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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM
JORNALISMO

DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO

O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO:
A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS
DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO

NATAL-RN
2012
DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO

O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO:
A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS
DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO

Monografia apresentada à Universidade Potiguar –
UnP como parte dos requisitos para obtenção do
Grau de Bacharel em Comunicação Social com
Habilitação em Jornalismo.
ORIENTADOR: Profº. Me. Gustavo Bittencourt

NATAL-RN
2012
DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO

O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRONEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO
FILHO

Monografia apresentada como exigência parcial
para a obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social com Habilitação em
Jornalismo,
à
comissão
julgadora
da
Universidade Potiguar.

Aprovado em ______/_____/______

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________
Profº. Me. Gustavo Henrique Ferreira Bittencourt
Orientador
Universidade Potiguar -UnP

_______________________________________________________
Profº. Me. Leonardo Bruno Reis Gamberoni
Universidade Potiguar - UnP

________________________________________________________
Profª. Me. Valéria Pareja Credidio Freire Alves
Universidade Potiguar - UnP
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado a minha mãe, Gercina, que não se cansa de acreditar na
felicidade. Fé em Deus e pensamento positivo que ELE proverá! Como a senhora mesma diz;
À memória de meu pai, Daniel. Como queria ter te ajudado a alcançar a cura do
alcoolismo;
À minha esposa, Valéria, companheira de todos os momentos;
Aos meus filhos, Thiago e Yasmim, o amor na forma mais pura. Vocês são o que
existe de mais significativo em minha vida, meu tesouro verdadeiro. Pelo Flamengo sempre!
Às minhas irmãs, Manuela e Daniela, juntos, somos mais fortes!
AGRADECIMENTOS
Ao futebol, meu primeiro e permanente amigo. O teu encanto ninguém apaga. Ao
Clube de Regatas do Flamengo, minha primeira paixão e amor para a vida inteira. Essas
instituições têm vida imaterial pulsante, alimento para a alma. Ao meu maior ídolo, Arthur
Antunes Coimbra, sempre Zico, o cara que serve como modelo profissional e pessoal.
Obrigado por toda alegria que vocês me proporcionaram.
Aos outros inspiradores deste trabalho: Mário Filho, José Lins do Rego e Nelson
Rodrigues. O que vocês produziram com qualidade magistral, nada, nem ninguém, conseguirá
apagar. Pelo pensamento, encaminho a minha gratidão a vocês.
Aos professores que fizeram parte diretamente da produção deste trabalho, sugerindo,
apontando, opinando, discutindo e trazendo contribuição. Muito obrigado, Manoel Pereira,
professor da fase inicial do projeto e, Gustavo Bittencourt, orientador e grande incentivador.
E... aos espíritos de luz, sempre por perto para acudir. Amor e proteção que não cessa!
O Flamengo não para porque o Flamengo é uma força em marcha. Seu destino é a eternidade.
Gilberto Cardoso
RESUMO

O trabalho acadêmico tem a proposição de analisar o torcedor de futebol e suas emoções.
Como delimitação, tem-se o torcedor do clube de maior torcida do Brasil, o Flamengo. Da
consulta profícua a livros, filmes, documentários, programas televisivos, radiofônicos e sítios
eletrônicos, veio o aparato para essa produção acadêmica que se dispõe a revisitar a história
do clube centenário, o papel de seu torcedor, e a pesquisar o que estes três cronistas, José Lins
do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho, produziram expressivamente abordando o
Flamengo e o seu torcedor.
Sob a particularidade da hermenêutica que se configura como a interpretação de obras
textuais, e tendo o referencial teórico basal do trabalho sustentado em Ruy Castro e Mário
Filho com os seus respectivos, “O Vermelho e o Negro” e “Histórias do Flamengo”, o
trabalho se desenvolveu.
A obra está dividida em quatro capítulos. No primeiro, o futebol, seu surgimento, chegada ao
Brasil e a sua representação social, se estendendo ao papel de sua legião de seguidores, o
torcedor. Em um segundo momento, o Flamengo, a sua história e a atuação de sua torcida.
Em seguida, lançamos olhar sobre o gênero jornalístico-literário, “Crônica”, e à sua
especificação, “esportiva brasileira”. Por último, o torcer pelo Flamengo explicitado nas
crônicas esportivas de José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho.

Palavras-chave: Futebol; Torcedor do Flamengo; Crônica esportiva brasileira; Nelson
Rodrigues; José Lins do Rego e Mário Filho.
ABSTRACT
The academic paper has as proposition to analyze football fans and their feelings. As baseline,
we have the supporters of the largest football fan club in Brazil, Flamengo. From fruitful
books, films, documentaries, television and radio programs and site consultation came the
apparatus for this academic paper which proposes revising the history of the century-old club,
the role of its supporters, and researching what these chroniclers, José Lins do Rego, Nelson
Rodrigues e Mario Filho, expressively produced regarding Flamengo and its fans.
Under the particularity of hermeneutics, which constitutes the interpretation of textual works,
and taking the theoretical baseline of the sustained work in Ruy Castro and Mario Filho with
their respective, "The Red and the Black" and "Stories of Flamengo", the paper was
developed.
This paper is divided into four chapters. In the first, football, how it started, its arrival in
Brazil and its social representation, extending it to the role of its legion of followers, the fans.
Following, Flamengo, its history, and its supporters’ participation. Soon after, we look at the
journalistic-literary genre, Chronicle, and also at its “Brazilian- sportive” specification. And
finally, rooting for Flamengo, explained in the sports chronicles of José Lins do Rego, Nelson
and Mario Rodrigues Filho.

Keywords: Football, Flamengo Fans; Brazilian-sportive Chronicle; Nelson Rodrigues,
José Lins do Rego and Mário Filho.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .........................................................................................................................9
1.1 CHEGADA NO BRASIL...................................................................................................16
1.2 O TORCEDOR...................................................................................................................24
2.1 A RIVALIDADE NOS CLÁSSICOS.................................................................................54
2.2 ÍDOLOS..............................................................................................................................60
2.3 TÍTULOS............................................................................................................................62
3.1 CRÔNICA ESPORTIVA BRASILEIRA...........................................................................73
4 O TORCER PELO FLAMENGO NA VISÃO DOS CRONISTAS ESPORTIVOS............79
4.1 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR JOSÉ LINS DO REGO..........................................83
4.2 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR NELSON RODRIGUES........................................90
4.3 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR MÁRIO FILHO...................................................101
REFERÊNCIAS......................................................................................................................116
CRISE EM LARANJÓPOLIS, TRICOLETAS ENTREGAM TUDO DE BANDEJA
PARA SEREM ZOADAS PELO FUDEROSÃO: Disponível em:....................................118
DATAFOLHA. Times de preferência. Disponível em:
<http://datafolha.folha.uol.com.br/folha/datafolha/tabs/futebol_04012010_tb1.pdf> Acessado
em 06 de Maio de 2012...........................................................................................................118
9

INTRODUÇÃO
Analisar, descobrir, entender os motivos que levaram o Clube de Regatas do Flamengo
a ser propagado como o clube mais amado, de maior torcida do Brasil – e, na contramão, um
dos mais odiados - é desafiador e necessário para se fugir do senso comum. Como aceitar as
pesquisas que trazem números impressionantes sobre esse torcedor? Institutos de pesquisa
detentores de grau de confiabilidade como o Datafolha, Ibope, CNT Sensus, Pluri Consultoria
entre outros, atestam: a torcida do Flamengo é a maior do Brasil. Algumas pesquisas indicam,
inclusive, ser a maior do mundo. Checar esta afirmação e encontrar o embasamento que
desencadeou esse crescimento é um ato de compromisso com a veracidade dos fatos.
Fazendo a “leitura” dessas pesquisas chega-se a uma depreensão de que se trata de um
verdadeiro fenômeno. E nos leva a uma certeza. O Flamengo é um cube nacional. O título de
“mais querido do Brasil” causa natural curiosidade e daí leva à indagação e a uma inquietude
que me arrasta para o campo da pesquisa. Como esse clube conseguiu chegar a um patamar de
extraordinária altivez? Como a sua torcida se forjou e cresceu em todo o território nacional?
Sempre questionei as unanimidades, aquelas construções históricas que são moldadas para
serem inquebrantáveis. Acredito que em tudo, em qualquer fato, sempre existe outro viés.
Talvez essa característica tenha me levado ao Jornalismo. Talvez não, tenho certeza.
Antes de estudar para entender tal condição fui sentir a pulsação e energia desse
torcedor. A primeira vez no Maracanã junto daquela massa foi uma experiência extasiante,
indescritível, de me deixar embasbacado, arrepiado, com alegria e fascínio que não se
comparam a nada neste mundo. O barulho, o colorido, a festa e a sensação de estar diante de
uma imensa família, aquela coisa de no momento do gol, quando o abraçar de um estranho, de
vários desconhecidos, se estabelece te deixando “perdido”, pela emoção, e, “resgatado”, no
propósito da união, de uma união única por ser desinteressada, espontânea, isso tudo
magnetiza.
Esses elementos ficaram estampados na alma, na memória. O “sentir” àquela torcida,
o estar junto a ela, me trazia o que precisava para alcançar satisfação e abria a minha
percepção para toda simbologia do grupo, do coletivo, da massa e multidão, agregando valor
ao meu posicionamento diante da sociedade. Naquele “meio” eu era mais gente, mais
humano, ser social, preenchido, por assim dizer, e aprendia lições que levaria para sempre.
Nesta fase ainda, de adolescência, a leitura, o exercício dela habitualmente, me atingiu
e a luz do conhecimento irrestrito adentrou meus poros e passou a clarear o meu ser. Pela
10

leitura, o mundo era meu! Quando me deparava com histórias envolvendo o futebol e, mais
especificamente, o Flamengo, a sua superação, raça, garra, a alegria rubro-negra, o manto
sagrado, sua torcida, essas conotações, eram pontos associativos sempre abordados. Diante
desses textos que inflamavam ainda mais o desejo de descobrir os motivos que fortaleceram
ao longo do tempo a exaltação a este clube eu me via como um menino na “fantasia”
descritiva do real. Era difícil controlar a minha curiosidade, o senso precoce de
questionamento, e a obstinação em apurar, em atingir as raias do entendimento das razões
para este clube se fazer tão especial.
E dentro desse seio da literatura houve um momento mágico, de descoberta. O que
senti quando li uma coletânea de crônicas esportivas de Nelson Rodrigues e o que ele falava
sobre o Flamengo foi algo como um torpor que tomava conta da alma e revelava um universo
futebolístico cheio de poesia e dramaticidade. Aproximava-se do que sentira no Maracanã no
meio daquela massa enlouquecida e “embriagada” de paixão. Era a tradução exata. Como era
possível aquilo? Até aquele momento só havia conhecido a obra do Nelson Rodrigues,
dramaturgo. Ícone neste segmento. Não menos brilhante na crônica esportiva, através dela, ele
me arrebatara pra valer.
Nelson exclamava ser o Flamengo um fenômeno, uma força da natureza que venta,
chove, troveja, relampeja. Que cada brasileiro vivo ou morto já havia sido Flamengo por um
instante. Que o seu torcedor era capaz de morrer com o nome Flamengo gravado no coração a
ponta de canivete. Para ele, a alegria rubro-negra não se parecia com nenhuma outra. E dizia
ainda que se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo à Canudos para contar
a história do povo brasileiro. Era muito forte e intrigante. Como um tricolor assumido podia
dizer aquelas coisas sobre o rival rubro-negro? O desejo de me aprofundar no quesito
Flamengo para compreendê-lo em sua essência, continuava pedindo passagem. Outros
compromissos, no entanto, postergavam essa pesquisa.
O tempo passou. Na faculdade, ao iniciar o direcionamento para a escolha do tema
deste projeto de conclusão, não existia mais dúvida. Havia chegado o momento da pesquisa.
Sobre a história do Clube de Regatas do Flamengo, de sua torcida, iria me debruçar. Em um
primeiro momento seria só o torcedor do rubro-negro carioca. Precisava, porém, criar uma
relação com o jornalismo. Nelson Rodrigues. Surgiu esse nome, esse elo. Para quem possa
não saber, Nelson antes de grande dramaturgo foi durante toda sua vida jornalista e cronista
esportivo, de mãos cheias. A crônica esportiva, portanto, me daria suporte. Durante as leituras
específicas para o trabalho, eis que para a minha surpresa, dois outros nomes me saltam aos
olhos, à mente e ao coração. José Lins do Rego – que eu conhecia por “Riacho Doce” e “Fogo
11

Morto” -, e Mário Filho – que somente o identificava como o jornalista que dá nome ao
estádio do Maracanã. Os dois, também cronistas esportivos e com uma escrita ímpar, que me
fazia “babar”, teriam que ter o merecido espaço. Um, era torcedor ardente do Flamengo. O
outro, referendado pesquisador, historiador, defensor do futebol, idealizador e criador de
grandes eventos relacionados ao esporte e, de certa forma, ligado também, ao rubro-negro.
Este trabalho então, no seu ponto central, a torcida do Flamengo, pode-se dizer é
acalentado há anos. Para desenvolvê-lo era necessário expô-lo ao crivo científico. Tive o
cuidado de não me deixar levar pela emoção e pelo autossugestionamento. Desprendi-me de
qualquer sentimento unilateral que corrompesse os sentidos. Confrontei a produção de vários
autores e trabalhei de forma racional, analítica científica – em face de reunir tudo a respeito e
criar a minha linha de raciocínio - visando obter resultado satisfatório. Sem ser “xiita”,
radical, no sentido de me manter rigorosamente o tempo todo na razão, me permiti,
entendendo não ser maléfico para o trabalho, em alguns momentos, fluir no sentimento mais
solto, natural, sem, no entanto, fugir da realidade dos fatos.
Aqui estão contidas as nuances, as sutilezas históricas, os acontecimentos fortuitos, as
interpretações e reinterpretações que ajudarão o leitor a encontrar fundamentos para saber o
porquê desse clube, chamado Flamengo, ter uma torcida gigantesca, ímpar e de ser para este
seu torcedor, além, do “mais querido do Brasil”, um clube de simbolismo que vai sempre
mais além. Mais que uma paixão. É religião. No sentido mais abrangente da palavra, de
religar o maior número possível de pessoas à sua causa.
O que foi reunido, apresentado neste trabalho, interessa não somente ao torcedor do
Clube de Regatas do Flamengo. É de interesse para quem gosta de futebol e, mesmo com sua
inclinação para este ou aquele time, pensa sobre o tema e enxerga a história do outro,
independente do julgamento que faça. Justifica-se, inclusive, o seu conteúdo aceitável, a uma
minoria que não gosta de futebol, isto porque, vai muito além desse aspecto único. Trata de
Sociedade, Cultura, História, Comunicação. Trata de gente. Retrata uma instituição que há
118 anos mexe com a emoção do torcedor. Seja amando, ou, odiando, o Flamengo é assunto
comum por todos os cantos.
Amor, paixão, fracasso, superação, alegria, ousadia, coragem. Sentimentos inerentes
ao ser humano. Sorriso e lágrima. Pluralidade. Tudo isso está presente nesse tema. Sobre
esses pilares, a história do Clube de Regatas do Flamengo foi erguida. Inserido na
Comunicação Social e sendo frequentemente pautado no Jornalismo, o Flamengo,
impressiona e qualquer investigação que trate de revelar os motivos para essa massificação do
tema Flamengo se faz pertinente.
12

1 FUTEBOL, ESPORTE DE MASSA
O futebol, palavra que em sua origem vem a significar alguma coisa do tipo, “chutar
bola”, ocupa consistentemente porção considerável do planeta, seja, pela prática do esporte,
ou, pela abordagem do assunto e tem lugar de destaque no item predileção das pessoas. Ele se
caracteriza como a maior paixão esportiva do planeta. O mecanismo que o rege é intrincado.
Um esporte que desperta nas pessoas paixão em doses cavalares necessita de análises
profundas para se chegar aos motivos de sua atração. Ele desemboca em um campo minado
da complexidade humana. O futebol é retrato, imagem da sociedade. O jogar do campo e da
vida são bem semelhantes, acrescenta (JÚNIOR, 2007).
Em países onde o futebol é o esporte mais popular – e são muitos – ele vem a ser mais
que uma atividade esportiva. É representação da vida, de certa maneira. Perceber essa paixão,
reconhecer sua autenticidade, sua profusão é pertinente e na proveitosa tarefa de desconstruir
a formatação do esporte visando esmiuçar suas nuances, embarca-se. Sem pré-julgamentos
que podem escorregar nas certezas, apreciativas ou depreciativas, e somente com a pretensa
missão de se obter o conhecimento, projeta-se o olhar para examinar suas origens e desvendar
seus enredos.
Posicionando-se como observador dos signos que gravitam na atmosfera do futebol e
que o fazem permear o mundo e as relações humanas, chega-se a conclusão de ser o esporte
elemento fortemente representativo na sociedade brasileira. Jogando luz sobre os fatos, é certo
encontrar apontamentos de significação para essa prática esportiva que consiste em conduzir
uma bola com os pés, driblando o oponente e tendo como objetivo central, o assinalar do gol.
Entrando de cabeça na simbologia do futebol, chegamos a interpretações esclarecedoras
acerca de seu papel social.
O futebol tem um dom próprio. Ele faz as minorias, que estão fora da massa,
sentirem-se parte da multidão. Também afasta qualquer indivíduo da solidão do
sentir-se minoritário, dando-lhe uma identidade. A massa ganha uma personalidade
própria, afastando o sentimento de ser apenas mais um. (PEREIRA, 2010, p. 13).

Ele funciona como um micro cosmo na estrutura macro social e é detentor de
capacidade ímpar de agregar, espalhando enlevo, feitiço, deleite. O futebol explica a
sociedade. É uma instituição nacional. Banhado na metáfora, a associação com a vida se faz.
A vida não traz paralelos com uma partida de futebol? Certamente. No campo de nossas
existências, com as faltas, sofridas e cometidas; as marcações cerradas que impomos; os
deslocamentos para fugir do indesejado; as alegrias; tristezas; vitórias e derrotas, glórias e
13

ostracismo, diante desses adventos, nos deparamos com situações que nos impelem a tomar
decisões bem projetadas, suprimindo riscos, e conduzindo ao sucesso. O futebol pode ser
visto como uma analogia da vida e muito do que ocorre nele traz traços desta vida que fomos
escalados a jogar.
A experiência futebol parece ser, de fato, uma experiência divertida, o registro da
ilusão, aquilo que Benjamin um dia chamou de ‘aura’. O futebol é a prova viva da
necessidade de demonstrar afeto e de transformar a realidade num instante. A
efemeridade do futebol impressiona ainda mais no momento do gol, em que nada
parece fora de lugar. Mas os pilares que sustentam a concepção de espetáculo do
futebol vão além das conquistas históricas [...]. (LOYOLA apud FREIRE, 2007, p.
98).

E quando surgiu? Como surgiu? Que desejo o inspirou? Quando se busca referências
sobre a origem do futebol, histórias diversas saltitam aos nossos olhos e ouvidos. Nenhuma
delas com base de registro oficial que ateste a veracidade. Como afirmam muitos estudiosos
do assunto, é impossível determinar um momento exato em que o futebol deu o ar de sua
graça na história da humanidade.
Uma dessas narrativas nos conta que na China, durante o período de 2000 a.C.,
guerreiros tiveram a ideia macabra de, após derrotarem o inimigo, decepar-lhe o crânio e
passar a chutá-lo visando ultrapassar a demarcação de dois paus fincados no chão. Com o
tempo se aprimorou essa diversão que passou a ser um exercício militar disciplinador e
bastante competitivo, chamado Tsu Chu, que significava morfologicamente “chutar a bola”.
Ocorrera uma mudança. E para melhor. Não mais se utilizava a cabeça do inimigo –
substituída por bola de couro com enchimento de crina.
A primeira forma documentada de futebol que se tem notícia vem da China, com o
Tsu Chu, que em chinês significa ‘lançar com o pé’ (tsu) uma bola recheada de
couro (Chu). O esporte, criado para fins de treinamento militar, foi desenvolvido por
Yang Tsé, integrante da guarda do imperador da dinastia Xia, em 2197 a.C.
(UNZELTE, 2009, p. 10).

Importado pelos japoneses, no século II a.C., o Tsu Chu mudou de nome, sendo
chamado de “Kemari”, palavra japonesa para definir, da mesma forma que no chinês, a
prática de “chutar a bola”. No Japão ele deixa de ter um caráter de competitividade e passa a
ser um cerimonial. Na América Central, no século 900 a.C., sob o nome de Tlachitli –
espetáculo – um suposto antepassado do futebol também é identificado. Ocorria em um pátio
que separava dois templos e consistia em não deixar a bola tocar o chão. Ela, a bola, tinha de
ser introduzida em aros.
14

[...] os japoneses pretendiam provar que, muito antes de ser regulamentado pelos
ingleses, o futebol já era conhecido no oriente, pelo nome de Kemari (Ke = chutar;
Mari = bola). [...]. Patrocinado e difundido pelos imperadores Engi e Tenrei, esse
tipo de futebol não contava pontos e nele se proibia qualquer contato corporal entre
os participantes. (UNZELTE, 2009, p. 12).

