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Por que Brasília?
O CNRC como um equivalente cultural da capital-federal brasileira.

                                   Zoy Anastassakis
       Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional – UFRJ
                                 Rio de Janeiro, Brasil
                                         2007




                                                                                  1
Por que Brasília?
O CNRC como um equivalente cultural da capital-federal brasileira.


O Centro Nacional de Referência Cultural


                 No ano de 1975, foi criado em Brasília – capital-federal do Brasil - o
Centro Nacional de Referência Cultural, que teve como idealizadores Aloísio Magalhães -
designer que projetou as notas do cruzeiro (a moeda brasileira corrente à época) e a
logomarca da Petrobrás (empresa estatal brasileira de petróleo); Severo Gomes - então
Ministro da Indústria e Comércio; e Vladimir Murtinho - diplomata e então Secretário de
Cultura do Distrito Federal.
                 Segundo Aloísio Magalhães, em um dos encontros onde os três
informalmente discutiam sobre o país, o Ministro teria lançado a questão: ‘Por que o
produto brasileiro não tinha força própria?’. Nas palavras do designer,

                       tudo começou quando o Ministro Severo Gomes me perguntou o que poderia ser
                       feito para dar uma maior identidade ao produto brasileiro. Ora, uma pergunta
                       assim só poderia dar ensejo a uma investigação cuidadosa. E da investigação à
                       constatação de que não se conhecia esse produto cultural brasileiro foi um passo.
                       E passo óbvio, pois se você observar bem verá que não há uma maneira
                       sistemática de se conhecer esse produto cultural. Não existem indicadores
                       catalogados e sistematizados. E os indicadores são peculiares a qualquer realidade
                       cultural. Precisam, portanto, ser conhecidos (Magalhães, 1976a: 02).


                 Inspirado pelas discussões sobre o produto brasileiro, o grupo levou tais
questões adiante, e em função do posicionamento político de Severo Gomes e Vladimir
Murtinho, foi possível a viabilização do órgão. Inicialmente, a proposta de criação do
CNRC estava vinculada ao projeto que Murtinho desenvolvia para a implantação de uma
infra-estrutura cultural em Brasília. Esse projeto previa uma biblioteca central, um museu
da civilização brasileira e um organismo dedicado ao estudo dos problemas da cultura
nacional.
                 Em fevereiro de 1975, a comissão interministerial responsável pela
implementação de tal infra-estrutura estabeleceu um grupo de trabalho que tinha por
objetivo averiguar a viabilidade de criação de um organismo capaz de estabelecer um
sistema referencial básico, a ser empregado na descrição e na análise da dinâmica cultural
                                                                                                       2
brasileira. Financiado pela Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e
Comércio, instalado em um espaço cedido pela Universidade de Brasília e sob coordenação
de Aloísio Magalhães, o grupo iniciou suas atividades em 01 de junho de 1975.
                 Em um primeiro momento, o CNRC propunha-se a desenvolver um
banco de dados – ou sistema de indexação - sobre a cultura brasileira. Diferentemente de
um museu, tal órgão não colecionaria objetos, mas, sim, ‘peculiaridades relevantes’ da
produção cultural nacional - não o objeto, mas a referência a ele. Para a equipe do Centro,
‘referenciar’ significava considerar o produto focalizado enquanto processo - em sua
dinâmica de produção e de inter-relação com os contextos local e nacional.
                 Tal projeto surgiu a partir da preocupação do grupo com o que Aloísio
Magalhães definia como ‘achatamento do mundo’, que seria conseqüência do processo
acelerado de industrialização por que passava o mundo ocidental – em suas palavras, “uma
espécie de fastio, monotonia, achatamento de valores causado pelo próprio processo de
industrialização muito acelerado e sofisticado. Enfim, o mundo começou a ficar chato”
(Magalhães, 1997: 115). Segundo Magalhães, tal processo levava as culturas locais a
perderem suas características próprias. Assim, sua maior preocupação era que
“determinados ingredientes vivos, dinâmicos, passíveis de serem observados dentro do
processo histórico, fossem abafados pela presença atuante de outros enfoques” (1997: 34).
                 Por essas razões, Magalhães, Gomes e Murtinho investiram na criação de
um órgão que tinha por objetivo último produzir, no Brasil, alternativas para o processo de
achatamento (ou erosão) cultural, que, para eles, ameaçava a sobrevivência dos processos
culturais ‘espontâneos’. Para os criadores do CNRC, tais alternativas se evidenciariam a
partir da consideração e dinamização das peculiaridades criativas de cada produção cultural
localmente produzida. Partindo de tais constatações, o órgão pretendia ‘captar a dinâmica
dos processos culturais’ para disseminá-la pelo país como um todo, fazendo, dessa forma,
com que um processo cultural alimentasse outro, e assim por diante. Para o os criadores do
Centro, somente desse modo – criando-se uma ‘rede de referências’ da cultura brasileira -
seria possível evitar a descaracterização e extinção das culturas locais e promover, no país,
um desenvolvimento verdadeiramente autônomo.
                 Em 01 de agosto de 1976, foi assinado um convênio multi-institucional,
viabilizando a estruturação definitiva do CNRC. Entre as instituições integrantes do

                                                                                            3
convênio estavam a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, a Caixa
Econômica Federal, o Ministério da Indústria e Comércio, o Ministério da Educação e
Cultura, o Ministério do Interior, o Ministério das Relações Exteriores, a Fundação
Universidade de Brasília e a Fundação Cultural do Distrito Federal. Em 1978, foi assinado
um Termo Aditivo ao Convênio inicial, em que se integraram o Banco do Brasil e o
Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
                  O órgão, organizado em quatro programas de estudo (‘Mapeamento do
Artesanato Brasileiro’, ‘Levantamentos Sócio-culturais’, ‘História da Ciência e da
Tecnologia no Brasil’ e ‘Levantamento de Documentação sobre o Brasil’), buscava
desenvolver projetos em diversas regiões do país, cobrindo uma vasta gama de processos
culturais, com maior ou menor grau de complexidade, a fim de levantar uma amostragem
que fosse representativa da produção cultural brasileira. Os projetos poderiam surgir a
partir de idéias do grupo, mas também, e preferencialmente, deveriam vir de fora. Para a
equipe do CNRC, o ideal seria que os projetos fossem propostos pelos próprios produtores
de cultura, pois, em sua concepção, somente dessa forma se alcançaria uma amostragem
razoável e espontânea do ‘fazer brasileiro’.
                  Considerava-se importante que as equipes de trabalho e os projetos
fossem multidisciplinares e multiinstitucionais. Além disso, projetos e programas eram
objeto de constantes reconsiderações e re-planejamentos. Segundo um dos documentos
fundadores do órgão, as metodologias adotadas em cada projeto deveriam ser “sugeridas
pelos próprios fenômenos da realidade cultural pesquisada” (CNRC, 1979b: 01).
                  Em quatro anos de trabalho, foram desenvolvidos 27 projetos. Em 1978,
em função da proximidade do fim do Termo Aditivo ao Convênio de 1976, a equipe passou
a discutir possibilidades para a institucionalização definitiva do CNRC. Dentre as
alternativas levantadas, surgiu a possibilidade de fusão com o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, órgão oficial de preservação do patrimônio no país,
vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Essa opção consolidou-se como definitiva
quando Aloísio Magalhães foi convidado a presidir o Iphan, em 1979. Em sua gestão,
realizou-se a reforma institucional do Instituto, que se fundiu ao CNRC e ao PCH
(Programa de Reconstrução das Cidades Históricas), e, por fim, se desmembrou em duas



                                                                                       4
instituições: Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Fundação Nacional
Pró-Memória, que passaram a operar sob a sigla de Sphan/Pró-Memória.


Cultura e desenvolvimento


                   “Sem respeito à cultura, não se cria desenvolvimento” (Magalhães,
1978: 02). A partir de uma tal constatação, o CNRC vinculou a idéia de indexar e
referenciar a cultura brasileira ao desenvolvimento. A questão que se colocava como
premissa para a criação do órgão era: se o Brasil é um país com uma cultura nascente, em
que medida – diante “da aceleração do processo de desenvolvimento e do crescimento dos
meios de comunicação de massa” (CNRC, 1975: 03) – estariam sendo criadas ‘condições
adequadas para a sua evolução’? Os criadores do Centro teriam ‘diagnosticado’ uma
ameaça à sobrevivência do ‘meio cultural brasileiro’, e, em conseqüência, se propunham a
preservar as áreas da cultura nacional que, em sua opinião, estavam mais expostas à
descaracterização e à homogeneização impostas pelo ‘acelerado’ processo de
desenvolvimento sócio-econômico.
                   Acreditava-se que conhecendo a dinâmica das práticas culturais seria
possível intervir positiva e adequadamente na realidade brasileira, incentivando um
desenvolvimento baseado em elementos da própria cultura, em vez de um formado por
modelos impostos externamente. Para Aloísio Magalhães e os pesquisadores do Centro, não
bastava

                       relacionar a cultura apenas com as artes e humanidades ou ligar o termo
                       desenvolvimento unicamente a questões econômicas e sociais. No mundo real
                       ambos os conceitos estão inter-relacionados, pois a cultura representa um dado
                       indispensável na busca de soluções para os dilemas políticos, econômicos e
                       sociais (CNRC, 1979a: 03).


