Este documento discute a coluna "As Garotas do Alceu" criada por Alceu Penna no jornal O Cruzeiro entre 1938 e 1957. A autora realizou uma pesquisa sobre a coluna para sua dissertação de mestrado com o objetivo de demonstrar como Penna contribuiu para a formação de uma imagem moderna da mulher brasileira, transmitindo imagens da emancipação feminina por meio dos corpos e da moda das "Garotas".
Moda, corpo e emancipação feminina na coluna As Garotas de Alceu Penna
1. CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC
Gabriela Ordones Penna
Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
(1938-1957)
São Paulo
2007
2. GABRIELA ORDONES PENNA
Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
(1938-1957)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Centro Universitário Senac – Campus Santo
Amaro, como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em Moda,
Cultura e Arte.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia
Bonadio
São Paulo
2007
2
3. P397z
Penna, Gabriela Ordones
Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina
(1938-1957) / Gabriela Ordones Penna – São Paulo, 2007.
165. f: il. color.
Orientadora: Profa. Dra Maria Claudia Bonadio
Dissertação de Mestrado – Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro –
São Paulo, 2007.
1. “As Garotas do Alceu” 2. Alceu Penna 3. Imprensa - O Cruzeiro. 4. Mulher –
moda e corpo. 5. Rio de Janeiro. I. Bonadio, Maria Claudia. II. Centro Universitário
Senac - Campus Santo Amaro. Mestrado Moda, Cultura e Arte. III. Título.
CDD391
3
4. Gabriela Ordones Penna
Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação
feminina
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Centro Universitário Senac – Campus Santo
Amaro, como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em Moda,
Cultura e Arte.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia
Bonadio
A banca examinadora da Dissertação de Mestrado em sessão pública realizada em
04/09/07, considerou a candidata:
1) Examinadora: Profa. Dra. Maria Gabriela Marinho
2) Examinadora: Profa. Dra. Denise Bernuzzi Sant´Anna
3) Presidente: Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio
4
5. Dedico esse trabalho à Thereza
Penna, que me incentivou e apoiou
em todos os momentos, tornando
essa pesquisa um momento de
descobertas e redescobertas.
5
6. SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................................................................ 07
RESUMO.................................................................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO
1. Olá Garotas, muito prazer.................................................................................................................. 11
2. “Garotas”: muitas mulheres em uma representação....................................................................... 13
3. Estruturação dos capítulos e corpus documental............................................................................. 16
4. Balizas cronológicas............................................................................................................................. 19
5. Ser Alceu Penna é... ser versátil.......................................................................................................... 22
CAPÍTULO 1. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA PERSPECTIVA
1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de Janeiro 1938 -1957...................................................................... 31
1.2 O espaço urbano alia-se às cariocas................................................................................................. 46
1.3 Um broto de “Garota” : a emergência do conceito de juventude................................................. 56
CAPÍTULO 2. UMA REVISTA MODERNA: O CRUZEIRO DAS “GAROTAS”
2.1 Os Diários Associados: rumo à integração nacional....................................................................... 64
2.2 O Cruzeiro: a revista dos arranha-céus............................................................................................71
2.3 Uma história: “As Garotas do Alceu”.............................................................................................. 83
CAPÍTULO 3. O CORPO E A MODA DAS “GAROTAS DO ALCEU”: UM ESPELHO DO
AMANHÃ
3.1 A moda e o corpo das “Garotas”: um reflexo de transformações................................................ 97
3.2 A ousadia discreta das “Garotas”: objetos de desejo.................................................................... 116
CAPÍTULO 4. “GAROTAS”... ALGO A SER INDEFINIDO
4.1 Um homem que desenhou mulheres: o olhar diferenciado........................................................... 125
4.2 Imagem e texto na coluna “As Garotas”: uma relação humorística............................................ 129
4.3 Garotas modernas ou emancipadas? Uma análise imagética e textual da coluna...................... 135
CONCLUSÃO......................................................................................................................................... 148
FONTES E BIBLIOGRAFIAS.............................................................................................................. 151
CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES......................................................................................................... 162
6
7. AGRADECIMENTOS
A coluna “As Garotas” esteve presente no imaginário de muitos brasileiros. Assim,
escrever sobre uma coluna tão significativa e, ao mesmo tempo, pouco explorada pelo
meio acadêmico, foi um desafio e, com certeza, não teria conseguido sem a ajuda de
algumas pessoas especiais.
Agradeço à Thereza Penna, minha querida tia-avó e irmã de Alceu Penna, que
carinhosamente abriu as portas de seu apartamento no Rio de Janeiro para mim e minha
orientadora a Profa. Dra Maria Claudia Bonadio, nos mostrando o seu acervo sobre o
ilustrador. Coletamos várias imagens que serviram para a minha dissertação e para o
Projeto Figurino: Alceu Penna (2005-2007), bem como para a exposição resultante dele “O
Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Senac-SP (2007).
Agradeço a CAPES pelo apoio concedido pela bolsa de estudos, sem a qual não
teria conseguido concretizar esse percurso acadêmico.
Ao DEDOC do Jornal Estado de Minas e a todos os seus funcionários atenciosos.
Obrigada em especial à Ivonete, Karla, Irene e Rafael. Sem esse acervo completo, cuidado
e organizado da revista O Cruzeiro e A Cigarra, bem como o de croquis originais da
coluna “Garotas”, eu jamais teria conseguido coletar os dados e imagens que precisava.
Obrigada aos meus pais, Aníbal Penna e Patrícia Ordones, que foram o meu porto-
seguro e fortaleza nessa caminhada difícil, mas muito compensadora. Seus esforços em
procurar registros sobre a coluna “Garotas” e sobre Alceu Penna, bem como indicar
pessoas que eu deveria conversar foram de imensa ajuda.
À minha tia, Simone Ordones, que tão generosamente me abrigou em sua casa
durante o período do mestrado e tornou possível o meu sonho de escrever essa dissertação.
7
8. Agradeço ao meu avô Aluízio Ordones pelo carinho e apoio incondicional. Aos
meus avós Carmelita Gontijo Penna, Josaphat Penna e Zélia de Moura Ordones, aonde
quer que estejam.
Tenho muito a agradecer, também, a paciência dos meus irmãos Marina e Aluisio
Ordones. Vocês foram demais!
Não poderia ter chegado até aqui se não fosse a minha excepcional orientadora
Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio (queria que me orientasse o resto da vida!), que
acreditou em mim e no meu trabalho desde o primeiro momento. Foi generosa e
profissional, me auxiliando e estando sempre à postos quando precisava de qualquer coisa,
mesmo que não fosse relativo à dissertação. Obrigado pelos constantes incentivos em
buscar novas perspectivas acadêmicas e profissionais. Tenho certeza que você já faz parte,
de coração, da família Penna.
À Heloisa Buarque de Hollanda e à editora do Caderno Feminino do Jornal Estado
de Minas, Anna Marina pelos maravilhosos depoimentos sobre a importância da coluna
“As Garotas”.
Ao Ruy Castro pela generosidade e disposição em ajudar com o meu trabalho.
Obrigada pelo texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna,
modas e figurinos”, que acabei empregando, com muito orgulho, na minha dissertação.
Ao corpo docente do mestrado Moda, Cultura e Arte pelo profissionalismo no
ensino e a generosidade em compartilhar tantos conhecimentos. Em especial à Maria Lúcia
Bueno Ramos, Ana Lúcia Castro, Eliane Robert de Morais, Magnólia Costa e Luiz Octávio
Camargo. Às funcionárias brilhantes Juliana e Tissyana.
Às Profas. Dras. Maria Gabriela Marinho e Denise Bernuzzi Sant´Anna, que
aceitaram o convite, primeiramente, para estarem na minha banca de qualificação e
posteriormente na minha banca final. À Profa. Dra. Maria Eduarda Guimarães por ter sido
8
9. suplente na minha qualificação e banca final. À Profa. Dra. Solange Wajnman que aceitou
ser suplente na minha banca final. Agradeço as contribuições para o crescimento do meu
trabalho, abrindo novas perspectivas a ele, muitas vezes, despercebidas por mim.
Aos meus colegas de mestrado, em especial Adriana Hegen, Juliana Schmitt,
Silvana Holzmeister, Celinha, Cris Gurgel, Oneide de Carvalho, Mauro Fiorani, Alexandra
Riquelme e a todos que fizeram dessa jornada algo interessante e divertido.
À Profa. Daniela Nunes Figueira que, a partir dos desenhos coletados do ilustrador
Alceu Penna, coordenou os trabalhos de modelagem resultantes da exposição sobre o
ilustrador no Senac-SP. Ao Prof. Lázaro Mourilo responsável pela bela montagem. Às
alunas do Projeto Figurino que se dedicaram firmemente no resgate da memória do
profissional.
À Giselda Moreira Garcia e Giselle Safar do Centro Integrado de Moda – CIMO,
que me proporcionaram horizontes profissionais e uma oportunidade de expor, pela
palestra “Alceu Penna: a trajetória de um designer versátil” (2007), o conteúdo da minha
pesquisa de mestrado até aquele momento.
Obrigada a Cyro Del Nero que, no início do mestrado, me recebeu, juntamente com
meu pai, em sua casa. Sua atenção pela memória de Alceu Penna será sempre lembrada.
Às Profas. Ivone Lourdes e Glória Gomide da PUC-MG, bem como ao Prof. Caio
César Giannini, que sempre me auxiliaram durante a minha graduação em Publicidade e
Propaganda na instituição e continuam, até hoje, sendo muito gentis e solícitos.