Na cultura europeia, três atividades vêm a ser mencionadas como centelha inicial do
futebol. Na Grécia, o Epyskiros, século IV a.C. Jogado em campo retangular, com bola que
tinha no seu interior areia, e com o objetivo de fazer a bola ultrapassar certa demarcação. “Por
volta de 850 a.C., Homero havia escrito um livro sobre esse tipo de esporte [...]. O parente
mais próximo do futebol era o epyskiros, disputado com os pés, em campo retangular, por
duas equipes de nove jogadores”. (UNZELTE, 2009, p. 12).
A partir da influência do Epyskiros, surge em Roma, século III a.C., o Haspastum.
“Influenciados pelos gregos, os romanos também bateram a sua bolinha. O Haspastum – o
jogo da pequena bola”. (CARMONA e POLI, 2006, p. 22). Sua configuração era a de
aprimorar o aspecto atlético dos soldados e desenvolver uma estruturação tática. A partir do
século I a.C., se desvencilha da exclusiva esfera militar e se populariza. Possivelmente o
Haspastum foi introduzido pelas tropas romanas nas ilhas britânicas. Os diferentes jogos com
bola praticados na Inglaterra, inclusive o futebol moderno, teriam derivado dele, defendem
teóricos.
Uma tese dá conta de que em Florença – da fase Renascentista – atribuía-se ao
Haspastum a origem de um jogo com bola, praticado desde o século XIV, chamado, Cálcio.
Termo consagrado e até hoje proferido pelos italianos para denominar o futebol. O Cálcio
possuía características de ser um jogo urbano praticado no principal espaço público da cidade
(Piazza Santa Croce); tinha número fixo de jogadores; utilização de uniforme; aplicação de
regras; figura do árbitro e posicionamento dos jogadores em certas áreas do campo. Praticado
por indivíduos de todas as classes sociais, na segunda metade do século XVI muda de cara.
Passa a segregar as camadas mais pobres e torna-se exclusividade da nobreza. Em
apontamentos históricos percebe-se o quão apreciado era o esporte. Mesmo com a barreira
aristocrática, muita gente punha-se a acompanhar o evento. Existem relatos que estimava em
40 mil, o número de espectadores que acompanhavam cada partida, explicita (CARRILHO,
2010).
Outro apontamento discorre sobre uma manifestação esportiva ocorrida na França,
século XII, o Soule – do latim Solea (calçado). O Soule viria a ser uma prática com bola,
certamente jogada com os pés – associação com “calçado” - e que tinha muitas variações
dependendo da região. “As conquistas romanas semearam filhos do Haspastum pelo mundo.
15

Na região da atual França, os habitantes célticos pré-romanos tinham um jogo de bola
conhecido como Seault. Do cruzamento das duas tradições surgiu o soule”. (CARMONA e
POLI, 2006, p.23).
Para maioria dos estudiosos, o futebol moderno teve sua origem na Inglaterra.
Caminhando de mãos dadas com a afirmação do poderio e da autoridade britânica pelo
mundo, o futebol desempenhou papel de destaque na proliferação desta condição inglesa. A
propagação pelo mundo do esporte, o futebol, dentre outros de origem britânica, se deu
sustentada por essa ascendência cultural inglesa e na associação à cultura ocidental cristã.
O futebol então ligado à Inglaterra faz enxergar nisso uma roupagem que mostra a
Revolução Industrial empreendendo no esporte, alguns conceitos marcantes de seu
surgimento e influência pelo mundo. Aspectos de um, foram desencadeados no outro.
Competição, produtividade, igualdade de chances, supremacia do mais hábil, especialização
de funções, quantificação de resultados, fixação de regras. Essas pontuações se aplicam a
ambos. Pode-se detectar pelo estabelecimento das regras que a Inglaterra que experimentava
um intenso desenvolvimento das instituições, visava à organização da sociedade. Através do
fortalecimento das instituições formais e da deflagração de regulamentações se ordenaria bem
o jogo social. Instituições servem para reger a própria sociedade. O progresso do capitalismo
exigiu um avanço no desempenho das instituições.
Para (CARRILHO, 2010), instrumento de demarcação do predomínio britânico pelo
mundo, o futebol foi envolvido pelo propósito colonizador de servir, através do chamado
cristianismo britânico, entre 1820 e 1900. Como eficaz concepção pedagógica de
desenvolvimento da estrutura moral da elite britânica, ao se inserir em outros países, o futebol
e a sua aplicação, era de suma importância para proporcionar força ao corpo, consistência ao
espírito, rapidez ao raciocínio, disciplina, boas maneiras e desenvolvimento.
Incorporando a fundamentação da teoria de Charles Darwin chamada “origem das
espécies” e incutindo, primeiro na Inglaterra e depois rompendo fronteiras, a ideia de que,
biologicamente, temos uma base comprovada da sobrevivência dos mais fortes, o esporte foi
elegendo os seus. A teoria darwinista foi se difundindo nas escolas privadas e nas
universidades de Oxford e Cambridge, juntamente com o jogo praticado com bola, desde o
século XIV, chamado Football.
Mesmo ao passo das interdições oficiais que vieram a ocorrer, em nenhum momento o
esporte desapareceu das cidades britânicas. Tamanho foi o interesse pelo football na Inglaterra
que, entre 1830 e 1870, cerca de sessenta times já haviam sido registrados. Houve então a
16

necessidade de padronizar, de codificar as regras do esporte, tendo em vista que elas variavam
conforme a localidade. Em 1863 foi criada para este propósito, a Football Association.
Identificado então como produto made in England, os ingleses enxergavam no futebol
condições apropriadas para fortalecer ainda mais a sua imagem por outras terras. Dessa
mentalidade, um processo de exportação veio a ocorrer. Países de todos os continentes foram
apresentados ao futebol. Ridicularizado no início e não visto com bons olhos – isto fora da
Inglaterra, deixar claro - ele solidifica-se como espetáculo atraindo públicos cada vez maiores.
O futebol não é um pendor de desligamento das responsabilidades, das obrigações
sociais - como alguns afirmam. Tem muito mais elementos construtivos do que destrutivos,
benéficos, que maléficos, no seu universo e trabalha na intensidade das emoções. Tanto na
questão da razão como na da emoção, encontra-se motivações sólidas e conteúdo consistente
para aprofundamento de estudo.
Uma das maiores distrações da humanidade, pelo menos entre os homens, o futebol
é menos perigoso que o álcool, menos ilusório que a religião e proporciona um
senso de comunidade mais estrito que qualquer partido político. As ilusões da
lealdade podem se perder ou o êxtase da vitória pode se provar efêmero, mas, ao
início de cada novo campeonato, a esperança eterna que ocupa o coração dos fãs do
futebol pulsa novamente. Os políticos abusam dessa fé simples, os homens ricos
corrompem-na e os cínicos zombam dela, mas o futebol sobreviveu a tudo isso,
tornando-se a maior e mais sólida instituição esportiva do mundo. (MURRAY,
2000, pag. 18).

Impressionante é observar quão natural e próprio da raça humana é a predisposição,
o impulsionamento que se tem, desde a marca inicial da vida, dos primeiros meses de
existência, para, sem ninguém ensinar, soltar o pé em uma bola. Ao primeiro sinal de que
começa a andar, a criança já esboça o ato de chutar aquele objeto redondo. Essa inclinação
existe em todo o ser que estreia em sua vivência neste planeta. No Brasil, o futebol é uma
febre que faz bem. Há mais de cem anos se instalou por aqui e desde então sua representação
e significação social veio se acentuando cada vez mais.

1.1 CHEGADA NO BRASIL
Conjeturas variadas de manifestação inicial do futebol no Brasil são encontradas. Uma
linha de observação relata que já no século XVII, os portugueses, que aqui estavam com o
propósito de colonizar essas terras praticavam um esporte que era jogado com uma bola de
pano e que possuía semelhança com o futebol. Outra versão levantada é a de que marinheiros
17

europeus, mais precisamente ingleses e franceses, teriam jogado as primeiras “peladas” na
América do sul, em 1864, em terras brasileiras.
Bailam ainda versões de que marinheiros ingleses teriam desembarcado no Rio de
Janeiro e realizado uma “pelada”, rachão, em frente à residência da princesa Isabel, no bairro
carioca das Laranjeiras. E que em Itu, no interior paulista, padres haviam ensinado o futebol
aos seus alunos entre 1872 e 1873. Duas outras explanações argumentam que Mr. Hugh,
responsável pela estrada de ferro São Paulo Railway, teria apresentado o futebol a seus
funcionários e estimulado sua prática. E que em colégios confessionais e laicos de São Paulo,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, a prática futebolística já se aplicava desde a década de
1880.
O futebol definido por (BYINGTON, 1982, p.21) como “uma prática social que, como
tal, expressa a sociedade brasileira, com todas as suas aspirações mais antigas, seus desejos
mais profundos e suas contradições mais camufladas”, tem a versão oficializada de chegada
ao Brasil por intermédio da figura de um paulistano, filho de engenheiro escocês e de uma
brasileira – filha de ingleses. Seu nome, Charles Miller.
Ele que fora mandado pelos pais, aos nove anos de idade, para a Inglaterra a fim de
completar os estudos, ao retornar, em 1894, traz em sua bagagem uma série de itens
associados ao futebol: uniformes, pares de chuteiras, bolas, uma bomba de ar, um livro de
regras, além, da obstinação em desenvolver o esporte por aqui. Charles havia jogado futebol
na Inglaterra e mostrava talento como jogador. Logo que chegou teve dificuldades para
convencer os seus pares – obviamente àqueles que não tinham ido à Inglaterra - a praticar o
esporte bretão. Na sua insistência, conseguiu arrastar alguns colegas para um campo de
várzea.
Sendo sócio do São Paulo Athletic Club – o primeiro clube esportivo da capital
paulista – Charles Miller tentou fazer com que os ingleses do clube jogassem uma partida de
football. Praticantes do críquete, os sócios descartaram de imediato. Só no ano seguinte, 1895,
o São Paulo Athletic adotou o futebol em seu quadro, tendo Miller como principal destaque.
O primeiro jogo de futebol que se aproximou das regras oficiais, por assim dizer, ocorreu em
São Paulo, em Abril de 1895. Charles Miller foi o responsável em pôr em campo funcionários
da Companhia de Gás (The Team of Gaz Company) e da São Paulo Railway – empresa da
qual o seu pai era funcionário, cita (GUTERMAN, 2010).
É com ares de esporte estritamente elitista que o futebol se instaura na Paulicéia. Tem
aceitação forte entre os abastados, mas, logo é visto e descoberto pelo pessoal do baixo
escalão social. Queriam ter o direito de praticá-lo também. Em 1898 é fundada a Associação
18

Atlética Mackenzie College, que em tese vem a ser o primeiro time de futebol composto
unicamente por brasileiros.
Charles Miller e sua importância para o futebol é notória. Todavia, outro nome que
não se pode esquecer é o de, Hans Nobiling. Um alemão que muito contribuiu para a
organização e disseminação do futebol por terras paulistas. Estabeleceu-se em São Paulo em
1897 e determinado a difundir a prática do futebol fundou o seu próprio time, o Hans
Nobiling Team. Fomentou disputas envolvendo os times de até então, o seu, juntamente com
o Mackenzie e o São Paulo Athletic. Fundou outro clube, que tinha o nome de Sport Clube
Internacional e, em seguida, mais um, o Sport Clube Germânia.
[...] Charles Miller não foi apenas o principal responsável pelo aparecimento do
futebol em nosso país. Mais que isso, ele tinha o perfeito domínio das regras do
futebol naquela época, apitava jogos, além de ser jogador de extrema habilidade
técnica (...). Ao chegar ao Brasil, Charles teve mais um motivo para continuar
empolgado e divulgando o futebol: ele encontraria aqui o alemão Hans Nobiling,
chegado em 1897, vindo de Hamburgo, onde jogava pelo clube Germânia. Juntos,
passaram a organizar competições no campo de Rúgbi do São Paulo Athletic e no
velódromo, Seguia-se, a partir desse momento, uma série de jogos que reunia os
altos funcionários das empresas inglesas e a elite econômica interessada nesse
esporte. (CALDAS, 1990, p. 23).

No Rio de Janeiro, é oficialmente Oscar Cox – filho de inglês - quem dá o pontapé
inicial na introdução do futebol na cidade. Assim como Nobiling, em São Paulo, Cox foi o
homem que teve papel relevante na disseminação do futebol por terras cariocas. Oscar ao
retornar da suíça, em 1897, após completar os estudos, extasiado pela febre do futebol na
Europa, desembarca com uma ideia fixa. Implantar o inglês “football” entre os cariocas e
fazer dele o esporte mais admirado da cidade. O estudante tinha 17 anos. Na capital federal
nenhum traço do esporte existia e Cox enfrentou enormes dificuldades. Os campos que
haviam eram destinados ao Críquete (esporte parecido com o beisebol). Para Oscar Cox
aquele espaço era muito diferente do que havia visto na Europa.
E as pessoas sequer vislumbravam o que poderia ser o futebol. ‘Football’? Que
vinha a ser aquilo? [...] havia um campo. Sim. O clube brasileiro de Cricket tinha
um. A coisa, porém, se complicava quando Oscar Cox, balançando a cabeça, dizia
que, fora o verde da grama, não existe semelhança alguma entre o campo de cricket
e o campo de football. O campo de cricket sendo oval, o de football sendo
retangular. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 14).

Encomendando bolas, que vinham da Europa, Oscar Cox estimula a aproximação dos
praticantes do críquete e dos seus pares sociais ao novo esporte. A batalha foi árdua. O campo
teria que ser aquele mesmo, destinado ao críquete. Faltavam as traves, as redes e inclusive
19

jogadores. Cox quase desanimara, mas incentivado por seu pai e também pelo avô – o pai
havia sido um dos fundadores de um clube de críquete, em Niterói, o Rio Cricket and Athletic
Association - continuou a acalentar o seu sonho.
Levou três anos para fundar o primeiro time carioca de futebol formado só por
brasileiros. Brasileiros esses que haviam também ido a Europa e se encantado com o esporte.
O time pertencia ao Rio Cricket. O outro clube de críquete da cidade era o Paysandu Cricket
Club. O time de futebol do Rio Cricket comandado por Cox, enfrentou outro formado por
sócios do clube, praticantes do críquete e do tênis. O placar de 1 a 1 deixou as pessoas meio
perplexas. Que esporte era esse que aceitava uma disputa sem um vencedor?
O team dos brasileiros devia enfrentar um team de ingleses. Qual o inglês que não
dera um chute em uma bola? E aí – era agosto de 1 – bem de manhã cedo, os tenistas
do Rio Cricket and Athletic Association tiveram a atenção despertada por umas
balizas colocadas nos extremos do campo de Cricket. Eles perguntavam ainda o que
era aquilo quando apareceram os jogadores. [...]. (RODRIGUES FILHO apud
MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 15).

Mesmo com desconfianças, a primeira experiência foi proveitosa e duas outras
partidas foram realizadas. Porém, para se consolidar de verdade era necessário jogar contra os
paulistas já mais adiantados na prática do futebol. Cox fez contato com um amigo que havia
estudado e praticado futebol com ele na Europa e que morava em são Paulo. Esse amigo
estava inserido no movimento futebolístico em São Paulo. Uma resposta positiva se deu e o
time do Rio partiu rumo à capital paulista. A receptividade foi muito boa e as partidas bem
jogadas. Foram dois jogos. Dois empates. E um bom número de pessoas foi conferir o embate
entre cariocas e paulistas.
E a gente só precisava de uma coisa. De disputar um macht em São Paulo [...]. Oscar
Cox pegou uma folha de papel, molhou a pena e escreveu a carta. Quero que você
me responda com urgência se é preciso levar barra de gol e redes. Temos tanto uma
coisa como outra. A resposta veio mais animadora do que se esperava. Não
precisamos – escrevia René Vanorden, do Esporte Clube Internacional – de nada.
Temos campo. Temos barra de gol. Temos rede. Só faltam vocês para um Rio - São
Paulo. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 16).

Em 1902, Cox alça voo mais alto e substancial e funda o aristocrático Fluminense
Football Club. Mas, o primeiro time de futebol oficial do Rio de Janeiro foi o Rio Football
Club, surgido poucos meses antes do Fluminense. Inicialmente Cox seria o seu fundador, mas
por divergências deixou o grupo e outro membro se encarregou de firmar o nascimento do
clube.
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Com a criação formal do seu tão acalentado time, o Fluminense, Cox, sente um quê de
missão cumprida. O futebol no Rio de Janeiro começa a se fortalecer e a despertar o
entusiasmo nas pessoas. Despertar interesse entre todos, sim. Mas a prática do esporte era
restrita a pessoas de bom poder aquisitivo, é bom dizer. Lembrando que os esportes populares
eram o Remo e o Turfe. Nessa época, o Rio de Janeiro era tocado pelo anseio de
modernização e uma grande estruturação urbana, que visava corrigir as deficiências que
possuía, foi implantada.
O Rio de Janeiro passava, naquela época, por bruscas reformas urbanas que
modificavam a disposição geográfica da maior população brasileira da época. De
acordo com Mattos (1997) os clubes também fizeram parte desse esforço
modernizador e cosmopolita que contagiou o rio na virada do século. A autora
recorreu a Needel (1993), que, em seu estudo sobre belle époque, relacionou a
criação dos clubes ao desejo de estabelecimento de um convivo social da elite,
(DAOLIO, 1997, p.22).

Na elite e não no seio da camada mais humilde, o futebol tem o seu desenvolvimento
inicial no Brasil. Era amador e nisso residia um traço que era defendido por quem o praticava,
o Fair Play. Jogar limpo era necessário. Na arquibancada, o torcedor também deveria se
comportar. O futebol serviria como meio de despertar os modos mais refinados, os bons
princípios para formar uma classe que serviria de modelo para todo o país. A elite se dedicaria
a utilizar aquele esporte para incutir a ideia de que era fundamental prezar pelas boas
maneiras para se atingir uma pretensa “civilização”.
Esporte de bacharéis num pais caracterizado por gigantesca desigualdade social,
esporte de brancos em uma sociedade com marcas ainda expostas do escravismo,
esporte associado a ícones do progresso e da industrialização numa economia ainda
essencialmente agrária, o futebol tornou-se desde o inicio um dos ingredientes mais
importantes dos debates acerca da modernização do Brasil e da construção da
identidade nacional. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 61).

Um ponto era bem demarcado. O futebol deveria ser praticado por pessoas de igual
condição social e racial. Só pessoas de “boa família” seriam capazes de ter uma conduta
adequada, de portar-se com educação. Esse era o pensamento dominante. Sendo assim, só
àqueles de famílias abastadas, tradicionais e, aos “brancos”, deveria ser permitida a prática do
esporte.
Só foi esquecido que era da natural predisposição da figura humana o alcance das
vitórias. Não era fácil aceitar derrotas. As partidas foram ficando acirradas e a paixão pelos
clubes se aflorando. A elite começou a deixar o fair play de lado. Vez ou outra, as partidas
não terminavam bem. Com a inserção “forçosa” dos clubes de menor expressão, notou-se um
21

tratamento diferenciado proporcionado, principalmente, pela imprensa da época, que criticava
quando jogadores e torcida de times sem tradição e suburbanos se envolviam em confusões.
Cobrando medidas para restringir a participação destes nos eventos de futebol, assim se
comportavam. Já quando o ato reprovável partia de um jogador de um time tradicional, um
time “grande”, a atitude era outra. A imprensa argumentava que havia sido um relapso, um
destempero normal. O tratamento dado aos times da zona sul era bem diferente ao direcionado
aos times suburbanos. É isso é o que se deduz da leitura de (PEREIRA, 2000).
A grande massa já envolvida pela paixão do esporte, mesmo com a postura excludente
desempenhada pelos organizadores, mesmo com o não permitir aos menos favorecidos ter
acesso ao esporte, queria estar perto do futebol. Espiavam por entre os muros e do alto de
morros as partidas jogadas pelos de boa condição financeira. Tocados pelo encanto e
atratividade que o futebol proporcionara, passaram a, em larga escala, correr atrás de uma
bola, fosse ela feita de meia, ou de outra composição, em terrenos baldios, nas ruas e praças.
Conta (PEREIRA, 2000) que nos primeiros anos do século XX, a capoeira, que era
associada aos negros e tida como prática repugnada pelas “famílias da sociedade”, que viam
nela um grande “mal” para a cidade, foi discriminada, atacada e repreendida pelas
autoridades. Como alternativa para “controlar” as festas que eram as rodas de capoeira, que
reunia a camada da população mais pobre pelas ruas, o jogar futebol, entre os menos
privilegiados socialmente passou a ser permitido – tendo claros interesses de controle. Ligas
suburbanas de futebol começam a surgir. O esporte toma conta dos subúrbios proletários. No
que toca à questão da classe operária, um fato que obteve destaque proeminente e serve como
síntese para o início da democratização do futebol no Brasil foi a criação de um time por
diretores da inglesa, “Companhia Progresso Industrial”, uma fábrica de tecidos, que permitiu
ao operariado o acesso à prática do futebol. Esse time é o Bangu Athletic Club.
Para a democratização do futebol foi de extraordinário significado a fundação do
The Bangu Athletic Club no ano de 1904. Bangu, um subúrbio do Rio de Janeiro, é
a sede de uma grande fábrica de tecidos, que mandou vir da Inglaterra os técnicos de
que precisava. Os ingleses fundaram o clube com o consentimento da direção da
fábrica, que lhes pôs à disposição também um campo situado próximo. Em virtude
da distância do subúrbio, entretanto, não foi possível aos ingleses constituírem
equipes fechadas chamando os seus compatriotas da cidade. Viram-se obrigados a
recorrer aos operários da fábrica, estimulados pela direção esclarecida, que
provavelmente soubera que os fabricantes de tecidos ingleses na Rússia fomentavam
o futebol entre os turnos para animar sua disposição ao trabalho. (ROSENFELD,
1993, p. 82).

Pela facilidade em praticá-lo, o futebol consegue adesão maciça dos pobres, alavancase entre todas as classes sociais. Rompe fronteiras conceituais e começa a cutucar o
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preconceito. Especialmente, o racial. Mesmo contra a vontade das elites, o interesse pelo
futebol jogado em alto estilo pelo negro começa a se fazer presente. Os clubes vão se
curvando a este fato e passam a eleger seus atletas pelo talento, fazendo vista grossa para a
cor da pele. Ou, maquiando de certo modo, esse traço racial. Podia-se tentar camuflar aquela
condição.
Friedenreich foi exemplo disso. Sendo o primeiro grande fenômeno negro do futebol
brasileiro. Ele foi o autor do gol que deu o primeiro título internacional ao futebol brasileiro,
no Sul-Americano de 1919, ocorrido no Rio de Janeiro - cinco anos após a realização da
primeira partida do selecionado brasileiro. A euforia era imensa. O Brasil conseguira “bater”
Argentina, Uruguai e Chile – que costumavam levar vantagem nos confrontos,
principalmente, a Argentina e o Uruguai – e o Rio de Janeiro conseguira realizar uma grande
competição esportiva transformando o evento em acontecimento social de imenso destaque.
Nascido em 1892 no bairro da Luz, em São Paulo, Friedenreich, sintetizava bem a
mestiçagem que é um traço de povo brasileiro. Filho de um comerciante alemão e de uma
brasileira, lavadeira e negra, o mulato de olhos verdes possibilitou a abertura, ainda tímida,
inclusive, nos jornais, de espaço para se falar sobre o negro. Involuntariamente tinha um
hábito que parecia denunciar algo. “Fried procurava ele mesmo esconder como pôde sua
condição de mulato, alisando vigorosamente o cabelo antes de entrar em campo”
(GUTERMAN, 2010, p. 44).
Outro fato racial que se tornou cheio de simbolismos aconteceu em um dos clubes
mais tradicionais do Brasil, o Fluminense. Para entrar em campo, um jogador de pele mais
escura do clube – contratado junto ao América, em 1914 - chamado, Carlos Alberto, fazia
uma sessão de maquiagem para não denunciar sua condição racial. “(...) Carlos Alberto,
entrou para a antologia do futebol pelo inusitado: mulato, ele passava pó de arroz no rosto
para disfarçar a raça quando jogava pelo Fluminense” (GUTERMAN, 2010, p.44). Desde
então, as torcidas adversárias passaram a se referir assim ao clube das Laranjeiras, “pó de
arroz”.
Com a “indesejada” abertura do futebol elitista ao negro – e por associação ao pobre rompimentos, rupturas se estabeleceram e criações de ligas, de campeonatos que abarcavam
clubes ideologicamente diferentes, foram recorrentes. (PEREIRA, 2000) destaca que o futebol
já havia se enraizado definitivamente na nossa cultura e se tornado a grande paixão do
brasileiro. No Rio de Janeiro, o remo ainda tinha a sua força, mas o futebol já possuía o seu
brilho próprio. Depois do surgimento do Vasco da Gama na divisão de elite do futebol
carioca, não dava mais para negar a chegada definitiva do negro, do pobre e do trabalhador
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comum, ao futebol. A aceitação do negro e o “amadorismo marrom”, assuntos estes, ligados
ao Vasco da Gama, serão comentados mais adiante.
Deve-se considerar o pensamento predominante da sociedade que pregava ser o
branco uma raça “pura” e que a mestiçagem que ocorria no Brasil fazia mal e acentuava
aspectos depreciativos. O futebol conseguiu servir como meio para a propagação e
fortalecimento do contrário. A mestiçagem era nossa marca positiva e dela não poderíamos
fugir.
Ainda sendo amador, o futebol deixava transparecer uma ponta do profissionalismo.
Este aspecto era alimentado pelos patronos dos clubes. Uma das práticas à qual muito se faz
referência era o pagamento do “bicho”- um animal de valor que era dado a um atleta ou, mais
comumente, rateado entre os atletas. O caminho para a profissionalização estava sendo
traçado, era inevitável. O profissionalismo de certa forma demorou a vingar por aqui. Foi no
momento em que o Brasil começou a perder jogadores – contratados e remunerados por times
de outros países – que ele se estabeleceu de vez. Isto, na segunda metade da década de 1930.
O futebol também foi parte importante no fortalecimento da autoestima e da
autoafirmação dos imigrantes que para o Brasil vieram se estabelecer. Destacadamente, para
os alemães e italianos - em decorrência da primeira e da segunda guerra mundial. E para os
portugueses, que eram vistos por aqui com maus olhos e repugnância, em razão da
colonização, domínio e exploração das terras brasileiras. Considerável parcela da sociedade
tinha certo entrevero e picuinha na relação com os portugueses. Essa antipatia era bem
percebida. Através do futebol, os imigrantes conquistaram respeito e melhor perspectiva
passou a se apresentar para eles.
A união, solidariedade, homogeneidade sentimental - de dirigentes, sócios, jogadores,
torcedores - a partir dos seus traços nacionalistas, fortaleceu os imigrantes que, apesar dos
pesares, acreditavam ser aqui um lugar bom pra se viver. Começaram a surgir clubes
formados por gente nascida em outros países. São exemplos desse processo: o Palestra Itália,
em São Paulo e em Minas Gerais – originário de Palmeiras e Cruzeiro, respectivamente.
Também, o Juventude, em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Todos oriundos da colônia
italiana. A colônia alemã fundaria o Coritiba, em Curitiba, no Paraná; o Grêmio, em Porto
Alegre, e o Germânia, em São Paulo. Os portugueses, Vasco da Gama e Lusitânia – no Rio -,
e Portuguesa de Desportos, em São Paulo. O Galícia, em Salvador, na Bahia, seria fundado
por espanhóis.
Esses exemplos são de clubes que obtiveram sucesso no futebol, ao passo que, outros,
sem destaque no futebol, mas fortes como clubes sociais propriamente, como, o Esporte
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Clube Sírio, o Monte Líbano, de imigrantes árabes, e, posteriormente, a Hebraica, já nos anos
1950, fundado por Judeus, referendam essa constatação.
Impossível não pensar no futebol como fenômeno social, cultural, que ajudou o Brasil
a encontrar a sua identidade nacional. Deve-se gratidão ao futebol, por exemplo, pelo fato de
ter possibilitado, vencendo a resistência da classe dominante, mostrar, escancarar uma
realidade que é própria do Brasil. O Brasileiro é um povo mestiço, fruto da mistura de raças,
um povo formado da fusão de negros, mulatos, indígenas e europeus e por isso tão especial. E
também por ter contribuído para fazer o brasileiro se sentir especial diante do mundo a partir
das conquistas mundiais da seleção. Foi por intermédio do futebol que o brasileiro rasgou,
pisou em cima, se libertou do seu “complexo de vira-latas”, criação de Nelson Rodrigues, que
via no povo brasileiro uma tendência a se colocar como menor, inferior diante do mundo.
Um estádio de futebol é mais do que um simples espaço onde 22 homens correm de
um lado para o outro. É o lugar onde, da arquibancada, uma massa heterogênea se torna coesa
e irradia vibração. É no estádio de futebol que o torcedor se manifesta na sua mais
surpreendente condição humana. É laboratório, divã, palco e consultório da alma de um povo
que tem nele, o futebol, o seu santo remédio libertador e que ameniza suas agruras diárias.
O futebol tem a capacidade de exacerbar certas condições psicológicas. Uma derrota
pode ferir o ego. Pode mexer com o nacionalismo. Ele é imperfeito – os resultados
improváveis se estabelecem com certa frequência. O melhor, nem sempre vence. A lógica,
vez ou outra, se esconde e talvez, por isso, pela imprevisibilidade, o futebol seja esse
elemento fascinante, encantador, cheio de significações psicológicas que levam o torcedor a
uma “loucura saudável”. O torcedor é magia.