                   Segundo essa visão, o desenvolvimento acelerado estaria destruindo as
culturas locais, através de um processo denominado de ‘erosão cultural’. Em nome da
produtividade, as pequenas comunidades estariam se afastando de suas bases culturais, o
que, em vez de servir ao seu desenvolvimento, as estaria impedindo de desenvolverem-se
plena e verdadeiramente. A saída para tal dilema estaria na cultura – ‘a força coesiva básica
de uma nação’ (1979a: idem). Somente um projeto de desenvolvimento que levasse em
                                                                                                   5
conta a dinâmica de produção e reprodução cultural local poderia impedir a ‘erosão’ das
culturas. Para Aloísio Magalhães e o CNRC, o desenvolvimento só aconteceria de fato se
estivesse atrelado à cultura.
                  Em função de tais considerações, o órgão pregava o ‘desenvolvimento
autóctone’, que deveria acontecer não ‘de cima para baixo’, mas ‘de baixo para cima’. Nas
palavras de Magalhães, “acreditamos que as políticas econômica e tecnológica do país
necessitam re-inserir os bens culturais nacionais para concretizarmos um desenvolvimento
autônomo” (Magalhães, 1997: 60). O CNRC deveria, então, trabalhar no sentido de criar
alternativas para que os bens culturais nacionais pudessem participar como instrumentos no
processo de desenvolvimento.
                  Para Severo Gomes, a preservação ‘das nossas referências culturais’ é um
dos principais problemas a serem enfrentados “quando se atravessa um período de rápido
crescimento econômico” (Gomes, 1982: 02), uma vez que a transferência de um modelo
estrangeiro de desenvolvimento de um país para outro implicaria necessariamente em
graves desequilíbrios culturais. Gomes não rejeita a idéia de interdependência entre os
países, mas afirma que é preciso compatibilizar uma estratégia global de desenvolvimento
com os interesses nacionais (1982: idem), através do estabelecimento de uma
‘interdependência horizontal’. Para ele, é preciso que as políticas de desenvolvimento
estejam vinculadas não somente às referências do crescimento da economia, mas, também,
aos aspectos qualitativos da vida de uma cultura. Afinal, “uma política de desenvolvimento
econômico não pode ser pensada isoladamente. Não pode ser separada de uma política
cultural e social, da compreensão de todo o universo cultural e humanístico da nação”
(1982: 01).
                  Assim, o CNRC teria um “papel ativo no sentido de coordenar esforços
na obtenção dos indicadores culturais e ecológicos de uma dada região a fim de melhor
caracterizá-la e definir o sentido de sua evolução num certo momento” (CNRC, 1976: 08),
na medida em que a atuação do órgão contribuiria para impedir a aculturação e a
descaracterização das culturas regionais, apontando para a possibilidade de um
desenvolvimento ‘mais de acordo’ com as características próprias de cada região.
Confirmando essa posição, no Relatório Técnico n. 10, afirma-se que “uma das funções
precípuas do CNRC é exatamente a do exame de condições adequadas para o acoplamento

                                                                                        6
fértil das bases culturais do país com seu desenvolvimento científico e tecnológico” (1976:
09).
                  Aloísio Magalhães, Severo Gomes e Vladimir Murtinho partiram da
constatação de que a mera importação de modelos tecnológicos oriundos do Hemisfério
Norte não estaria levando o Brasil a se desenvolver com autonomia – ao contrário, o
desenvolvimento que aparentemente acontecera, a partir da segunda metade do século 20,
era um desenvolvimento dependente. Esse modelo não satisfazia os ideais do grupo, que
com a criação do CNRC, buscava intervir em tal processo, encontrando nos fazeres
próprios ao Brasil saídas para o impasse nacional, no que se referia ao seu
desenvolvimento. Nesse sentido, Aloísio Magalhães confessa: “não é sem razão que, depois
de 15 anos de trabalho como designer no Brasil, eu tenha me voltado para o projeto do
CNRC, que considero como projeto de design. Pois se conseguirmos detectar, ao longo do
espaço brasileiro, as atividades artesanais e influenciá-las, estaremos criando um design
novo, o design brasileiro” (Magalhães, 1977).


Em Brasília, encontro com o projeto


                  Aloísio Magalhães nem sempre foi designer. Antes de se decidir pela
profissão que desempenhou até o fim de sua vida, o pernambucano graduou-se em direito,
foi gravurista e artista plástico. Segundo o designer João de Souza Leite, o ‘encontro’ de
Aloísio Magalhães com a ‘idéia de projeto’ é o momento-chave para a compreensão de sua
transformação em designer e, em conseqüência, de sua opção por lidar com as políticas
culturais em âmbito oficial. O ‘encontro’ de Magalhães com o ‘projeto’ teria se dado
quando este visitou Brasília, ainda em construção.
                  Voltando de uma temporada nos EUA, onde expôs como artista-plástico
em uma coletiva de artistas brasileiros e trabalhou como professor visitante no Philadelphia
Museum College of Art, o até então artista plástico e gravurista visitou Brasília em
companhia do designer americano Eugene Feldman, com quem projetou o livro sobre a
construção da capital-federal - “Doorway to Brasília” (1959). Nessa viagem, Magalhães
teria ‘encontrado a idéia de projeto’ - algo com que ele já havia travado contato, a partir da
breve experiência no departamento de design americano – acontecendo no Brasil. Ou seja,

                                                                                            7
a visita a Brasília teria permitido ao artista vislumbrar no design a síntese do que ele
desejava exercitar a nível profissional.
                  Para Leite, a construção da nova capital-federal representa não somente
para Aloísio Magalhães, mas para todo o Brasil, o ‘encontro com a idéia de projeto’. Para
este autor – assim como para Magalhães, a cidade seria o signo maior do projeto no Brasil:
“Brasília é o fato que marca, que sinaliza uma mudança no país” (Leite, 2006: 235). Se a
nova capital era a realização do projeto em solo brasileiro, conhecer Brasília, ainda em
construção, foi, para Aloísio Magalhães, a realização da possibilidade de uma carreira que
tivesse como eixo fundamental o projeto. A atuação no campo da cultura seria o
desdobramento natural dessa descoberta.

                        É no Planalto Central, sobre aquele espaço vazio, que Kubitschek realiza
                        sua experiência modelar, já indicada como meta-síntese, do Programa de
                        Metas. O papel de síntese presente na construção de Brasília se dá em
                        diferentes níveis – síntese da idéia de planejamento e projeto, síntese da
                        comunhão entre as diferentes artes, arquitetura e urbanismo, em uma
                        configuração gestáltica, e, por fim, para o que diretamente nos interessa
                        aqui, síntese para Aloísio Magalhães, pois nela se realiza uma espécie de
                        revelação – o encontro das artes com o social, não artificialmente, mas no
                        sentido mais real possível. Brasília é a realização concreta de uma
                        representação do Brasil, para o todo da população. E Aloísio percebe isso.
                        (2006: 236)

                  A partir da visita a Brasília, Aloísio Magalhães adota o design como
profissão. Leite acredita que foi a aproximação de Magalhães com o design que lhe
permitiu estabelecer um gradual relacionamento com as questões de cultura. Esse autor não
vê sua passagem do escritório de design para o CNRC como uma ruptura; ao contrário,
haveria entre as duas fases uma relação de conseqüência direta.
                  Na década de 1970, o designer pernambucano tinha muitos projetos sendo
desenvolvidos na capital-federal. Em uma de suas constantes visitas à cidade, ele teria
encontrado com Severo Gomes, então Ministro da Indústria e Comércio. Discutindo
assuntos ‘ainda caracterizados no âmbito do desenho industrial’, os dois elaboraram um
projeto que veio a ser denominado de Centro Nacional de Referência Cultural. Assim, para
Leite, Brasília teria sido o ponto de ‘convergência’ na trajetória de Aloísio Magalhães.
                  E mais, Brasília seria o melhor exemplo de um projeto desenvolvido à
brasileira – para Aloísio Magalhães, a capital-federal projetada pelos arquitetos Oscar

                                                                                                8
Niemeyer e Lucio Costa sob encomenda do presidente da República Juscelino Kubitschek
(JK) era a ‘síntese da compreensão brasileira’ (Magalhães, 1997: 166), construída com
‘grande sentido de invenção’ (1997: 167), enfim, o gesto que significou o “momento
decisivo da ação cultural no país. Dentro da concepção de que nos trópicos convivem pólos
opostos, podemos dizer que Brasília tenta unificar o cartesiano e o barroco, isto é, o
espontâneo ou natural” (1997: 107). Desse modo, Brasília representaria para o Brasil o
momento de introdução do método, da atitude projetiva que Magalhães adotara como
profissão 15 anos antes de fundar o Centro Nacional de Referência Cultural (não por acaso,
logo após visitar as obras da capital).
                  Magalhães entendia a construção da cidade como o momento em que o
país teria assumido sua necessidade de interiorização. Nesse sentido, Brasília seria a
convergência do processo histórico do país. Por conseqüência, o único lugar possível para o
desenvolvimento de um projeto como o do CNRC. Para ele,

                        esse projeto deveria ser feito aqui (em Brasília), porque por tentar refletir
                        sobre peculiaridades e realidades brasileiras autênticas, deveria ser feito
                        em contato com essa realidade, mas num lugar onde se pudesse ter um
                        pensamento neutro, onde se pudesse fazer convergir. Em Brasília, pode-se
                        ter bastante isenção ou distância para uma visão de conjunto e, ao mesmo
                        tempo, ter contato com a realidade, o que é ao meu ver uma
                        complementação da própria idéia do plano político de Brasília e da
                        interiorização nacional” (Magalhães, 1976b: 05).