À querida Profa. Dra. Ana Maria Rabelo Gomes, que me auxiliou na época da
elaboração do meu anteprojeto para o mestrado. Obrigada pela sua atenção e carinho.
Por fim, ao meu querido companheiro Luis André Nobre que tão carinhosamente e
pacientemente me “suportou” nos momentos de crise, cansaço e desânimo. Sem você nada
estaria completo.
9
10. RESUMO
A moda e o corpo atuam como importantes meios de comunicação da mulher com a
sociedade. Por meio deles, a mulher estabelece um diálogo com o mundo, refletindo suas
aspirações e frustrações. Sendo assim, este trabalho consiste em demonstrar, pelo estudo de
imagens da “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a formação de uma
imagem moderna da mulher, na coluna, transmitindo, pelos corpos e a moda das
“Garotas”, imagens da emancipação feminina.
ABSTRACT
The fashion and the body acts as important medias of the woman with the society. For way
of them, the woman establishes a dialogue with the world, reflecting its aspirations and
frustrations. Being thus, this work consists of demonstrating, through the images´s study of
"As Garotas do Alceu", in which way Alceu Penna contributed for the formation of a
modern image of the woman, in the column, transmitting, through the bodies and the
fashion of the "Garotas", images of the feminine emancipation.
10
11. INTRODUÇÃO
1- Olá, Garotas, muito prazer
Seria interessante situar o leitor sobre como a coluna “As Garotas do Alceu” cruzou
o meu caminho. Entre tantos assuntos, por que eu escolhi este para ser o objeto da minha
dissertação de mestrado? Não que fosse mera coincidência, mas o ilustrador Alceu de
Paula Penna é meu tio-avô, irmão do meu avô paterno, Josaphat. Desde pequena, os seus
desenhos estiveram presentes na minha vida, inspirando a imaginação. Era comum meu
avô chegar com cópias de trabalhos do Alceu, especialmente no almoço de domingo (com
uma Amandita escondida no casaco), pois sabia que eu adorava passar as tardes
desenhando. Aí, uma vez munida de todas aquelas figuras, eu ia, compenetrada, tentar
fazer pelo menos um parecido. Quanta presunção a minha! Por muitos anos eu não sabia,
pela questão da idade, avaliar aquele trabalho como algo além de belos desenhos.
Meu avô, sua irmã Thereza e meu pai, Aníbal, sempre foram grandes fontes de
conhecimento do trabalho do ilustrador, pois me “abasteciam” de novos desenhos,
reportagens e conhecimentos sobre ele. Sempre gostei de desenhar e apreciava as artes
visuais: Alceu Penna era um “prato cheio”. Quanto mais eu conhecia o seu trabalho, mais
eu o admirava e me interessava por um assunto constante em seus trabalhos: a moda.
Além da influência do meu tio-avô, tive uma ajuda da minha mãe, Patrícia Ordones,
para tomar gosto por moda, pois ela trabalhou, durante um bom tempo, como jornalista
nessa área no Jornal de Casa 1 e no Jornal de Shopping 2 em Belo Horizonte.
Curioso que, a despeito do meu interesse pelo assunto, optei, na ocasião do
vestibular, por Publicidade e Propaganda na PUC-MG. Planejava trabalhar com Design
1
Publicação do Diário do Comércio que circula, até hoje, semanalmente, direcionada ao público feminino.
2
Publicação dos Diários Associados já extinta.
11
12. Gráfico e Direção de Arte e acabei fazendo muitos estágios na área. Completei a
graduação, mas já no sexto período (mais da metade do curso) eu sabia que não queria
trabalhar como publicitária. Na ocasião, fiz uma reavaliação de interesses e decidi que era
hora de me voltar para a moda, que sempre permeou a minha vida, de uma forma ou de
outra.
Meu trabalho de conclusão de curso não podia ter seguido outro direcionamento.
Meu grupo apresentou um projeto experimental um estudo de site para a marca mineira de
roupas Elvira Matilde, que explorava mecanismos para venda de vestuário pela internet. 3
Foi a minha primeira experiência acadêmica com a moda e aquilo me instigou a buscar um
mestrado.
Há algum tempo, eu me interessava em estudar a obra de Alceu Penna,
principalmente, porque minha tia-avó Thereza sempre manifestou o desejo em dar
continuidade à sua memória de alguma maneira. A pesquisa do mestrado foi uma
oportunidade de concretizar esses objetivos, algo que acabou por me aproximar ainda mais
da moda.
Essa dissertação, posso dizer, é uma concretização de um sonho, há muito tempo
almejado, em contribuir para o resgate do traço e importância do meu tio-avô, um homem,
a meu ver, à frente de seu tempo.
3
http://www.elviramatilde.com.br/
12
13. 2- As Garotas: muitas mulheres em uma representação
Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei.
Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser,
só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que
vê. Quem sente não é quem é. Atento ao que sou e vejo, torno-me
eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo. É do que nasce e não
meu. Sou minha própria paisagem, assisto à minha passagem,
diverso, móbil e só. Não sei sentir-me onde estou , por isso, alheio,
vou lendo, como páginas, meu ser (...). 4
Nos últimos anos, têm-se ampliado os estudos sobre a história da moda brasileira,
em especial, sobre um personagem importante nessa narrativa: Alceu Penna. No decorrer
da minha pesquisa, percebi esforços variados, principalmente desde a década de 1990, no
campo de trabalhos acadêmicos como os de Ruth Joffily 5 , Maria Claudia Bonadio 6 , Carla
Bassanezzi e Leslye Bombonatto Ursini 7 e Marina Bruno Santo Anastácio 8 .
Outra iniciativa que resgatou a memória do ilustrador foi o Projeto Figurino: Alceu
Penna, desenvolvido no Senac-SP, do qual participei colaborando com a pesquisa histórica,
que contribuiu para a sua memória instigando alunos e professores. 9 O projeto visou a
familiarizar os alunos de graduação com a obra do ilustrador e a reprodução de looks de
alguns de seus modelos. Nesse sentido, as alunas realizaram estudos sobre modelagem da
época, percebendo os significados da moda e do corpo para as mulheres que eram jovens
no período.
4
PESSOA, Fernando. Não sei quantas almas tenho. Disponível em:
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v096.txt. Acessado em 19 de junho de 2007.
5
JOFFILY, Ruth. Jornalismo de Moda. Jornalismo feminino e a obra de Alceu Penna. Dissertação de
mestrado apresentada ao departamento de Comunicação da UFRJ, 2002.
6
BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia S/A. 1960-
1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005
7
BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995
8
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003.
9
O Projeto Figurino teve a coordenação geral da Profa Dra Maria Claudia Bonadio e das atividades de
modelagem pela Profa Daniela Nunes Figueira. Esse núcleo de pesquisa resultou a exposição “O Brasil na
ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Centro Universitários Senac-SP em maio de 2007.
13
14. Verifiquei que Alceu Penna é explorado em crônicas e textos não acadêmicos
também. Alguns dos autores que trabalham nesse sentido são Joaquim Ferreira dos
Santos 10 , Alberto Vilas 11 e Gonçalo Junior 12 , que lançam informações sobre a
representatividade do seu trabalho no cenário brasileiro. Eles enfocam, sobretudo, a coluna
“As Garotas”, o trabalho mais conhecido do ilustrador.
O conjunto de sua obra traz informações importantes sobre a história brasileira, em
especial das mulheres, assim como a imprensa nacional, moda, arte, entre outros,
necessitando, portanto, de uma dedicação maior por parte dos estudiosos. Dessa maneira,
essa dissertação integra os esforços em ampliar as reflexões sobre a sua produção, em
especial, “As Garotas do Alceu”.
Na coluna, o corpo e a moda ocupam posição de destaque, tanto que a maioria dos
autores citados neste trabalho que a abordam, tangenciam esses assuntos, de uma maneira
ou de outra. Entretanto, mesmo com as valorosas iniciativas, existe uma necessidade de
estudo maior sobre eles na coluna “As Garotas”, objetivo que procurei perseguir nesse
trabalho.
Na ocasião da elaboração do meu anteprojeto, a obra “Alceu Penna e as Garotas do
Brasil: moda e imprensa 1933/1980”, de Gonçalo Junior, foi um começo para mim, pois
além de fazer um mapeamento da carreira do ilustrador ele tratava, brevemente, da
contribuição das “Garotas” para o cenário feminino, colocando-as como um exemplo de
futura emancipação.
Instigada por ela, pesquisei alguns desenhos dele que tinha em casa e confirmei que
a mulher era retratada diferencialmente na coluna, principalmente para os padrões morais
vigentes. Isso me chamou a atenção e me interessou, pois, apesar de ser quase um consenso
10
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003
11
VILLAS, Alberto. O mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006
12
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004.
14
15. que elas eram muito avançadas para a época, seria uma oportunidade de aprofundar essa
reflexão.
Os estudos imagéticos, juntamente com o auxílio dos textos da coluna, me
pareceram bons mecanismos para estudá-la, pois era pela visualidade da coluna (cores,
formas, composição, etc.) e pelos textos maliciosos que a figura feminina ousada se
destacava. O corpo e a moda das “Garotas”, juntamente com todos os recursos visuais
empregados, trabalhavam juntos para comunicar uma mulher em processo de transição.
