um tom de valorização dos dois países: “A autêntica, que já esteve na Europa ou Estados Unidos, foi educada no Sion ou no Sacré Coeur. Produto nacional, ‘não se dá bem aqui’. Fala francês e inglês. Finge detestar tudo, mas intimamente possui gostos burgueses.” Influências estrangeiras continuaram a crescer, principalmente durante o governo do presidente JK, a partir de 1956, configurando-se como o auge do americanismo no Brasil. Ainda na trilha do desenvolvimento, o país passa a vivenciar uma urbanização e industrialização em proporções desconhecidas. Com uma política desenvolvimentista e de abertura do mercado, o Brasil assistiu a uma invasão de indústrias estrangeiras, como a automobilística. O presidente propunha realizar 50 anos em 5, mesmo à custa de uma 58 “As Garotas do Alceu”. “Garotas e a Comedie Française”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 27 de maio de 1950, p.38 e 39. 59 ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p. 38. 42
  • 43. inflação galopante: “A industrialização era apresentada, tal e qual nos anos 30, como chave da emancipação de todos e a conquista do bem-estar geral.”60 Os bens de consumo diversificaram-se e invadiram os lares brasileiros, tornando cada vez mais prática a vida doméstica: “Dispúnhamos, também, de todas as maravilhas eletrodomésticas: o ferro elétrico, que substituiu o ferro a carvão (...) o chuveiro elétrico; o liquidificador e a batedeira de bolo; a geladeira; o secador de cabelos (....) o aspirador de pó, substituindo as vassouras e o espanador; a enceradeira, no lugar do escovão(...).” 61 Uma febre do “novo” e “moderno” se instalava no gosto nacional: “Da simples lâmina de barbear ao mais requintado automóvel, não havia nos anos 50 e 60 bem de consumo que não pretendesse “moderno”, “novo”, “inédito.” 62 A modernização tornou-se um ideal a ser alcançado a fim de nos livramos do atraso em que nos encontrávamos frente a nações mais desenvolvidas. Os eletrodomésticos eram anunciados como supostos libertadores da mulher, dotados de certa aura fantástica: “Do mesmo modo, as ilustrações das propagandas de fogões, com fornos que transbordam assados, suflês e outros pratos, enquanto mulheres elegantemente vestidas apreciavam o espetáculo, sugeriam que se tratava de máquinas de cozinhar mágicas, com capacidade de preparar refeições por algum processo de imaculada concepção.” 63 60 FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada. Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964), São Paulo: Hucitec 1998, p.62 61 MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da Vida Privada v.4. São Paulo: Companhia das letras, 1998, p. 564. 62 FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Op cit, p.31. 63 FORTY, Adrian. Objeto de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac & Naif, 2007, p.283. 43
  • 44. Paralelamente a esse movimento de desenvolvimento, a classe média brasileira ampliou-se aproveitando de todas as novidades: “Nos anos 50 do século XX o Brasil viveu um período de ascensão da classe média, com possibilidades de acesso à informação, ao lazer e ao consumo.” 64 Muitos empregos, especialmente no setor terciário, foram criados, já que o aparato urbano crescia e precisava de uma estrutura eficiente de funcionamento: “O leque de ocupações no mercado de trabalho aumenta consideravelmente promovendo a expansão e incorporação das classes médias (além do proletário industrial). Cresce de forma significativa o número de trabalhadores dos serviços urbanos (bancos, comércio, propaganda, transportes, comunicação), da administração de empresas industriais, funcionários do governo, serviços burocráticos em geral, profissionais liberais etc.” 65 Em vista desse movimento, a classe média presenciou uma sistemática salarização, ou seja, um declínio do trabalho autônomo e da prática privada: “Empregos em escritórios aumentaram, indicando o aparecimento no censo de uma nova categoria ‘ocupações relativas ao funcionamento de escritórios’. Mais mulheres entraram como parte da força de trabalho não manual, especialmente como funcionárias públicas, professoras, vendedoras, assistentes sociais e datilógrafas.” 66 Examinando os hábitos e posses das “Garotas”, tais como os locais freqüentados por elas e as roupas, sempre na última moda, percebe-se à primeira vista que, provavelmente, ou representavam moças pertencentes à classe média ou à elite. 64 ALVES, Andréia Matias; FILHO-COURA, Pedro. Avaliação das ações das mulheres sob violência no espaço familiar, atendidas no Centro de Apoio à Mulher (Belo Horizonte), entre 1996 e 1998. Artigo retirado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232001000100020&script=sci_arttext&tlng=en. Acessado em 28de outubro de 2006. 65 BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações homem- mulher, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.69. 66 OWENSBY, Brian P. Intimate Ironies: modernity and the making of middle class in Brazil. Califórnia: Stanford University Press, 1999, p.49. 44