                  Sintetizando tais idéias, Vladimir Murtinho teria dito para Aloísio
Magalhães que o CNRC deveria ser “um equivalente cultural do conceito de Brasília”
(Magalhães, 1976a).


A idéia de Brasília


                  Com o início do Governo de Juscelino Kubitschek, em 1956, implanta-se,
no Brasil, um modelo de desenvolvimento baseado na industrialização e associado ao
capital internacional. Através do Plano de Metas – um programa destinado a promover
mudanças importantes na estrutura econômica, investiu-se pesadamente no setor industrial,
que, tendo recebido grandes quantidades de capital estrangeiro, rapidamente se tornou o
setor mais dinâmico da economia nacional. Dentro de tal Plano, se ao capital estrangeiro

                                                                                                   9
cabia investir, ao governo caberia viabilizar a infra-estrutura para que as indústrias
pudessem funcionar.
                 A nova capital-federal foi caracterizada como a Meta-Síntese do Plano de
Metas do presidente Kubitschek: Brasília tem um papel fundamental na proposta de JK, na
medida em que sua construção era justificada como algo inadiavelmente necessário à
integração nacional defendida em seu programa de governo.

                       Foi durante o governo Kubitschek que a idéia de planejamento ganhou corpo no
                       interior do Estado brasileiro. Por isso, a construção da nova capital do país teve
                       prioridade máxima em seu programa, pois além de promover a integração física e
                       econômica do interior do país com a faixa litorânea mais desenvolvida, Brasília
                       seria a representação nacional de uma nova época que estaria surgindo no país
                       (Jabur, 2007: 06).

                 Nas palavras do arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, “esperava-se
desenvolver o interior do país dando-lhe importância política” (Cavalcanti, 1998: 51). Em
suma, a cidade serviu como principal elemento da ‘estratégia de marketing’ montada pelo
presidente (1998: 57) – a meta-síntese de seu Plano de Metas.
                 Se, do ponto de vista econômico, Brasília foi uma catástrofe, pois o
governo teve que direcionar montantes elevados de seu orçamento para a rápida construção
da capital, como elemento catalisador da proposta desenvolvimentista do presidente, ela
teve bastante sucesso. Segundo Cavalcanti, a nova capital-federal teria conseguido
entusiasmar a maioria dos brasileiros, principalmente suas camadas populares.

                       Houve recrutamento de operários por todo o país, principalmente no Nordeste,
                       que havia sofrido uma grande seca. O governo lança uma campanha associando a
                       ida para o Oeste à epopéia do far-west norte-americano do século anterior. A
                       nova capital era associada a uma oportunidade para os mais pobres e a um marco
                       do futuro brasileiro mais rico e mais justo. A correlação de uma ‘griffe’
                       arquitetônico-urbanística ao projeto político provou-se eficaz: apoiar a construção
                       de Brasília era considerado um gesto progressista – abraçado por fração
                       significativa dos intelectuais e da classe estudantil – e os oponentes da empreitada
                       ganhavam a pecha de conservadores (Cavalcanti, 1998: 58).


                 Brasília era uma idéia que circulava há algum tempo no país. A partir da
segunda metade do século XVIII, surge a discussão sobre a possível transferência da
capital-federal do Rio de Janeiro para o interior, com a esperança de se garantir a soberania
nacional e a consolidação do vasto território, delimitado, mas praticamente despovoado.



                                                                                                       10
Desde a metade do século XVIII a idéia de transferir a capital do Brasil para o
                            interior desabitado foi o sonho de muitos visionários. Eles deixaram a Brasília o
                            legado de uma mitologia do Novo Mundo em que a construção de uma capital no
                            Planalto Central seria o meio de desencadear o florescimento de uma grande
                            civilização num paraíso de abundância. Um desses visionários, o italiano João
                            Bosco, tornou-se o padroeiro de Brasília devido a uma profecia desse gênero.
                            Segundo os intérpretes de sua revelação, ele vislumbrou o lugar da cidade, 75
                            anos antes de sua construção, como sendo o da Terra Prometida. A interpretação
                            oficial sustenta que a topografia dessa visão corresponde precisamente à do sítio
                            de Brasília, construída entre o décimo quinto e o décimo sexto graus de latitude
                            (Holston, 1993: 23-24).


                   As primeiras medidas legais no sentido de efetuar a transferência da
capital para o interior aconteceram em 1891. O artigo terceiro da primeira Constituição
Republicana já destinava uma área de 14.4000 quilômetros quadrados no Planalto Central
para implantação da capital-federal. Mas tal artigo não chegou a gerar atitudes reais, em
relação à transferência. Periodicamente, formaram-se comissões encarregadas de precisar
os limites da área prevista para a construção da cidade, mas nada além disso. Os presidentes
Epitácio Pessoa e Café Filho elaboraram decretos para iniciar sua construção, em 1920 e
1955, mas, nessas ocasiões, tampouco houve alguma medida a nível prático, no sentido de
efetivar a transferência.
                   Foi somente em 1955 que a ‘idéia de Brasília’ encontrou um presidente
disposto a realizá-la, de fato.

                            Juscelino Kubitschek iniciou sua candidatura com o compomisso de construir a
                            nova capital. Depois de sua eleição, atender a esse compromisso tornou-se o
                            principal projeto de sua administração (1956-1961). Por várias razões,
                            Kubitschek deu a Brasília prioridade máxima em seu programa. Em primeiro
                            lugar, ele argumentava que a construção da capital daria origem tanto à
                            integração nacional como ao desenvolvimento regional, levando o mercado
                            nacional às regiões de economia de subsistência. Em segundo lugar, ele
                            sustentava que Brasília iria produzir tanto um novo espaço nacional como uma
                            nova época para o país, incorporando o interior à economia e sendo ao mesmo
                            tempo o marco decisivo na trajetória temporal do país rumo à sua emergência
                            como uma grande nação (1993: idem).


                   Nas palavras do próprio Juscelino Kubitschek:

                            O grande desafio da nossa História estava ali: seria forçar-se o deslocamento do
                            eixo do desenvolvimento nacional. Ao invés do litoral – que já havia alcançado
                            certo nível de progresso -, povoar-se o Planalto Central. O núcleo populacional,
                            criado naquela longínqua região, espraiar-se-ia como uma mancha de óleo,
                            fazendo com que todo o interior abrisse os olhos para o futuro grandioso do País.
                            Assim, o brasileiro poderia tomar posse do seu imenso território. E a mudança da

                                                                                                          11
capital seria o veículo. O instrumento. O fator que iria desencadear novo ciclo
                       bandeirante (Kubitschek, 2000: 07).


                 Para realizar seu projeto, O presidente Kubitschek convidou o arquiteto
Oscar Niemeyer, com quem ele já havia colaborado quando estava à frente do governo de
Belo Horizonte (capital do estado de Minas Gerais), desenvolvendo um complexo
arquitetônico para o bairro da Pampulha: Iate Clube, Cassino, Casa de Baile e Igreja. Em
Pampulha, Kubitschek e Niemeyer sedimentaram uma forte ligação pessoal (Lopes, 1996:
28).
                 Em Brasília, caberia a Niemeyer projetar a arquitetura. Para a escolha de
um projeto que definisse o plano urbanístico da cidade, abriu-se um concurso nacional. Foi
eleito o projeto apresentado pelo arquiteto Lucio Costa, com quem Niemeyer já havia
contribuído no projeto do edifício do Ministério da Educação e da Saúde, no Rio de Janeiro
(1937). Esse edifício tornou-se o marco da arquitetura modernista no Brasil. E, mais ainda,
“nesta obra estiveram presentes os elementos políticos, teóricos e práticos básicos que, por
fixação da experiência, permitiram, duas décadas depois, a construção de Brasília” (1996:
27).
                 Tanto Costa quanto Niemeyer eram, em meados dos anos 1950, arquitetos
reconhecidos como dois dos principais representantes, a nível mundial, do modernismo em
arquitetura. Ambos já haviam contribuído com o governo: em conjunto, na construção da
sede do MES, durante a gestão de Getúlio Vargas, e isoladamente na contribuição de
Niemeyer em Pampulha. Além disso, Lucio Costa havia se tornado consultor do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacinal, órgão federal criado no ano da construção do
edifício do MES, e responsável pela preservação do patrimônio cultural nacional.




Em busca de uma identidade nacional


                 Na primeira metade do século 20, o governo e os intelectuais modernistas
viviam, cada grupo a seu modo, um momento de busca por um programa de construção
nacional. A partir da edificação da sede do Ministério da Educação e Saúde, os arquitetos (e

                                                                                                   12
outros intelectuais) modernistas estabeleceram vínculos com a máquina estatal, talvez por
que tanto os modernistas quanto os dirigentes governamentais estivessem buscando
construir uma identidade nacional (El-Dahah, 2004: 289). Como afirma Luíz Carlos Lopes,
“a busca do moderno tem sido uma preocupação constante nas nossas manifestações
políticas, artísticas e literárias. Desde a década de 1920, a bandeira modernista vem sendo
empunhada pelos mais diferentes segmentos da nossa intelligentsia” (Lopes, 1996: 18).
                 Nesse sentido, compreende-se o interesse do Estado brasileiro em se aliar
a representantes do movimento modernista: a idéia de identidade nacional que esse
movimento esboçava ‘servia’ ao projeto de criação de um ‘novo país’, tal como o
entendiam tanto Vargas quanto Kubitschek - cada um à sua maneira. Segundo Ricardo
Benzaquen de Araújo,

                       é preciso observar que o engajamento de um número expressivo de intelectuais
                       modernistas, como o próprio Lucio Costa, Carlos Drummond de Andrade,
                       Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Heitor Villa-Lobos, entre tantos outros,
                       com um regime autoritário como o do Estado Novo, ainda causa um certo
                       desconforto. Tal sensação, porém, talvez possa ser, se não moderada, ao menos
                       qualificada, particularmente se atentarmos para o fato de que este engajamento,
                       longe de se pautar apenas pelas demandas do puro interesse, importava também
                       em um significativo conjunto de propostas para a reorganização e a modernização
                       do país (Araújo, 2004: 67).