Em linhas gerais, este trabalho consiste em demonstrar, por meio do estudo da
coluna “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a construção de uma
imagem moderna da mulher13 , mostrando nos corpos e na moda das “Garotas” “imagens
da emancipação feminina” 14 .
13
Mulher moderna: compreendo como uma mulher que, apesar de compartilhar de elementos tradicionais
relativos ao seu papel como mãe e esposa, por exemplo, consegue ir além deles, permitindo-se ter outras
aspirações, como uma profissão, uma vida ligada mais aos prazeres que aos compromissos de um lar, ter
vários relacionamentos ao mesmo tempo, enfim, experimentar papéis menos tradicionais, gozando, assim, de
maior liberdade. O conceito de mulher moderna será trabalhado com maiores detalhes no capítulo 3.
14
Entendo como imagens da emancipação feminina um estágio em que a mulher ainda não se libertou
completamente das amarras da sociedade patriarcal, mas demonstra que já está caminhando para isso.
15
16. 3- Estruturação dos capítulos e corpus documental
O primeiro capítulo, “Garotas cariocas e jovens: uma nova perspectiva”, traz
elementos do contexto mostrado pelas “Garotas”. Na parte inicial, procurou-se apresentar e
analisar imagens e textos presentes na coluna caracterizando as ilustrações pelo seu estilo
de vida, o grupo social, os costumes e preferências. Esse enfoque é relevante, pois
confirma as imagens propagadas na coluna, auxiliando no entendimento do contexto e das
ilustrações como figuras femininas cariocas. Na segunda parte do capítulo, trato das
“Garotas” como jovens, uma categoria etária que começava a se definir no cenário
brasileiro nos anos 1950. Nele procuro identificá-las como pertencentes a esse grupo, que
tinha vestuário, linguagem, hábitos e preferências particulares e que, naquele momento,
buscava uma identidade própria.
O segundo capítulo, “Uma revista em especial: O Cruzeiro das ‘Garotas’”, trata,
inicialmente, do império brasileiro das comunicações daquele período, os Diários
Associados, discorrendo sobre a sua história, importância no cenário da imprensa do
Brasil, bem como, de forma breve, os periódicos e propriedades do grupo, em especial as
revistas O Cruzeiro e A Cigarra. Em um segundo momento, é abordado somente O
Cruzeiro, trazendo elementos como a sua história, características, público-alvo e conteúdo,
evidenciado o seu papel como um marco no formato de revistas. O trabalho de Alceu
Penna para a publicação é colocado em evidência, bem como a sua importância. Por fim, a
coluna “As Garotas do Alceu” é estudada com maior dedicação, sendo investigadas as
principais características, os respectivos redatores envolvidos, bem como o período de
vigência de cada um.
O terceiro capítulo, “O corpo e a moda das ‘Garotas do Alceu’: um espelho do
amanhã”, aborda inicialmente o corpo e a moda como meios de comunicação da mulher na
16
17. sociedade. A maneira com que a mulher contemporânea à coluna se relacionava com eles é
analisada, indicando-se, comparativamente, como era essa relação para “As Garotas”,
perpassando temas como a cultura física e os comportamentos. Na segunda parte é
trabalhado o conceito de mulher moderna veiculado pelos meios de comunicação,
especialmente em O Cruzeiro. Nesse sentido é explorado até que ponto o perfil feminino
das “Garotas” vai ao encontro desse ideal e de que maneira eles se separam.
No quarto capítulo, “’Garotas’... algo a ser indefinido”, é analisada a questão do
ilustrador, um homem que desenhou mulheres, enfocando a produção e interpretação da
imagem como um modo particular de o indivíduo ver o mundo e absorver o contexto em
que está inserido. Na segunda parte, a forte ligação entre as imagens, os textos e o humor
será abordada. Por fim, será feita uma análise de imagens da coluna, juntamente com o
auxílio dos textos, salientando os dois lados contraditórios das “Garotas”: ousado e
recatado
***
Atualmente, os acervos mais completos disponíveis sobre O Cruzeiro e a coluna
“As Garotas do Alceu” são: o jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte, e a Biblioteca
Mário de Andrade, em São Paulo 15 . Optei pelo acervo do Estado de Minas, pois, além de
resguardar a coleção completa da revista em microfilme, o jornal também a disponibiliza
em papel, devidamente encadernada e de fácil manuseio. Além disso, o arquivo tem
originais conservados da coluna “Garotas”, os quais trouxeram elementos novos a respeito
do processo de sua elaboração.
Outra fonte de pesquisa foi o acervo de Thereza Penna. Nele existem registros
sobre a carreira do ilustrador em geral, tais como capas de revistas, cadernos de desenhos,
15
O acervo de O Cruzeiro foi para o Estado de Minas, publicação dos Diários Associados, após a falência da
revista, em 1980. O jornal foi a única publicação dos Diários Associados com dinheiro e estrutura suficientes
para comprar o arquivo.
17
18. publicidade e uma enormidade de outras referências pouco conhecidas. As conversas com
Thereza foram igualmente importantes, já que ela conviveu por anos de forma próxima
com seu irmão.
18
19. 4- Balizas cronológicas
A coluna “As Garotas” conta ao longo de sua vigência com diversas colaborações
de redatores, que auxiliaram “a dar vida” a essas figurinhas tão populares no Brasil em
meados do século XX. As contribuições mais freqüentes e homogêneas, portanto, mais
relevantes foram as de Alceu Penna, Accioly Netto (Lyto), Millôr Fernandes (Vão Gôgo),
Edgar Alencar (A. Ladino) e Maria Luiza Castelo Branco. 16
Examinando as características de cada um deles, percebe-se que, excetuando a
redatora Maria Luiza, todos os outros formam um conjunto singular. Os temas e textos
desse grupo são mais sensuais, maliciosos e bem-humorados e, portanto, se relacionam
melhor com a imagem da mulher moderna propagada pela coluna. Esse perfil pode ser
percebido, por exemplo, no texto de A. Ladino: “E ao invés das Garotas submissas,
obedientes e quietinhas, como seria do nosso agrado, temos que enfrenta-las de igual para
igual.” 17 .
Os temas e textos da redatora Maria Luiza Castello Branco são mais monótonos e
assumem um tom de conselho para as leitoras, deixando de lado a ousadia para tratar de
temas mais tradicionais como o casamento. A passagem a seguir, fala de um chá de
panelas, um evento preparatório para o casamento, em nada semelhante à ousadia e malícia
do primeiro grupo de redatores: “Para dar uma sacudidela nas amigas a Garota resolve dar
um “Chá de panelas”: cada uma das convidadas traz um utensílio para sua futura casa. ” 18
16
Os redatores serão estudados com mais profundidade no capítulo 02, especificamente no item sobre a
coluna “Garotas”.
17
“As Garotas do Alceu”. “Mas as Garotas de hoje são assim!”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 09 de
outubro de 1948. p. 34 e 35
18
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e o chá de panela”. Texto Maria Luiza. In: O CRUZEIRO. 31 de outubro
1959, p. 40-41.
19
20. Assim, o trabalho terá um recorte cronológico feito pelos textos. O período a ser
estudado vai do início da coluna em 1938, quando Alceu Penna ilustra e escreve os textos
até 1957, quando Edgar Alencar (A. Ladino) finda sua colaboração.
Esse período também se torna oportuno para a análise, pois, além de compartilhar
de textos singulares ele caracteriza-se por transformações importantes no contexto
brasileiro e na própria publicação de O Cruzeiro, os quais seriam importantes destacar.
Além de ser o ano de início da coluna, 1938 torna-se um ponto de partida
importante, pois antecede o conflito da Segunda Guerra Mundial e marca a crescente
influência do american way of life na América Latina, principalmente pelo cinema. Esse
momento vai evidenciar a transição e o convívio das influências francesas e norte-
americanas no país, importante para a compreensão da coluna em geral.
Além disso, é também, ocasião do Estado Novo, um período marcado pela
emergência de um determinado ideal nacional. Esse tom é reproduzido na coluna,
ilustrando uma figura feminina que, mesmo diante de influências estrangeiras, permanece
essencialmente brasileira, cultivando hábitos característicos de um morador do Rio de
Janeiro como ir às praias e aos bailes de carnaval.
Sob a perspectivada publicação O Cruzeiro, a exploração da década de 1940 é
igualmente preciosa, pois ela sofre uma reformulação, presenciando vendagens grandiosas.
Os conteúdos femininos, incluindo a coluna “As Garotas”, ganharam uma atenção especial
nessa empreitada. Essas informações levam a crer que o público leitor da revista aumentou
e, consequentemente, o da coluna também, que começava a se tornar bastante conhecida.
O período de análise desse trabalho se finda em 1957, pois além de ser o ano de
mudança de redator, os últimos anos da seção coincidem com um período de reestruturação
da imprensa e de novos veículos moda/mulher, que compartilharam de um direcionamento
distinto de O Cruzeiro. A revista Manchete (1952), uma importante concorrente da
20
21. publicação, vai introduzir um formato gráfico mais avançado, impressa em um papel de
melhor qualidade e contando com uma diagramação mais cuidadosa e atraente. A revista
Claudia (1961), por exemplo, coloca em pauta de forma mais aberta que na publicação das
“Garotas”, temas como sexo e comportamento, sendo direcionada a uma mulher que
ansiava por uma identidade em meio à explosão consumista.
Em termos de contexto político-econômico, o Brasil também entra em uma nova
fase, marcada pelo governo de JK, que introduzirá metas desenvolvimentistas e de abertura
de mercado que alterarão o panorama do país em termos de padrões de consumo, imprensa,
tecnologia, transportes entre outros.