1.2 O TORCEDOR
Sendo um indivíduo que acredita, pela sua inserção na coletividade, ser possível
desvirtuar o significado, mudar o rumo, dar vida ao improvável e fazer emergir do seu torcer
apaixonado uma energia que “contamina” positivamente o futebol, retransformando a
realidade, nessa configuração curiosa, o torcedor salta para uma plataforma de destaque.
Torcer é ter a capacidade de alterar a partida que se tem diante dos olhos. O adepto de um
time, o torcedor pra valer, crê que pela sua fé e pelo seu estímulo, amplificados e
incorporados pela massa, podem colaborar para que seus ídolos absorvam energia, envolvamse de elementos da divindade, abrindo as portas para a vitória.
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Quando o pensamento individual se infiltra e ganha na adesão de um grupo, de uma
massa, energia própria e vai se propagando, seus efeitos geralmente são percebidos. Na
simbiose de torcida e jogador, por inúmeras vezes, foi detectada a alteração de uma jogada, de
um lance, de uma partida, em razão dessa energia desencadeada.
Fazer parte da multidão e perder o controle de nossas emoções e de nosso
comportamento, pelo contrário, é aquilo contra o que somos advertidos desde a
infância. Em consequência disso, muitos de nós esqueceram (ou jamais souberam)
como pode ser prazeroso fazer parte da multidão. [...] As multidões anseiam pelo
momento em que sua energia se conecta à dos jogadores e faz a energia deles
aumentar. Porque naquele momento, a separação entre a torcida e os jogadores
parece desaparecer. Essa comunhão, longe de ser puramente espiritual, pode
constituir uma realidade física. Pode ter até uma base biológica bem concreta, nos
recentemente descobertos neurônios-espelho, que atuam no córtex pré-motor. Os
neurônios-espelho são ativados não apenas quando a pessoa executa uma ação, mas
também quando vê alguém a executando. (GUMBRECHT, 2007, p. 150-151-152).

Torcida e jogador é algo indissociável. Estão a comungar. Essa parece ser a intenção
que se compactua no ato de torcer. Existe na relação torcedor-time-jogador carga de gratidão,
nem tanto perceptível assim, em um primeiro momento, mas nítida, ao analisar mais
cuidadoso. Essa gratidão não tem uma razão lógica de ser, mas está presente nas entrelinhas
do futebol. “[...] de uma longa carreira assistindo a esportes, o que eu ‘ganhei’ foi um forte,
embora não muito bem definido, sentimento de gratidão para com os atletas que me
proporcionaram momentos de intensidade tão especial”. (GUMBRECHT, 2007, p. 161).
Protagonistas do espetáculo do futebol, cada um do seu jeito, jogador e torcida estão
juntos e se complementam. Difícil imaginar só uma coisa, ou outra. Os dois querem se
mostrar, mutuamente, para afirmar suas forças e sentir o gosto da glória. Nessa relação,
involuntariamente, passam a desenvolver uma funcionalidade orgânica, cerebral, psicológica,
que merece análise.
O verbo “torcer” significa virar, dobrar, encaracolar, entortar etc. O substantivo
“torcedor” designa, portanto, a condição daquele que, fazendo figa por um time,
torce quase todos os membros, na apaixonada esperança de sua vitória. Com isso
reproduz-se muito plasticamente a participação do espectador que ‘co-atua’
motoramente, de forma intensa, como se pudesse contribuir, com sua conduta aflita,
para o sucesso de sua equipe, o que ele, enquanto ‘torcida’, como massa de fanáticos
que berram, realmente faz. (ROSENFELD, 1993, p. 82).

A partir do desenvolvimento, expansão e consolidação do futebol na sociedade
brasileira, a torcida foi se tornando mais ativa, passando a ter reconhecimento, e influenciando
no rumo dos clubes. A prática de incentivar o time de coração se torna algo sólido e começa a
26

se organizar. Surge então o torcer mais elaborado. Cânticos, instrumentos musicais,
uniformes, utilização de fogos, bandeiras, são introduzidos nos estádios.
Sim, porque no início se torcia de maneira pudica, comedida. O futebol como
sinônimo de esporte da elite precisava pautar o torcer de forma comportada e refinada como
se o sujeito estivesse em uma ópera ou coisa assim. A vestimenta dos torcedores era a de
trajes finos e elegantes. Não se admitia nenhum grito de incentivo a não ser no máximo um
“Aleguá”- significava algo tipo, avante! - ou um “Hip Hip Hurrah!”, seguido do nome do time
– cumprimento entusiasmado do torcedor de um clube. E mesmo assim, antes do início das
partidas. Esse era o torcedor.
As mulheres e seus vestidos e chapéus de imenso glamour. As fitinhas no chapéu –
com as cores do time – que as mulheres torcedoras do Fluminense torciam revelando o
nervosismo e o encantamento àquele que foi o primeiro goleiro da seleção e arqueiro tricolor,
Marcos Carneiro de Mendonça. Notabilizado pela beleza física, por seu jeito pomposo e
elegante de se vestir – usava uniforme todo branco e uma fita roxa como cinto - e pelo seu
talento em realizar defesas incríveis.
Curiosa é a informação trazida por (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 292) de que o uso da
palavra “torcer”, inserida na esfera futebolística, segundo conta-se, “[...] vem do hábito de
moças simpatizantes do Fluminense contorcer durante as partidas pequenas fitas roxas,
semelhantes às usadas, na cintura, pelo goleiro do clube no período de 1914-1922, Marcos
Carneiro de Mendonça”.
O goleiro, ou, na época, chamado de goalkeeper, foi um estudioso da profissão.
Desenvolveu apurado senso de colocação que dificultava o sucesso dos atacantes. Aristocrata,
foi defensor ferrenho do futebol amador. Contribuiu também como historiador para o acervo
histórico do futebol ao recortar de jornais e revistas tudo o que saía sobre a sua presença em
campo nas partidas de futebol. Parte da história do futebol carioca e da seleção brasileira, do
período compreendido, entre 1913 e o final da década de 1920, foi guardada, preservada
através desses recortes que formataram o “Álbum”, ou “Grande caderno pardo” de Marcos
Carneiro de Mendonça. Destacada fonte de estudos sobre o futebol carioca do início do século
XX.
O torcer, silencioso, passivo, vai com o tempo ficando pelo caminho. Era impossível
torcer calado. Sobre essa maneira elaborada de torcer, barulhenta, ativa, colorida, festeira, se
descreverá, mais a frente, através da figura de um torcedor que foi referência, o criador da
primeira torcida organizada do Brasil. Esse torcer mais intenso, põe em evidência as
alterações orgânicas que ocorrem tanto no torcedor, na sua apropriação ativa de torcer, quanto
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no jogador posto em performance passiva de recebimento do incentivo. Ambos são tomados
pela adrenalina gerada pelo corpo. O fluxo sanguíneo aumenta, o funcionamento orgânico se
altera.
Estar em uma arquibancada torcendo por seu time de coração desencadeia uma série
de reações, movidas pela paixão, que se aproximam de alguma coisa, tipo, colocar o pé em
outras dimensões. “Quando se considera a imensa carga de sentimentos que se irradia da
torcida para os times, entende-se que eles busquem abrigo em esferas sobrenaturais, para se
certificarem da estimulação benévola [...]”. (ROSENFELD, 1993, p.103).
Poucas coisas nessa vida têm uma representação tão forte quanto o futebol para o
torcedor. Ele, o torcedor, acredita que as vitórias no campo descerram uma atmosfera de
vitória e de realização pessoal, por poder se sentir fazendo parte de um clube que possui sua
representação, seja na rua, no bairro, na cidade, no estado, no país. Descreve Daolio:
O que parece é que o torcedor vai ao jogo buscando, muitas vezes, a alegria, a
realização ou o sucesso que não conseguiu ter naquele dia ou nos últimos tempos em
sua vida. O seu time, assim, pode representar uma parte da vida que dá certo. Como
parte do clube, o torcedor tem a ideia de que “meu clube é rico”, “meu clube é
vencedor”, “os dirigentes do meu clube são poderosos e eu, torcedor, participo
disso”, “participo porque me identifiquei, sou parte, membro, presença”... O clube
acaba mediando uma relação desse indivíduo com o sucesso, com a lembrança, com
a família, com a sua origem. (DAOLIO, 1997, p.26).

Outro aspecto que se observa no ofício do torcedor é a sua “simpatia”, “satisfação”,
pelas vitórias difíceis. Aquele jogo no qual o seu time passou sufoco, sofreu para vencer,
reagiu no final, ganha um contorno elevado e deixa para esse torcedor uma sensação mais
aguçada de superação. “[...] O sentimento de sacrifício está presente no torcer. A vitória
suada, o gol no final do jogo, a partida difícil, a briga na arquibancada, a derrota inesperada,
etc., trazem uma marca definitiva do fato que se aloja de vez na memória do torcedor”.
(DAOLIO, 1997, p.28).
O “sentir-se” pertencente a um grupo, a uma instituição, a uma comunidade, torna-se
especial também por inferir para aqueles que se agregam, ser isso, uma ligação ao passado,
aos costumes e ritos interiorizados e marcados na história de uma dada organização. É o dar
continuidade a algo plantado lá atrás e que não pode morrer. É isso o que nos diz Morin.
A identidade individual e coletiva afirma-se, não na dependência imediata de cada
grupo, como na sociedade primática, mas sim pelo e no conjunto dos fios noológicos
que ligam o indivíduo a seu parentesco real e mítico e que dão à cultura sua
identidade singular. O nome liga a identidade individual a uma filiação
sociocultural: estabelece, ao mesmo tempo, a diferença e a dependência: quando diz
“filho de”, tem-se em mente não apenas os genitores, mas também os antepassados,
a descendência social. O mito alimenta a recordação, o culto e a presença do
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antepassado, mantendo-se por isso mesmo, a identidade coletivo-individual. Este
tema do antepassado, das origens e da genealogia retorna sempre, obsessivo, nos
símbolos, nas tatuagens, nos emblemas, nos adornos, nos ritos, nas cerimônias e nas
festas. (MORIN, 1979, p.169).

Torcedor, elemento ímpar na atmosfera do futebol. Esse sujeito que tem o afã de
acompanhar, impreterivelmente, o seu time, de se sentir como parte da equipe, se doando de
corpo e alma na sua função de torcedor. Que pelo seu clube é capaz de esquecer até mesmo o
maior dos problemas, de se sobrepor à limitação, seja ela, financeira, física ou de outra ordem
qualquer e se fortalecer por intermédio do sagrado, para ele, exercício do torcer. Ele é com
toda certeza um grande objeto de estudo.
E como seria o futebol sem essas figuras devotadas que encarnam o espírito do
amadorismo e o levam até as últimas consequências? Acho que não teria a mesma
graça sem eles, que têm suas vidas e problemas, mas que deixam tudo de lado e
revelam um amor sem medir esforços, desprovido de preocupações políticas ou
financeiras. Pessoas que são a pura paixão por um clube. (ZICO apud MATTOS,
2007, orelha).

Na batida apertada do coração dessa massa de brasileiros, esses torcedores, fidedignos,
que são, têm suas vidas “verticalizadas” no sentido de serem arrastados pela inebriante
experiência do torcer por seu time de coração e, em estágio mais homogêneo, pela seleção,
para planos de percepção do mais puro contentamento. São indivíduos que frequentemente
são tomados pela confiança em vitórias, êxitos, em uma melhor condição psicossocial em suas
vidas, desencadeada pelo sucesso do seu time dentro das quatro linhas.
A representação de uma vitória é frondosa para o melhoramento de quesitos da vida
desse sujeito. O que ele sente transcende uma compreensão simplória. No feitiço do
espetáculo da arquibancada, que “prende” o torcedor ali e, em regra geral, o coloca em uma
fecunda alegria e que faz pasmar aquele que nunca se permitiu fazer parte da massa ululante,
conjunturas analíticas emotivas são tocantes.
Ela nunca tinha pisado no solo sagrado do Maracanã. Estreou num dia de Fla-Flu.
Decisão do título carioca de 1995, aquele, do gol de barriga de Renato Gaúcho de
barriga. Ela nem viu, na verdade. Porque o que acontecia no gramado não tinha a
menor importância. Ela estava extasiada com o espetáculo das arquibancadas. Foi a
primeira vez em que vi o que significava, literalmente, alguém ficar boquiaberto.
Ficou ao sair do elevador e entrar no corredor para a área das tribunas, ainda antes
da borboleta. Como eu sabia que alguma reação haveria, adiantei-me para poder
voltar e vê-la de frente. Boquiaberta. Quando se deparou com a multidão, com as
cores, com a cantoria ficou paralisada. E boquiaberta. De queixo caído, Vá lá. Ela
existe mesmo, se chama Leda e é minha mulher. Poucas vezes antes eu atinha visto
daquele jeito, talvez diante da Guernica ou da Pietá. E foi dessas reações
absolutamente naturais que dão a dimensão do que é o torcedor, do que é um FlaFlu, do que é o Maracanã lotado. Interpretei, também, como uma homenagem ao
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meu ofício ou, ao menos, mais uma ficha que caía para compreender o tamanho da
paixão. (KFOURI, apud, MATTOS, 2007, contracapa).

Tendo esse papel tão marcante no universo do esporte e, especificamente no do
futebol, o torcedor não pode ser desprezado. Sua simbologia merece ser levada em conta.
Delimita-se essa pesquisa, direcionando luz mais forte, sobre uma torcida em questão. Dita,
observada, apresentada, indicada, aferida, por todas as empresas de pesquisa de opinião, como
a maior torcida do Brasil. O torcedor do Clube de Regatas do Flamengo vem a ser o recorte.
Em algumas pesquisas, a sua torcida chega até mesmo a ser mencionada como a maior do
mundo. Conhecendo a história do clube é que se tem condição de encontrar respostas para
elucidar a constatação da força, magnitude e, em especial, das razões que proporcionaram o
crescimento contínuo de seus seguidores.
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2 O CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO E SUA TORCIDA
Para se chegar a um raciocínio acerca das motivações que determinaram a dimensão e
a representatividade do Flamengo e, consequentemente, de sua torcida no cenário esportivo e
social é indispensável e tarefa obrigatória uma análise de parte da história do Brasil e do Rio
de Janeiro. Vasculhar fatos escancarados, ou aqueles mais sutis, revirá-los, buscando uma
nova ótica, é salutar para encontrar fragmentos que nos façam perceber relações que serviram
de influência, referência, para o surgimento do clube, para a construção de sua identidade
constituída e vieram a determinar a consolidação do clube e de sua torcida no gosto popular.
A história do clube, passa pela torcida, ou melhor, tem o ponto central nela. São
indissociáveis um do outro. Ao se falar sobre o centenário clube da Gávea, (118 anos), o que
logo vem à mente, é o termo: torcida. Até mesmo fora do Brasil, até para os que não são
próximos do futebol, quando se toca no nome do Flamengo, a qualificação que logo brota
vem a ser, no mínimo esta, uma torcida diferente. O torcedor rubro-negro tem tanto orgulho
de si, de seu jeito de ser, que costuma dizer que no seu caso existe, primeiramente, uma
torcida e depois um time, escancarando com isso toda sua soberba.
É de entendimento comum que uma agremiação, uma instituição, um clube, torna-se
grande, um ícone – no quantitativo e no qualitativo – a partir de ações de significada
relevância no meio ao qual está instalado e, que vêm essas ações, a recrudescer sua imagem e
sua importância como agente e, no caso, entidade social. Em se tratando de clube esportivo
então, o terreno que o sustenta é composto por uma camada de paixão. E se neste clube
esportivo houver espaço para o futebol, o seu traçado histórico irá se estender tendo como teor
a paixão em doses cavalares.
Um clube surgido no Rio de Janeiro, bairro do Flamengo, de onde herdou o seu nome.
Clube que era, originariamente, um grupo e que ganhou espaço, cresceu e se tornou um
colossal agregador social. Nascido de uma provocação, por assim dizer. De um sentimento de
desonra, surgido da afronta dos jovens do bairro vizinho de Botafogo aos que freqüentavam a
faixa de areia da orla do Flamengo. Aqueles jovens do bairro de Botafogo, já possuidor de um
clube de remo, fundado em 1894, e que iam diariamente à praia do Flamengo paquerar as
moças de lá, motivaram em parte o surgimento do grupo do Flamengo. Esses remadores
botafoguenses chegavam a deixar sua embarcação exposta na praia e se tornavam assim, uma
grande atração. As mulheres da praia do Flamengo suspiravam.
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A partir desse incômodo, afloraria o desejo natural dos jovens da praia do Flamengo se
impor, de se afirmarem. É então que um grupo de jovens de classe média do bairro decide
partir para o ataque. Revidariam de modo inteligente com uma grande criação. Um clube de
remo. Na verdade este fato serviu de pretexto definitivo para os rapazes criarem o grupo de
remo do Flamengo. Já eram apaixonados pelo esporte marítimo. O remo era o esporte em
voga. O primeiro esporte no Brasil a atrair multidões. O esporte popular.
Com relação ao esporte, nesse final do século XIX, o remo era o mais popular do
Rio. A Federação Brasileira das Sociedades de remo e os próprios clubes
promoviam disputadíssimas regatas na enseada de Botafogo. Para as autoridades e
convidados vip, eram montados pavilhões e arquibancadas de madeira. Mas o povo
queria ver também. Nas manhãs de domingo, durante as regatas, as avenidas à beira
mar eram tomadas pela multidão de curiosos. (...) não havia o termo ‘torcida’,
embora os espectadores já se manifestassem a favor de um ou de outro competidor.
Os jornais referiam-se ao público como assistência, multidão, plateia. Os homens
andavam de terno, gravata e chapéu. Parece que o mundo todo tinha e usava terno,
gravata e chapéu. As mulheres também não queriam perder as regatas. Os atletas
eram bonitões. As moças se enfeitavam com a melhor roupa, escolhiam o chapéu
mais elegante e assistiam eufóricas ao duelo de titãs, travado no braço em pleno mar,
entre os atletas do remo. Algumas chegavam a desmaiar de tanta emoção. Os
remadores eram como vikings, numa mitológica jornada. (CRUZ e AQUINO, 2007,
p. 15).