                 Brasília parece ter sido o ápice do encontro entre o Estado brasileiro e a
ideologia modernista. Pode-se compreender a construção da nova capital como um
‘momento-chave’ da afirmação do desejo de construção de uma nova realidade nacional:
uma recriação do Brasil. Segundo a visão que projetou e viabilizou a construção da cidade,
o Brasil deveria consolidar-se como um país urbano, industrial e capitalista (Lopes, 1996:
224).

                       A opção pela nova arquitetura teve o propósito de apresentar a iniciativa como
                       internamente e ao exterior como algo novo e revolucionário. Não se construiu
                       apenas uma nova cidade. Criou-se um mercado interno, ligado por terra, num
                       imenso país de tradição predominantemente agrária. Cristalizou-se uma opção de
                       desenvolvimento (1996: idem).

                 Nesse contexto da primeira metade do século 20, uma “inclinação utópica
dos modernos articula-se com uma redefinição vanguardista do Estado” (Araújo, 2004: 67).
Se uns buscavam deixar sua marca a partir da construção de um ‘Brasil novo’, os outros



                                                                                                   13
acreditavam que a arquitetura poderia, de fato, transformar a sociedade. Nas palavras de
Calil Jabur,

                       Brasília nasceu, portanto, alicerçada em uma utopia que se propunha gerar e
                       estabelecer novos padrões de sociabilidade, assim como gerar hábitos que
                       poderiam imprimir maior racionalidade, funcionalidade e igualdade no cotidiano
                       dos seus cidadãos. A partir daí, esse plano para a nova cidade poderia criar uma
                       nova ordem social segundo a sua imagem; um plano de mudança no contexto do
                       desenvolvimento nacional onde a construção da nova capital seria um modelo de
                       práticas sociais radicalmente diferentes para todo o país (Jabur, 2007: 11).


                 Lucio Costa afirma que entre os arquitetos modernistas, “na época,
prevalecia a crença de que a nova arquitetura e as transformações sociais faziam parte de
um mesmo processo geral de renovação ética do mundo” (Costa, 2001: 105). Acreditava-se
que a criação de uma nova cidade, construída a partir de inéditos padrões urbanísticos,
poderia transformar o modo de ser da população que nela vivesse. E supunha-se que, por
consequência, esse novo modo de se viver na cidade transformaria o próprio país, na
medida em que deslocaria o eixo do desenvolvimento nacional.
                 Assim, a cidade de Brasília, encravada em pleno cerrado, criaria não só
uma nova paisagem no Planalto Central, mas, também, uma nova sociedade para o Brasil.
O antropólogo James Holston define esse movimento como ‘o mito da redenção do país por
meio de Brasília’. Em suas palavras, a nova capital “foi construída para ser mais do que o
simples símbolo dessa nova era. Seu projeto e sua construção tinham a intenção de criar
essa nova era, transformando a sociedade brasileira” (Holston, 1993: 12).
                 No Brasil, a arquitetura modernista estabeleceu uma relação particular
com a história – se ela buscava produzir o novo, ao mesmo tempo, assumiu para si a
responsabilidade de preservar o passado. Segundo Lopes, “existem dois pressupostos
básicos no movimento modernista brasileiro: a manutenção da fidelidade às nossas raízes
culturais e a busca da universalização de nossa produção” (Lopes, 1996: 19).
                 Nesse sentido é que Lucio Costa afirma que Brasília pretendia-se uma
“ciudad moderna, dirigida hacia el futuro, pero con raíces tradicionales” (Costa, 1986: 239-
243). Ou como coloca Benzaquen de Araújo, “indústria moderna, justiça social, utopia
modernista e intervenção governamental: já sabemos, contudo, que o que está em jogo não
é apenas a expectativa de se redesenhar o futuro, mas também o esforço em se resgatar, em
se fazer reviver o passado” (Araújo, 2004: 68). Lucio Costa define Brasília como

                                                                                                    14
uma síntese do Brasil com seus aspectos positivos e negativos, um testemunho de
                        nossa força viva latente. Do ponto de vista do tesoureiro, do Ministro da Fazenda,
                        a construção da cidade pode ter sido mesmo insensatez, mas do ponto de vista do
                        estadista, foi um gesto de lúcida coragem e confiança no Brasil definitivo (Costa,
                        2001: 108).


As idéias e a cidade


                  Na “Memória Descritiva” de seu projeto para Brasília, o arquiteto Lucio
Costa afirma que a cidade “nasceu do gesto de quem assinala um lugar ou dele toma posse:
dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz” (Costa, 2005: 119).
Para James Holston, “mais do que o símbolo de uma nova época, os criadores de Brasília
imaginavam que o projeto e a construção da nova capital fossem meios capazes de gerar
uma transformação da sociedade brasileira” (Holston: 2004, 162).
                  Se Brasília logrou efetuar tal transformação, é algo que não discutiremos
aqui. O que nos interessa, por enquanto, é buscar uma compreensão das idéias que serviram
de base para a transferência da capital-federal brasileira do litoral para o interior, na medida
em que tais idéias serviram de força-motriz para a criação do Centro Nacional de
Referência Cultural, quinze anos depois da inauguração da nova capital.
                  Nesse sentido, se Brasília transformou ou não a sociedade brasileira, não
é algo que tentaremos investigar no presente momento, mas, com certeza, através da
discussão levantada nesta comunicação, é possível compreender de que modo Brasília
influenciou alguns intelectuais, que, a partir de sua compreensão do que representava para o
país a nova capital, decidiram-se por agir publicamente no âmbito das chamadas ‘políticas
culturais’. Assim, o que podemos afirmar é que a nova capital-federal marcou, para alguns,
um desejo de transformação nacional que reverberou em diversas áreas da vida no país.
                  Os criadores do CNRC eram homens que compartilhavam da idéia de
Brasília como redenção para o Brasil, e que, a partir de sua experiência na capital-federal, e
em função de suas trajetórias profissionais pessoais, conceberam um projeto comum, que
partia da idéia de Brasília para ampliá-la, deslocando suas premissas básicas para o campo
da produção cultural. Então, entendendo Brasília como a entendiam Kubitschek, Costa e
Niemeyer, Magalhães, Gomes e Murtinho vislumbraram a possibilidade de uma atuação no
campo das políticas culturais, baseada na capital-federal.
                                                                                                       15
Assim como Brasília era (em sua proposta) a edificação de um Brasil
novo, também o Centro pretendia ser o lócus de experimentação de novas possibilidades
para o produto nacional. A idéia do CNRC não surge apenas do encontro entre três
personagens, mas, especificamente, de seu encontro na cidade de Brasília, que não é
somente o cenário onde se monta a proposta do órgão, senão a própria musa-inspiradora
para a sua criação.
                  Se Costa e Niemeyer viam na arquitetura a possibilidade de transformar o
mundo, Magalhães enxergava no design uma nova chance de o Brasil encontrar seu
caminho na direção de um desenvolvimento real. Entre os primeiros e o último, muda a
lente – ora arquitetura, ora design – mas mantém-se uma visão otimista do que pode ser o
país. Nesse sentido, entendo que Aloísio Magalhães (e o grupo do CNRC) estabelecem, de
certa forma, uma relação de continudade com o projeto nacional veiculado pelos
modernistas, na primeira metade do século 20. Não é à toa, que a fase em que Magalhães
esteve à frente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é denominada de
‘fase moderna’, em contraposição à primeira fase do órgão - liderada por intelectuais
modernistas, chamada de ‘heróica’. Se os modernistas foram os heróis, Magalhães
requalificou, a seu modo, o legado de seus antecessores, principalmente em relação às
figuras de Lucio Costa e Mário de Andrade.
                  Concluindo, a partir da observação da relação que o Centro Nacional de
Referência Cultural estabeleceu com a idéia de Brasília, podemos pensar como uma cidade
pode engendrar visões de mundo, propostas e transformações, se não a nivel da sociedade
como um todo, pelo menos, a nível pessoal, grupal e institucional.


Bibliografia


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Por que Brasília?