Esses fatos, juntamente com o estudo do período dos redatores citados, só
acrescentam informações valiosas ao trabalho, onde o recorte pelos textos complementa as
informações fornecidas pelo contexto nacional contemporâneo à coluna, auxiliando na
delimitação da linha cronológica a ser seguida.
21
22. 5 - Ser Alceu Penna é... ser versátil
“Impossível esquecer o impacto causado por seus desenhos:
as cores, o movimento, a vivacidade e a criatividade. O balanço das
saias e dos corpos de suas Garotas ou o brilho e a sensualidade
esfuziante de suas fantasias para shows e bailes de carnaval. Alceu
misturava, como poucos, texturas, brilhos, babados, sonhos”. (Ruy
Castro. Exposição “O Brasil na ponta do lápis”: Alceu Penna,
modas e figurinos) 19
Alceu de Paula Penna nasceu em 1915 na cidade de Curvelo, norte de Minas
Gerais. Em 1932 ele muda para o Rio de Janeiro e matricula-se na Escola Nacional de
Belas Artes. O primeiro emprego que conseguiu quando chegou à capital foi no
suplemento infantil de O Jornal, publicação do empresário Assis Chateaubriand. Esse
emprego o levaria a conhecer Accioly Netto, inicialmente secretário de redação da revista
O Cruzeiro e, mais tarde, responsável por sua reformulação, a partir da década 1940. Em
1933, após esse contato, Alceu Penna dá início a
um longo período de colaborações para a revista,
incluindo editoriais de moda, capas e ilustrações de
contos.
Em 1936, fruto de uma indicação de
Accioly Netto, que viria a se tornar um grande
amigo, Alceu Penna inicia trabalhos para os mais
Fig 01. Alceu Penna desenhando. O
diversos cassinos da época, contribuindo com os
ilustrador não costumava trabalhar fora
de casa. Apreciava a companhia de sua figurinos, cenários e cardápios:
irmã Thereza e o conforto da sua sala de
estar. Sem data.
19
CASTRO, Ruy. Texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e
figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007
22
23. “Até o fechamento das luxuosas casas de jogo pelo
Presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, ele trabalha em
todos os cassinos mais famosos do Rio. Além da Urca, atua
regularmente no Copacabana, no Icaraí e no Atlântico.” 20
O carnaval estava, desde o início, presente na
sua trajetória e era um tema popular nas páginas da
revista O Cruzeiro. Ele venceu concursos da Prefeitura
do Rio de Janeiro em 1935, referentes às categorias de
corso, baile e rua. Em 1936 foi a vez de Alceu
Penna concorrer no Palace Hotel, quando se consagrou
o grande destaque dos dois concursos: “Como no
concurso de 1935, coube a maioria dos prêmios, ao
jovem desenhista mineiro Alceu de Paula Penna, que
levantou cinco das nove colocações (...).” 21 Mais tarde,
em 1974, vai assinar as fantasias do bloco Canários das
Laranjeiras, no Rio de Janeiro.
Alceu Penna assinou inúmeras ilustrações de
sugestões para fantasias em O Cruzeiro, Globo Juvenil
Alceu Penna desenhou diversos croquis (periódico de quadrinhos) e na Cigarra (publicação
para cassinos e shows, que encantavam
pela mistura inusitada de cores e formas.
feminina), que eram ansiosamente aguardadas:
Fig.02 a. Figurino inspirado na ópera
Carmem. Sem data.
Fig 02 b. Figurino Bolero. Sem data.
20
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004, p. 40.
21
“O Concurso da A.A.B”. In: Revista O Cruzeiro. 15 de fevereiro, 1936, p.37.
23
24. “Produzia desenhos que atendiam aos variados tipos
femininos que compunham seu público: desde as mais
modestas, com fantasias menos luxuosas ou modelos
improvisados para o carnaval de rua, até as mais abastadas,
com sugestões sofisticadas para os bailes de gala.” 22
Alceu Penna se aproximou também das histórias
em quadrinhos, sendo um dos pioneiros no Brasil, já que
não havia muitos quadrinistas nacionais. Entre 1937 e
1938 ilustrou para O Globo Juvenil, propriedade do
empresário Roberto Marinho, adaptações de obras como
O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, juntamente
com Nelson Rodrigues, além de Rei Arthur, Alice no
País das Maravilhas, entre outros.
Em 1938 começa a desenvolver a coluna “As
Garotas do Alceu” em O Cruzeiro, a qual duraria até
1964. Ela foi inspirada nas “Gibson Girls”, de Charles
As fantasias de carnaval criadas para O
Cruzeiro eram muito aguardadas pelas Dana Gibson, autor de desenhos de lindas e glamourosas
leitoras, que corriam com eles para a
costureira. A variedade de modelos era
impressionante. mulheres. A coluna apresentava, semanalmente, uma
Fig. 03 a e 03 b. “Cada terra tem seu
uso”. Sugestão de fantasias de Alceu
diversidade de ousadas jovens, acompanhada de textos
Penna, para O Cruzeiro. 04 de fevereiro
de 1939. bem-humorados. Tomando como inspiração a mulher,
bem como os modismos cariocas, Alceu Penna criou um
22
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p.5.
24
25. universo de inspiradoras beldades. “Pelas páginas de O Cruzeiro, o país botou na cabeça
que, além de metrópole e centro gerador de cultura, hábitos e modismos, o Rio tem
também as mulheres mais bonitas.” 23
A coluna ilustrada levou milhares de leitores a
copiarem a moda, os gestos, penteados e até mesmo a
maquiagem das “Garotas”:
“(...) elas parecem ter adquirido vida própria. Seus vestidos e
penteados foram copiados, suas poses e atitudes chegaram a
serem imitadas. Saíram das páginas da revista e foram parar
nos “cadernos de recordação”, corte e costura e economia
doméstica de algumas meninas ou nos sonhos e expectativas
afetivas de certos rapazes. Assim, pode-se dizer que os
desenhos de Alceu Penna propagaram modos e modas”. 24
Em 1939 ele viaja para Nova Iorque como
correspondente para O Cruzeiro na Feira Mundial 25 . Sua
intenção, além de conhecer o país, é investigar o
mercado editorial norte-americano. Ele tenta publicar nos
O ilustrador nas suas temporadas
no exterior trazia as novidades em EUA e, apesar de falar muito bem a língua inglesa,
moda, de forma adaptada para as
leitoras de O Cruzeiro.
verifica que a barreira do idioma lhe coloca em
Fig.04 a. Croqui de modelo do
costureiro Balenciaga, Sem data.
desvantagem.
Fig.04 b. Croqui de um modelo do
costureiro Fath. Sem data. Durante a sua temporada no exterior ele se
compromete a enviar regularmente material para a coluna “Garotas” e, também, sobre
Carmen Miranda que, na ocasião, excursionava pelas terras norte-americanas. Segundo
23
JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p. 14.
24
BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995, p. 247.
25
Uma das atrações da Feira de Nova Iorque era o pavilhão brasileiro chamado “Café do Brasil”. Alguns
arquitetos como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, contemporâneos de Alceu Penna na Escola de Arquitetura,
estavam participando do projeto na ocasião. Esse pavilhão evidenciava o poder de atuação da “política de boa
vizinhança” dos EUA para com a América Latina, buscando estreitar as relações entre os países.
25
26. Thereza Penna o ilustrador trabalhou como consultor
informal das fantasias da atriz e cantora, sua conhecida
desde os tempos dos cassinos (informação oral julho
2007).
Uma nova etapa surge em sua carreira quando
Walt Disney (1901-1966) visita o Brasil em 1941.
Nesse período há um esforço de aproximação dos EUA
com os países sul-americanos, fruto da política de “boa
O ilustrador demonstrou a sua
versatilidade ao criar diversos vizinhança”. Um dos objetivos do empresário é
anúncios como esse, para o famoso
sabão Sulfuroso. A bela figura
feminina ousada é explorada pelo divulgar o filme de animação Fantasia. Inspirado pela
proficional até nos anúncios.
Fig. 05. Cartaz de Alceu Penna para o viagem, Disney decide criar o personagem Zé Carioca.
sabão Sulfuroso. Sem data.
Segundo Gonçalo Junior, Alceu Penna é chamado pelo
Itamaraty, provavelmente em virtude da sua experiência internacional, para acompanhá-lo
na sua visita. Disney se impressiona com o talento de Alceu Penna e o contato rende ao
ilustrador um convite para trabalhar nos estúdios do norte-americano. Para a surpresa de
todos, Alceu Penna prefere ficar no Brasil, onde já era reconhecido, pois no exterior
concluiu que seria “mais um na multidão”.
Alceu Penna também emprestou seu talento para a publicidade: cigarros Odalisca
(1938), Casa Levy (1938), Melhoral (1947), Glostora (1947) (uma brilhantina para os
cabelos), o sabão Sulfuroso, embalagens para o Café Globo, fraldas infantis. Além disso,
ele desenvolveu um estudo de uniformes para a Shell e algumas lanchonetes.
26
27. Outros trabalhos se destacam, como os desenhos para o livro de partituras O Sapo
Dourado (1934), de Hekel Tavares, além de O Palhacinho Quebrado, de Murilo Araújo
(1945). Na coleção Disquinho, da gravadora Continental, ele ilustrou Chapeuzinho
Vermelho (1959) e A Cigarra e a Formiga (1959).