Final do século XIX, 1895. Rio de Janeiro, a capital federal. 700 mil habitantes,
aproximadamente. Todos os olhos se voltavam para lá. Era o grande centro do país. Tudo o
que acontecia na cidade era copiado. A cidade maravilhosa, sempre irradiadora de tendências,
se via envolvida ainda pela atmosfera da proclamação da república, ocorrida seis anos antes.
Crescia vertiginosamente – recebia gente de todas as partes do Brasil e do mundo - e convivia
com problemas de urbanização e de saúde pública: epidemias de cólera, varíola e febre
amarela eram comuns.
Concentrava a maior parte da população em poucos bairros. As regiões do centro da
cidade, da Praça Mauá, de Santa Tereza, da Lapa, e das praias de Botafogo e do Flamengo,
eram o polo habitacional. A chamada Zona Sul era uma faixa de terra perdida. Copacabana,
Leblon, Ipanema e adjacências eram lugares praticamente inabitados e que não possuíam o
menor valor comercial. No subúrbio, o mesmo acontecia. Pela topografia da cidade e pela não
fiscalização do poder público, habitações em morros, essa prática, já era uma realidade.
Nestor de Barros, José Agostinho Pereira da Cunha e Mario Espíndola eram grandes
amigos. Inseparáveis. Tiveram como paixão, primeiramente, o turfe – outro esporte em
evidência na época. Contudo, quando descobriram o remo, o amor foi imediato e largo. Em
uma noite de Setembro de 1895, os três, mais Augusto Lopes da Silveira, aprovaram a ideia
de fundar um clube de remo que traria pompas ao bairro do Flamengo. Também se livrariam
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do aluguel do barco, todo domingo, para exercitar o corpo na Baía de Guanabara. Teriam o
seu próprio barco. Poderiam assim, ainda, dar o troco nos remadores de Botafogo. Iriam atrair
atenção para eles e proteger as garotas do assédio botafoguense.
No princípio, haviam até pensado em conter as investidas dos remadores do clube de
Botafogo, apelando para a briga – uns bons bofetões dariam jeito – mas, sendo Nestor e seus
amigos, estudantes civilizados e de boa família, a ideia foi logo abortada. Ter um barco e
disputar em pé de igualdade com os remadores de Botafogo era a melhor opção.
Durante a semana, esses três rapazes do bairro do Flamengo estudavam e trabalhavam.
Nos domingos, o dia era quase que inteiro junto ao mar. A pausa se dava apenas para a ida a
missa, na Matriz da Glória e para o almoço. À noite todos se encontravam no Restaurante
Lamas – ponto de artistas, intelectuais e estudantes - reduto inicial rubro-negro, situado no
Largo do Machado, a uns três quarteirões da praia do Flamengo. Bem ao lado do Lamas,
ficava a estação de bondes.
Após reuniões e corriqueiras conversas na caminhada que faziam diariamente até o
Largo do Machado, cruzando ruas e residências, iluminadas ainda por grandes lampiões a gás
e a óleo de baleia, a decisão foi sacramentada. Faltava só o dinheiro para comprar o barco.
Conseguiram juntar certo valor e ao preço de 400 mil réis, cotizados por Mário Espíndola,
Felisberto Laport, Nestor de Barros, José Félix da Cunha Menezes, Augusto Lopes e José
Agostinho Pereira da Cunha, adquiriram a primeira embarcação chamada, “Pherusa”. Logo
depois, viria a “Scyra”. O barco era de segunda mão, explica (RODRIGUES FILHO, 1966).
Outra particularidade da cidade nesta época que trouxe surpresa positiva para a
população foi a contemplação do Rio de Janeiro, em 1892, com uma inovação no transporte
coletivo. A população ainda acostumada ao transporte público sendo feito por bondes, em
alguns casos, a vapor, no entanto, em sua maioria, puxados por burros e cavalos, ganha a
primeira linha eletrificada de bonde. Estabelecida no bairro do Flamengo – foi a primeira do
Brasil e da América do Sul. Essa novidade aproximava ainda mais o carioca do esporte que
fascinava a todos, o remo.
Na tarde de 17 de Novembro de 1895, surge então o Grupo de Regatas do Flamengo só em 1902 haveria a troca da designação de grupo para clube. Pelo fato de o clima da
República ser o que se respirava, de ser a novidade, a nova condição do país – e por ser
feriado, propício para comemorações – seus fundadores decidiram antecipar em dois dias a
fundação, passando a ser oficialmente o dia 15 de Novembro.
Constam 18 nomes como sendo os fundadores: Nestor de Barros, Mário Espíndola,
José Agostinho Pereira da Cunha, Napoleão Coelho de Oliveira, Francisco Lucci Collás, José
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Maria Leitão da Cunha, Carlos Sardinha, Eduardo Sardinha, Desidério Guimarães, George
Leuzinger, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira, Emídio José Barbosa, José Félix da
Cunha Menezes, Augusto Lopes da Silveira, João de Almeida Lustosa, José Augusto Chaleo e
Domingos Marques de Azevedo (o primeiro presidente).
Escolheram as cores do uniforme. Azul e ouro – representando, respectivamente, o
azul celeste, a cor da Guanabara, e nossas riquezas minerais. Um ano depois mudariam para
as cores definitivas, o vermelho e o preto. Era um domingo, e no número 22 da praia do
Flamengo - um casarão que possuía no mesmo terreno uma extensão com vários cômodos,
casarão este, que era moradia de um dos fundadores, Nestor de Barros, - foi registrada a ata
inicial de fundação. Aqueles jovens estudantes que tinham um senso proeminente de
inquietação, de perseverança e de contorno revolucionário, ao remo, passariam a se dedicar e
por ele, dariam suas vidas.
Em 06 de outubro - antes da fundação, portanto - ocorre um fato que contribuiu para a
incorporação desse aspecto, dessa característica, ligada até hoje à identidade do clube, a
superação. Seria este acontecimento, o primeiro, de inúmeros, que despertaria nas pessoas a
admiração pelo Flamengo. Os rapazes, Nestor de Barros, José Félix, José Agostinho, Mário
Espíndola, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Bahia, escolhidos para
pegar a baleeira, Pherusa - que havia sido restaurada na praia de Maria Angu, hoje, praia de
Ramos - durante a travessia de retorno até a praia do Flamengo, viram a morte bem de perto.
Estando o tempo climático desfavorável, com ventos fortes que prenunciavam uma
tempestade, os rapazes desprezaram as nuvens escuras que se formavam no céu e ao mar se
lançaram. O barco acabou virando e eles como náufragos resistiram bravamente ao infortúnio.
(CASTRO, 2001) relata com detalhes.
A pherusa podia ser uma beleza, mas era de segunda ou terceira mão, já passara por
mar brabo e precisava de reparos. Eles a levaram de bonde a um armador da praia de
Maria Angu, na zona norte, que a reformou por dentro e por fora. Dias depois, na
tarde de um domingo [...], sete dos rapazes foram buscá-la [...], jogaram-se ao mar,
na ponta do caju, içaram a vela e embarcaram, eufóricos, para a travessia que
deveria terminar na praia do Flamengo, em frente ao 22. Mas aquela travessia nunca
se completou. Pelo menos, não a bordo da pherusa. De repente, quando eles já
estavam, longe da costa, na altura da ilha do bom Jesus, o tempo virou: nuvens
carregadas cobriram o azul [...], raios e trovões sacudiram o céu, e a chuva caiu com
violência. O vento noroeste arrancou a vela, as ondas fustigaram o barco e
começaram a abrir buracos no casco [...], viraram a baleeira de quilha para cima e se
agarraram a ela. Um deles, Joaquim Bahia, o melhor nadador do grupo, decidiu
nadar até a praia em busca de socorro [...], pelas três horas seguintes, os outros
rapazes, agarrados a pherusa, gritaram “socorro” [...], noite fechada, quando a morte
parecia inevitável e eles já faziam suas orações, uma lancha ouviu seus gritos e veio
salvá-los. Içados para o barco e batendo os dentes de frio, eles se lembraram de
Joaquim Bahia. (CASTRO, 2001, p.30-31).
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Joaquim Bahia chegando à terra firme – já era noite - não encontrou nenhuma
embarcação que pudesse prestar socorro aos amigos. Já com a sensação de que todos haviam
sucumbido à força da água do mar, sentiu-se imensamente infeliz e não teve coragem de
revelar o ocorrido aos familiares dos companheiros. Os resgatados, pensando que o amigo não
havia aguentado nadar por tanto tempo – e por isso o socorro não havia chegado –
consumando a sua morte, estavam com remorsos e sem jeito de contar para a família de
Joaquim Bahia a desgraça que tinha sucedido. Já socorridos, em prantos, todos atônitos,
ficaram sem saber o que fazer.
Algumas horas depois, Joaquim Bahia bate na porta da casa de José Agostinho e
ouviria da mãe deste que o filho e os outros rapazes – mesmo achando que Bahia não teria
sobrevivido - estavam a sua procura pela cidade. No reencontro de Joaquim Bahia com os
outros seis remadores, lágrimas e gritos emocionados tomaram conta do Largo do Machado.
No dia seguinte, uma publicação curta no jornal sobre o ocorrido. O boca a boca do
que havia acontecido é que tomou conta das rodas de conversa dos moradores do bairro e o
fato pela cidade se espalhou. Assim, o bairro e a cidade ficaram sabendo do naufrágio e da
façanha daqueles rapazes. Uma aura de heroísmo tomou conta do grupo do Flamengo – que
na verdade, curiosamente, nem existia ainda.
Após passarem por aquele martírio e quase perderem a vida, o fato de terem
continuado firmes e, mais comovedor ainda, fortalecidos no propósito de fundar o grupo de
regatas, desencadeou admiração. Os rapazes passaram por cima da vontade dos pais que era a
de que largassem aquela “aventura”. O 22 da praia do Flamengo, após o clube ser realmente
criado, não parou de receber visitas de deslumbrados simpatizantes. Essa obstinação dos
rapazes em continuar acreditando no seu ideal não cessara nem quando a Pherusa – que havia
sido rebocada depois do naufrágio e iria para conserto - foi roubada. Adquiriram outro barco,
a Scyra, e ao mar se puseram a buscar os dias de glória, frisa (CASTRO, 2001).
Os primeiros anos do Grupo de Regatas do Flamengo foram difíceis. Derrotas,
vexames, um desempenho nada satisfatório. A primeira vitória só viria em 1898. Portanto,
três anos após sua fundação. Mesmo com os contratempos, a determinação e a esperança de
dias melhores movia aquele grupo. Determinados e com uma mente positivista, viam em cada
mínimo avanço obtido e nas escassas vitórias que surgiriam na fase inicial, motivos para
comemorar.
Importante ressaltar os benefícios do remo na vida social da cidade. Além de atividade
física quase que completa e de ser motivo para reunir pessoas, aprimorando assim o convívio
social, vale lembrar, que o esporte colaborou para derrubar o estigma que ainda pairava na
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mente das pessoas sobre o banho de mar. Até a metade do século XIX, o banho de mar
acontecia somente em casos de indicação médica para combater certas doenças. Não era uma
prática de diversão e lazer. Vista como um lugar impuro, a praia não gozava da simpatia das
pessoas. As regatas realizadas na Baía de Guanabara e em toda sua extensão trouxeram em
maior escala o povo para junto do mar. Em Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre anota que:
As praias, nas proximidades dos muros, dos sobrados do Rio de Janeiro, de
Salvador, do Recife, até os primeiros anos de século XIX eram lugares por onde não
se podia passear, muito menos tomar banho salgado. Lugares onde se faziam
despejos; onde descarregavam os gordos barris transbordantes de excrementos, o
lixo e a porcaria das casas e das ruas; onde se atiravam bichos e negros mortos. O
banho salgado é costume recente da fidalguia ou da burguesia brasileira que, nos
tempos coloniais e nos primeiros tempos da independência, deu preferência ao
banho de rio. Praia queria dizer imundície. (1996, p. 195).

Emenda (KIDDER e FLETCHER apud LUCENA, 2001, p.25) explicitando como
ocorria o banho de mar e trazendo indicativos de que o remo teve papel de destaque na
mudança de uma cultura que desprezava o banho de mar como divertimento. “Os banhos de
mar, para além de seu caráter profilático, como um passatempo, não teriam sido também uma
ação conquistada por aqueles que estavam voltados para a prática dos esportes? Em princípio
parece que sim”.
A praia do Flamengo dava ao bairro um quê de diferente e de fama. Até, pelo menos,
1920, era a praia que mais atraia pessoas para o banho de mar. Era um lugar que por ser bem
situado, passou a ser muito procurado para a habitação por ilustres membros da sociedade.
Por outro lado, contava também com parcela considerável de artistas – na época, vistos por
certo prisma de “marginalidade”. Eram rotulados de vagabundos e boêmios da cidade. Era
como se a praia do Flamengo fosse heterogênea – e era. Por essa reunião de segmentos
sociais, o bairro estava um passo a frente de seu tempo.
Esse conceito de certa maneira foi incorporado ao clube de remo do bairro. Atestando
certo ar de rebeldia, lá na praia do Flamengo, moças ousadas para a época começaram a
romper com o pensamento pré-concebido de que o banho de mar seria propício e oportuno
somente em casos de finalidade terapêutica e medicinal. Entendiam não ser o mar tão sujo
assim, como era propagado. Banhavam-se em um ritual alegre, expondo curvas corpóreas com roupas longas que se ajustavam ao corpo, bem comportadas para os padrões de hoje - que
despertavam à atenção dos homens.
Quem, pela manhã cedo, das seis as oito horas, passar pela Avenida Beira-Mar, ou
por algumas das ruas transversaes (sic) que conduzem à praia do Flamengo, poderá
ver nesses trajos summarios (sic) muita senhora e senhorinha que a outra hora do dia
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ficariam ruborísadas se o vento indiscreto agitasse demais a saia do seu vestido. Esse
espetáculo matinal do Flamengo é, com certeza, o mais pittoresco que o Rio offerece
aos estrangeiros, e parece que há muitos amadores desse espetáculo, a avaliar pela
afluencia dos que se debruçam na muralha do cães para assistir à sahida do mar das
nereides e sereias e contemplar aquelle outro ‘footing’, bem mais attrahente que o da
tarde e não menos frequentado. (EDMUNDO apud LUCENA, 2001, p. 117).

O Rio de Janeiro, na gestão de Pereira Passos (1902-1906), designado prefeito da
capital federal pelo presidente da República, Rodrigues Alves, passa por um arrojado projeto
de readequação urbanística ostensiva. Avenidas foram criadas, outras, alargadas; morros
extintos; muitas casas e prédios derrubados – ficou conhecido como o “bota abaixo” - e uma
série de obras estruturais realizadas, tendo como meta a modernização da cidade.
Não foi só o aspecto urbanístico que mereceu um plano gestor. A saúde pública
também. Uma ação efetiva para a erradicação de doenças que matavam muito, verdadeiras
epidemias, como a varíola, peste bubônica, febre amarela e cólera, foi implantada. Sob o
comando do sanitarista Osvaldo Cruz, o governo instaura uma campanha de vacinação em
massa. A intenção era das melhores, mas a forma utilizada não agradou e causou desconforto.
Havia invasão de casas, pessoas na rua eram vacinadas à força. Os agentes de saúde tinham
ordens de vacinar todo mundo. O rigor era maior junto aos que moravam em cortiços e nos
morros. Contra a ação forçosa do governo, manifestações pesadas espocaram. Este
acontecimento, de 1904, ficou conhecido como “A revolta das vacinas”.
É durante esse período da administração de Pereira Passos que é erguida a Avenida
Central, em 1904. Em 1905, ela é aberta ao tráfego. Tiveram participação decisiva em sua
criação, o ministro Lauro Muller e o engenheiro chefe, Paulo de Frontin. Tornou-se um marco
na cidade e permitiu o acesso da Praça Mauá até a Avenida Beira-Mar – que era a ligação
entre o Centro, contornando o morro da Viúva, no Flamengo, até chegar ao bairro de
Botafogo. Em 1912, a Avenida Central muda de nome passando a se chamar, Rio Branco.
No endereço da praia do Flamengo, precisamente, no casarão do 22, uma turma que
não praticava nenhum esporte, ou, melhor dizendo, o “esporte” que praticavam era sim o
ofício das algazarras, molecagens, brincadeiras com teor de insolência, começou a chamar a
atenção. Antes de serem classificados de qualquer coisa, eram, acima de tudo, amantes do
Flamengo e da vocação do clube de abraçar e acolher a todos.
Essa turma criou ali uma “ordem” de engajamento ao clube, chamada República Paz e
Amor. No início, era só o Flamengo realizar uma boa regata que a festa estava formada.
Quando o Flamengo passou a vencer regatas, aí era uma festa fora do comum que acontecia
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ali. E as comemorações iam tomando conta das calçadas e formando um bloco de pessoas que
arrastavam a sua alegria pelas ruas. Era o carnaval do Flamengo. Com reco-reco e tudo.
Um detalhe pitoresco. Ao lado do casarão do 22 existia um convento. E para desatino
e “tentação” das freiras, esses rapazes do Flamengo tinham o hábito de se despirem.
Chegavam da praia ou de outro lugar que fosse e, sem cerimônia, se libertavam das roupas e
pareciam nem estar aí para o mundo. “os rapazes jogavam pelota basca na garagem, fazendo
grande algazarra [...] começaram a subir nas árvores para colher frutas, igualmente pelados”.
(CASTRO, 2001, p. 36). As freiras tinham que fazer força para não ver aqueles corpos nus.
Os vizinhos e transeuntes já conhecendo a fama do local, evitavam o olhar para dentro
do casarão. Já precavidos, sabiam que podiam ter alguma surpresa. As madres do convento
não tinham simpatia por aqueles rapazes. Faziam de tudo para evitar que as freiras tivessem
acesso àquela imagem despudorada. Era um Deus nos acuda. E não adiantava nem acionar a
polícia que afirmava não encontrar, em suas incursões pelo 22, ninguém sem roupa. Dentre os
que faziam essas peripécias, tinha sempre alguém com ótimo relacionamento junto às
autoridades policiais.
Só que o destino se encarregou de melhorar o julgamento que se fazia daqueles
rapazes. As pessoas puderam perceber que eles possuíam um lado bom, sim. Não era só
perversão que imperava ali. A gratidão, a admiração das freiras passou a existir a partir da
ajuda providencial que os rapazes concederam às devotadas cristãs. Naquele tempo, o mar
chegava bem perto do convento. A praia margeava as casas existindo apenas como
delimitação um muro de contenção e a rua. Em 1913, aconteceu uma grande ressaca e o
convento foi invadido pela força das águas. As freiras apavoradas não sabiam o que fazer a
não ser pedir socorro. Os rapazes do 22 não mediram esforços para ajudar as irmãs do
convento.
Mas antes que os profanos bagunçassem definitivamente o sagrado coreto das freias,
o Flamengo pôde redimir-se dos pecados de seus atletas: numa das grandes ressacas
que assolaram a praia no começo do século, o convento ficou isolado pelas águas –
não esquecer que, naquela época, o mar chegava bem juntinho ao casario. As freiras
correram perigo de vida, e ninguém de fora se mexia para resgatá-las. Pois elas
foram salvas pelos remadores do Flamengo (vestidos de camiseta e calção), que as
pegaram nos braços e as levaram de barco para lugar seguro. O povo, que já
identificava o Flamengo com a alegria de seus rapazes, via-os agora também como
heróis. (CASTRO, 2001, p.36).

A turma da República Paz e Amor se metia em todas e não aliviava. A Light era a
empresa canadense de eletricidade que controlava os bondes do Rio de Janeiro. A população
tinha uma antipatia declarada à empresa. Os rapazes do Flamengo já conhecidos pelo senso
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provocativo, descomedido e sem barreiras para o divertimento, ficavam durante o dia
apreciando as mulheres que embarcavam nos bondes, no ponto bem em frente ao 22.
Galanteavam elas, sem cerimônia. Faziam brincadeiras com as pessoas e quando encontravam
um português, se deliciavam e proferiam uma série de frases de humor. É preciso dizer que
eram mestres em fazer sarcasmo sem atraírem ódio. Sabiam como não ser tão agressivos. Por
isso, gozavam mais da simpatia do que da repugnância.
Em razão desse atrevimento dos rapazes do Flamengo a Light retirou o ponto do 22.
Existia uma faixa branca no poste para indicar que ali era ponto de parada dos bondes para
embarque e desembarque. Pois bem, a companhia canadense ordenou que aquele ponto fosse
desativado e mandou pintar o poste na cor tradicional, descaracterizando o mesmo como
ponto de parada. Era só os funcionários da Light irem embora e a turma do Flamengo voltava
a pintar de branco o poste. A população já não sabia mais se ali era ou não ponto do bonde.
Quando estava pintado de branco, ali ficavam de prontidão a esperar pelo transporte que havia
de parar.
Após idas e vindas, o impasse continuava e com a cidade toda já sabendo. A Light
orientou os motorneiros a, com faixa branca ou não, passarem direto. Uma animosidade se
instaurou. Os rapazes do Flamengo então fizeram uma barricada com cavaletes variados. Um
motorneiro não conseguiu frear e atingiu a barricada. Grande alvoroço se fez no local. A
população podia ter repreendido a atitude daquela turma da República Paz e Amor. Mas, não
foi o que aconteceu. Ficaram do lado dos rapazes do Flamengo e exigiram que a Light –
chamada de “polvo canadense” - parasse com a picuinha. O ponto de parada dos bondes foi
restabelecido e o Flamengo conquistava mais uma “vitória”, é o que nos conta (CASTRO,
2001).
O casarão do número 22 com suas instalações em anexo e sempre abarrotado de gente
acolheu desde os primórdios do clube, o seu torcedor. Qualquer um que fosse rubro-negro,
sem distinção nenhuma de classe social, racial, ou de qualquer ideologia, recebia guarida ali.
O clube cresceu se fez grande e permanentemente se preocupou em ter aquele espaço a servir
de aposento para os barcos e para o seu torcedor. Mais tarde, o número 22 passaria a ser o 66.
Conseguindo ampliar suas instalações, pôde acolher mais pessoas. No curso do século XX
aquele endereço 22/66, foi como um coração de mãe. Alguma coisa tipo um grande centro de
assistência social rubro-negra. Do seu jeito festeiro, é claro.
Juntando atletas, torcedores, simpatizantes, penetras, gente que queria apenas ajudar,
ou por ele ser ajudado, o Flamengo escreveu esse capítulo digno de elogio. Até cães, foram
acolhidos. Inúmeros “hóspedes” por ali passaram e todos criaram, cultivaram dentro de si um
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caso de amor que mesmo com o passar do tempo não se apagou. É o Flamengo, talvez, caso
único de um clube que permitiu a moradia de seus torcedores em sua sede. Essa história
precisa ser conservada.
A receptividade do local, sua fama de ser uma algazarra permanente, um lugar sempre
de portas abertas, e as histórias inusitadas que dali se revelou, marcaram e colocaram o
Flamengo em aproximação e casamento social com o carioca. O espírito despojado, malandro,
a nuance de brincar com a vida e rir dela - e de si próprio - desenvolvida por aqueles que lá
nos primórdios fizeram da paixão pelo Flamengo o vértice de suas vidas, serviu como ímã que
trouxe para a instituição, uma legião de seres desprovidos de certa “normalidade”.
Além do Lamas, no início de sua existência, outros dois pontos de encontro do
torcedor do Flamengo foram consagrados. Inclusive, vale dizer que o Lamas existe até hoje.
Um, foi o Café Rio Branco, no qual, imperava a presença de rubro-negros que se acabavam
em discussões homéricas sobre os destinos do clube. Aquela turma vivia o Flamengo 24 horas
e a ele se entregavam por inteiro. O outro, a Confeitaria Colombo, local tradicionalíssimo da
cidade, que na década de 1940, diariamente era invadida por um grupo de intelectuais,
artistas, escritores, empresários, comandados por José Lins do Rego, que se reunia para
conversar sobre o Flamengo.
Esse grupo por manter proximidade com a política do clube e por seus integrantes
serem atuantes personagens, sempre ouvidos nas decisões tomadas por dirigentes, traçava,
vislumbrava, articulava caminhos para o sucesso permanente da instituição. Por vezes, esse
grupo tinha peso para indicar jogadores a serem contratados, e os que deveriam ir embora do
clube. Verbalizavam todo o seu amor ao Flamengo em acalorados bate-papos. Esse grupo
ficou conhecido como, “Dragões Negros”.
Foi em 1911, bem ao findar do ano, que o futebol passou a fazer parte do clube. E isto
ocorreu em decorrência de uma debandada dos jogadores do Fluminense que haviam sido
campeões invictos daquele ano. Nove jogadores, insatisfeitos com decisões tomadas pela
direção e, inconformados ferrenhamente com a barração de um jogador, Alberto Borgerth,
líder e capitão do time, deixariam as cores tricolores. Os jogadores honraram a camisa do
Fluminense. Pactuaram que ganhariam o título e depois iriam fundar um novo clube.
Borgerth, o pivô de tudo, dá o veredicto: deveriam criar uma seção de futebol no Flamengo.
Essa decisão foi tomada em 24 de dezembro de 1911.
Em reuniões sucessivas, várias ideias teriam surgido, entre as quais a de fundar um
novo clube. Mas a tese vencedora, proposta por Borgerth, foi a de que eles criassem
uma seção de futebol no Flamengo (...), havia uma aproximação entre os dois
clubes: vários daqueles jogadores já eram sócios e torcedores do Flamengo no remo
40

– ao passo que os remadores do Flamengo torciam pelo Fluminense no futebol.
Quem não se empolgou de saída com a ideia foi o próprio Flamengo, que, como
todo clube de regatas, não queria se misturar com o futebol. O futebol era elite, não
se esqueça, e o Flamengo já era um clube popular. Mas a presença de Borgerth foi
decisiva: além de craque do futebol, ele era patrão de remo – e patroava as
guarnições do Flamengo. Por causa dele, na noite de natal de 1911, o Flamengo
aceitou criar não apenas a seção de futebol, mas todo um departamento de esportes
terrestres – o primeiro clube de regatas a ter feito isso. Hoje se especula se Borgerth
não teria premeditado tudo: rubro negro de coração e tricolor por circunstâncias, ele
poderia ter insuflado a crise no futebol do Fluminense para transferi-lo para o
Flamengo. Seja como for, deu certo. (CASTRO, 2001, p.45).