  • 1. Por que Brasília? O CNRC como um equivalente cultural da capital-federal brasileira. Zoy Anastassakis Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional – UFRJ Rio de Janeiro, Brasil 2007 1
  • 2. Por que Brasília? O CNRC como um equivalente cultural da capital-federal brasileira. O Centro Nacional de Referência Cultural No ano de 1975, foi criado em Brasília – capital-federal do Brasil - o Centro Nacional de Referência Cultural, que teve como idealizadores Aloísio Magalhães - designer que projetou as notas do cruzeiro (a moeda brasileira corrente à época) e a logomarca da Petrobrás (empresa estatal brasileira de petróleo); Severo Gomes - então Ministro da Indústria e Comércio; e Vladimir Murtinho - diplomata e então Secretário de Cultura do Distrito Federal. Segundo Aloísio Magalhães, em um dos encontros onde os três informalmente discutiam sobre o país, o Ministro teria lançado a questão: ‘Por que o produto brasileiro não tinha força própria?’. Nas palavras do designer, tudo começou quando o Ministro Severo Gomes me perguntou o que poderia ser feito para dar uma maior identidade ao produto brasileiro. Ora, uma pergunta assim só poderia dar ensejo a uma investigação cuidadosa. E da investigação à constatação de que não se conhecia esse produto cultural brasileiro foi um passo. E passo óbvio, pois se você observar bem verá que não há uma maneira sistemática de se conhecer esse produto cultural. Não existem indicadores catalogados e sistematizados. E os indicadores são peculiares a qualquer realidade cultural. Precisam, portanto, ser conhecidos (Magalhães, 1976a: 02). Inspirado pelas discussões sobre o produto brasileiro, o grupo levou tais questões adiante, e em função do posicionamento político de Severo Gomes e Vladimir Murtinho, foi possível a viabilização do órgão. Inicialmente, a proposta de criação do CNRC estava vinculada ao projeto que Murtinho desenvolvia para a implantação de uma infra-estrutura cultural em Brasília. Esse projeto previa uma biblioteca central, um museu da civilização brasileira e um organismo dedicado ao estudo dos problemas da cultura nacional. Em fevereiro de 1975, a comissão interministerial responsável pela implementação de tal infra-estrutura estabeleceu um grupo de trabalho que tinha por objetivo averiguar a viabilidade de criação de um organismo capaz de estabelecer um sistema referencial básico, a ser empregado na descrição e na análise da dinâmica cultural 2
  • 3. brasileira. Financiado pela Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio, instalado em um espaço cedido pela Universidade de Brasília e sob coordenação de Aloísio Magalhães, o grupo iniciou suas atividades em 01 de junho de 1975. Em um primeiro momento, o CNRC propunha-se a desenvolver um banco de dados – ou sistema de indexação - sobre a cultura brasileira. Diferentemente de um museu, tal órgão não colecionaria objetos, mas, sim, ‘peculiaridades relevantes’ da produção cultural nacional - não o objeto, mas a referência a ele. Para a equipe do Centro, ‘referenciar’ significava considerar o produto focalizado enquanto processo - em sua dinâmica de produção e de inter-relação com os contextos local e nacional. Tal projeto surgiu a partir da preocupação do grupo com o que Aloísio Magalhães definia como ‘achatamento do mundo’, que seria conseqüência do processo acelerado de industrialização por que passava o mundo ocidental – em suas palavras, “uma espécie de fastio, monotonia, achatamento de valores causado pelo próprio processo de industrialização muito acelerado e sofisticado. Enfim, o mundo começou a ficar chato” (Magalhães, 1997: 115). Segundo Magalhães, tal processo levava as culturas locais a perderem suas características próprias. Assim, sua maior preocupação era que “determinados ingredientes vivos, dinâmicos, passíveis de serem observados dentro do processo histórico, fossem abafados pela presença atuante de outros enfoques” (1997: 34). Por essas razões, Magalhães, Gomes e Murtinho investiram na criação de um órgão que tinha por objetivo último produzir, no Brasil, alternativas para o processo de achatamento (ou erosão) cultural, que, para eles, ameaçava a sobrevivência dos processos culturais ‘espontâneos’. Para os criadores do CNRC, tais alternativas se evidenciariam a partir da consideração e dinamização das peculiaridades criativas de cada produção cultural localmente produzida. Partindo de tais constatações, o órgão pretendia ‘captar a dinâmica dos processos culturais’ para disseminá-la pelo país como um todo, fazendo, dessa forma, com que um processo cultural alimentasse outro, e assim por diante. Para o os criadores do Centro, somente desse modo – criando-se uma ‘rede de referências’ da cultura brasileira - seria possível evitar a descaracterização e extinção das culturas locais e promover, no país, um desenvolvimento verdadeiramente autônomo. Em 01 de agosto de 1976, foi assinado um convênio multi-institucional, viabilizando a estruturação definitiva do CNRC. Entre as instituições integrantes do 3
  • 4. convênio estavam a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, a Caixa Econômica Federal, o Ministério da Indústria e Comércio, o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério do Interior, o Ministério das Relações Exteriores, a Fundação Universidade de Brasília e a Fundação Cultural do Distrito Federal. Em 1978, foi assinado um Termo Aditivo ao Convênio inicial, em que se integraram o Banco do Brasil e o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O órgão, organizado em quatro programas de estudo (‘Mapeamento do Artesanato Brasileiro’, ‘Levantamentos Sócio-culturais’, ‘História da Ciência e da Tecnologia no Brasil’ e ‘Levantamento de Documentação sobre o Brasil’), buscava desenvolver projetos em diversas regiões do país, cobrindo uma vasta gama de processos culturais, com maior ou menor grau de complexidade, a fim de levantar uma amostragem que fosse representativa da produção cultural brasileira. Os projetos poderiam surgir a partir de idéias do grupo, mas também, e preferencialmente, deveriam vir de fora. Para a equipe do CNRC, o ideal seria que os projetos fossem propostos pelos próprios produtores de cultura, pois, em sua concepção, somente dessa forma se alcançaria uma amostragem razoável e espontânea do ‘fazer brasileiro’. Considerava-se importante que as equipes de trabalho e os projetos fossem multidisciplinares e multiinstitucionais. Além disso, projetos e programas eram objeto de constantes reconsiderações e re-planejamentos. Segundo um dos documentos fundadores do órgão, as metodologias adotadas em cada projeto deveriam ser “sugeridas pelos próprios fenômenos da realidade cultural pesquisada” (CNRC, 1979b: 01). Em quatro anos de trabalho, foram desenvolvidos 27 projetos. Em 1978, em função da proximidade do fim do Termo Aditivo ao Convênio de 1976, a equipe passou a discutir possibilidades para a institucionalização definitiva do CNRC. Dentre as alternativas levantadas, surgiu a possibilidade de fusão com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão oficial de preservação do patrimônio no país, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Essa opção consolidou-se como definitiva quando Aloísio Magalhães foi convidado a presidir o Iphan, em 1979. Em sua gestão, realizou-se a reforma institucional do Instituto, que se fundiu ao CNRC e ao PCH (Programa de Reconstrução das Cidades Históricas), e, por fim, se desmembrou em duas 4
  • 5. instituições: Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Fundação Nacional Pró-Memória, que passaram a operar sob a sigla de Sphan/Pró-Memória. Cultura e desenvolvimento “Sem respeito à cultura, não se cria desenvolvimento” (Magalhães, 1978: 02). A partir de uma tal constatação, o CNRC vinculou a idéia de indexar e referenciar a cultura brasileira ao desenvolvimento. A questão que se colocava como premissa para a criação do órgão era: se o Brasil é um país com uma cultura nascente, em que medida – diante “da aceleração do processo de desenvolvimento e do crescimento dos meios de comunicação de massa” (CNRC, 1975: 03) – estariam sendo criadas ‘condições adequadas para a sua evolução’? Os criadores do Centro teriam ‘diagnosticado’ uma ameaça à sobrevivência do ‘meio cultural brasileiro’, e, em conseqüência, se propunham a preservar as áreas da cultura nacional que, em sua opinião, estavam mais expostas à descaracterização e à homogeneização impostas pelo ‘acelerado’ processo de desenvolvimento sócio-econômico. Acreditava-se que conhecendo a dinâmica das práticas culturais seria possível intervir positiva e adequadamente na realidade brasileira, incentivando um desenvolvimento baseado em elementos da própria cultura, em vez de um formado por modelos impostos externamente. Para Aloísio Magalhães e os pesquisadores do Centro, não bastava relacionar a cultura apenas com as artes e humanidades ou ligar o termo desenvolvimento unicamente a questões econômicas e sociais. No mundo real ambos os conceitos estão inter-relacionados, pois a cultura representa um dado indispensável na busca de soluções para os dilemas políticos, econômicos e sociais (CNRC, 1979a: 03). Segundo essa visão, o desenvolvimento acelerado estaria destruindo as culturas locais, através de um processo denominado de ‘erosão cultural’. Em nome da produtividade, as pequenas comunidades estariam se afastando de suas bases culturais, o que, em vez de servir ao seu desenvolvimento, as estaria impedindo de desenvolverem-se plena e verdadeiramente. A saída para tal dilema estaria na cultura – ‘a força coesiva básica de uma nação’ (1979a: idem). Somente um projeto de desenvolvimento que levasse em 5