As seções de moda da
revista Cigarra – Suplemento
Feminino e de O Cruzeiro –
Portifólio Modas foram marcos na
carreira do ilustrador, trazendo as
principais novidades em moda
internacionais, devidamente
adaptadas ao país, além de propor
inúmeros figurinos para as
populares festas de carnaval e
junina.
Em pesquisa ao acervo de
Thereza Penna, irmã do ilustrador,
em junho de 2006, pude constatar
na sua biblioteca livros que eram
Alceu Penna e Erté possuíam um estilo dinâmico de ilustração. O constantemente utilizados por ele.
movimento era um fator central, assim como a composição de cores.
Nos primeiros anos de carreira o ilustrador parecia se inspirar nos
desenhos de J Carlos, sendo um grande admirador de seu trabalho. Dessa forma, algumas referências
Coluna direita: Fig. 06 a. 06 b. Croquis de Alceu Penna para shows em desenho ficaram mais claras,
ou cassinos. Sem data
Coluna esquerda: Fig. 07 a. Capa livro “J Carlos: Época, vida e obra” como Erté (1892-1990) e J. Carlos
de Álvaro Cotrim (Alvarus). Fig. 07 b. Ilustração de Erté “Alphabet
Cloak”. Sem data.
(1884-1950), alguns dos nomes
presentes na sua estante.
27
28. Após essa observação, ficou clara a influência de Erté e J. Carlos nos desenhos do
ilustrador, mais precisamente, no início de sua carreira,
na década de 1930, e, também, nos croquis para shows e
cassinos. A forma do rosto arredondada, as sobrancelhas
finas, os olhos ligeiramente puxados e a boca pequena
são características comuns em ambos os ilustradores e
detectadas nos desenhos de Alceu Penna. Os seus croquis
de shows e cassinos, assim como as ilustrações de Erté,
mostram roupas pomposas, em cores fortes e
contrastantes, que enfatizam o movimento.
Naturalmente, o traço do profissional se modificaria ao
longo de sua carreira, recebendo outras influências, tais
como a norte-americana.
A partir de 1945, ele inicia as ilustrações para os
As capas da Tricô e Crochê Calendários Santista, criados para divulgar os produtos
contavam com a ajuda de
Mercedes Penna, mãe do da empresa Moinhos Santista S/A 26 . As ilustrações dos
ilustrador que tecia tramas
diferentes para dar vida à capa.
calendários eram mais sensuais e provocativas que as
Os calendários Santistas de tão
sensuais eram frequentemente
censurados. “Garotas” e, portanto, sofreram algumas censuras. Ele irá
Fig.09 a. Capa revista Tricô e colaborar, também, com a revista Tricô e Crochê (1946-
Crochê. Exemplar pertencente à
Mercedes Penna, mãe de Alceu.
Sem data. 52), publicação de trabalhos manuais femininos
Fig. 09 b. Ilustração Calendário
Santista. 1945-46
pertencente à mesma empresa. Segundo Thereza Penna,
a sua mãe, Mercedes, auxiliava na produção das capas ao fazer tricôs para as ilustrações,
de forma a deixá-las com texturas mais reais (informação oral extraída em junho, 2006).
26
Inicialmente, em 1905, é uma empresa de moagem de trigo e fabricação de derivados na cidade de Santos,
SP. Posteriormente ela ampliou suas atividades para o setor de alimentos, passando também para a área têxtil,
minero-químico, seguro, imobiliário, comércio exterior e transporte.
28
29. Já na década de 1950, devido ao fechamento dos cassinos, Alceu Penna desenvolve
figurinos para o teatro e shows como a peça Escândalos (1950), com Bibi Ferreira, e Quem
roubou meu samba (1953), de Silveira Sampaio, no Hotel Glória.
Alceu Penna, segundo sua irmã Thereza, não gostava de ser denominado estilista
(informação oral extraída em fevereiro de 2006). Esse lado, entretanto, ficou muito
evidente quando iniciou a participação nos shows-desfiles da multinacional francesa
Rhodia S/A, assinando figurinos, juntamente com outros talentos, como o costureiro Dener
Pamplona e Guilherme Guimarães. 27
Foi nesse momento que sua ligação com São Paulo se estreita, levando-o a viagens
constantes à cidade. Cyro Del Nero lembra as particularidades de suas visitas a trabalho:
“Meu amigo querido Alceu Penna era um homem de hábitos.
Quando vinha à São Paulo ficava sempre no mesmo hotel e no mesmo
apartamento, por causa da cama que tinha um colchão aprovado por ele.
O hotel era na Praça da Bandeira e para ir para a Standard Propaganda
nos encontrar – na Praça Roosevelt – ele subia a Ladeira da Memória e
seguia pela Consolação.” 28
Em 1972 Alceu Penna desenha figurinos para o show Brazil Export, dirigido por
Abelardo Figueiredo no Canecão, uma casa de shows famosa no Rio de Janeiro. Em 1973
assina a coleção de verão da Fios Pessina e, em 1974, a coleção da Ducal Jeans/Madras,
intitulada Golden Years. Nesse mesmo ano, inicia a sua colaboração com a revista
Manequim, da Editora Abril, em que assina artigos sobre noivas e carnaval.
27
A Rhodia estava presente no país desde 1919, porém, foi só a partir de 1955 que dá início à fabricação do
fio sintético: “Em 1960, a empresa francesa implementa no país uma política de publicidade calcada na
produção de editoriais de moda para revistas e de desfiles, os quais conjugavam elementos da cultura
nacional (música, arte e pintura), a fim de associar o produto da multinacional à criação de uma ‘moda
brasileira’”. In: BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia
S/A. 1960-1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005, p. 10.
28
TOLEDO. Marina Sartori de. A teatralização da moda brasileira: Os desfiles da Rhodia nos anos 60.
Dissertação de mestrado em Artes Cênicas, ECA/USP, São Paulo, 2004, p. 24
29
30. Segundo Thereza Penna, a partir da segunda metade da
década de 1970, o ilustrador diminui o ritmo das atividades
profissionais, em razão de problemas de pressão. Seu traço já
não tem a mesma firmeza, em virtude dos fortes medicamentos
que é obrigado a tomar (informação oral, extraída em junho
2006). Ela acompanhou, firme e cuidadosa, os últimos dias de
seu irmão. Em 13 de janeiro de 1980, Alceu Penna morre
vítima de problemas circulatórios no Rio de Janeiro.
O ilustrador foi um dos pioneiros do desenho de moda
no Brasil e, também, da orientação de moda nos tempos dos
editoriais de O Cruzeiro, Cigarra e outras. Seu traço, atual até
Fig 08 a. Figurino de Alceu hoje, ensina muito sobre os percursos da história da moda e da
Penna para Elza Soares. Show
Brazil Export, no Canecão.
1972. imprensa nacionais.
Fig. 08 b. Croqui para o
figurino da “Viúva do
Palhaço” do show da Rhodia
Stravaganza. 1969.
30
31. 1. CAPÍTULO. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA
PERSPECTIVA
1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de janeiro 1938 -1957
Este capítulo descreve e analisa o contexto em que se insere a coluna “As Garotas
do Alceu” – o Rio de Janeiro – procurando conectar as ilustrações a esse cenário no
período de sua vigência. Serão observados nas ilustrações elementos, tais como o estilo de
vida, o grupo social a que
indicam pertencer, os seus
gostos e costumes. 29
A cidade havia se
tornado o centro e modelo
cultural para todo o Brasil,
desde a chegada da Corte
As Garotas podem ser consideradas uma das primeiras musas da Cidade
Maravilhosa. Refletindo os hábitos cariocas, como ir à praia, elas davam o
Real Portuguesa, em 1808,
que falar.
Fig 11. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em Copacabana. 04 de emergindo como cidade
janeiro de 1941. Texto Lyto.
moderna moldada pelos
padrões europeus de civilidade, que se prolongam ao longo da primeira metade do século
XX 30 : “O Rio passa a editar não só as novas modas e comportamentos, mas acima de tudo
os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibilidade, o estado de espírito e as
29
Entende-se por estilo de vida “(...) um conjunto unitário de preferências distintas que exprimem, na lógica
específica de cada subespaço simbólico (mobília, vestimenta, linguagem ou héxis corporal) a mesma
intenção expressiva (...)”. Assim, é pelas preferências de cada conjunto, não coincidentes com as de outros,
que se define a imagem ou identificação de um estilo de vida. “As Garotas” tinham algumas preferências
distintas de outras meninas, reveladas pelas roupas, linguagem, corpo, demarcando um estilo de vida à parte.
BOURDIEU, Pierre. In: ORTIZ, Renato. A sociedade de Pierre Bourdieu. São Paulo, 2003, p.74.
30
Sobre o assunto ver: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas
distinções: Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Ed. UnB, 2002 e NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque
tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
31
32. disposições pulsionais que articulam a modernidade como experiência existencial e
íntima.” 31
Apesar de a revista O Cruzeiro circular nacionalmente, Alceu Penna desenhou suas
“Garotas” como cariocas, inspirando-se na cidade e no estilo de vida dos seus habitantes.
Analisando a coluna, percebe-se que, entre os muitos programas sociais, elas gostavam de
ir à praia, tomar um lanche na Confeitaria Colombo e curtir as noites no Teatro Municipal,
ou seja, típicos programas cariocas.