A primeira partida do time de futebol ocorre em 03 de Maio de 1912, no campo do
América futebol clube, situado à Rua Campos Sales. Vitória sobre o Mangueira por 16 x 2.
Este é o placar oficial, entretanto, o pesquisador (ABINADER, 2010) defende que o placar foi
na verdade 15 x 2. Alegando não existirem súmulas daquele período para se pesquisar, diz
que, o único meio de verificação do placar real é a checagem dos jornais da época. Explica ele
que os jornais fizeram uma confusão danada. O Jornal do Comércio, único a detalhar o jogo,
gol a gol, atesta o placar: Flamengo 15 x Mangueira 2. A implantação do futebol do Flamengo
não gozou da simpatia do pessoal do remo.
Para explicitar essa visão meio enviesada do pessoal do remo com o futebol, a
exigência foi a de quê o uniforme do futebol tinha de ser diferente do utilizado pelo remo. O
primeiro foi o “cobra coral”, com retângulos vermelhos e pretos. O segundo, o “papagaio de
vintém”, com as mesmas cores, além do branco, em listras verticais. Só em 1916, depois do
bicampeonato do futebol, em 1914 e 1915, o uniforme oficial usado pelos remadores, listras
vermelhas e pretas horizontais, seria permitido ao futebol.
E como seria o primeiro confronto entre o – de certa forma - criador e criatura? Isso
no âmbito do futebol, deixar claro. Flamengo e Fluminense jogaram pela primeira vez em 07
de julho de 1912, no campo do Fluminense, na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. Era
muito aguardada a partida, visto que, o time do Flamengo era composto de jogadores que
meses antes haviam deixado o clube das Laranjeiras, como campeões da cidade. E o time do
Fluminense estava desfigurado, com muitos jogadores aspirantes. Pela lógica então, o
Flamengo era o favorito. Mas aí a mística do clássico nasce para nunca mais se apagar.
Conhecido

como

o

mais

charmoso

do

Brasil,

tem

nesse

confronto

inicial,

surpreendentemente, a vitória tricolor. Fluminense 3 a 2.
O primeiro Fla-Flu não era Fla-Flu. Só muito mais tarde é que Mário Filho inventou
e promoveu a abreviação. O Flamengo fez tudo, tudo para ganhar este primeiro jogo.
Outro dia, conversei com um velho torcedor, mais velho que o século. E ele, falando
fino e baixinho (como uma criança que baixa numa tenda espírita), contou o que foi
o nascimento do maior clássico do futebol brasileiro. O Flamengo era o time
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Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014

