O documento discute como Jesus interpretou as Escrituras Hebraicas e como isso deve orientar a interpretação cristã. Jesus é o verdadeiro intérprete da Bíblia e mostrou que as profecias e tipos do Antigo Testamento apontavam para ele como o Messias. Os cristãos devem seguir os princípios hermenêuticos de Cristo para compreender plenamente a Palavra de Deus.
1. A APLICAÇÃO QUE CRISTO FEZ DA BÍBLIA HEBRAICA
O propósito deste livro é triplo: (1) Descobrir como entendeu Cristo
os livros de Moisés, os Profetas e os Salmos; (2) formular os princípios
hermenêuticos de Cristo para interpretar as profecias da Bíblia; (3)
aplicar esses princípios às profecias não cumpridas, especialmente às do
Apocalipse.
Como cristãos que acreditam na verdade do evangelho, que Jesus é
o Messias prometido, precisamos saber como entendeu Cristo os livros
de Moisés, os Profetas e os Salmos. Jesus é o verdadeiro intérprete das
Santas Escrituras. Sua mensagem é nossa chave para descobrir o
significado correto do Antigo Testamento. Se queremos compreender o
Antigo Testamento, devemos compreendê-lo do ponto de vista de Deus.
Portanto, nosso ponto de partida é a forma como Jesus explica o Antigo
Testamento. A aplicação que Cristo fez das Escrituras de Israel é nosso
modelo de interpretação bíblica. Nosso princípio guiador está apoiado
sobre a convicção de que a atividade redentora de Deus na história do
Israel alcançou seu cumprimento em Cristo. Portanto, trataremos de
interpretar o Antigo Testamento à luz da vida e mensagem de Cristo
como a Palavra encarnada de Deus, pois só dele se escreveu o seguinte:
"No princípio era o Verbo, e o Verbo era com Deus, e o Verbo era
Deus. Ele estava no princípio com Deus... E o Verbo foi feito carne, e
habitou entre nós" (João 1:1, 2, 14).
Jesus e a Palavra de Deus
Deus enviou ao Jesus para revelar plenamente ao Deus do Israel em
sua vida e ensino. Cristo afirmou que foi enviado com uma mensagem de
Deus e que suas palavras procediam de Deus mesmo:
"Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me
enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar. E sei que o seu
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mandamento é a vida eterna. As coisas, pois, que eu falo, como o Pai mo
tem dito, assim falo" (João 12:49, 50).
"Nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou (João
8:28).
Só Cristo pode revelar o significado e o sentido algumas vezes
oculto da Escritura e da história do Israel. Tanto os judeus como os
samaritanos esperavam que viesse o Messias, pois ele "nos explicará isso
tudo" (João 4:25, NBE). Sem vacilação, Jesus declarou: "Eu sou, o que
fala contigo" (v. 26). "Jesus lhes disse: De certo de certo lhes digo: Antes
que Abraão existisse, eu sou" (8:58).
O testemunho da autoridade de Jesus como o Messias se repete
várias vezes no Novo Testamento (ver João 1; Col. 1 e 2; Heb. 1), e é de
crucial importância para compreender as visões simbólicas do
Apocalipse de João. No último livro da Bíblia, as imagens e os símbolos
hebreus se aplicam consistentemente a Cristo e a sua nova comunidade
do pacto como o novo Israel.
É evidente a necessidade que existe de ter um enfoque correto do
Apocalipse. Primeiro devemos conhecer a verdade do evangelho de
Cristo como foi ensinada por Jesus antes que possamos compreender o
Apocalipse. Em interpretação profética, freqüentemente se descuidou o
método adequado. É indispensável reconhecer a natureza progressiva e
desdobrada da revelação divina dentro da Bíblia.
Deve permitir-se que os livros do Antigo Testamento nos contem
sua própria mensagem, mas não como se fossem a última palavra de
Deus. As Escrituras Hebraicas não são um cânon fechado da Escritura.
Formam um registro incompleto da totalidade da revelação divina. Em
sua major parte apresentam as promessas de Deus de um Messias
vindouro como o maior dos profetas, o Rei supremo e o único Supremo
Sacerdote. O Antigo Testamento termina com a promessa do Elias
vindouro antes do dia de Jeová (Mal. 4:5, 6). Por outro lado, os escritos
inspirados do Novo Testamento registram o começo dos cumprimentos
das promessas messiânicas na vinda de Cristo (o Messias) Jesus, e em
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sua criação de uma nova comunidade messiânica: os cristãos (um nome
que significa "povo do Messias").