  • 6. conta a dinâmica de produção e reprodução cultural local poderia impedir a ‘erosão’ das culturas. Para Aloísio Magalhães e o CNRC, o desenvolvimento só aconteceria de fato se estivesse atrelado à cultura. Em função de tais considerações, o órgão pregava o ‘desenvolvimento autóctone’, que deveria acontecer não ‘de cima para baixo’, mas ‘de baixo para cima’. Nas palavras de Magalhães, “acreditamos que as políticas econômica e tecnológica do país necessitam re-inserir os bens culturais nacionais para concretizarmos um desenvolvimento autônomo” (Magalhães, 1997: 60). O CNRC deveria, então, trabalhar no sentido de criar alternativas para que os bens culturais nacionais pudessem participar como instrumentos no processo de desenvolvimento. Para Severo Gomes, a preservação ‘das nossas referências culturais’ é um dos principais problemas a serem enfrentados “quando se atravessa um período de rápido crescimento econômico” (Gomes, 1982: 02), uma vez que a transferência de um modelo estrangeiro de desenvolvimento de um país para outro implicaria necessariamente em graves desequilíbrios culturais. Gomes não rejeita a idéia de interdependência entre os países, mas afirma que é preciso compatibilizar uma estratégia global de desenvolvimento com os interesses nacionais (1982: idem), através do estabelecimento de uma ‘interdependência horizontal’. Para ele, é preciso que as políticas de desenvolvimento estejam vinculadas não somente às referências do crescimento da economia, mas, também, aos aspectos qualitativos da vida de uma cultura. Afinal, “uma política de desenvolvimento econômico não pode ser pensada isoladamente. Não pode ser separada de uma política cultural e social, da compreensão de todo o universo cultural e humanístico da nação” (1982: 01). Assim, o CNRC teria um “papel ativo no sentido de coordenar esforços na obtenção dos indicadores culturais e ecológicos de uma dada região a fim de melhor caracterizá-la e definir o sentido de sua evolução num certo momento” (CNRC, 1976: 08), na medida em que a atuação do órgão contribuiria para impedir a aculturação e a descaracterização das culturas regionais, apontando para a possibilidade de um desenvolvimento ‘mais de acordo’ com as características próprias de cada região. Confirmando essa posição, no Relatório Técnico n. 10, afirma-se que “uma das funções precípuas do CNRC é exatamente a do exame de condições adequadas para o acoplamento 6
  • 7. fértil das bases culturais do país com seu desenvolvimento científico e tecnológico” (1976: 09). Aloísio Magalhães, Severo Gomes e Vladimir Murtinho partiram da constatação de que a mera importação de modelos tecnológicos oriundos do Hemisfério Norte não estaria levando o Brasil a se desenvolver com autonomia – ao contrário, o desenvolvimento que aparentemente acontecera, a partir da segunda metade do século 20, era um desenvolvimento dependente. Esse modelo não satisfazia os ideais do grupo, que com a criação do CNRC, buscava intervir em tal processo, encontrando nos fazeres próprios ao Brasil saídas para o impasse nacional, no que se referia ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, Aloísio Magalhães confessa: “não é sem razão que, depois de 15 anos de trabalho como designer no Brasil, eu tenha me voltado para o projeto do CNRC, que considero como projeto de design. Pois se conseguirmos detectar, ao longo do espaço brasileiro, as atividades artesanais e influenciá-las, estaremos criando um design novo, o design brasileiro” (Magalhães, 1977). Em Brasília, encontro com o projeto Aloísio Magalhães nem sempre foi designer. Antes de se decidir pela profissão que desempenhou até o fim de sua vida, o pernambucano graduou-se em direito, foi gravurista e artista plástico. Segundo o designer João de Souza Leite, o ‘encontro’ de Aloísio Magalhães com a ‘idéia de projeto’ é o momento-chave para a compreensão de sua transformação em designer e, em conseqüência, de sua opção por lidar com as políticas culturais em âmbito oficial. O ‘encontro’ de Magalhães com o ‘projeto’ teria se dado quando este visitou Brasília, ainda em construção. Voltando de uma temporada nos EUA, onde expôs como artista-plástico em uma coletiva de artistas brasileiros e trabalhou como professor visitante no Philadelphia Museum College of Art, o até então artista plástico e gravurista visitou Brasília em companhia do designer americano Eugene Feldman, com quem projetou o livro sobre a construção da capital-federal - “Doorway to Brasília” (1959). Nessa viagem, Magalhães teria ‘encontrado a idéia de projeto’ - algo com que ele já havia travado contato, a partir da breve experiência no departamento de design americano – acontecendo no Brasil. Ou seja, 7
  • 8. a visita a Brasília teria permitido ao artista vislumbrar no design a síntese do que ele desejava exercitar a nível profissional. Para Leite, a construção da nova capital-federal representa não somente para Aloísio Magalhães, mas para todo o Brasil, o ‘encontro com a idéia de projeto’. Para este autor – assim como para Magalhães, a cidade seria o signo maior do projeto no Brasil: “Brasília é o fato que marca, que sinaliza uma mudança no país” (Leite, 2006: 235). Se a nova capital era a realização do projeto em solo brasileiro, conhecer Brasília, ainda em construção, foi, para Aloísio Magalhães, a realização da possibilidade de uma carreira que tivesse como eixo fundamental o projeto. A atuação no campo da cultura seria o desdobramento natural dessa descoberta. É no Planalto Central, sobre aquele espaço vazio, que Kubitschek realiza sua experiência modelar, já indicada como meta-síntese, do Programa de Metas. O papel de síntese presente na construção de Brasília se dá em diferentes níveis – síntese da idéia de planejamento e projeto, síntese da comunhão entre as diferentes artes, arquitetura e urbanismo, em uma configuração gestáltica, e, por fim, para o que diretamente nos interessa aqui, síntese para Aloísio Magalhães, pois nela se realiza uma espécie de revelação – o encontro das artes com o social, não artificialmente, mas no sentido mais real possível. Brasília é a realização concreta de uma representação do Brasil, para o todo da população. E Aloísio percebe isso. (2006: 236) A partir da visita a Brasília, Aloísio Magalhães adota o design como profissão. Leite acredita que foi a aproximação de Magalhães com o design que lhe permitiu estabelecer um gradual relacionamento com as questões de cultura. Esse autor não vê sua passagem do escritório de design para o CNRC como uma ruptura; ao contrário, haveria entre as duas fases uma relação de conseqüência direta. Na década de 1970, o designer pernambucano tinha muitos projetos sendo desenvolvidos na capital-federal. Em uma de suas constantes visitas à cidade, ele teria encontrado com Severo Gomes, então Ministro da Indústria e Comércio. Discutindo assuntos ‘ainda caracterizados no âmbito do desenho industrial’, os dois elaboraram um projeto que veio a ser denominado de Centro Nacional de Referência Cultural. Assim, para Leite, Brasília teria sido o ponto de ‘convergência’ na trajetória de Aloísio Magalhães. E mais, Brasília seria o melhor exemplo de um projeto desenvolvido à brasileira – para Aloísio Magalhães, a capital-federal projetada pelos arquitetos Oscar 8
  • 9. Niemeyer e Lucio Costa sob encomenda do presidente da República Juscelino Kubitschek (JK) era a ‘síntese da compreensão brasileira’ (Magalhães, 1997: 166), construída com ‘grande sentido de invenção’ (1997: 167), enfim, o gesto que significou o “momento decisivo da ação cultural no país. Dentro da concepção de que nos trópicos convivem pólos opostos, podemos dizer que Brasília tenta unificar o cartesiano e o barroco, isto é, o espontâneo ou natural” (1997: 107). Desse modo, Brasília representaria para o Brasil o momento de introdução do método, da atitude projetiva que Magalhães adotara como profissão 15 anos antes de fundar o Centro Nacional de Referência Cultural (não por acaso, logo após visitar as obras da capital). Magalhães entendia a construção da cidade como o momento em que o país teria assumido sua necessidade de interiorização. Nesse sentido, Brasília seria a convergência do processo histórico do país. Por conseqüência, o único lugar possível para o desenvolvimento de um projeto como o do CNRC. Para ele, esse projeto deveria ser feito aqui (em Brasília), porque por tentar refletir sobre peculiaridades e realidades brasileiras autênticas, deveria ser feito em contato com essa realidade, mas num lugar onde se pudesse ter um pensamento neutro, onde se pudesse fazer convergir. Em Brasília, pode-se ter bastante isenção ou distância para uma visão de conjunto e, ao mesmo tempo, ter contato com a realidade, o que é ao meu ver uma complementação da própria idéia do plano político de Brasília e da interiorização nacional” (Magalhães, 1976b: 05). Sintetizando tais idéias, Vladimir Murtinho teria dito para Aloísio Magalhães que o CNRC deveria ser “um equivalente cultural do conceito de Brasília” (Magalhães, 1976a). A idéia de Brasília Com o início do Governo de Juscelino Kubitschek, em 1956, implanta-se, no Brasil, um modelo de desenvolvimento baseado na industrialização e associado ao capital internacional. Através do Plano de Metas – um programa destinado a promover mudanças importantes na estrutura econômica, investiu-se pesadamente no setor industrial, que, tendo recebido grandes quantidades de capital estrangeiro, rapidamente se tornou o setor mais dinâmico da economia nacional. Dentro de tal Plano, se ao capital estrangeiro 9