  • 1. UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA ACADÊMICA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO NATAL-RN 2012
  • 2. DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRO-NEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO Monografia apresentada à Universidade Potiguar – UnP como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. ORIENTADOR: Profº. Me. Gustavo Bittencourt NATAL-RN 2012
  • 3. DANIEL FREIRE PEDROSA FILHO O TORCEDOR DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO: A ALEGRIA RUBRONEGRA NAS CRÔNICAS DE JOSÉ LINS DO REGO, NELSON RODRIGUES E MÁRIO FILHO Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, à comissão julgadora da Universidade Potiguar. Aprovado em ______/_____/______ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Profº. Me. Gustavo Henrique Ferreira Bittencourt Orientador Universidade Potiguar -UnP _______________________________________________________ Profº. Me. Leonardo Bruno Reis Gamberoni Universidade Potiguar - UnP ________________________________________________________ Profª. Me. Valéria Pareja Credidio Freire Alves Universidade Potiguar - UnP
  • 4. DEDICATÓRIA Este trabalho é dedicado a minha mãe, Gercina, que não se cansa de acreditar na felicidade. Fé em Deus e pensamento positivo que ELE proverá! Como a senhora mesma diz; À memória de meu pai, Daniel. Como queria ter te ajudado a alcançar a cura do alcoolismo; À minha esposa, Valéria, companheira de todos os momentos; Aos meus filhos, Thiago e Yasmim, o amor na forma mais pura. Vocês são o que existe de mais significativo em minha vida, meu tesouro verdadeiro. Pelo Flamengo sempre! Às minhas irmãs, Manuela e Daniela, juntos, somos mais fortes!
  • 5. AGRADECIMENTOS Ao futebol, meu primeiro e permanente amigo. O teu encanto ninguém apaga. Ao Clube de Regatas do Flamengo, minha primeira paixão e amor para a vida inteira. Essas instituições têm vida imaterial pulsante, alimento para a alma. Ao meu maior ídolo, Arthur Antunes Coimbra, sempre Zico, o cara que serve como modelo profissional e pessoal. Obrigado por toda alegria que vocês me proporcionaram. Aos outros inspiradores deste trabalho: Mário Filho, José Lins do Rego e Nelson Rodrigues. O que vocês produziram com qualidade magistral, nada, nem ninguém, conseguirá apagar. Pelo pensamento, encaminho a minha gratidão a vocês. Aos professores que fizeram parte diretamente da produção deste trabalho, sugerindo, apontando, opinando, discutindo e trazendo contribuição. Muito obrigado, Manoel Pereira, professor da fase inicial do projeto e, Gustavo Bittencourt, orientador e grande incentivador. E... aos espíritos de luz, sempre por perto para acudir. Amor e proteção que não cessa!
  • 6. O Flamengo não para porque o Flamengo é uma força em marcha. Seu destino é a eternidade. Gilberto Cardoso
  • 7. RESUMO O trabalho acadêmico tem a proposição de analisar o torcedor de futebol e suas emoções. Como delimitação, tem-se o torcedor do clube de maior torcida do Brasil, o Flamengo. Da consulta profícua a livros, filmes, documentários, programas televisivos, radiofônicos e sítios eletrônicos, veio o aparato para essa produção acadêmica que se dispõe a revisitar a história do clube centenário, o papel de seu torcedor, e a pesquisar o que estes três cronistas, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho, produziram expressivamente abordando o Flamengo e o seu torcedor. Sob a particularidade da hermenêutica que se configura como a interpretação de obras textuais, e tendo o referencial teórico basal do trabalho sustentado em Ruy Castro e Mário Filho com os seus respectivos, “O Vermelho e o Negro” e “Histórias do Flamengo”, o trabalho se desenvolveu. A obra está dividida em quatro capítulos. No primeiro, o futebol, seu surgimento, chegada ao Brasil e a sua representação social, se estendendo ao papel de sua legião de seguidores, o torcedor. Em um segundo momento, o Flamengo, a sua história e a atuação de sua torcida. Em seguida, lançamos olhar sobre o gênero jornalístico-literário, “Crônica”, e à sua especificação, “esportiva brasileira”. Por último, o torcer pelo Flamengo explicitado nas crônicas esportivas de José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mário Filho. Palavras-chave: Futebol; Torcedor do Flamengo; Crônica esportiva brasileira; Nelson Rodrigues; José Lins do Rego e Mário Filho.
  • 8. ABSTRACT The academic paper has as proposition to analyze football fans and their feelings. As baseline, we have the supporters of the largest football fan club in Brazil, Flamengo. From fruitful books, films, documentaries, television and radio programs and site consultation came the apparatus for this academic paper which proposes revising the history of the century-old club, the role of its supporters, and researching what these chroniclers, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e Mario Filho, expressively produced regarding Flamengo and its fans. Under the particularity of hermeneutics, which constitutes the interpretation of textual works, and taking the theoretical baseline of the sustained work in Ruy Castro and Mario Filho with their respective, "The Red and the Black" and "Stories of Flamengo", the paper was developed. This paper is divided into four chapters. In the first, football, how it started, its arrival in Brazil and its social representation, extending it to the role of its legion of followers, the fans. Following, Flamengo, its history, and its supporters’ participation. Soon after, we look at the journalistic-literary genre, Chronicle, and also at its “Brazilian- sportive” specification. And finally, rooting for Flamengo, explained in the sports chronicles of José Lins do Rego, Nelson and Mario Rodrigues Filho. Keywords: Football, Flamengo Fans; Brazilian-sportive Chronicle; Nelson Rodrigues, José Lins do Rego and Mário Filho.
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .........................................................................................................................9 1.1 CHEGADA NO BRASIL...................................................................................................16 1.2 O TORCEDOR...................................................................................................................24 2.1 A RIVALIDADE NOS CLÁSSICOS.................................................................................54 2.2 ÍDOLOS..............................................................................................................................60 2.3 TÍTULOS............................................................................................................................62 3.1 CRÔNICA ESPORTIVA BRASILEIRA...........................................................................73 4 O TORCER PELO FLAMENGO NA VISÃO DOS CRONISTAS ESPORTIVOS............79 4.1 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR JOSÉ LINS DO REGO..........................................83 4.2 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR NELSON RODRIGUES........................................90 4.3 A ALEGRIA RUBRO-NEGRA POR MÁRIO FILHO...................................................101 REFERÊNCIAS......................................................................................................................116 CRISE EM LARANJÓPOLIS, TRICOLETAS ENTREGAM TUDO DE BANDEJA PARA SEREM ZOADAS PELO FUDEROSÃO: Disponível em:....................................118 DATAFOLHA. Times de preferência. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/folha/datafolha/tabs/futebol_04012010_tb1.pdf> Acessado em 06 de Maio de 2012...........................................................................................................118
  • 10. 9 INTRODUÇÃO Analisar, descobrir, entender os motivos que levaram o Clube de Regatas do Flamengo a ser propagado como o clube mais amado, de maior torcida do Brasil – e, na contramão, um dos mais odiados - é desafiador e necessário para se fugir do senso comum. Como aceitar as pesquisas que trazem números impressionantes sobre esse torcedor? Institutos de pesquisa detentores de grau de confiabilidade como o Datafolha, Ibope, CNT Sensus, Pluri Consultoria entre outros, atestam: a torcida do Flamengo é a maior do Brasil. Algumas pesquisas indicam, inclusive, ser a maior do mundo. Checar esta afirmação e encontrar o embasamento que desencadeou esse crescimento é um ato de compromisso com a veracidade dos fatos. Fazendo a “leitura” dessas pesquisas chega-se a uma depreensão de que se trata de um verdadeiro fenômeno. E nos leva a uma certeza. O Flamengo é um cube nacional. O título de “mais querido do Brasil” causa natural curiosidade e daí leva à indagação e a uma inquietude que me arrasta para o campo da pesquisa. Como esse clube conseguiu chegar a um patamar de extraordinária altivez? Como a sua torcida se forjou e cresceu em todo o território nacional? Sempre questionei as unanimidades, aquelas construções históricas que são moldadas para serem inquebrantáveis. Acredito que em tudo, em qualquer fato, sempre existe outro viés. Talvez essa característica tenha me levado ao Jornalismo. Talvez não, tenho certeza. Antes de estudar para entender tal condição fui sentir a pulsação e energia desse torcedor. A primeira vez no Maracanã junto daquela massa foi uma experiência extasiante, indescritível, de me deixar embasbacado, arrepiado, com alegria e fascínio que não se comparam a nada neste mundo. O barulho, o colorido, a festa e a sensação de estar diante de uma imensa família, aquela coisa de no momento do gol, quando o abraçar de um estranho, de vários desconhecidos, se estabelece te deixando “perdido”, pela emoção, e, “resgatado”, no propósito da união, de uma união única por ser desinteressada, espontânea, isso tudo magnetiza. Esses elementos ficaram estampados na alma, na memória. O “sentir” àquela torcida, o estar junto a ela, me trazia o que precisava para alcançar satisfação e abria a minha percepção para toda simbologia do grupo, do coletivo, da massa e multidão, agregando valor ao meu posicionamento diante da sociedade. Naquele “meio” eu era mais gente, mais humano, ser social, preenchido, por assim dizer, e aprendia lições que levaria para sempre. Nesta fase ainda, de adolescência, a leitura, o exercício dela habitualmente, me atingiu e a luz do conhecimento irrestrito adentrou meus poros e passou a clarear o meu ser. Pela
  • 11. 10 leitura, o mundo era meu! Quando me deparava com histórias envolvendo o futebol e, mais especificamente, o Flamengo, a sua superação, raça, garra, a alegria rubro-negra, o manto sagrado, sua torcida, essas conotações, eram pontos associativos sempre abordados. Diante desses textos que inflamavam ainda mais o desejo de descobrir os motivos que fortaleceram ao longo do tempo a exaltação a este clube eu me via como um menino na “fantasia” descritiva do real. Era difícil controlar a minha curiosidade, o senso precoce de questionamento, e a obstinação em apurar, em atingir as raias do entendimento das razões para este clube se fazer tão especial. E dentro desse seio da literatura houve um momento mágico, de descoberta. O que senti quando li uma coletânea de crônicas esportivas de Nelson Rodrigues e o que ele falava sobre o Flamengo foi algo como um torpor que tomava conta da alma e revelava um universo futebolístico cheio de poesia e dramaticidade. Aproximava-se do que sentira no Maracanã no meio daquela massa enlouquecida e “embriagada” de paixão. Era a tradução exata. Como era possível aquilo? Até aquele momento só havia conhecido a obra do Nelson Rodrigues, dramaturgo. Ícone neste segmento. Não menos brilhante na crônica esportiva, através dela, ele me arrebatara pra valer. Nelson exclamava ser o Flamengo um fenômeno, uma força da natureza que venta, chove, troveja, relampeja. Que cada brasileiro vivo ou morto já havia sido Flamengo por um instante. Que o seu torcedor era capaz de morrer com o nome Flamengo gravado no coração a ponta de canivete. Para ele, a alegria rubro-negra não se parecia com nenhuma outra. E dizia ainda que se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo à Canudos para contar a história do povo brasileiro. Era muito forte e intrigante. Como um tricolor assumido podia dizer aquelas coisas sobre o rival rubro-negro? O desejo de me aprofundar no quesito Flamengo para compreendê-lo em sua essência, continuava pedindo passagem. Outros compromissos, no entanto, postergavam essa pesquisa. O tempo passou. Na faculdade, ao iniciar o direcionamento para a escolha do tema deste projeto de conclusão, não existia mais dúvida. Havia chegado o momento da pesquisa. Sobre a história do Clube de Regatas do Flamengo, de sua torcida, iria me debruçar. Em um primeiro momento seria só o torcedor do rubro-negro carioca. Precisava, porém, criar uma relação com o jornalismo. Nelson Rodrigues. Surgiu esse nome, esse elo. Para quem possa não saber, Nelson antes de grande dramaturgo foi durante toda sua vida jornalista e cronista esportivo, de mãos cheias. A crônica esportiva, portanto, me daria suporte. Durante as leituras específicas para o trabalho, eis que para a minha surpresa, dois outros nomes me saltam aos olhos, à mente e ao coração. José Lins do Rego – que eu conhecia por “Riacho Doce” e “Fogo
  • 12. 11 Morto” -, e Mário Filho – que somente o identificava como o jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã. Os dois, também cronistas esportivos e com uma escrita ímpar, que me fazia “babar”, teriam que ter o merecido espaço. Um, era torcedor ardente do Flamengo. O outro, referendado pesquisador, historiador, defensor do futebol, idealizador e criador de grandes eventos relacionados ao esporte e, de certa forma, ligado também, ao rubro-negro. Este trabalho então, no seu ponto central, a torcida do Flamengo, pode-se dizer é acalentado há anos. Para desenvolvê-lo era necessário expô-lo ao crivo científico. Tive o cuidado de não me deixar levar pela emoção e pelo autossugestionamento. Desprendi-me de qualquer sentimento unilateral que corrompesse os sentidos. Confrontei a produção de vários autores e trabalhei de forma racional, analítica científica – em face de reunir tudo a respeito e criar a minha linha de raciocínio - visando obter resultado satisfatório. Sem ser “xiita”, radical, no sentido de me manter rigorosamente o tempo todo na razão, me permiti, entendendo não ser maléfico para o trabalho, em alguns momentos, fluir no sentimento mais solto, natural, sem, no entanto, fugir da realidade dos fatos. Aqui estão contidas as nuances, as sutilezas históricas, os acontecimentos fortuitos, as interpretações e reinterpretações que ajudarão o leitor a encontrar fundamentos para saber o porquê desse clube, chamado Flamengo, ter uma torcida gigantesca, ímpar e de ser para este seu torcedor, além, do “mais querido do Brasil”, um clube de simbolismo que vai sempre mais além. Mais que uma paixão. É religião. No sentido mais abrangente da palavra, de religar o maior número possível de pessoas à sua causa. O que foi reunido, apresentado neste trabalho, interessa não somente ao torcedor do Clube de Regatas do Flamengo. É de interesse para quem gosta de futebol e, mesmo com sua inclinação para este ou aquele time, pensa sobre o tema e enxerga a história do outro, independente do julgamento que faça. Justifica-se, inclusive, o seu conteúdo aceitável, a uma minoria que não gosta de futebol, isto porque, vai muito além desse aspecto único. Trata de Sociedade, Cultura, História, Comunicação. Trata de gente. Retrata uma instituição que há 118 anos mexe com a emoção do torcedor. Seja amando, ou, odiando, o Flamengo é assunto comum por todos os cantos. Amor, paixão, fracasso, superação, alegria, ousadia, coragem. Sentimentos inerentes ao ser humano. Sorriso e lágrima. Pluralidade. Tudo isso está presente nesse tema. Sobre esses pilares, a história do Clube de Regatas do Flamengo foi erguida. Inserido na Comunicação Social e sendo frequentemente pautado no Jornalismo, o Flamengo, impressiona e qualquer investigação que trate de revelar os motivos para essa massificação do tema Flamengo se faz pertinente.
  • 13. 12 1 FUTEBOL, ESPORTE DE MASSA O futebol, palavra que em sua origem vem a significar alguma coisa do tipo, “chutar bola”, ocupa consistentemente porção considerável do planeta, seja, pela prática do esporte, ou, pela abordagem do assunto e tem lugar de destaque no item predileção das pessoas. Ele se caracteriza como a maior paixão esportiva do planeta. O mecanismo que o rege é intrincado. Um esporte que desperta nas pessoas paixão em doses cavalares necessita de análises profundas para se chegar aos motivos de sua atração. Ele desemboca em um campo minado da complexidade humana. O futebol é retrato, imagem da sociedade. O jogar do campo e da vida são bem semelhantes, acrescenta (JÚNIOR, 2007). Em países onde o futebol é o esporte mais popular – e são muitos – ele vem a ser mais que uma atividade esportiva. É representação da vida, de certa maneira. Perceber essa paixão, reconhecer sua autenticidade, sua profusão é pertinente e na proveitosa tarefa de desconstruir a formatação do esporte visando esmiuçar suas nuances, embarca-se. Sem pré-julgamentos que podem escorregar nas certezas, apreciativas ou depreciativas, e somente com a pretensa missão de se obter o conhecimento, projeta-se o olhar para examinar suas origens e desvendar seus enredos. Posicionando-se como observador dos signos que gravitam na atmosfera do futebol e que o fazem permear o mundo e as relações humanas, chega-se a conclusão de ser o esporte elemento fortemente representativo na sociedade brasileira. Jogando luz sobre os fatos, é certo encontrar apontamentos de significação para essa prática esportiva que consiste em conduzir uma bola com os pés, driblando o oponente e tendo como objetivo central, o assinalar do gol. Entrando de cabeça na simbologia do futebol, chegamos a interpretações esclarecedoras acerca de seu papel social. O futebol tem um dom próprio. Ele faz as minorias, que estão fora da massa, sentirem-se parte da multidão. Também afasta qualquer indivíduo da solidão do sentir-se minoritário, dando-lhe uma identidade. A massa ganha uma personalidade própria, afastando o sentimento de ser apenas mais um. (PEREIRA, 2010, p. 13). Ele funciona como um micro cosmo na estrutura macro social e é detentor de capacidade ímpar de agregar, espalhando enlevo, feitiço, deleite. O futebol explica a sociedade. É uma instituição nacional. Banhado na metáfora, a associação com a vida se faz. A vida não traz paralelos com uma partida de futebol? Certamente. No campo de nossas existências, com as faltas, sofridas e cometidas; as marcações cerradas que impomos; os deslocamentos para fugir do indesejado; as alegrias; tristezas; vitórias e derrotas, glórias e
  • 14. 13 ostracismo, diante desses adventos, nos deparamos com situações que nos impelem a tomar decisões bem projetadas, suprimindo riscos, e conduzindo ao sucesso. O futebol pode ser visto como uma analogia da vida e muito do que ocorre nele traz traços desta vida que fomos escalados a jogar. A experiência futebol parece ser, de fato, uma experiência divertida, o registro da ilusão, aquilo que Benjamin um dia chamou de ‘aura’. O futebol é a prova viva da necessidade de demonstrar afeto e de transformar a realidade num instante. A efemeridade do futebol impressiona ainda mais no momento do gol, em que nada parece fora de lugar. Mas os pilares que sustentam a concepção de espetáculo do futebol vão além das conquistas históricas [...]. (LOYOLA apud FREIRE, 2007, p. 98). E quando surgiu? Como surgiu? Que desejo o inspirou? Quando se busca referências sobre a origem do futebol, histórias diversas saltitam aos nossos olhos e ouvidos. Nenhuma delas com base de registro oficial que ateste a veracidade. Como afirmam muitos estudiosos do assunto, é impossível determinar um momento exato em que o futebol deu o ar de sua graça na história da humanidade. Uma dessas narrativas nos conta que na China, durante o período de 2000 a.C., guerreiros tiveram a ideia macabra de, após derrotarem o inimigo, decepar-lhe o crânio e passar a chutá-lo visando ultrapassar a demarcação de dois paus fincados no chão. Com o tempo se aprimorou essa diversão que passou a ser um exercício militar disciplinador e bastante competitivo, chamado Tsu Chu, que significava morfologicamente “chutar a bola”. Ocorrera uma mudança. E para melhor. Não mais se utilizava a cabeça do inimigo – substituída por bola de couro com enchimento de crina. A primeira forma documentada de futebol que se tem notícia vem da China, com o Tsu Chu, que em chinês significa ‘lançar com o pé’ (tsu) uma bola recheada de couro (Chu). O esporte, criado para fins de treinamento militar, foi desenvolvido por Yang Tsé, integrante da guarda do imperador da dinastia Xia, em 2197 a.C. (UNZELTE, 2009, p. 10). Importado pelos japoneses, no século II a.C., o Tsu Chu mudou de nome, sendo chamado de “Kemari”, palavra japonesa para definir, da mesma forma que no chinês, a prática de “chutar a bola”. No Japão ele deixa de ter um caráter de competitividade e passa a ser um cerimonial. Na América Central, no século 900 a.C., sob o nome de Tlachitli – espetáculo – um suposto antepassado do futebol também é identificado. Ocorria em um pátio que separava dois templos e consistia em não deixar a bola tocar o chão. Ela, a bola, tinha de ser introduzida em aros.
  • 15. 14 [...] os japoneses pretendiam provar que, muito antes de ser regulamentado pelos ingleses, o futebol já era conhecido no oriente, pelo nome de Kemari (Ke = chutar; Mari = bola). [...]. Patrocinado e difundido pelos imperadores Engi e Tenrei, esse tipo de futebol não contava pontos e nele se proibia qualquer contato corporal entre os participantes. (UNZELTE, 2009, p. 12). Na cultura europeia, três atividades vêm a ser mencionadas como centelha inicial do futebol. Na Grécia, o Epyskiros, século IV a.C. Jogado em campo retangular, com bola que tinha no seu interior areia, e com o objetivo de fazer a bola ultrapassar certa demarcação. “Por volta de 850 a.C., Homero havia escrito um livro sobre esse tipo de esporte [...]. O parente mais próximo do futebol era o epyskiros, disputado com os pés, em campo retangular, por duas equipes de nove jogadores”. (UNZELTE, 2009, p. 12). A partir da influência do Epyskiros, surge em Roma, século III a.C., o Haspastum. “Influenciados pelos gregos, os romanos também bateram a sua bolinha. O Haspastum – o jogo da pequena bola”. (CARMONA e POLI, 2006, p. 22). Sua configuração era a de aprimorar o aspecto atlético dos soldados e desenvolver uma estruturação tática. A partir do século I a.C., se desvencilha da exclusiva esfera militar e se populariza. Possivelmente o Haspastum foi introduzido pelas tropas romanas nas ilhas britânicas. Os diferentes jogos com bola praticados na Inglaterra, inclusive o futebol moderno, teriam derivado dele, defendem teóricos. Uma tese dá conta de que em Florença – da fase Renascentista – atribuía-se ao Haspastum a origem de um jogo com bola, praticado desde o século XIV, chamado, Cálcio. Termo consagrado e até hoje proferido pelos italianos para denominar o futebol. O Cálcio possuía características de ser um jogo urbano praticado no principal espaço público da cidade (Piazza Santa Croce); tinha número fixo de jogadores; utilização de uniforme; aplicação de regras; figura do árbitro e posicionamento dos jogadores em certas áreas do campo. Praticado por indivíduos de todas as classes sociais, na segunda metade do século XVI muda de cara. Passa a segregar as camadas mais pobres e torna-se exclusividade da nobreza. Em apontamentos históricos percebe-se o quão apreciado era o esporte. Mesmo com a barreira aristocrática, muita gente punha-se a acompanhar o evento. Existem relatos que estimava em 40 mil, o número de espectadores que acompanhavam cada partida, explicita (CARRILHO, 2010). Outro apontamento discorre sobre uma manifestação esportiva ocorrida na França, século XII, o Soule – do latim Solea (calçado). O Soule viria a ser uma prática com bola, certamente jogada com os pés – associação com “calçado” - e que tinha muitas variações dependendo da região. “As conquistas romanas semearam filhos do Haspastum pelo mundo.
  • 16. 15 Na região da atual França, os habitantes célticos pré-romanos tinham um jogo de bola conhecido como Seault. Do cruzamento das duas tradições surgiu o soule”. (CARMONA e POLI, 2006, p.23). Para maioria dos estudiosos, o futebol moderno teve sua origem na Inglaterra. Caminhando de mãos dadas com a afirmação do poderio e da autoridade britânica pelo mundo, o futebol desempenhou papel de destaque na proliferação desta condição inglesa. A propagação pelo mundo do esporte, o futebol, dentre outros de origem britânica, se deu sustentada por essa ascendência cultural inglesa e na associação à cultura ocidental cristã. O futebol então ligado à Inglaterra faz enxergar nisso uma roupagem que mostra a Revolução Industrial empreendendo no esporte, alguns conceitos marcantes de seu surgimento e influência pelo mundo. Aspectos de um, foram desencadeados no outro. Competição, produtividade, igualdade de chances, supremacia do mais hábil, especialização de funções, quantificação de resultados, fixação de regras. Essas pontuações se aplicam a ambos. Pode-se detectar pelo estabelecimento das regras que a Inglaterra que experimentava um intenso desenvolvimento das instituições, visava à organização da sociedade. Através do fortalecimento das instituições formais e da deflagração de regulamentações se ordenaria bem o jogo social. Instituições servem para reger a própria sociedade. O progresso do capitalismo exigiu um avanço no desempenho das instituições. Para (CARRILHO, 2010), instrumento de demarcação do predomínio britânico pelo mundo, o futebol foi envolvido pelo propósito colonizador de servir, através do chamado cristianismo britânico, entre 1820 e 1900. Como eficaz concepção pedagógica de desenvolvimento da estrutura moral da elite britânica, ao se inserir em outros países, o futebol e a sua aplicação, era de suma importância para proporcionar força ao corpo, consistência ao espírito, rapidez ao raciocínio, disciplina, boas maneiras e desenvolvimento. Incorporando a fundamentação da teoria de Charles Darwin chamada “origem das espécies” e incutindo, primeiro na Inglaterra e depois rompendo fronteiras, a ideia de que, biologicamente, temos uma base comprovada da sobrevivência dos mais fortes, o esporte foi elegendo os seus. A teoria darwinista foi se difundindo nas escolas privadas e nas universidades de Oxford e Cambridge, juntamente com o jogo praticado com bola, desde o século XIV, chamado Football. Mesmo ao passo das interdições oficiais que vieram a ocorrer, em nenhum momento o esporte desapareceu das cidades britânicas. Tamanho foi o interesse pelo football na Inglaterra que, entre 1830 e 1870, cerca de sessenta times já haviam sido registrados. Houve então a
  • 17. 16 necessidade de padronizar, de codificar as regras do esporte, tendo em vista que elas variavam conforme a localidade. Em 1863 foi criada para este propósito, a Football Association. Identificado então como produto made in England, os ingleses enxergavam no futebol condições apropriadas para fortalecer ainda mais a sua imagem por outras terras. Dessa mentalidade, um processo de exportação veio a ocorrer. Países de todos os continentes foram apresentados ao futebol. Ridicularizado no início e não visto com bons olhos – isto fora da Inglaterra, deixar claro - ele solidifica-se como espetáculo atraindo públicos cada vez maiores. O futebol não é um pendor de desligamento das responsabilidades, das obrigações sociais - como alguns afirmam. Tem muito mais elementos construtivos do que destrutivos, benéficos, que maléficos, no seu universo e trabalha na intensidade das emoções. Tanto na questão da razão como na da emoção, encontra-se motivações sólidas e conteúdo consistente para aprofundamento de estudo. Uma das maiores distrações da humanidade, pelo menos entre os homens, o futebol é menos perigoso que o álcool, menos ilusório que a religião e proporciona um senso de comunidade mais estrito que qualquer partido político. As ilusões da lealdade podem se perder ou o êxtase da vitória pode se provar efêmero, mas, ao início de cada novo campeonato, a esperança eterna que ocupa o coração dos fãs do futebol pulsa novamente. Os políticos abusam dessa fé simples, os homens ricos corrompem-na e os cínicos zombam dela, mas o futebol sobreviveu a tudo isso, tornando-se a maior e mais sólida instituição esportiva do mundo. (MURRAY, 2000, pag. 18). Impressionante é observar quão natural e próprio da raça humana é a predisposição, o impulsionamento que se tem, desde a marca inicial da vida, dos primeiros meses de existência, para, sem ninguém ensinar, soltar o pé em uma bola. Ao primeiro sinal de que começa a andar, a criança já esboça o ato de chutar aquele objeto redondo. Essa inclinação existe em todo o ser que estreia em sua vivência neste planeta. No Brasil, o futebol é uma febre que faz bem. Há mais de cem anos se instalou por aqui e desde então sua representação e significação social veio se acentuando cada vez mais. 1.1 CHEGADA NO BRASIL Conjeturas variadas de manifestação inicial do futebol no Brasil são encontradas. Uma linha de observação relata que já no século XVII, os portugueses, que aqui estavam com o propósito de colonizar essas terras praticavam um esporte que era jogado com uma bola de pano e que possuía semelhança com o futebol. Outra versão levantada é a de que marinheiros
  • 18. 17 europeus, mais precisamente ingleses e franceses, teriam jogado as primeiras “peladas” na América do sul, em 1864, em terras brasileiras. Bailam ainda versões de que marinheiros ingleses teriam desembarcado no Rio de Janeiro e realizado uma “pelada”, rachão, em frente à residência da princesa Isabel, no bairro carioca das Laranjeiras. E que em Itu, no interior paulista, padres haviam ensinado o futebol aos seus alunos entre 1872 e 1873. Duas outras explanações argumentam que Mr. Hugh, responsável pela estrada de ferro São Paulo Railway, teria apresentado o futebol a seus funcionários e estimulado sua prática. E que em colégios confessionais e laicos de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, a prática futebolística já se aplicava desde a década de 1880. O futebol definido por (BYINGTON, 1982, p.21) como “uma prática social que, como tal, expressa a sociedade brasileira, com todas as suas aspirações mais antigas, seus desejos mais profundos e suas contradições mais camufladas”, tem a versão oficializada de chegada ao Brasil por intermédio da figura de um paulistano, filho de engenheiro escocês e de uma brasileira – filha de ingleses. Seu nome, Charles Miller. Ele que fora mandado pelos pais, aos nove anos de idade, para a Inglaterra a fim de completar os estudos, ao retornar, em 1894, traz em sua bagagem uma série de itens associados ao futebol: uniformes, pares de chuteiras, bolas, uma bomba de ar, um livro de regras, além, da obstinação em desenvolver o esporte por aqui. Charles havia jogado futebol na Inglaterra e mostrava talento como jogador. Logo que chegou teve dificuldades para convencer os seus pares – obviamente àqueles que não tinham ido à Inglaterra - a praticar o esporte bretão. Na sua insistência, conseguiu arrastar alguns colegas para um campo de várzea. Sendo sócio do São Paulo Athletic Club – o primeiro clube esportivo da capital paulista – Charles Miller tentou fazer com que os ingleses do clube jogassem uma partida de football. Praticantes do críquete, os sócios descartaram de imediato. Só no ano seguinte, 1895, o São Paulo Athletic adotou o futebol em seu quadro, tendo Miller como principal destaque. O primeiro jogo de futebol que se aproximou das regras oficiais, por assim dizer, ocorreu em São Paulo, em Abril de 1895. Charles Miller foi o responsável em pôr em campo funcionários da Companhia de Gás (The Team of Gaz Company) e da São Paulo Railway – empresa da qual o seu pai era funcionário, cita (GUTERMAN, 2010). É com ares de esporte estritamente elitista que o futebol se instaura na Paulicéia. Tem aceitação forte entre os abastados, mas, logo é visto e descoberto pelo pessoal do baixo escalão social. Queriam ter o direito de praticá-lo também. Em 1898 é fundada a Associação