Esse era o modelo difundido pelas ilustrações e textos:
“O Cruzeiro, em seus primeiros anos, ao fazer circular imagens
do Brasil em suas páginas e pretendendo ser um veículo integrador do
território nacional, acabou por levar consigo os costumes da gente do Rio
de Janeiro que era, na época, o portão de entrada para o Brasil e onde as
novidades chegavam primeiro. O Rio é então apresentado por O Cruzeiro
como modelo e índice de desenvolvimento para um país inteiro.” 32
A coluna “As Garotas” surgiu em pleno Estado Novo (1937-1945). As bases do
governo totalitário foram geradas antes, na Revolução de 1930. O projeto modernizador foi
marcado pelo fortalecimento do Estado e conseqüente centralização do poder, conquistada
através de uma linha intervencionista: “A intervenção do Estado tendia a ser mais intensa
no setor da indústria básica. O Estado era, na verdade, um agente de industrialização.” 33
Assim, o presidente implantou uma política nacionalista que, segundo Edgar
Carone, estava focada na valorização do produto brasileiro, rejeitando a influência
estrangeira que ameaçava a soberania do país: “Nacionalismo significa restrição à
iniciativa estrangeira tanto política quanto econômica (...). No entanto, sendo representante
31
SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau.
História da vida privada volume 03. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 522.
32
URSINI, Leslye Bombonatto. A revista O Cruzeiro na virada da década de 1930. Dissertação mestrado.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000, p. 52.
33
TOTA, Antônio Pedro. Estado Novo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 26.
32
33. de uma tendência geral, o fato se traduz numa ameaça ao capitalismo estrangeiro e
representa barragem à sua maior expansão.” 34
O nacionalismo econômico-político se expandiu para o setor cultural 35 : “A questão
da cultura passa a ser concebida em termos de organização política, ou seja, o Estado cria
aparatos culturais próprios, destinados a produzir e a difundir sua concepção de mundo
para o conjunto da sociedade.” 36
Nesse sentido será buscada a construção de um ideal nacional programado através
das elites intelectuais 37 : “Na verdade não existe uma única identidade, mas uma história da
‘ideologia da cultura brasileira’ que varia ao longo dos anos e segundo interesses políticos
dos grupos que a elaboraram.” 38
O samba viverá, a partir dos anos 1930, uma fase de difusão em escala nunca antes
vista, ao lado do carnaval, contando com o rádio para a sua ampla divulgação. 39 Ele passa
a ser um dos símbolos mais marcantes da cultura brasileira, ou seja, do que se pretendia ser
34
CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 72.
35
O governo, na tentativa de promover uma cultura brasileira apropriada, lançou mão de recursos como as
datas comemorativas, buscando a legitimidade e envolvimento da população nesse projeto. Getúlio Vargas
criou, por exemplo, o “Dia da Música Popular” em 4 de janeiro de 1939, tornando-se admirado no meio
artístico, apesar da ditadura: “Era de novo a ditadura escarrada, agora sob o nome de Estado Novo, e seria
natural que muitos artistas se pusessem contra ele. Mas, pelas leis que passara beneficiando a música popular,
o teatro, o cinema, o rádio, os cassinos, Getúlio parecia ter crédito ilimitado junto à categoria.” In: CASTRO,
Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2005, p.175.
36
VELLOSO, Mônica Pimenta. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela
Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.72.
37
As elites foram encarregadas da manipulação de todo o conteúdo que se pretendia nacional: “(...) O Estado
Novo assumiu posturas marcadamente elitistas, empenhando-se na elevação da nação brasileira a ‘um
patamar de civilização’ que a colocasse ‘em pé de igualdade com as nações mais desenvolvidas do mundo”.
In: VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). Projeto de iniciação científica
PIBIC/CNPq. UNICAMP, 1994, p. 6. Disponível em:
http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/pdf/samba/estado_novo_ok.pdf. Acessado em 03 de julho de 2007.
38
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 183.
39
A radiodifusão no Brasil desenvolveu-se rapidamente depois da Revolução de 1930, vindo a superar de
longe o cinema como instrumento de cultura de massa. Cobrindo todo o território nacional, sendo um
instrumento especial na universalização dos gostos e costumes, dando à música popular dimensão
extraordinária, em um momento que a televisão não era a realidade. In: SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de
História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1996, p.92. O rádio foi um dos pilares
na difusão da ideologia do Estado Novo e sofreu ao lado de outros meios de comunicação um forte controle
do DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda: “(...) Capanema idealiza um departamento de
propaganda com o objetivo de ‘atingir todas as camadas populares’, instrumento que deveria ser um aparelho
vivaz de alcance, dotado de forte poder de irradiação e infiltração, tendo por função o esclarecimento,
preparo, orientação edificadas numa palavra, a cultura de massa.”. In: ORTIZ, Renato. Op cit, p.51.
33
34. nacional. 40 O ritmo foi destacado de suas origens, aproximando-se da cultura urbana e do
progresso 41 : “O samba urbano surgiu entre os compositores do Estácio, bairro proletário do
centro com a zona norte, que buscavam uma batida nova, favorável ao ritmo do desfile da
escola de samba. Como a marchinha, o samba alcançava os demais segmentos da
sociedade pelo rádio e carnaval.” 42
Será, particularmente, o samba urbano que terá presença na coluna. A seção
“Garotas carnaval” em 14 de fevereiro de 1942 deixava claro o humor e duplo-sentido
desse tipo de música: “A Margarida disse que só andará de automóvel e ônibus no
carnaval. Mas porque? Tem medo que cantem “... tem galinha no bonde!”
O samba na coluna vinha, normalmente, vinculado à festa carnavalesca. 43 “As
Garotas” compartilhavam dessa experiência em ambientes da classe média e elite. “Garotas
de Fevereiro”, em 7 de fevereiro de 1942 apresenta as figuras em plena folia vestindo
40
No Brasil não havia, até então, uma fixação de gêneros musicais. A indústria fonográfica se ampliou no
período, aparecendo novos intérpretes, inclusive brancos da classe média como Noel Rosa, que impulsionam
e deram visibilidade ao estilo. O samba começa uma aproximação das classes mais abastadas e, naturalmente,
é apropriado e modificado para adequar-se às novas demandas. In: VIANNA, Hermano. O mistério do
samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Oportunamente, de alvo de preconceito ele foi alçado a símbolo
nacional. Foram criados os sambas exaltação, verdadeiros aparelhos ideológicos do Estado Novo, como
Aquarela do Brasil. Ary Barroso, o compositor da música, disse que, ao criá-la, “foi sentindo toda a grandeza
e opulência da nossa terra”, comprovando a capacidade de idealização do país nos versos da canção, que veio
a se tornar mais popular que o próprio Hino Nacional. In: ZAN, José Roberto. Música popular brasileira,
indústria cultural e identidade. In: EccoS Ver. Cient., Uninove, São Paulo (n.): 1 e v. 3: 105-122, p. 110.
Certamente, nesse sentido, o Estado soube explorar a capacidade de integração e difusão de ideais contidos
na música em benefício próprio.
41
O samba brasileiro pode ser dividido em duas primeiras fases: o antes da década de 1930 e depois desse
período. O samba no início do século era praticado principalmente por comunidades negras e mestiças, que
levaram consigo essa manifestação da Bahia, sua terra natal, para o Rio de Janeiro, na ocasião do fim do
tráfico negreiro em 1850. Como eram festeiros, as confraternizações eram chamadas de sambas, assim como
a música presente. In: SANDRONI, Carlos. Transformações no samba carioca no século XX. Disponível em:
http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/78a83%20Po.pdf. Acessado em 28 de setembro de 2006. Assim, o
samba carioca pode ser interpretado como uma adaptação da herança escrava negra, que da Bahia migrou
para o cenário carioca, sendo modificado pelo ritmo das escolas de samba. In: SODRÉ, Muniz. Samba, o
dono do corpo: ensaios. Rio de Janeiro: Codecri, 1979.
42
COSTA, Tânia Garcia da. O “it verde amarelo” de Carmen Miranda (1930-1946).. São Paulo: Annablume;
Fapesp, 2004, p. 34.
43
A festa carnavalesca vai estar intimamente atrelada ao samba urbano nascido no Rio de Janeiro,
contribuindo para a sua difusão como símbolo nacional. In: VIANNA, Hermano. Op cit, p. 122. Antes, a
festa era reprimida pela polícia com o pretexto da violência entre os blocos. Em 1932 foi totalmente
regularizada, cabendo à prefeitura a sua promoção. Com o Estado Novo, o carnaval sofreu mais
modificações, pelo estabelecimento de concursos entre as escolas de samba, que deveriam criar sambas-
enredos com temas folclóricos, literários ou biográficos. Essa era uma forma de inibir a criação de conteúdos
não pertinentes e perpetuar a ideologia estado-novista. In: COSTA, Tânia Garcia da. Op cit, p.59.
34
35. fantasias impecáveis: “Este mês é o
mês do Momo e as Garotas ‘fans’
da orgia meditam (sabe Deus
como) na escolha da fantasia.”
Em “Batucada das
Garotas”, em 12 de fevereiro de
1944, uma “Garota” relata um
episódio ocorrido com sua amiga
em que o marido desta expressou
grande indignação frente à hora
que ela tinha chegado da folia,
entoando uma canção de carnaval:
O samba e a festa carnavalesca estavam não apenas entre os
símbolos nacionais promovidos pelo discurso do Estado Novo,
mas também das “Garotas”, que continuarão a perpetuar a “Vai, vai, vai... Não pense que eu
dimensão urbana adquirida por eles no período, pelos anos
seguintes com entusiasmo. vou chorar... Mulher igual a você
Fig 12 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de
fevereiro”. 07 de fevereiro de 1942. Texto Lyto. eu encontro em qualquer lugar.”