  • 10. cabia investir, ao governo caberia viabilizar a infra-estrutura para que as indústrias pudessem funcionar. A nova capital-federal foi caracterizada como a Meta-Síntese do Plano de Metas do presidente Kubitschek: Brasília tem um papel fundamental na proposta de JK, na medida em que sua construção era justificada como algo inadiavelmente necessário à integração nacional defendida em seu programa de governo. Foi durante o governo Kubitschek que a idéia de planejamento ganhou corpo no interior do Estado brasileiro. Por isso, a construção da nova capital do país teve prioridade máxima em seu programa, pois além de promover a integração física e econômica do interior do país com a faixa litorânea mais desenvolvida, Brasília seria a representação nacional de uma nova época que estaria surgindo no país (Jabur, 2007: 06). Nas palavras do arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, “esperava-se desenvolver o interior do país dando-lhe importância política” (Cavalcanti, 1998: 51). Em suma, a cidade serviu como principal elemento da ‘estratégia de marketing’ montada pelo presidente (1998: 57) – a meta-síntese de seu Plano de Metas. Se, do ponto de vista econômico, Brasília foi uma catástrofe, pois o governo teve que direcionar montantes elevados de seu orçamento para a rápida construção da capital, como elemento catalisador da proposta desenvolvimentista do presidente, ela teve bastante sucesso. Segundo Cavalcanti, a nova capital-federal teria conseguido entusiasmar a maioria dos brasileiros, principalmente suas camadas populares. Houve recrutamento de operários por todo o país, principalmente no Nordeste, que havia sofrido uma grande seca. O governo lança uma campanha associando a ida para o Oeste à epopéia do far-west norte-americano do século anterior. A nova capital era associada a uma oportunidade para os mais pobres e a um marco do futuro brasileiro mais rico e mais justo. A correlação de uma ‘griffe’ arquitetônico-urbanística ao projeto político provou-se eficaz: apoiar a construção de Brasília era considerado um gesto progressista – abraçado por fração significativa dos intelectuais e da classe estudantil – e os oponentes da empreitada ganhavam a pecha de conservadores (Cavalcanti, 1998: 58). Brasília era uma idéia que circulava há algum tempo no país. A partir da segunda metade do século XVIII, surge a discussão sobre a possível transferência da capital-federal do Rio de Janeiro para o interior, com a esperança de se garantir a soberania nacional e a consolidação do vasto território, delimitado, mas praticamente despovoado. 10
  • 11. Desde a metade do século XVIII a idéia de transferir a capital do Brasil para o interior desabitado foi o sonho de muitos visionários. Eles deixaram a Brasília o legado de uma mitologia do Novo Mundo em que a construção de uma capital no Planalto Central seria o meio de desencadear o florescimento de uma grande civilização num paraíso de abundância. Um desses visionários, o italiano João Bosco, tornou-se o padroeiro de Brasília devido a uma profecia desse gênero. Segundo os intérpretes de sua revelação, ele vislumbrou o lugar da cidade, 75 anos antes de sua construção, como sendo o da Terra Prometida. A interpretação oficial sustenta que a topografia dessa visão corresponde precisamente à do sítio de Brasília, construída entre o décimo quinto e o décimo sexto graus de latitude (Holston, 1993: 23-24). As primeiras medidas legais no sentido de efetuar a transferência da capital para o interior aconteceram em 1891. O artigo terceiro da primeira Constituição Republicana já destinava uma área de 14.4000 quilômetros quadrados no Planalto Central para implantação da capital-federal. Mas tal artigo não chegou a gerar atitudes reais, em relação à transferência. Periodicamente, formaram-se comissões encarregadas de precisar os limites da área prevista para a construção da cidade, mas nada além disso. Os presidentes Epitácio Pessoa e Café Filho elaboraram decretos para iniciar sua construção, em 1920 e 1955, mas, nessas ocasiões, tampouco houve alguma medida a nível prático, no sentido de efetivar a transferência. Foi somente em 1955 que a ‘idéia de Brasília’ encontrou um presidente disposto a realizá-la, de fato. Juscelino Kubitschek iniciou sua candidatura com o compomisso de construir a nova capital. Depois de sua eleição, atender a esse compromisso tornou-se o principal projeto de sua administração (1956-1961). Por várias razões, Kubitschek deu a Brasília prioridade máxima em seu programa. Em primeiro lugar, ele argumentava que a construção da capital daria origem tanto à integração nacional como ao desenvolvimento regional, levando o mercado nacional às regiões de economia de subsistência. Em segundo lugar, ele sustentava que Brasília iria produzir tanto um novo espaço nacional como uma nova época para o país, incorporando o interior à economia e sendo ao mesmo tempo o marco decisivo na trajetória temporal do país rumo à sua emergência como uma grande nação (1993: idem). Nas palavras do próprio Juscelino Kubitschek: O grande desafio da nossa História estava ali: seria forçar-se o deslocamento do eixo do desenvolvimento nacional. Ao invés do litoral – que já havia alcançado certo nível de progresso -, povoar-se o Planalto Central. O núcleo populacional, criado naquela longínqua região, espraiar-se-ia como uma mancha de óleo, fazendo com que todo o interior abrisse os olhos para o futuro grandioso do País. Assim, o brasileiro poderia tomar posse do seu imenso território. E a mudança da 11
  • 12. capital seria o veículo. O instrumento. O fator que iria desencadear novo ciclo bandeirante (Kubitschek, 2000: 07). Para realizar seu projeto, O presidente Kubitschek convidou o arquiteto Oscar Niemeyer, com quem ele já havia colaborado quando estava à frente do governo de Belo Horizonte (capital do estado de Minas Gerais), desenvolvendo um complexo arquitetônico para o bairro da Pampulha: Iate Clube, Cassino, Casa de Baile e Igreja. Em Pampulha, Kubitschek e Niemeyer sedimentaram uma forte ligação pessoal (Lopes, 1996: 28). Em Brasília, caberia a Niemeyer projetar a arquitetura. Para a escolha de um projeto que definisse o plano urbanístico da cidade, abriu-se um concurso nacional. Foi eleito o projeto apresentado pelo arquiteto Lucio Costa, com quem Niemeyer já havia contribuído no projeto do edifício do Ministério da Educação e da Saúde, no Rio de Janeiro (1937). Esse edifício tornou-se o marco da arquitetura modernista no Brasil. E, mais ainda, “nesta obra estiveram presentes os elementos políticos, teóricos e práticos básicos que, por fixação da experiência, permitiram, duas décadas depois, a construção de Brasília” (1996: 27). Tanto Costa quanto Niemeyer eram, em meados dos anos 1950, arquitetos reconhecidos como dois dos principais representantes, a nível mundial, do modernismo em arquitetura. Ambos já haviam contribuído com o governo: em conjunto, na construção da sede do MES, durante a gestão de Getúlio Vargas, e isoladamente na contribuição de Niemeyer em Pampulha. Além disso, Lucio Costa havia se tornado consultor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacinal, órgão federal criado no ano da construção do edifício do MES, e responsável pela preservação do patrimônio cultural nacional. Em busca de uma identidade nacional Na primeira metade do século 20, o governo e os intelectuais modernistas viviam, cada grupo a seu modo, um momento de busca por um programa de construção nacional. A partir da edificação da sede do Ministério da Educação e Saúde, os arquitetos (e 12
  • 13. outros intelectuais) modernistas estabeleceram vínculos com a máquina estatal, talvez por que tanto os modernistas quanto os dirigentes governamentais estivessem buscando construir uma identidade nacional (El-Dahah, 2004: 289). Como afirma Luíz Carlos Lopes, “a busca do moderno tem sido uma preocupação constante nas nossas manifestações políticas, artísticas e literárias. Desde a década de 1920, a bandeira modernista vem sendo empunhada pelos mais diferentes segmentos da nossa intelligentsia” (Lopes, 1996: 18). Nesse sentido, compreende-se o interesse do Estado brasileiro em se aliar a representantes do movimento modernista: a idéia de identidade nacional que esse movimento esboçava ‘servia’ ao projeto de criação de um ‘novo país’, tal como o entendiam tanto Vargas quanto Kubitschek - cada um à sua maneira. Segundo Ricardo Benzaquen de Araújo, é preciso observar que o engajamento de um número expressivo de intelectuais modernistas, como o próprio Lucio Costa, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Heitor Villa-Lobos, entre tantos outros, com um regime autoritário como o do Estado Novo, ainda causa um certo desconforto. Tal sensação, porém, talvez possa ser, se não moderada, ao menos qualificada, particularmente se atentarmos para o fato de que este engajamento, longe de se pautar apenas pelas demandas do puro interesse, importava também em um significativo conjunto de propostas para a reorganização e a modernização do país (Araújo, 2004: 67). Brasília parece ter sido o ápice do encontro entre o Estado brasileiro e a ideologia modernista. Pode-se compreender a construção da nova capital como um ‘momento-chave’ da afirmação do desejo de construção de uma nova realidade nacional: uma recriação do Brasil. Segundo a visão que projetou e viabilizou a construção da cidade, o Brasil deveria consolidar-se como um país urbano, industrial e capitalista (Lopes, 1996: 224). A opção pela nova arquitetura teve o propósito de apresentar a iniciativa como internamente e ao exterior como algo novo e revolucionário. Não se construiu apenas uma nova cidade. Criou-se um mercado interno, ligado por terra, num imenso país de tradição predominantemente agrária. Cristalizou-se uma opção de desenvolvimento (1996: idem). Nesse contexto da primeira metade do século 20, uma “inclinação utópica dos modernos articula-se com uma redefinição vanguardista do Estado” (Araújo, 2004: 67). Se uns buscavam deixar sua marca a partir da construção de um ‘Brasil novo’, os outros 13