  • 19. 18 Atlética Mackenzie College, que em tese vem a ser o primeiro time de futebol composto unicamente por brasileiros. Charles Miller e sua importância para o futebol é notória. Todavia, outro nome que não se pode esquecer é o de, Hans Nobiling. Um alemão que muito contribuiu para a organização e disseminação do futebol por terras paulistas. Estabeleceu-se em São Paulo em 1897 e determinado a difundir a prática do futebol fundou o seu próprio time, o Hans Nobiling Team. Fomentou disputas envolvendo os times de até então, o seu, juntamente com o Mackenzie e o São Paulo Athletic. Fundou outro clube, que tinha o nome de Sport Clube Internacional e, em seguida, mais um, o Sport Clube Germânia. [...] Charles Miller não foi apenas o principal responsável pelo aparecimento do futebol em nosso país. Mais que isso, ele tinha o perfeito domínio das regras do futebol naquela época, apitava jogos, além de ser jogador de extrema habilidade técnica (...). Ao chegar ao Brasil, Charles teve mais um motivo para continuar empolgado e divulgando o futebol: ele encontraria aqui o alemão Hans Nobiling, chegado em 1897, vindo de Hamburgo, onde jogava pelo clube Germânia. Juntos, passaram a organizar competições no campo de Rúgbi do São Paulo Athletic e no velódromo, Seguia-se, a partir desse momento, uma série de jogos que reunia os altos funcionários das empresas inglesas e a elite econômica interessada nesse esporte. (CALDAS, 1990, p. 23). No Rio de Janeiro, é oficialmente Oscar Cox – filho de inglês - quem dá o pontapé inicial na introdução do futebol na cidade. Assim como Nobiling, em São Paulo, Cox foi o homem que teve papel relevante na disseminação do futebol por terras cariocas. Oscar ao retornar da suíça, em 1897, após completar os estudos, extasiado pela febre do futebol na Europa, desembarca com uma ideia fixa. Implantar o inglês “football” entre os cariocas e fazer dele o esporte mais admirado da cidade. O estudante tinha 17 anos. Na capital federal nenhum traço do esporte existia e Cox enfrentou enormes dificuldades. Os campos que haviam eram destinados ao Críquete (esporte parecido com o beisebol). Para Oscar Cox aquele espaço era muito diferente do que havia visto na Europa. E as pessoas sequer vislumbravam o que poderia ser o futebol. ‘Football’? Que vinha a ser aquilo? [...] havia um campo. Sim. O clube brasileiro de Cricket tinha um. A coisa, porém, se complicava quando Oscar Cox, balançando a cabeça, dizia que, fora o verde da grama, não existe semelhança alguma entre o campo de cricket e o campo de football. O campo de cricket sendo oval, o de football sendo retangular. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 14). Encomendando bolas, que vinham da Europa, Oscar Cox estimula a aproximação dos praticantes do críquete e dos seus pares sociais ao novo esporte. A batalha foi árdua. O campo teria que ser aquele mesmo, destinado ao críquete. Faltavam as traves, as redes e inclusive
  • 20. 19 jogadores. Cox quase desanimara, mas incentivado por seu pai e também pelo avô – o pai havia sido um dos fundadores de um clube de críquete, em Niterói, o Rio Cricket and Athletic Association - continuou a acalentar o seu sonho. Levou três anos para fundar o primeiro time carioca de futebol formado só por brasileiros. Brasileiros esses que haviam também ido a Europa e se encantado com o esporte. O time pertencia ao Rio Cricket. O outro clube de críquete da cidade era o Paysandu Cricket Club. O time de futebol do Rio Cricket comandado por Cox, enfrentou outro formado por sócios do clube, praticantes do críquete e do tênis. O placar de 1 a 1 deixou as pessoas meio perplexas. Que esporte era esse que aceitava uma disputa sem um vencedor? O team dos brasileiros devia enfrentar um team de ingleses. Qual o inglês que não dera um chute em uma bola? E aí – era agosto de 1 – bem de manhã cedo, os tenistas do Rio Cricket and Athletic Association tiveram a atenção despertada por umas balizas colocadas nos extremos do campo de Cricket. Eles perguntavam ainda o que era aquilo quando apareceram os jogadores. [...]. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 15). Mesmo com desconfianças, a primeira experiência foi proveitosa e duas outras partidas foram realizadas. Porém, para se consolidar de verdade era necessário jogar contra os paulistas já mais adiantados na prática do futebol. Cox fez contato com um amigo que havia estudado e praticado futebol com ele na Europa e que morava em são Paulo. Esse amigo estava inserido no movimento futebolístico em São Paulo. Uma resposta positiva se deu e o time do Rio partiu rumo à capital paulista. A receptividade foi muito boa e as partidas bem jogadas. Foram dois jogos. Dois empates. E um bom número de pessoas foi conferir o embate entre cariocas e paulistas. E a gente só precisava de uma coisa. De disputar um macht em São Paulo [...]. Oscar Cox pegou uma folha de papel, molhou a pena e escreveu a carta. Quero que você me responda com urgência se é preciso levar barra de gol e redes. Temos tanto uma coisa como outra. A resposta veio mais animadora do que se esperava. Não precisamos – escrevia René Vanorden, do Esporte Clube Internacional – de nada. Temos campo. Temos barra de gol. Temos rede. Só faltam vocês para um Rio - São Paulo. (RODRIGUES FILHO apud MARON FILHO e FEREIRA, 1987, p. 16). Em 1902, Cox alça voo mais alto e substancial e funda o aristocrático Fluminense Football Club. Mas, o primeiro time de futebol oficial do Rio de Janeiro foi o Rio Football Club, surgido poucos meses antes do Fluminense. Inicialmente Cox seria o seu fundador, mas por divergências deixou o grupo e outro membro se encarregou de firmar o nascimento do clube.
  • 21. 20 Com a criação formal do seu tão acalentado time, o Fluminense, Cox, sente um quê de missão cumprida. O futebol no Rio de Janeiro começa a se fortalecer e a despertar o entusiasmo nas pessoas. Despertar interesse entre todos, sim. Mas a prática do esporte era restrita a pessoas de bom poder aquisitivo, é bom dizer. Lembrando que os esportes populares eram o Remo e o Turfe. Nessa época, o Rio de Janeiro era tocado pelo anseio de modernização e uma grande estruturação urbana, que visava corrigir as deficiências que possuía, foi implantada. O Rio de Janeiro passava, naquela época, por bruscas reformas urbanas que modificavam a disposição geográfica da maior população brasileira da época. De acordo com Mattos (1997) os clubes também fizeram parte desse esforço modernizador e cosmopolita que contagiou o rio na virada do século. A autora recorreu a Needel (1993), que, em seu estudo sobre belle époque, relacionou a criação dos clubes ao desejo de estabelecimento de um convivo social da elite, (DAOLIO, 1997, p.22). Na elite e não no seio da camada mais humilde, o futebol tem o seu desenvolvimento inicial no Brasil. Era amador e nisso residia um traço que era defendido por quem o praticava, o Fair Play. Jogar limpo era necessário. Na arquibancada, o torcedor também deveria se comportar. O futebol serviria como meio de despertar os modos mais refinados, os bons princípios para formar uma classe que serviria de modelo para todo o país. A elite se dedicaria a utilizar aquele esporte para incutir a ideia de que era fundamental prezar pelas boas maneiras para se atingir uma pretensa “civilização”. Esporte de bacharéis num pais caracterizado por gigantesca desigualdade social, esporte de brancos em uma sociedade com marcas ainda expostas do escravismo, esporte associado a ícones do progresso e da industrialização numa economia ainda essencialmente agrária, o futebol tornou-se desde o inicio um dos ingredientes mais importantes dos debates acerca da modernização do Brasil e da construção da identidade nacional. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 61). Um ponto era bem demarcado. O futebol deveria ser praticado por pessoas de igual condição social e racial. Só pessoas de “boa família” seriam capazes de ter uma conduta adequada, de portar-se com educação. Esse era o pensamento dominante. Sendo assim, só àqueles de famílias abastadas, tradicionais e, aos “brancos”, deveria ser permitida a prática do esporte. Só foi esquecido que era da natural predisposição da figura humana o alcance das vitórias. Não era fácil aceitar derrotas. As partidas foram ficando acirradas e a paixão pelos clubes se aflorando. A elite começou a deixar o fair play de lado. Vez ou outra, as partidas não terminavam bem. Com a inserção “forçosa” dos clubes de menor expressão, notou-se um
  • 22. 21 tratamento diferenciado proporcionado, principalmente, pela imprensa da época, que criticava quando jogadores e torcida de times sem tradição e suburbanos se envolviam em confusões. Cobrando medidas para restringir a participação destes nos eventos de futebol, assim se comportavam. Já quando o ato reprovável partia de um jogador de um time tradicional, um time “grande”, a atitude era outra. A imprensa argumentava que havia sido um relapso, um destempero normal. O tratamento dado aos times da zona sul era bem diferente ao direcionado aos times suburbanos. É isso é o que se deduz da leitura de (PEREIRA, 2000). A grande massa já envolvida pela paixão do esporte, mesmo com a postura excludente desempenhada pelos organizadores, mesmo com o não permitir aos menos favorecidos ter acesso ao esporte, queria estar perto do futebol. Espiavam por entre os muros e do alto de morros as partidas jogadas pelos de boa condição financeira. Tocados pelo encanto e atratividade que o futebol proporcionara, passaram a, em larga escala, correr atrás de uma bola, fosse ela feita de meia, ou de outra composição, em terrenos baldios, nas ruas e praças. Conta (PEREIRA, 2000) que nos primeiros anos do século XX, a capoeira, que era associada aos negros e tida como prática repugnada pelas “famílias da sociedade”, que viam nela um grande “mal” para a cidade, foi discriminada, atacada e repreendida pelas autoridades. Como alternativa para “controlar” as festas que eram as rodas de capoeira, que reunia a camada da população mais pobre pelas ruas, o jogar futebol, entre os menos privilegiados socialmente passou a ser permitido – tendo claros interesses de controle. Ligas suburbanas de futebol começam a surgir. O esporte toma conta dos subúrbios proletários. No que toca à questão da classe operária, um fato que obteve destaque proeminente e serve como síntese para o início da democratização do futebol no Brasil foi a criação de um time por diretores da inglesa, “Companhia Progresso Industrial”, uma fábrica de tecidos, que permitiu ao operariado o acesso à prática do futebol. Esse time é o Bangu Athletic Club. Para a democratização do futebol foi de extraordinário significado a fundação do The Bangu Athletic Club no ano de 1904. Bangu, um subúrbio do Rio de Janeiro, é a sede de uma grande fábrica de tecidos, que mandou vir da Inglaterra os técnicos de que precisava. Os ingleses fundaram o clube com o consentimento da direção da fábrica, que lhes pôs à disposição também um campo situado próximo. Em virtude da distância do subúrbio, entretanto, não foi possível aos ingleses constituírem equipes fechadas chamando os seus compatriotas da cidade. Viram-se obrigados a recorrer aos operários da fábrica, estimulados pela direção esclarecida, que provavelmente soubera que os fabricantes de tecidos ingleses na Rússia fomentavam o futebol entre os turnos para animar sua disposição ao trabalho. (ROSENFELD, 1993, p. 82). Pela facilidade em praticá-lo, o futebol consegue adesão maciça dos pobres, alavancase entre todas as classes sociais. Rompe fronteiras conceituais e começa a cutucar o
  • 23. 22 preconceito. Especialmente, o racial. Mesmo contra a vontade das elites, o interesse pelo futebol jogado em alto estilo pelo negro começa a se fazer presente. Os clubes vão se curvando a este fato e passam a eleger seus atletas pelo talento, fazendo vista grossa para a cor da pele. Ou, maquiando de certo modo, esse traço racial. Podia-se tentar camuflar aquela condição. Friedenreich foi exemplo disso. Sendo o primeiro grande fenômeno negro do futebol brasileiro. Ele foi o autor do gol que deu o primeiro título internacional ao futebol brasileiro, no Sul-Americano de 1919, ocorrido no Rio de Janeiro - cinco anos após a realização da primeira partida do selecionado brasileiro. A euforia era imensa. O Brasil conseguira “bater” Argentina, Uruguai e Chile – que costumavam levar vantagem nos confrontos, principalmente, a Argentina e o Uruguai – e o Rio de Janeiro conseguira realizar uma grande competição esportiva transformando o evento em acontecimento social de imenso destaque. Nascido em 1892 no bairro da Luz, em São Paulo, Friedenreich, sintetizava bem a mestiçagem que é um traço de povo brasileiro. Filho de um comerciante alemão e de uma brasileira, lavadeira e negra, o mulato de olhos verdes possibilitou a abertura, ainda tímida, inclusive, nos jornais, de espaço para se falar sobre o negro. Involuntariamente tinha um hábito que parecia denunciar algo. “Fried procurava ele mesmo esconder como pôde sua condição de mulato, alisando vigorosamente o cabelo antes de entrar em campo” (GUTERMAN, 2010, p. 44). Outro fato racial que se tornou cheio de simbolismos aconteceu em um dos clubes mais tradicionais do Brasil, o Fluminense. Para entrar em campo, um jogador de pele mais escura do clube – contratado junto ao América, em 1914 - chamado, Carlos Alberto, fazia uma sessão de maquiagem para não denunciar sua condição racial. “(...) Carlos Alberto, entrou para a antologia do futebol pelo inusitado: mulato, ele passava pó de arroz no rosto para disfarçar a raça quando jogava pelo Fluminense” (GUTERMAN, 2010, p.44). Desde então, as torcidas adversárias passaram a se referir assim ao clube das Laranjeiras, “pó de arroz”. Com a “indesejada” abertura do futebol elitista ao negro – e por associação ao pobre rompimentos, rupturas se estabeleceram e criações de ligas, de campeonatos que abarcavam clubes ideologicamente diferentes, foram recorrentes. (PEREIRA, 2000) destaca que o futebol já havia se enraizado definitivamente na nossa cultura e se tornado a grande paixão do brasileiro. No Rio de Janeiro, o remo ainda tinha a sua força, mas o futebol já possuía o seu brilho próprio. Depois do surgimento do Vasco da Gama na divisão de elite do futebol carioca, não dava mais para negar a chegada definitiva do negro, do pobre e do trabalhador
  • 24. 23 comum, ao futebol. A aceitação do negro e o “amadorismo marrom”, assuntos estes, ligados ao Vasco da Gama, serão comentados mais adiante. Deve-se considerar o pensamento predominante da sociedade que pregava ser o branco uma raça “pura” e que a mestiçagem que ocorria no Brasil fazia mal e acentuava aspectos depreciativos. O futebol conseguiu servir como meio para a propagação e fortalecimento do contrário. A mestiçagem era nossa marca positiva e dela não poderíamos fugir. Ainda sendo amador, o futebol deixava transparecer uma ponta do profissionalismo. Este aspecto era alimentado pelos patronos dos clubes. Uma das práticas à qual muito se faz referência era o pagamento do “bicho”- um animal de valor que era dado a um atleta ou, mais comumente, rateado entre os atletas. O caminho para a profissionalização estava sendo traçado, era inevitável. O profissionalismo de certa forma demorou a vingar por aqui. Foi no momento em que o Brasil começou a perder jogadores – contratados e remunerados por times de outros países – que ele se estabeleceu de vez. Isto, na segunda metade da década de 1930. O futebol também foi parte importante no fortalecimento da autoestima e da autoafirmação dos imigrantes que para o Brasil vieram se estabelecer. Destacadamente, para os alemães e italianos - em decorrência da primeira e da segunda guerra mundial. E para os portugueses, que eram vistos por aqui com maus olhos e repugnância, em razão da colonização, domínio e exploração das terras brasileiras. Considerável parcela da sociedade tinha certo entrevero e picuinha na relação com os portugueses. Essa antipatia era bem percebida. Através do futebol, os imigrantes conquistaram respeito e melhor perspectiva passou a se apresentar para eles. A união, solidariedade, homogeneidade sentimental - de dirigentes, sócios, jogadores, torcedores - a partir dos seus traços nacionalistas, fortaleceu os imigrantes que, apesar dos pesares, acreditavam ser aqui um lugar bom pra se viver. Começaram a surgir clubes formados por gente nascida em outros países. São exemplos desse processo: o Palestra Itália, em São Paulo e em Minas Gerais – originário de Palmeiras e Cruzeiro, respectivamente. Também, o Juventude, em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Todos oriundos da colônia italiana. A colônia alemã fundaria o Coritiba, em Curitiba, no Paraná; o Grêmio, em Porto Alegre, e o Germânia, em São Paulo. Os portugueses, Vasco da Gama e Lusitânia – no Rio -, e Portuguesa de Desportos, em São Paulo. O Galícia, em Salvador, na Bahia, seria fundado por espanhóis. Esses exemplos são de clubes que obtiveram sucesso no futebol, ao passo que, outros, sem destaque no futebol, mas fortes como clubes sociais propriamente, como, o Esporte
  • 25. 24 Clube Sírio, o Monte Líbano, de imigrantes árabes, e, posteriormente, a Hebraica, já nos anos 1950, fundado por Judeus, referendam essa constatação. Impossível não pensar no futebol como fenômeno social, cultural, que ajudou o Brasil a encontrar a sua identidade nacional. Deve-se gratidão ao futebol, por exemplo, pelo fato de ter possibilitado, vencendo a resistência da classe dominante, mostrar, escancarar uma realidade que é própria do Brasil. O Brasileiro é um povo mestiço, fruto da mistura de raças, um povo formado da fusão de negros, mulatos, indígenas e europeus e por isso tão especial. E também por ter contribuído para fazer o brasileiro se sentir especial diante do mundo a partir das conquistas mundiais da seleção. Foi por intermédio do futebol que o brasileiro rasgou, pisou em cima, se libertou do seu “complexo de vira-latas”, criação de Nelson Rodrigues, que via no povo brasileiro uma tendência a se colocar como menor, inferior diante do mundo. Um estádio de futebol é mais do que um simples espaço onde 22 homens correm de um lado para o outro. É o lugar onde, da arquibancada, uma massa heterogênea se torna coesa e irradia vibração. É no estádio de futebol que o torcedor se manifesta na sua mais surpreendente condição humana. É laboratório, divã, palco e consultório da alma de um povo que tem nele, o futebol, o seu santo remédio libertador e que ameniza suas agruras diárias. O futebol tem a capacidade de exacerbar certas condições psicológicas. Uma derrota pode ferir o ego. Pode mexer com o nacionalismo. Ele é imperfeito – os resultados improváveis se estabelecem com certa frequência. O melhor, nem sempre vence. A lógica, vez ou outra, se esconde e talvez, por isso, pela imprevisibilidade, o futebol seja esse elemento fascinante, encantador, cheio de significações psicológicas que levam o torcedor a uma “loucura saudável”. O torcedor é magia. 1.2 O TORCEDOR Sendo um indivíduo que acredita, pela sua inserção na coletividade, ser possível desvirtuar o significado, mudar o rumo, dar vida ao improvável e fazer emergir do seu torcer apaixonado uma energia que “contamina” positivamente o futebol, retransformando a realidade, nessa configuração curiosa, o torcedor salta para uma plataforma de destaque. Torcer é ter a capacidade de alterar a partida que se tem diante dos olhos. O adepto de um time, o torcedor pra valer, crê que pela sua fé e pelo seu estímulo, amplificados e incorporados pela massa, podem colaborar para que seus ídolos absorvam energia, envolvamse de elementos da divindade, abrindo as portas para a vitória.
  • 26. 25 Quando o pensamento individual se infiltra e ganha na adesão de um grupo, de uma massa, energia própria e vai se propagando, seus efeitos geralmente são percebidos. Na simbiose de torcida e jogador, por inúmeras vezes, foi detectada a alteração de uma jogada, de um lance, de uma partida, em razão dessa energia desencadeada. Fazer parte da multidão e perder o controle de nossas emoções e de nosso comportamento, pelo contrário, é aquilo contra o que somos advertidos desde a infância. Em consequência disso, muitos de nós esqueceram (ou jamais souberam) como pode ser prazeroso fazer parte da multidão. [...] As multidões anseiam pelo momento em que sua energia se conecta à dos jogadores e faz a energia deles aumentar. Porque naquele momento, a separação entre a torcida e os jogadores parece desaparecer. Essa comunhão, longe de ser puramente espiritual, pode constituir uma realidade física. Pode ter até uma base biológica bem concreta, nos recentemente descobertos neurônios-espelho, que atuam no córtex pré-motor. Os neurônios-espelho são ativados não apenas quando a pessoa executa uma ação, mas também quando vê alguém a executando. (GUMBRECHT, 2007, p. 150-151-152). Torcida e jogador é algo indissociável. Estão a comungar. Essa parece ser a intenção que se compactua no ato de torcer. Existe na relação torcedor-time-jogador carga de gratidão, nem tanto perceptível assim, em um primeiro momento, mas nítida, ao analisar mais cuidadoso. Essa gratidão não tem uma razão lógica de ser, mas está presente nas entrelinhas do futebol. “[...] de uma longa carreira assistindo a esportes, o que eu ‘ganhei’ foi um forte, embora não muito bem definido, sentimento de gratidão para com os atletas que me proporcionaram momentos de intensidade tão especial”. (GUMBRECHT, 2007, p. 161). Protagonistas do espetáculo do futebol, cada um do seu jeito, jogador e torcida estão juntos e se complementam. Difícil imaginar só uma coisa, ou outra. Os dois querem se mostrar, mutuamente, para afirmar suas forças e sentir o gosto da glória. Nessa relação, involuntariamente, passam a desenvolver uma funcionalidade orgânica, cerebral, psicológica, que merece análise. O verbo “torcer” significa virar, dobrar, encaracolar, entortar etc. O substantivo “torcedor” designa, portanto, a condição daquele que, fazendo figa por um time, torce quase todos os membros, na apaixonada esperança de sua vitória. Com isso reproduz-se muito plasticamente a participação do espectador que ‘co-atua’ motoramente, de forma intensa, como se pudesse contribuir, com sua conduta aflita, para o sucesso de sua equipe, o que ele, enquanto ‘torcida’, como massa de fanáticos que berram, realmente faz. (ROSENFELD, 1993, p. 82). A partir do desenvolvimento, expansão e consolidação do futebol na sociedade brasileira, a torcida foi se tornando mais ativa, passando a ter reconhecimento, e influenciando no rumo dos clubes. A prática de incentivar o time de coração se torna algo sólido e começa a
  • 27. 26 se organizar. Surge então o torcer mais elaborado. Cânticos, instrumentos musicais, uniformes, utilização de fogos, bandeiras, são introduzidos nos estádios. Sim, porque no início se torcia de maneira pudica, comedida. O futebol como sinônimo de esporte da elite precisava pautar o torcer de forma comportada e refinada como se o sujeito estivesse em uma ópera ou coisa assim. A vestimenta dos torcedores era a de trajes finos e elegantes. Não se admitia nenhum grito de incentivo a não ser no máximo um “Aleguá”- significava algo tipo, avante! - ou um “Hip Hip Hurrah!”, seguido do nome do time – cumprimento entusiasmado do torcedor de um clube. E mesmo assim, antes do início das partidas. Esse era o torcedor. As mulheres e seus vestidos e chapéus de imenso glamour. As fitinhas no chapéu – com as cores do time – que as mulheres torcedoras do Fluminense torciam revelando o nervosismo e o encantamento àquele que foi o primeiro goleiro da seleção e arqueiro tricolor, Marcos Carneiro de Mendonça. Notabilizado pela beleza física, por seu jeito pomposo e elegante de se vestir – usava uniforme todo branco e uma fita roxa como cinto - e pelo seu talento em realizar defesas incríveis. Curiosa é a informação trazida por (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 292) de que o uso da palavra “torcer”, inserida na esfera futebolística, segundo conta-se, “[...] vem do hábito de moças simpatizantes do Fluminense contorcer durante as partidas pequenas fitas roxas, semelhantes às usadas, na cintura, pelo goleiro do clube no período de 1914-1922, Marcos Carneiro de Mendonça”. O goleiro, ou, na época, chamado de goalkeeper, foi um estudioso da profissão. Desenvolveu apurado senso de colocação que dificultava o sucesso dos atacantes. Aristocrata, foi defensor ferrenho do futebol amador. Contribuiu também como historiador para o acervo histórico do futebol ao recortar de jornais e revistas tudo o que saía sobre a sua presença em campo nas partidas de futebol. Parte da história do futebol carioca e da seleção brasileira, do período compreendido, entre 1913 e o final da década de 1920, foi guardada, preservada através desses recortes que formataram o “Álbum”, ou “Grande caderno pardo” de Marcos Carneiro de Mendonça. Destacada fonte de estudos sobre o futebol carioca do início do século XX. O torcer, silencioso, passivo, vai com o tempo ficando pelo caminho. Era impossível torcer calado. Sobre essa maneira elaborada de torcer, barulhenta, ativa, colorida, festeira, se descreverá, mais a frente, através da figura de um torcedor que foi referência, o criador da primeira torcida organizada do Brasil. Esse torcer mais intenso, põe em evidência as alterações orgânicas que ocorrem tanto no torcedor, na sua apropriação ativa de torcer, quanto
  • 28. 27 no jogador posto em performance passiva de recebimento do incentivo. Ambos são tomados pela adrenalina gerada pelo corpo. O fluxo sanguíneo aumenta, o funcionamento orgânico se altera. Estar em uma arquibancada torcendo por seu time de coração desencadeia uma série de reações, movidas pela paixão, que se aproximam de alguma coisa, tipo, colocar o pé em outras dimensões. “Quando se considera a imensa carga de sentimentos que se irradia da torcida para os times, entende-se que eles busquem abrigo em esferas sobrenaturais, para se certificarem da estimulação benévola [...]”. (ROSENFELD, 1993, p.103). Poucas coisas nessa vida têm uma representação tão forte quanto o futebol para o torcedor. Ele, o torcedor, acredita que as vitórias no campo descerram uma atmosfera de vitória e de realização pessoal, por poder se sentir fazendo parte de um clube que possui sua representação, seja na rua, no bairro, na cidade, no estado, no país. Descreve Daolio: O que parece é que o torcedor vai ao jogo buscando, muitas vezes, a alegria, a realização ou o sucesso que não conseguiu ter naquele dia ou nos últimos tempos em sua vida. O seu time, assim, pode representar uma parte da vida que dá certo. Como parte do clube, o torcedor tem a ideia de que “meu clube é rico”, “meu clube é vencedor”, “os dirigentes do meu clube são poderosos e eu, torcedor, participo disso”, “participo porque me identifiquei, sou parte, membro, presença”... O clube acaba mediando uma relação desse indivíduo com o sucesso, com a lembrança, com a família, com a sua origem. (DAOLIO, 1997, p.26). Outro aspecto que se observa no ofício do torcedor é a sua “simpatia”, “satisfação”, pelas vitórias difíceis. Aquele jogo no qual o seu time passou sufoco, sofreu para vencer, reagiu no final, ganha um contorno elevado e deixa para esse torcedor uma sensação mais aguçada de superação. “[...] O sentimento de sacrifício está presente no torcer. A vitória suada, o gol no final do jogo, a partida difícil, a briga na arquibancada, a derrota inesperada, etc., trazem uma marca definitiva do fato que se aloja de vez na memória do torcedor”. (DAOLIO, 1997, p.28). O “sentir-se” pertencente a um grupo, a uma instituição, a uma comunidade, torna-se especial também por inferir para aqueles que se agregam, ser isso, uma ligação ao passado, aos costumes e ritos interiorizados e marcados na história de uma dada organização. É o dar continuidade a algo plantado lá atrás e que não pode morrer. É isso o que nos diz Morin. A identidade individual e coletiva afirma-se, não na dependência imediata de cada grupo, como na sociedade primática, mas sim pelo e no conjunto dos fios noológicos que ligam o indivíduo a seu parentesco real e mítico e que dão à cultura sua identidade singular. O nome liga a identidade individual a uma filiação sociocultural: estabelece, ao mesmo tempo, a diferença e a dependência: quando diz “filho de”, tem-se em mente não apenas os genitores, mas também os antepassados, a descendência social. O mito alimenta a recordação, o culto e a presença do
  • 29. 28 antepassado, mantendo-se por isso mesmo, a identidade coletivo-individual. Este tema do antepassado, das origens e da genealogia retorna sempre, obsessivo, nos símbolos, nas tatuagens, nos emblemas, nos adornos, nos ritos, nas cerimônias e nas festas. (MORIN, 1979, p.169). Torcedor, elemento ímpar na atmosfera do futebol. Esse sujeito que tem o afã de acompanhar, impreterivelmente, o seu time, de se sentir como parte da equipe, se doando de corpo e alma na sua função de torcedor. Que pelo seu clube é capaz de esquecer até mesmo o maior dos problemas, de se sobrepor à limitação, seja ela, financeira, física ou de outra ordem qualquer e se fortalecer por intermédio do sagrado, para ele, exercício do torcer. Ele é com toda certeza um grande objeto de estudo. E como seria o futebol sem essas figuras devotadas que encarnam o espírito do amadorismo e o levam até as últimas consequências? Acho que não teria a mesma graça sem eles, que têm suas vidas e problemas, mas que deixam tudo de lado e revelam um amor sem medir esforços, desprovido de preocupações políticas ou financeiras. Pessoas que são a pura paixão por um clube. (ZICO apud MATTOS, 2007, orelha). Na batida apertada do coração dessa massa de brasileiros, esses torcedores, fidedignos, que são, têm suas vidas “verticalizadas” no sentido de serem arrastados pela inebriante experiência do torcer por seu time de coração e, em estágio mais homogêneo, pela seleção, para planos de percepção do mais puro contentamento. São indivíduos que frequentemente são tomados pela confiança em vitórias, êxitos, em uma melhor condição psicossocial em suas vidas, desencadeada pelo sucesso do seu time dentro das quatro linhas. A representação de uma vitória é frondosa para o melhoramento de quesitos da vida desse sujeito. O que ele sente transcende uma compreensão simplória. No feitiço do espetáculo da arquibancada, que “prende” o torcedor ali e, em regra geral, o coloca em uma fecunda alegria e que faz pasmar aquele que nunca se permitiu fazer parte da massa ululante, conjunturas analíticas emotivas são tocantes. Ela nunca tinha pisado no solo sagrado do Maracanã. Estreou num dia de Fla-Flu. Decisão do título carioca de 1995, aquele, do gol de barriga de Renato Gaúcho de barriga. Ela nem viu, na verdade. Porque o que acontecia no gramado não tinha a menor importância. Ela estava extasiada com o espetáculo das arquibancadas. Foi a primeira vez em que vi o que significava, literalmente, alguém ficar boquiaberto. Ficou ao sair do elevador e entrar no corredor para a área das tribunas, ainda antes da borboleta. Como eu sabia que alguma reação haveria, adiantei-me para poder voltar e vê-la de frente. Boquiaberta. Quando se deparou com a multidão, com as cores, com a cantoria ficou paralisada. E boquiaberta. De queixo caído, Vá lá. Ela existe mesmo, se chama Leda e é minha mulher. Poucas vezes antes eu atinha visto daquele jeito, talvez diante da Guernica ou da Pietá. E foi dessas reações absolutamente naturais que dão a dimensão do que é o torcedor, do que é um FlaFlu, do que é o Maracanã lotado. Interpretei, também, como uma homenagem ao
  • 30. 29 meu ofício ou, ao menos, mais uma ficha que caía para compreender o tamanho da paixão. (KFOURI, apud, MATTOS, 2007, contracapa). Tendo esse papel tão marcante no universo do esporte e, especificamente no do futebol, o torcedor não pode ser desprezado. Sua simbologia merece ser levada em conta. Delimita-se essa pesquisa, direcionando luz mais forte, sobre uma torcida em questão. Dita, observada, apresentada, indicada, aferida, por todas as empresas de pesquisa de opinião, como a maior torcida do Brasil. O torcedor do Clube de Regatas do Flamengo vem a ser o recorte. Em algumas pesquisas, a sua torcida chega até mesmo a ser mencionada como a maior do mundo. Conhecendo a história do clube é que se tem condição de encontrar respostas para elucidar a constatação da força, magnitude e, em especial, das razões que proporcionaram o crescimento contínuo de seus seguidores.