Fig 12 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Municipal com as
Garotas”. 18 de fevereiro de 1956. Texto A. Ladino
“No Municipal com as
Garotas”, em 18 de fevereiro de 1956, apesar de fugir ao período em questão, reforça a
dimensão urbana da festa carnavalesca carioca que será perpetuada: “As Garotas atraentes
são jóias resplandecentes do baile monumental. Prêmios, prêmios não ganharam, mas todas
se conformaram, pois podem dizer contentes às coleguinhas ausentes: eu fui ao
Municipal.”
Dentro desse contexto, as manifestações cívicas entraram como mais um suporte
ideológico do governo, buscando ao mesmo tempo aproximar-se das massas e estabelecer
certa distância, ao se apresentar de forma idealizada: “O Estado Novo é o primeiro
momento em que se procura dar sentido mítico ao Estado (...) esse processo será
35
36. desenvolvido através da imprensa,
do rádio e do cinema, bem como
da promoção de festas populares e
cerimônias cívicas em exaltação às
principais datas nacionais e feitos
do governo.” 44
“Garotas de setembro”, em
5 de setembro de 1942, fazia
referência à data comemorativa da
independência do país, o 7 de
Setembro: “Vivas, vibrantes,
libertas, da pátria um luzido
membro, formam aqui filas
As “Garotas” demonstravam o seu patriotismo na data
comemorativa da independência do Brasil, em um momento que
o Estado Novo procurou forjar uma unidade nacional.
concretas as ‘Garotas’ de setembro
Fig 13 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de
setembro”. 05 de setembro de 1942. Texto Millôr Fernandes (...) Salve ufana brasileira, não
As ilustrações estavam mais para o descanso que para o
trabalho. Aproveitavam o máximo a vida com passeios e tens lança, tens espada, mas se te
viagens. Ainda bem, que Getulio Vargas não precisou delas para
dar continuidade ao seu projeto modernizador. beijam faceira, quero crer que...
Fig 13 b. Coluna “As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”.
17 de novembro de 1945. Texto Vão Gôgo. fazes nada.”
Tendo em vista o projeto de construção de um país moderno, o Estado gerou uma
ideologia de valorização do trabalho, sendo encarado como uma ferramenta pela qual a
população participaria desse esforço. Além disso, era necessário apagar tudo que ia contra
esse ideal: “Era preciso combater tanto o subversivo, identificado ao inimigo externo, ao
44
VICENTE. Eduardo. Cit, p. 05
36
37. estrangeiro de pátria e de ideais, quanto o
malandro, o inimigo interno que se definia
como avesso ao trabalho e às leis e regras
da ordem constituída.” 45
Dessa maneira, reuniram-se esforços
para tentar apagar a noção arraigada de que
o brasileiro era preguiçoso e malandro 46 :
“(...) nos anos 30 procura-se transformar
radicalmente o conceito de homem
brasileiro. Qualidades como preguiça,
indolência, consideradas inerentes à raça
mestiça são substituídas por uma ideologia
As influências do cinema norte-americano são sentidas desde o do trabalho.” 47
início da coluna, reproduzindo a beleza e atitudes
hollywoodinas, com o devido tempero brasileiro.
Observando esse incentivo, as
Fig 14 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garota Cinema”. 26
de novembro de 1938. Texto Alceu Penna
ilustrações não pareciam seguir, de maneira
Na temporada de Alceu Penna em NY, o estilo de vida norte-
americano foi trazido para as leitoras e leitores de O Cruzeiro, geral, à risca o propósito do Estado Novo.
comprovada pela tradicional luta de boxe no Madison Square
Garden.
“As Garotas”, de maneira geral, até pela
Fig. 14 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e a luta de
Box. 27 de julho de 1940
condição de jovens, não apareciam
encarando responsabilidades, como um
emprego. Eram ilustradas curtindo a vida e o relax: “Na serra, no campo, no lago ou na
praia, lá se vão novamente de férias as nossas garotas. Vão e voltam como as andorinhas e
como as andorinhas são inconstantes e aéreas.” 48
45
GOMES, Ângela Maria de Castro. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES,
Ângela Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 164
46
A figura do malandro que sempre permeou a vida popular, especialmente manifestado no samba -
malandro, modifica-se para enquadrar-se aos novos anseios. Ele torna-se civilizado, se parecendo um galã de
Hollywood, não anda mais armado e despiu-se do lenço no pescoço e chapéu de palha, à exemplo do samba
de Ary Barroso “Mulatinho bamba” gravado por Carmen Miranda em 1935. In: COSTA. Tânia Garcia da.
Op cit, p. 56
47
ORTIZ. Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 42
37
38. “As Garotas”, em linhas
gerais, absorveram diretrizes
nacionalistas do período pela
valorização dos cenários brasileiros,
da música, festas, bem como da
mulher e do seu vestuário, ainda que
fossem espelhados na cultura
Nesse período, até mesmo em eventos nacionais populares como
o carnaval, a influência norte-americana se fazia presente na carioca. As ilustrações, mesmo
coluna. Uma ilustração está vestida com um conjunto de short e
blusa estampados com motivos da bandeira dos EUA. Apesar
disso, havia influências da artista Carmen Miranda, também,
assim, não se fecharam às
notada pelas fantasias inspiradas na sua famosa baiana.
influências estrangeiras,
Fig. 15. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas & Carnaval em
14 de fevereiro de 1942. Texto Alceu Penna
especialmente a norte-americana: “O
traço comum às mudanças que então
ocorriam no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo era a marcante
influência que aquelas mudanças recebiam do american way of life.” 49
Devido à Segunda Guerra Mundial, o relacionamento entre Brasil e EUA foi
fortalecido, estreitando-se essa ligação pela política de “Boa vizinhança” (1933-1945),
buscando apagar a lembrança imperialista, nada simpatizante, do Big Stick: “Os métodos
mudaram, mas os objetivos permanecem os mesmos: minimizar a influência européia na
América Latina, manter a liderança norte-americana e encorajar a estabilidade política no
continente.” 50
No campo cultural os norte-americanos valeram-se de táticas como a Missão
Rockefeller, para aproximar a nação do Brasil, trazendo os artistas, incluindo Walt Disney
que na ocasião lançava sua última produção - Fantasia: “(...) além de Disney vieram com a
48
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto Vão Gôgo. In: O CRUZEIRO. 17 de novembro de
1945, p. 22 e 23
49
MOURA. Gerson. O Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense,
1984, p.08
50
MOURA. Gerson. Op cit, p. 18
38
39. missão cultural famosos artistas do
cinema americano: Tyrone Power,
Henry Fonda, Douglas Fairbanks. O
Rio de Janeiro exultava com os astros
e o governo brasileiro aproximava
ainda mais dos americanos.” 51
Observando o impacto dessa
política na coluna, é perceptível que
os costumes e estilo de vida dos EUA
serão trazidos de maneira próxima
para “As Garotas”, quando Alceu
Penna viaja para a Feira de Mundial
em Nova York. 52 Em 27 de julho de
“As Garotas” tentavam copiar as americanas do norte na
destreza da cozinha, embora o esforço fosse em vão. Os 1940, em “Garotas e a luta de Box”, o
hábitos alimentares, também, sofrerão influências, fazendo as
figurinhas trocarem caviar por um suculento beef. cenário era um torneio de box amador
Fig 16 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a arte da
culinária”. 26 de novembro de 1938. Texto A. Ladino no Madison Square Garden, um
Fig 16 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Para Agradar as
Garotas”. 11 de março de 1944. Texto Alceu Penna programa tipicamente norte-
americano: “Não podendo assistir ao
encontro Godoy x Loe Louis, as “Garotas” me carregaram para o Madson. Para encurtar
razões – tive que me retirar antes do fim, para evitar um conflito, dada a torcida ‘violenta’
das meninas, em favor dos boxeus... bonitinhos...”
Na realidade a influência norte-americana será presente durante todo o Estado
Novo. Entretanto, as aproximações com a cultura estrangeira deveriam respeitar um limite,
algo ignorado por Carmen Miranda, que não escapou de uma recepção fria ao voltar de sua
51
TOTA, Antônio Pedro. Op cit, p. 54.
52
Alceu Penna foi para os EUA em 20 de setembro 1939 e permaneceu lá até junho de 1941.
39
40. turnê pelos EUA, fugindo do ideal musical brasileiro aprovado pelo Estado Novo 53 : “A
denúncia da ‘americanização de Carmen Miranda mostrava que existia no Brasil de 1940
um movimento difuso que defendia a correta utilização desses novos símbolos nacionais.
A mistura do samba com a música norte-americana, por exemplo, não podia ultrapassar
determinados limites.” 54
A figura de Carmen Miranda ecoou não apenas nos EUA, mas aqui no país. É
notável perceber na coluna a quantidade de fantasias de carnaval inspiradas no figurino da
artista. Muitos turbantes com penduricalhos, colares, frutas amarradas, tecidos coloridos e
contrastantes.
O cinema será outra evidência da influência dos EUA na coluna, presente desde os
primórdios dela. 55 Em 10 de dezembro de 1938, em “Garotas de festas”, certo ator famoso
de Hollywood aparenta causar comoção nas ilustrações: “A Elvira se apaixonou de tal
maneira pelo Tyrone Power que quase morreu. E curou-se? Com um sósia...”