  • 14. acreditavam que a arquitetura poderia, de fato, transformar a sociedade. Nas palavras de Calil Jabur, Brasília nasceu, portanto, alicerçada em uma utopia que se propunha gerar e estabelecer novos padrões de sociabilidade, assim como gerar hábitos que poderiam imprimir maior racionalidade, funcionalidade e igualdade no cotidiano dos seus cidadãos. A partir daí, esse plano para a nova cidade poderia criar uma nova ordem social segundo a sua imagem; um plano de mudança no contexto do desenvolvimento nacional onde a construção da nova capital seria um modelo de práticas sociais radicalmente diferentes para todo o país (Jabur, 2007: 11). Lucio Costa afirma que entre os arquitetos modernistas, “na época, prevalecia a crença de que a nova arquitetura e as transformações sociais faziam parte de um mesmo processo geral de renovação ética do mundo” (Costa, 2001: 105). Acreditava-se que a criação de uma nova cidade, construída a partir de inéditos padrões urbanísticos, poderia transformar o modo de ser da população que nela vivesse. E supunha-se que, por consequência, esse novo modo de se viver na cidade transformaria o próprio país, na medida em que deslocaria o eixo do desenvolvimento nacional. Assim, a cidade de Brasília, encravada em pleno cerrado, criaria não só uma nova paisagem no Planalto Central, mas, também, uma nova sociedade para o Brasil. O antropólogo James Holston define esse movimento como ‘o mito da redenção do país por meio de Brasília’. Em suas palavras, a nova capital “foi construída para ser mais do que o simples símbolo dessa nova era. Seu projeto e sua construção tinham a intenção de criar essa nova era, transformando a sociedade brasileira” (Holston, 1993: 12). No Brasil, a arquitetura modernista estabeleceu uma relação particular com a história – se ela buscava produzir o novo, ao mesmo tempo, assumiu para si a responsabilidade de preservar o passado. Segundo Lopes, “existem dois pressupostos básicos no movimento modernista brasileiro: a manutenção da fidelidade às nossas raízes culturais e a busca da universalização de nossa produção” (Lopes, 1996: 19). Nesse sentido é que Lucio Costa afirma que Brasília pretendia-se uma “ciudad moderna, dirigida hacia el futuro, pero con raíces tradicionales” (Costa, 1986: 239- 243). Ou como coloca Benzaquen de Araújo, “indústria moderna, justiça social, utopia modernista e intervenção governamental: já sabemos, contudo, que o que está em jogo não é apenas a expectativa de se redesenhar o futuro, mas também o esforço em se resgatar, em se fazer reviver o passado” (Araújo, 2004: 68). Lucio Costa define Brasília como 14
  • 15. uma síntese do Brasil com seus aspectos positivos e negativos, um testemunho de nossa força viva latente. Do ponto de vista do tesoureiro, do Ministro da Fazenda, a construção da cidade pode ter sido mesmo insensatez, mas do ponto de vista do estadista, foi um gesto de lúcida coragem e confiança no Brasil definitivo (Costa, 2001: 108). As idéias e a cidade Na “Memória Descritiva” de seu projeto para Brasília, o arquiteto Lucio Costa afirma que a cidade “nasceu do gesto de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz” (Costa, 2005: 119). Para James Holston, “mais do que o símbolo de uma nova época, os criadores de Brasília imaginavam que o projeto e a construção da nova capital fossem meios capazes de gerar uma transformação da sociedade brasileira” (Holston: 2004, 162). Se Brasília logrou efetuar tal transformação, é algo que não discutiremos aqui. O que nos interessa, por enquanto, é buscar uma compreensão das idéias que serviram de base para a transferência da capital-federal brasileira do litoral para o interior, na medida em que tais idéias serviram de força-motriz para a criação do Centro Nacional de Referência Cultural, quinze anos depois da inauguração da nova capital. Nesse sentido, se Brasília transformou ou não a sociedade brasileira, não é algo que tentaremos investigar no presente momento, mas, com certeza, através da discussão levantada nesta comunicação, é possível compreender de que modo Brasília influenciou alguns intelectuais, que, a partir de sua compreensão do que representava para o país a nova capital, decidiram-se por agir publicamente no âmbito das chamadas ‘políticas culturais’. Assim, o que podemos afirmar é que a nova capital-federal marcou, para alguns, um desejo de transformação nacional que reverberou em diversas áreas da vida no país. Os criadores do CNRC eram homens que compartilhavam da idéia de Brasília como redenção para o Brasil, e que, a partir de sua experiência na capital-federal, e em função de suas trajetórias profissionais pessoais, conceberam um projeto comum, que partia da idéia de Brasília para ampliá-la, deslocando suas premissas básicas para o campo da produção cultural. Então, entendendo Brasília como a entendiam Kubitschek, Costa e Niemeyer, Magalhães, Gomes e Murtinho vislumbraram a possibilidade de uma atuação no campo das políticas culturais, baseada na capital-federal. 15
  • 16. Assim como Brasília era (em sua proposta) a edificação de um Brasil novo, também o Centro pretendia ser o lócus de experimentação de novas possibilidades para o produto nacional. A idéia do CNRC não surge apenas do encontro entre três personagens, mas, especificamente, de seu encontro na cidade de Brasília, que não é somente o cenário onde se monta a proposta do órgão, senão a própria musa-inspiradora para a sua criação. Se Costa e Niemeyer viam na arquitetura a possibilidade de transformar o mundo, Magalhães enxergava no design uma nova chance de o Brasil encontrar seu caminho na direção de um desenvolvimento real. Entre os primeiros e o último, muda a lente – ora arquitetura, ora design – mas mantém-se uma visão otimista do que pode ser o país. Nesse sentido, entendo que Aloísio Magalhães (e o grupo do CNRC) estabelecem, de certa forma, uma relação de continudade com o projeto nacional veiculado pelos modernistas, na primeira metade do século 20. Não é à toa, que a fase em que Magalhães esteve à frente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é denominada de ‘fase moderna’, em contraposição à primeira fase do órgão - liderada por intelectuais modernistas, chamada de ‘heróica’. Se os modernistas foram os heróis, Magalhães requalificou, a seu modo, o legado de seus antecessores, principalmente em relação às figuras de Lucio Costa e Mário de Andrade. Concluindo, a partir da observação da relação que o Centro Nacional de Referência Cultural estabeleceu com a idéia de Brasília, podemos pensar como uma cidade pode engendrar visões de mundo, propostas e transformações, se não a nivel da sociedade como um todo, pelo menos, a nível pessoal, grupal e institucional. Bibliografia ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de, 2004, “Nas asas da razão: ética e estética na obra de Lucio Costa” in Nobre, Ana Luiza (org.), Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea, São Paulo, Cosac & Naify, 60-70. CAVALCANTI, Lauro, 1998, “Brasília: a construção de um exemplo”, In: Arcos, v. 1, n. único, Rio de Janeiro, Ed. UERJ, 51-62. COSTA, Lucio, 2005, Arquitetura, Rio de Janeiro, José Olympio. 16
  • 17. _______, 2001, “Apenas o cerrado, o céu imenso e uma idéia saída da minha cabeça”, in Costa, Maria Elisa (roteiro e seleção de textos), Com a palavra, Lucio Costa, Rio de Janeiro, Aeroplano. _______, 1986, Razones de la nueva arquitetura – 1934 – y outros ensayos, Lima, Embajada del Brasil. CNRC, Coordenação do Projeto, 29/07/1975, “O Centro Nacional de Referência Cultural – idéias básicas em sua instalação”, in Relatório Técnico n. 1, Brasília, CNRC. _____, Comissões Especializadas e Coordenação do Projeto, 28/05/1976, “Propostas resultantes do Encontro para debate dos Efeitos produzidos pelos Centros Industriais nas comunidades localizadas em suas áreas de influência (Maceió, 17 a 19 de maio de 1976)”, in Relatório Técnico n. 10, Brasília, CNRC. _____, 1979a, Bases para um trabalho de artesanato hoje, Brasília, CNRC. _____, Coordenação do Projeto, 1979b, O Grupo de Trabalho para o Projeto do Centro Nacional de Referência Cultura, Brasília, CNRC. EL-DAHDAH, Farès, 2004, “A arqueologia da modernidade de Lucio Costa”, in Nobre, Ana Luiza (org.), Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea, São Paulo, Cosac & Naify, 289-293. GOMES, Severo, 1982, “Desenvolvimento industrial e trópico”, in Motta, Roberto, Anais do Seminário de Tropicologia (1975), Recife, Fundaj/Massangana, 22-26. HOLSTON, James, 2004, “O espírito de Brasília: modernidade como experimento e risco”, in Nobre, Ana Luiza (org.), Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea, São Paulo, Cosac & Naify, 159-177. _______, 1993, Cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia, São Paulo, Companhia das Letras. JABUR, Pedro de Andrade Calil, 2007, “Brasília: o avesso da utopia?”, in site do projeto Itinerâncias Urbanas, Brasília, ICS/UnB. KUBITSCHEK, Juscelino, 2000, Por que construí Brasília? Brasília, Senado Federal, Conselho Editorial. LEITE, João de Souza, 2006, Aloísio Magalhães, aventura paradoxal no design brasileiro. Ou, o design como instrumento civilizador? Tese de Doutorado, PPCIS/UERJ, Rio de Janeiro. 17
  • 18. LOPES, Luís Carlos, 1996, Brasília: o enigma da esfinge, a construção e os bastidores do poder, Porto Alegre/São Leopoldo, Ed. Universidade/UFRGS/Ed. Unisinos. MAGALHÃES, Aloísio, 18/01/1976a, in “Aloísio Magalhães e Fausto Alvim – em busca dos elos perdidos”, Brasília, Jornal de Brasília, 02. _____________, 03/10/1976b, in “Pensando o Brasil”, Brasília, Correio Braziliense, Segundo Caderno, 05. _____________, 05/01/1977, in “O produto brasileiro começa a ter desenhada a sua fisionomia”, Rio de Janeiro, O Globo, 41. _____________, 07/09/1978, in “Importar tecnologia sem virar cidadão de segunda classe”, Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, Caderno B, 05. _____________, 1997 [1985], E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Fundação Roberto Marinho. 18