  • 31. 30 2 O CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO E SUA TORCIDA Para se chegar a um raciocínio acerca das motivações que determinaram a dimensão e a representatividade do Flamengo e, consequentemente, de sua torcida no cenário esportivo e social é indispensável e tarefa obrigatória uma análise de parte da história do Brasil e do Rio de Janeiro. Vasculhar fatos escancarados, ou aqueles mais sutis, revirá-los, buscando uma nova ótica, é salutar para encontrar fragmentos que nos façam perceber relações que serviram de influência, referência, para o surgimento do clube, para a construção de sua identidade constituída e vieram a determinar a consolidação do clube e de sua torcida no gosto popular. A história do clube, passa pela torcida, ou melhor, tem o ponto central nela. São indissociáveis um do outro. Ao se falar sobre o centenário clube da Gávea, (118 anos), o que logo vem à mente, é o termo: torcida. Até mesmo fora do Brasil, até para os que não são próximos do futebol, quando se toca no nome do Flamengo, a qualificação que logo brota vem a ser, no mínimo esta, uma torcida diferente. O torcedor rubro-negro tem tanto orgulho de si, de seu jeito de ser, que costuma dizer que no seu caso existe, primeiramente, uma torcida e depois um time, escancarando com isso toda sua soberba. É de entendimento comum que uma agremiação, uma instituição, um clube, torna-se grande, um ícone – no quantitativo e no qualitativo – a partir de ações de significada relevância no meio ao qual está instalado e, que vêm essas ações, a recrudescer sua imagem e sua importância como agente e, no caso, entidade social. Em se tratando de clube esportivo então, o terreno que o sustenta é composto por uma camada de paixão. E se neste clube esportivo houver espaço para o futebol, o seu traçado histórico irá se estender tendo como teor a paixão em doses cavalares. Um clube surgido no Rio de Janeiro, bairro do Flamengo, de onde herdou o seu nome. Clube que era, originariamente, um grupo e que ganhou espaço, cresceu e se tornou um colossal agregador social. Nascido de uma provocação, por assim dizer. De um sentimento de desonra, surgido da afronta dos jovens do bairro vizinho de Botafogo aos que freqüentavam a faixa de areia da orla do Flamengo. Aqueles jovens do bairro de Botafogo, já possuidor de um clube de remo, fundado em 1894, e que iam diariamente à praia do Flamengo paquerar as moças de lá, motivaram em parte o surgimento do grupo do Flamengo. Esses remadores botafoguenses chegavam a deixar sua embarcação exposta na praia e se tornavam assim, uma grande atração. As mulheres da praia do Flamengo suspiravam.
  • 32. 31 A partir desse incômodo, afloraria o desejo natural dos jovens da praia do Flamengo se impor, de se afirmarem. É então que um grupo de jovens de classe média do bairro decide partir para o ataque. Revidariam de modo inteligente com uma grande criação. Um clube de remo. Na verdade este fato serviu de pretexto definitivo para os rapazes criarem o grupo de remo do Flamengo. Já eram apaixonados pelo esporte marítimo. O remo era o esporte em voga. O primeiro esporte no Brasil a atrair multidões. O esporte popular. Com relação ao esporte, nesse final do século XIX, o remo era o mais popular do Rio. A Federação Brasileira das Sociedades de remo e os próprios clubes promoviam disputadíssimas regatas na enseada de Botafogo. Para as autoridades e convidados vip, eram montados pavilhões e arquibancadas de madeira. Mas o povo queria ver também. Nas manhãs de domingo, durante as regatas, as avenidas à beira mar eram tomadas pela multidão de curiosos. (...) não havia o termo ‘torcida’, embora os espectadores já se manifestassem a favor de um ou de outro competidor. Os jornais referiam-se ao público como assistência, multidão, plateia. Os homens andavam de terno, gravata e chapéu. Parece que o mundo todo tinha e usava terno, gravata e chapéu. As mulheres também não queriam perder as regatas. Os atletas eram bonitões. As moças se enfeitavam com a melhor roupa, escolhiam o chapéu mais elegante e assistiam eufóricas ao duelo de titãs, travado no braço em pleno mar, entre os atletas do remo. Algumas chegavam a desmaiar de tanta emoção. Os remadores eram como vikings, numa mitológica jornada. (CRUZ e AQUINO, 2007, p. 15). Final do século XIX, 1895. Rio de Janeiro, a capital federal. 700 mil habitantes, aproximadamente. Todos os olhos se voltavam para lá. Era o grande centro do país. Tudo o que acontecia na cidade era copiado. A cidade maravilhosa, sempre irradiadora de tendências, se via envolvida ainda pela atmosfera da proclamação da república, ocorrida seis anos antes. Crescia vertiginosamente – recebia gente de todas as partes do Brasil e do mundo - e convivia com problemas de urbanização e de saúde pública: epidemias de cólera, varíola e febre amarela eram comuns. Concentrava a maior parte da população em poucos bairros. As regiões do centro da cidade, da Praça Mauá, de Santa Tereza, da Lapa, e das praias de Botafogo e do Flamengo, eram o polo habitacional. A chamada Zona Sul era uma faixa de terra perdida. Copacabana, Leblon, Ipanema e adjacências eram lugares praticamente inabitados e que não possuíam o menor valor comercial. No subúrbio, o mesmo acontecia. Pela topografia da cidade e pela não fiscalização do poder público, habitações em morros, essa prática, já era uma realidade. Nestor de Barros, José Agostinho Pereira da Cunha e Mario Espíndola eram grandes amigos. Inseparáveis. Tiveram como paixão, primeiramente, o turfe – outro esporte em evidência na época. Contudo, quando descobriram o remo, o amor foi imediato e largo. Em uma noite de Setembro de 1895, os três, mais Augusto Lopes da Silveira, aprovaram a ideia de fundar um clube de remo que traria pompas ao bairro do Flamengo. Também se livrariam
  • 33. 32 do aluguel do barco, todo domingo, para exercitar o corpo na Baía de Guanabara. Teriam o seu próprio barco. Poderiam assim, ainda, dar o troco nos remadores de Botafogo. Iriam atrair atenção para eles e proteger as garotas do assédio botafoguense. No princípio, haviam até pensado em conter as investidas dos remadores do clube de Botafogo, apelando para a briga – uns bons bofetões dariam jeito – mas, sendo Nestor e seus amigos, estudantes civilizados e de boa família, a ideia foi logo abortada. Ter um barco e disputar em pé de igualdade com os remadores de Botafogo era a melhor opção. Durante a semana, esses três rapazes do bairro do Flamengo estudavam e trabalhavam. Nos domingos, o dia era quase que inteiro junto ao mar. A pausa se dava apenas para a ida a missa, na Matriz da Glória e para o almoço. À noite todos se encontravam no Restaurante Lamas – ponto de artistas, intelectuais e estudantes - reduto inicial rubro-negro, situado no Largo do Machado, a uns três quarteirões da praia do Flamengo. Bem ao lado do Lamas, ficava a estação de bondes. Após reuniões e corriqueiras conversas na caminhada que faziam diariamente até o Largo do Machado, cruzando ruas e residências, iluminadas ainda por grandes lampiões a gás e a óleo de baleia, a decisão foi sacramentada. Faltava só o dinheiro para comprar o barco. Conseguiram juntar certo valor e ao preço de 400 mil réis, cotizados por Mário Espíndola, Felisberto Laport, Nestor de Barros, José Félix da Cunha Menezes, Augusto Lopes e José Agostinho Pereira da Cunha, adquiriram a primeira embarcação chamada, “Pherusa”. Logo depois, viria a “Scyra”. O barco era de segunda mão, explica (RODRIGUES FILHO, 1966). Outra particularidade da cidade nesta época que trouxe surpresa positiva para a população foi a contemplação do Rio de Janeiro, em 1892, com uma inovação no transporte coletivo. A população ainda acostumada ao transporte público sendo feito por bondes, em alguns casos, a vapor, no entanto, em sua maioria, puxados por burros e cavalos, ganha a primeira linha eletrificada de bonde. Estabelecida no bairro do Flamengo – foi a primeira do Brasil e da América do Sul. Essa novidade aproximava ainda mais o carioca do esporte que fascinava a todos, o remo. Na tarde de 17 de Novembro de 1895, surge então o Grupo de Regatas do Flamengo só em 1902 haveria a troca da designação de grupo para clube. Pelo fato de o clima da República ser o que se respirava, de ser a novidade, a nova condição do país – e por ser feriado, propício para comemorações – seus fundadores decidiram antecipar em dois dias a fundação, passando a ser oficialmente o dia 15 de Novembro. Constam 18 nomes como sendo os fundadores: Nestor de Barros, Mário Espíndola, José Agostinho Pereira da Cunha, Napoleão Coelho de Oliveira, Francisco Lucci Collás, José
  • 34. 33 Maria Leitão da Cunha, Carlos Sardinha, Eduardo Sardinha, Desidério Guimarães, George Leuzinger, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira, Emídio José Barbosa, José Félix da Cunha Menezes, Augusto Lopes da Silveira, João de Almeida Lustosa, José Augusto Chaleo e Domingos Marques de Azevedo (o primeiro presidente). Escolheram as cores do uniforme. Azul e ouro – representando, respectivamente, o azul celeste, a cor da Guanabara, e nossas riquezas minerais. Um ano depois mudariam para as cores definitivas, o vermelho e o preto. Era um domingo, e no número 22 da praia do Flamengo - um casarão que possuía no mesmo terreno uma extensão com vários cômodos, casarão este, que era moradia de um dos fundadores, Nestor de Barros, - foi registrada a ata inicial de fundação. Aqueles jovens estudantes que tinham um senso proeminente de inquietação, de perseverança e de contorno revolucionário, ao remo, passariam a se dedicar e por ele, dariam suas vidas. Em 06 de outubro - antes da fundação, portanto - ocorre um fato que contribuiu para a incorporação desse aspecto, dessa característica, ligada até hoje à identidade do clube, a superação. Seria este acontecimento, o primeiro, de inúmeros, que despertaria nas pessoas a admiração pelo Flamengo. Os rapazes, Nestor de Barros, José Félix, José Agostinho, Mário Espíndola, Felisberto Laport, Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Bahia, escolhidos para pegar a baleeira, Pherusa - que havia sido restaurada na praia de Maria Angu, hoje, praia de Ramos - durante a travessia de retorno até a praia do Flamengo, viram a morte bem de perto. Estando o tempo climático desfavorável, com ventos fortes que prenunciavam uma tempestade, os rapazes desprezaram as nuvens escuras que se formavam no céu e ao mar se lançaram. O barco acabou virando e eles como náufragos resistiram bravamente ao infortúnio. (CASTRO, 2001) relata com detalhes. A pherusa podia ser uma beleza, mas era de segunda ou terceira mão, já passara por mar brabo e precisava de reparos. Eles a levaram de bonde a um armador da praia de Maria Angu, na zona norte, que a reformou por dentro e por fora. Dias depois, na tarde de um domingo [...], sete dos rapazes foram buscá-la [...], jogaram-se ao mar, na ponta do caju, içaram a vela e embarcaram, eufóricos, para a travessia que deveria terminar na praia do Flamengo, em frente ao 22. Mas aquela travessia nunca se completou. Pelo menos, não a bordo da pherusa. De repente, quando eles já estavam, longe da costa, na altura da ilha do bom Jesus, o tempo virou: nuvens carregadas cobriram o azul [...], raios e trovões sacudiram o céu, e a chuva caiu com violência. O vento noroeste arrancou a vela, as ondas fustigaram o barco e começaram a abrir buracos no casco [...], viraram a baleeira de quilha para cima e se agarraram a ela. Um deles, Joaquim Bahia, o melhor nadador do grupo, decidiu nadar até a praia em busca de socorro [...], pelas três horas seguintes, os outros rapazes, agarrados a pherusa, gritaram “socorro” [...], noite fechada, quando a morte parecia inevitável e eles já faziam suas orações, uma lancha ouviu seus gritos e veio salvá-los. Içados para o barco e batendo os dentes de frio, eles se lembraram de Joaquim Bahia. (CASTRO, 2001, p.30-31).
  • 35. 34 Joaquim Bahia chegando à terra firme – já era noite - não encontrou nenhuma embarcação que pudesse prestar socorro aos amigos. Já com a sensação de que todos haviam sucumbido à força da água do mar, sentiu-se imensamente infeliz e não teve coragem de revelar o ocorrido aos familiares dos companheiros. Os resgatados, pensando que o amigo não havia aguentado nadar por tanto tempo – e por isso o socorro não havia chegado – consumando a sua morte, estavam com remorsos e sem jeito de contar para a família de Joaquim Bahia a desgraça que tinha sucedido. Já socorridos, em prantos, todos atônitos, ficaram sem saber o que fazer. Algumas horas depois, Joaquim Bahia bate na porta da casa de José Agostinho e ouviria da mãe deste que o filho e os outros rapazes – mesmo achando que Bahia não teria sobrevivido - estavam a sua procura pela cidade. No reencontro de Joaquim Bahia com os outros seis remadores, lágrimas e gritos emocionados tomaram conta do Largo do Machado. No dia seguinte, uma publicação curta no jornal sobre o ocorrido. O boca a boca do que havia acontecido é que tomou conta das rodas de conversa dos moradores do bairro e o fato pela cidade se espalhou. Assim, o bairro e a cidade ficaram sabendo do naufrágio e da façanha daqueles rapazes. Uma aura de heroísmo tomou conta do grupo do Flamengo – que na verdade, curiosamente, nem existia ainda. Após passarem por aquele martírio e quase perderem a vida, o fato de terem continuado firmes e, mais comovedor ainda, fortalecidos no propósito de fundar o grupo de regatas, desencadeou admiração. Os rapazes passaram por cima da vontade dos pais que era a de que largassem aquela “aventura”. O 22 da praia do Flamengo, após o clube ser realmente criado, não parou de receber visitas de deslumbrados simpatizantes. Essa obstinação dos rapazes em continuar acreditando no seu ideal não cessara nem quando a Pherusa – que havia sido rebocada depois do naufrágio e iria para conserto - foi roubada. Adquiriram outro barco, a Scyra, e ao mar se puseram a buscar os dias de glória, frisa (CASTRO, 2001). Os primeiros anos do Grupo de Regatas do Flamengo foram difíceis. Derrotas, vexames, um desempenho nada satisfatório. A primeira vitória só viria em 1898. Portanto, três anos após sua fundação. Mesmo com os contratempos, a determinação e a esperança de dias melhores movia aquele grupo. Determinados e com uma mente positivista, viam em cada mínimo avanço obtido e nas escassas vitórias que surgiriam na fase inicial, motivos para comemorar. Importante ressaltar os benefícios do remo na vida social da cidade. Além de atividade física quase que completa e de ser motivo para reunir pessoas, aprimorando assim o convívio social, vale lembrar, que o esporte colaborou para derrubar o estigma que ainda pairava na
  • 36. 35 mente das pessoas sobre o banho de mar. Até a metade do século XIX, o banho de mar acontecia somente em casos de indicação médica para combater certas doenças. Não era uma prática de diversão e lazer. Vista como um lugar impuro, a praia não gozava da simpatia das pessoas. As regatas realizadas na Baía de Guanabara e em toda sua extensão trouxeram em maior escala o povo para junto do mar. Em Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre anota que: As praias, nas proximidades dos muros, dos sobrados do Rio de Janeiro, de Salvador, do Recife, até os primeiros anos de século XIX eram lugares por onde não se podia passear, muito menos tomar banho salgado. Lugares onde se faziam despejos; onde descarregavam os gordos barris transbordantes de excrementos, o lixo e a porcaria das casas e das ruas; onde se atiravam bichos e negros mortos. O banho salgado é costume recente da fidalguia ou da burguesia brasileira que, nos tempos coloniais e nos primeiros tempos da independência, deu preferência ao banho de rio. Praia queria dizer imundície. (1996, p. 195). Emenda (KIDDER e FLETCHER apud LUCENA, 2001, p.25) explicitando como ocorria o banho de mar e trazendo indicativos de que o remo teve papel de destaque na mudança de uma cultura que desprezava o banho de mar como divertimento. “Os banhos de mar, para além de seu caráter profilático, como um passatempo, não teriam sido também uma ação conquistada por aqueles que estavam voltados para a prática dos esportes? Em princípio parece que sim”. A praia do Flamengo dava ao bairro um quê de diferente e de fama. Até, pelo menos, 1920, era a praia que mais atraia pessoas para o banho de mar. Era um lugar que por ser bem situado, passou a ser muito procurado para a habitação por ilustres membros da sociedade. Por outro lado, contava também com parcela considerável de artistas – na época, vistos por certo prisma de “marginalidade”. Eram rotulados de vagabundos e boêmios da cidade. Era como se a praia do Flamengo fosse heterogênea – e era. Por essa reunião de segmentos sociais, o bairro estava um passo a frente de seu tempo. Esse conceito de certa maneira foi incorporado ao clube de remo do bairro. Atestando certo ar de rebeldia, lá na praia do Flamengo, moças ousadas para a época começaram a romper com o pensamento pré-concebido de que o banho de mar seria propício e oportuno somente em casos de finalidade terapêutica e medicinal. Entendiam não ser o mar tão sujo assim, como era propagado. Banhavam-se em um ritual alegre, expondo curvas corpóreas com roupas longas que se ajustavam ao corpo, bem comportadas para os padrões de hoje - que despertavam à atenção dos homens. Quem, pela manhã cedo, das seis as oito horas, passar pela Avenida Beira-Mar, ou por algumas das ruas transversaes (sic) que conduzem à praia do Flamengo, poderá ver nesses trajos summarios (sic) muita senhora e senhorinha que a outra hora do dia
  • 37. 36 ficariam ruborísadas se o vento indiscreto agitasse demais a saia do seu vestido. Esse espetáculo matinal do Flamengo é, com certeza, o mais pittoresco que o Rio offerece aos estrangeiros, e parece que há muitos amadores desse espetáculo, a avaliar pela afluencia dos que se debruçam na muralha do cães para assistir à sahida do mar das nereides e sereias e contemplar aquelle outro ‘footing’, bem mais attrahente que o da tarde e não menos frequentado. (EDMUNDO apud LUCENA, 2001, p. 117). O Rio de Janeiro, na gestão de Pereira Passos (1902-1906), designado prefeito da capital federal pelo presidente da República, Rodrigues Alves, passa por um arrojado projeto de readequação urbanística ostensiva. Avenidas foram criadas, outras, alargadas; morros extintos; muitas casas e prédios derrubados – ficou conhecido como o “bota abaixo” - e uma série de obras estruturais realizadas, tendo como meta a modernização da cidade. Não foi só o aspecto urbanístico que mereceu um plano gestor. A saúde pública também. Uma ação efetiva para a erradicação de doenças que matavam muito, verdadeiras epidemias, como a varíola, peste bubônica, febre amarela e cólera, foi implantada. Sob o comando do sanitarista Osvaldo Cruz, o governo instaura uma campanha de vacinação em massa. A intenção era das melhores, mas a forma utilizada não agradou e causou desconforto. Havia invasão de casas, pessoas na rua eram vacinadas à força. Os agentes de saúde tinham ordens de vacinar todo mundo. O rigor era maior junto aos que moravam em cortiços e nos morros. Contra a ação forçosa do governo, manifestações pesadas espocaram. Este acontecimento, de 1904, ficou conhecido como “A revolta das vacinas”. É durante esse período da administração de Pereira Passos que é erguida a Avenida Central, em 1904. Em 1905, ela é aberta ao tráfego. Tiveram participação decisiva em sua criação, o ministro Lauro Muller e o engenheiro chefe, Paulo de Frontin. Tornou-se um marco na cidade e permitiu o acesso da Praça Mauá até a Avenida Beira-Mar – que era a ligação entre o Centro, contornando o morro da Viúva, no Flamengo, até chegar ao bairro de Botafogo. Em 1912, a Avenida Central muda de nome passando a se chamar, Rio Branco. No endereço da praia do Flamengo, precisamente, no casarão do 22, uma turma que não praticava nenhum esporte, ou, melhor dizendo, o “esporte” que praticavam era sim o ofício das algazarras, molecagens, brincadeiras com teor de insolência, começou a chamar a atenção. Antes de serem classificados de qualquer coisa, eram, acima de tudo, amantes do Flamengo e da vocação do clube de abraçar e acolher a todos. Essa turma criou ali uma “ordem” de engajamento ao clube, chamada República Paz e Amor. No início, era só o Flamengo realizar uma boa regata que a festa estava formada. Quando o Flamengo passou a vencer regatas, aí era uma festa fora do comum que acontecia
  • 38. 37 ali. E as comemorações iam tomando conta das calçadas e formando um bloco de pessoas que arrastavam a sua alegria pelas ruas. Era o carnaval do Flamengo. Com reco-reco e tudo. Um detalhe pitoresco. Ao lado do casarão do 22 existia um convento. E para desatino e “tentação” das freiras, esses rapazes do Flamengo tinham o hábito de se despirem. Chegavam da praia ou de outro lugar que fosse e, sem cerimônia, se libertavam das roupas e pareciam nem estar aí para o mundo. “os rapazes jogavam pelota basca na garagem, fazendo grande algazarra [...] começaram a subir nas árvores para colher frutas, igualmente pelados”. (CASTRO, 2001, p. 36). As freiras tinham que fazer força para não ver aqueles corpos nus. Os vizinhos e transeuntes já conhecendo a fama do local, evitavam o olhar para dentro do casarão. Já precavidos, sabiam que podiam ter alguma surpresa. As madres do convento não tinham simpatia por aqueles rapazes. Faziam de tudo para evitar que as freiras tivessem acesso àquela imagem despudorada. Era um Deus nos acuda. E não adiantava nem acionar a polícia que afirmava não encontrar, em suas incursões pelo 22, ninguém sem roupa. Dentre os que faziam essas peripécias, tinha sempre alguém com ótimo relacionamento junto às autoridades policiais. Só que o destino se encarregou de melhorar o julgamento que se fazia daqueles rapazes. As pessoas puderam perceber que eles possuíam um lado bom, sim. Não era só perversão que imperava ali. A gratidão, a admiração das freiras passou a existir a partir da ajuda providencial que os rapazes concederam às devotadas cristãs. Naquele tempo, o mar chegava bem perto do convento. A praia margeava as casas existindo apenas como delimitação um muro de contenção e a rua. Em 1913, aconteceu uma grande ressaca e o convento foi invadido pela força das águas. As freiras apavoradas não sabiam o que fazer a não ser pedir socorro. Os rapazes do 22 não mediram esforços para ajudar as irmãs do convento. Mas antes que os profanos bagunçassem definitivamente o sagrado coreto das freias, o Flamengo pôde redimir-se dos pecados de seus atletas: numa das grandes ressacas que assolaram a praia no começo do século, o convento ficou isolado pelas águas – não esquecer que, naquela época, o mar chegava bem juntinho ao casario. As freiras correram perigo de vida, e ninguém de fora se mexia para resgatá-las. Pois elas foram salvas pelos remadores do Flamengo (vestidos de camiseta e calção), que as pegaram nos braços e as levaram de barco para lugar seguro. O povo, que já identificava o Flamengo com a alegria de seus rapazes, via-os agora também como heróis. (CASTRO, 2001, p.36). A turma da República Paz e Amor se metia em todas e não aliviava. A Light era a empresa canadense de eletricidade que controlava os bondes do Rio de Janeiro. A população tinha uma antipatia declarada à empresa. Os rapazes do Flamengo já conhecidos pelo senso
  • 39. 38 provocativo, descomedido e sem barreiras para o divertimento, ficavam durante o dia apreciando as mulheres que embarcavam nos bondes, no ponto bem em frente ao 22. Galanteavam elas, sem cerimônia. Faziam brincadeiras com as pessoas e quando encontravam um português, se deliciavam e proferiam uma série de frases de humor. É preciso dizer que eram mestres em fazer sarcasmo sem atraírem ódio. Sabiam como não ser tão agressivos. Por isso, gozavam mais da simpatia do que da repugnância. Em razão desse atrevimento dos rapazes do Flamengo a Light retirou o ponto do 22. Existia uma faixa branca no poste para indicar que ali era ponto de parada dos bondes para embarque e desembarque. Pois bem, a companhia canadense ordenou que aquele ponto fosse desativado e mandou pintar o poste na cor tradicional, descaracterizando o mesmo como ponto de parada. Era só os funcionários da Light irem embora e a turma do Flamengo voltava a pintar de branco o poste. A população já não sabia mais se ali era ou não ponto do bonde. Quando estava pintado de branco, ali ficavam de prontidão a esperar pelo transporte que havia de parar. Após idas e vindas, o impasse continuava e com a cidade toda já sabendo. A Light orientou os motorneiros a, com faixa branca ou não, passarem direto. Uma animosidade se instaurou. Os rapazes do Flamengo então fizeram uma barricada com cavaletes variados. Um motorneiro não conseguiu frear e atingiu a barricada. Grande alvoroço se fez no local. A população podia ter repreendido a atitude daquela turma da República Paz e Amor. Mas, não foi o que aconteceu. Ficaram do lado dos rapazes do Flamengo e exigiram que a Light – chamada de “polvo canadense” - parasse com a picuinha. O ponto de parada dos bondes foi restabelecido e o Flamengo conquistava mais uma “vitória”, é o que nos conta (CASTRO, 2001). O casarão do número 22 com suas instalações em anexo e sempre abarrotado de gente acolheu desde os primórdios do clube, o seu torcedor. Qualquer um que fosse rubro-negro, sem distinção nenhuma de classe social, racial, ou de qualquer ideologia, recebia guarida ali. O clube cresceu se fez grande e permanentemente se preocupou em ter aquele espaço a servir de aposento para os barcos e para o seu torcedor. Mais tarde, o número 22 passaria a ser o 66. Conseguindo ampliar suas instalações, pôde acolher mais pessoas. No curso do século XX aquele endereço 22/66, foi como um coração de mãe. Alguma coisa tipo um grande centro de assistência social rubro-negra. Do seu jeito festeiro, é claro. Juntando atletas, torcedores, simpatizantes, penetras, gente que queria apenas ajudar, ou por ele ser ajudado, o Flamengo escreveu esse capítulo digno de elogio. Até cães, foram acolhidos. Inúmeros “hóspedes” por ali passaram e todos criaram, cultivaram dentro de si um
  • 40. 39 caso de amor que mesmo com o passar do tempo não se apagou. É o Flamengo, talvez, caso único de um clube que permitiu a moradia de seus torcedores em sua sede. Essa história precisa ser conservada. A receptividade do local, sua fama de ser uma algazarra permanente, um lugar sempre de portas abertas, e as histórias inusitadas que dali se revelou, marcaram e colocaram o Flamengo em aproximação e casamento social com o carioca. O espírito despojado, malandro, a nuance de brincar com a vida e rir dela - e de si próprio - desenvolvida por aqueles que lá nos primórdios fizeram da paixão pelo Flamengo o vértice de suas vidas, serviu como ímã que trouxe para a instituição, uma legião de seres desprovidos de certa “normalidade”. Além do Lamas, no início de sua existência, outros dois pontos de encontro do torcedor do Flamengo foram consagrados. Inclusive, vale dizer que o Lamas existe até hoje. Um, foi o Café Rio Branco, no qual, imperava a presença de rubro-negros que se acabavam em discussões homéricas sobre os destinos do clube. Aquela turma vivia o Flamengo 24 horas e a ele se entregavam por inteiro. O outro, a Confeitaria Colombo, local tradicionalíssimo da cidade, que na década de 1940, diariamente era invadida por um grupo de intelectuais, artistas, escritores, empresários, comandados por José Lins do Rego, que se reunia para conversar sobre o Flamengo. Esse grupo por manter proximidade com a política do clube e por seus integrantes serem atuantes personagens, sempre ouvidos nas decisões tomadas por dirigentes, traçava, vislumbrava, articulava caminhos para o sucesso permanente da instituição. Por vezes, esse grupo tinha peso para indicar jogadores a serem contratados, e os que deveriam ir embora do clube. Verbalizavam todo o seu amor ao Flamengo em acalorados bate-papos. Esse grupo ficou conhecido como, “Dragões Negros”. Foi em 1911, bem ao findar do ano, que o futebol passou a fazer parte do clube. E isto ocorreu em decorrência de uma debandada dos jogadores do Fluminense que haviam sido campeões invictos daquele ano. Nove jogadores, insatisfeitos com decisões tomadas pela direção e, inconformados ferrenhamente com a barração de um jogador, Alberto Borgerth, líder e capitão do time, deixariam as cores tricolores. Os jogadores honraram a camisa do Fluminense. Pactuaram que ganhariam o título e depois iriam fundar um novo clube. Borgerth, o pivô de tudo, dá o veredicto: deveriam criar uma seção de futebol no Flamengo. Essa decisão foi tomada em 24 de dezembro de 1911. Em reuniões sucessivas, várias ideias teriam surgido, entre as quais a de fundar um novo clube. Mas a tese vencedora, proposta por Borgerth, foi a de que eles criassem uma seção de futebol no Flamengo (...), havia uma aproximação entre os dois clubes: vários daqueles jogadores já eram sócios e torcedores do Flamengo no remo
  • 41. 40 – ao passo que os remadores do Flamengo torciam pelo Fluminense no futebol. Quem não se empolgou de saída com a ideia foi o próprio Flamengo, que, como todo clube de regatas, não queria se misturar com o futebol. O futebol era elite, não se esqueça, e o Flamengo já era um clube popular. Mas a presença de Borgerth foi decisiva: além de craque do futebol, ele era patrão de remo – e patroava as guarnições do Flamengo. Por causa dele, na noite de natal de 1911, o Flamengo aceitou criar não apenas a seção de futebol, mas todo um departamento de esportes terrestres – o primeiro clube de regatas a ter feito isso. Hoje se especula se Borgerth não teria premeditado tudo: rubro negro de coração e tricolor por circunstâncias, ele poderia ter insuflado a crise no futebol do Fluminense para transferi-lo para o Flamengo. Seja como for, deu certo. (CASTRO, 2001, p.45). A primeira partida do time de futebol ocorre em 03 de Maio de 1912, no campo do América futebol clube, situado à Rua Campos Sales. Vitória sobre o Mangueira por 16 x 2. Este é o placar oficial, entretanto, o pesquisador (ABINADER, 2010) defende que o placar foi na verdade 15 x 2. Alegando não existirem súmulas daquele período para se pesquisar, diz que, o único meio de verificação do placar real é a checagem dos jornais da época. Explica ele que os jornais fizeram uma confusão danada. O Jornal do Comércio, único a detalhar o jogo, gol a gol, atesta o placar: Flamengo 15 x Mangueira 2. A implantação do futebol do Flamengo não gozou da simpatia do pessoal do remo. Para explicitar essa visão meio enviesada do pessoal do remo com o futebol, a exigência foi a de quê o uniforme do futebol tinha de ser diferente do utilizado pelo remo. O primeiro foi o “cobra coral”, com retângulos vermelhos e pretos. O segundo, o “papagaio de vintém”, com as mesmas cores, além do branco, em listras verticais. Só em 1916, depois do bicampeonato do futebol, em 1914 e 1915, o uniforme oficial usado pelos remadores, listras vermelhas e pretas horizontais, seria permitido ao futebol. E como seria o primeiro confronto entre o – de certa forma - criador e criatura? Isso no âmbito do futebol, deixar claro. Flamengo e Fluminense jogaram pela primeira vez em 07 de julho de 1912, no campo do Fluminense, na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. Era muito aguardada a partida, visto que, o time do Flamengo era composto de jogadores que meses antes haviam deixado o clube das Laranjeiras, como campeões da cidade. E o time do Fluminense estava desfigurado, com muitos jogadores aspirantes. Pela lógica então, o Flamengo era o favorito. Mas aí a mística do clássico nasce para nunca mais se apagar. Conhecido como o mais charmoso do Brasil, tem nesse confronto inicial, surpreendentemente, a vitória tricolor. Fluminense 3 a 2. O primeiro Fla-Flu não era Fla-Flu. Só muito mais tarde é que Mário Filho inventou e promoveu a abreviação. O Flamengo fez tudo, tudo para ganhar este primeiro jogo. Outro dia, conversei com um velho torcedor, mais velho que o século. E ele, falando fino e baixinho (como uma criança que baixa numa tenda espírita), contou o que foi o nascimento do maior clássico do futebol brasileiro. O Flamengo era o time