Essa influência cinematográfica tende a crescer após a Segunda Guerra Mundial,
sendo um importante porta-voz na difusão de gostos e estilos do american way of life, em
meio à Guerra Fria: “(...) após a Segunda Guerra, o cinema se tornou a vitrine por
excelência da exibição de glamourização dos novos materiais, objetos utilitários e
equipamentos de conforto e decoração doméstica.” 56
53
Carmen Miranda, ao se apresentar no cassino da Urca em julho de 1940, não entendeu de imediato o seu
insucesso. O que os presentes em seu show viram foi uma Carmen demasiadamente estilizada, cantando algo
que não era supostamente a música brasileira pura, gesticulando em excesso (hábito adquirido nos EUA para
suprir a falta de comunicação) e, pior, saudando a platéia com um good night, people! A artista foi aclamada
pelo povo em sua chegada, mas ali ela cantava para o alto escalão do Estado Novo. A frieza, olhada por esse
ângulo, fez completo sentido: “Carmen abriu com ‘South American Way’. Pelo menos três minutos
seguintes, gelo na platéia. O samba-rumba, muito fraco para os padrões brasileiros, teve de arrastar-se
sozinho até a última nota.” In: CASTRO, Ruy. Op cit, 249-250.
54
VIANNA, Hermano. Op cit, p. 131.
55
A influência do cinema norte-americano data desde a década de 1920 no Brasil. Segundo Susan Besse, as
salas de projeção proliferaram a partir de 1910 e, na década de 1920, ir ao cinema estava entre os
passatempos mais populares para jovens e velhos, homens e mulheres, pobres e ricos. In: BESSE, Susan.
Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-40. São Paulo:
Universitária SP, 1999, p.26.
56
SEVCENKO, Nicolau. Op cit, p.602.
40
41. Em “Garotas e a arte da
culinária”, de 22 de abril de 1950,
as ilustrações buscam inspiração
nos hábitos das mulheres norte-
americanas ao encarnarem a
“rainha do lar”: “As Garotas viram
no cinema o desembaraço com que
O bom gosto francês aparecia tanto na moda de gala quanto nos
programas inspirados no país. Apesar da influência norte-
americana maciça, ambas vertentes serão presenciadas na coluna. as americanas do norte vão para a
Fig.17 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a comedie
française”. 27 de maio de 1950. Texto A. Ladino cozinha.”
Os EUA promoviam o
consumo de objetos ligados ao seu estilo de vida, levando, discretamente, seu imperialismo
cultural: “Ao importar o cadillac, os chicletes, a coca-cola e o cinema, não importamos
apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e condutas que
se acham implicados nesses produtos.” 57
Em “Para agradar as Garotas”, de 11 de março de 1944, a cultura norte-americana
parecia afetar até o paladar das “Garotas”, que buscavam alternativas ao gosto francês:
“Para agradar ao paladar das Garotas alguns aconselham champanhe, caviar e marrom-
glacê. Hoje estamos certos de que um quilo de beef será mais recomendável.”
Além de todos os produtos que traziam o estilo de vida do país internalizado, essa
influência ficava clara até no vocabulário. “Conselhos das Garotas”, em 7 de agosto de
1943, evidencia o emprego de algumas palavras em inglês no cotidiano pelas “Garotas”,
comprovando o quão fundo foi esse imperialismo: “Quando não souberes o destino de uma
estrada, nunca andes nela com um boy. O destino em geral é o espeto.”
57
CORBISIER, Roland. Formação e probabilidade da cultura Brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958, p. 69.
In: ORTIZ. Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 69.
41
42. Apesar da emergência do modelo norte-americano, o francês continuava sendo uma
referência em bom gosto e tradição. “As Garotas” o apreciavam, sendo isso evidenciado
pelos costureiros franceses, pelo vocabulário usado na coluna e mesmo pelos programas
influenciados pela cultura do país, que garantiam certa aparência de sofisticação: “Jean
Louis Barrault! Madeleine Renaud! As Garotas tinham que assistir às noitadas
maravilhosas da ‘Comedie Française’ no Municipal.” 58
Os dois modelos passam a conviver, lado a lado, disputando constantemente o lugar
de prestígio: “É interessante notar, que apesar da preponderância francesa, as diversas
influências passam a coexistir no mundo da moda com maior flexibilidade de aceitação,
conforme representado na coluna Garotas (...).” 59
Em “Garotas qual é seu tipo?”, de 29 de agosto de 1942, são apresentados variados
tipos de “Garotas”, das quais destaco a Granfina que curiosamente mistura elementos
norte-americanos e franceses, em um tom de valorização dos dois países: “A autêntica, que
já esteve na Europa ou Estados Unidos, foi educada no Sion ou no Sacré Coeur. Produto
nacional, ‘não se dá bem aqui’. Fala francês e inglês. Finge detestar tudo, mas intimamente
possui gostos burgueses.”
Influências estrangeiras continuaram a crescer, principalmente durante o governo
do presidente JK, a partir de 1956, configurando-se como o auge do americanismo no
Brasil. Ainda na trilha do desenvolvimento, o país passa a vivenciar uma urbanização e
industrialização em proporções desconhecidas. Com uma política desenvolvimentista e de
abertura do mercado, o Brasil assistiu a uma invasão de indústrias estrangeiras, como a
automobilística. O presidente propunha realizar 50 anos em 5, mesmo à custa de uma
58
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e a Comedie Française”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 27 de maio
de 1950, p.38 e 39.
59
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p. 38.
42
43. inflação galopante: “A industrialização era apresentada, tal e qual nos anos 30, como chave
da emancipação de todos e a conquista do bem-estar geral.”60
Os bens de consumo diversificaram-se e invadiram os lares brasileiros, tornando
cada vez mais prática a vida doméstica:
“Dispúnhamos, também, de todas as maravilhas
eletrodomésticas: o ferro elétrico, que substituiu o ferro a carvão (...) o
chuveiro elétrico; o liquidificador e a batedeira de bolo; a geladeira; o
secador de cabelos (....) o aspirador de pó, substituindo as vassouras e o
espanador; a enceradeira, no lugar do escovão(...).” 61
Uma febre do “novo” e “moderno” se instalava no gosto nacional: “Da simples
lâmina de barbear ao mais requintado automóvel, não havia nos anos 50 e 60 bem de
consumo que não pretendesse “moderno”, “novo”, “inédito.” 62 A modernização tornou-se
um ideal a ser alcançado a fim de nos livramos do atraso em que nos encontrávamos frente
a nações mais desenvolvidas.
Os eletrodomésticos eram anunciados como supostos libertadores da mulher,
dotados de certa aura fantástica:
“Do mesmo modo, as ilustrações das propagandas de fogões, com
fornos que transbordam assados, suflês e outros pratos, enquanto
mulheres elegantemente vestidas apreciavam o espetáculo, sugeriam que
se tratava de máquinas de cozinhar mágicas, com capacidade de preparar
refeições por algum processo de imaculada concepção.” 63
60
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada.
Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964), São Paulo: Hucitec 1998,
p.62
61
MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna.
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da Vida Privada v.4. São Paulo: Companhia das letras, 1998,
p. 564.
62
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Op cit, p.31.
63
FORTY, Adrian. Objeto de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac & Naif, 2007, p.283.
43
44. Paralelamente a esse movimento de desenvolvimento, a classe média brasileira
ampliou-se aproveitando de todas as novidades: “Nos anos 50 do século XX o Brasil viveu
um período de ascensão da classe média, com possibilidades de acesso à informação, ao
lazer e ao consumo.” 64
Muitos empregos, especialmente no setor terciário, foram criados, já que o aparato
urbano crescia e precisava de uma estrutura eficiente de funcionamento:
“O leque de ocupações no mercado de trabalho aumenta
consideravelmente promovendo a expansão e incorporação das classes
médias (além do proletário industrial). Cresce de forma significativa o
número de trabalhadores dos serviços urbanos (bancos, comércio,
propaganda, transportes, comunicação), da administração de empresas
industriais, funcionários do governo, serviços burocráticos em geral,
profissionais liberais etc.” 65
Em vista desse movimento, a classe média presenciou uma sistemática salarização,
ou seja, um declínio do trabalho autônomo e da prática privada:
“Empregos em escritórios aumentaram, indicando o aparecimento
no censo de uma nova categoria ‘ocupações relativas ao funcionamento
de escritórios’. Mais mulheres entraram como parte da força de trabalho
não manual, especialmente como funcionárias públicas, professoras,
vendedoras, assistentes sociais e datilógrafas.” 66
Examinando os hábitos e posses das “Garotas”, tais como os locais freqüentados
por elas e as roupas, sempre na última moda, percebe-se à primeira vista que,
provavelmente, ou representavam moças pertencentes à classe média ou à elite.
64
ALVES, Andréia Matias; FILHO-COURA, Pedro. Avaliação das ações das mulheres sob violência no
espaço familiar, atendidas no Centro de Apoio à Mulher (Belo Horizonte), entre 1996 e 1998. Artigo retirado
de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232001000100020&script=sci_arttext&tlng=en. Acessado
em 28de outubro de 2006.
65
BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações homem-
mulher, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.69.
66
OWENSBY, Brian P. Intimate Ironies: modernity and the making of middle class in Brazil. Califórnia:
Stanford University Press, 1999, p.49.
44