O Apocalipse de João se concentra especialmente na gloriosa
consumação de todas as realizações. Para receber uma compreensão
mais profunda de Moisés, os Profetas e os Salmos, devemos aceitar o
ensino de Cristo e seus apóstolos como a verdadeira interpretação das
profecias e dos tipos hebraicos. O Novo Testamento funciona como a
revelação final da verdade de Deus tal como se ensina nestas palavras
apostólicas:
"Deus, tendo falado muitas vezes e de muitas maneiras em outro
tempo aos pais pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a
quem constituiu herdeiro de tudo, e por quem deste modo fez o universo"
(Heb. 1:1, 2).
Assim como o Filho de Deus é imensamente maior que qualquer
profeta de Israel, assim a palavra de Cristo é a norma para interpretar os
escritos do Antigo Testamento. Jesus ensinou que as Escrituras
Hebraicas estavam centradas na promessa messiânica. Sua especial
preocupação foi ensinar aos judeus que a Escritura não é um fim em si
mesma, que memorizar as palavras da Sagrada Escritura não produz
méritos. O propósito da Escritura é levar a Cristo! "Vós perscrutais as
Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; ora, são elas que dão
testemunho de mim; vós, porém, não quereis vir a mim para terdes a
vida" (João 5:39, 40, BJ).
Segundo Jesus, a Bíblia Hebraica está centrada em Cristo. Portanto,
é essencial para um cristão descobrir o novo método com o qual Cristo
explicou o Antigo Testamento. Dois dos discípulos de Jesus foram
privilegiados para ouvir o Cristo ressuscitado explicar-lhes todas as
Escrituras que se referiam a ele (Luc. 24:25-27). Como resultado, seus
corações começaram a arder com um novo entusiasmo. Cristo "abriu-
lhes o entendimento para que compreendessem as Escrituras". Mostrou-
lhes como "era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito de
mim, na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos" (Luc. 24:44, 45).
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A pergunta provocadora para nós é: Podemos chegar a saber como
interpretou Jesus o Antigo Testamento numa forma centrada em Cristo?
Podemos descobrir a hermenêutica de seu enfoque cristocêntrico? Se
podemos estabelecer os princípios hermenêuticos de Jesus para a
profecia cumprida, saberemos como entender a profecia não cumprida,
especificamente as profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse.
A Nova Revelação de Jesus o Messias
Para Jesus, as profecias messiânicas não eram predições isoladas,
senão uma parte do extenso plano de Deus para a redenção do homem.
Inclusive viu a história de Israel como uma série de eventos redentores
que prefiguravam a grande salvação operada pelo Messias. Portanto,
Cristo reconheceu que as promessas de Deus lhe foram dadas em dois
níveis a Israel: tanto mediante predições verbais como mediante tipos
históricos de libertação e juízo. Na Bíblia, um "tipo" é um acontecimento
histórico, ou uma pessoa ou uma instituição, ordenado por Deus para
prefigurar uma verdade redentora de Cristo. Jesus aplicou publicamente
à sua pessoa a missão de Isaías de pregar as boas novas de Deus, de sarar
as feridas de Israel e de pôr em liberdade aos oprimidos (Luc. 4:17-21 e
Isa. 61:1, 2).
Entretanto, o que pôde ter deixado ainda mais pasmados os judeus
foi a surpreendente declaração de Jesus de que ele era o Antítipo
prometido ou a consumação de todos os profetas, dos reis e da mediação
sacerdotal de Israel:
"E eis aqui está quem é maior do que Jonas" (Mat. 12:41).
"E eis aqui está quem é maior do que Salomão" (Mat. 12:42).
"Aqui está quem é maior que o templo" (Mat. 12:6).
Jesus incluso declarou que sua morte abnegada proveria o "sangue
do novo pacto, que por muitos é derramado" (Mar. 14:24). Por todas
estas afirmações, Jesus introduziu no judaísmo a assombrosa idéia de
que tinha chegado o tempo dos antítipos. Apresentou-se a si mesmo
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como a realidade à qual apontavam todos os símbolos das instituições
redentoras do Israel. Por conseguinte, anunciou solenemente na sinagoga
que nele tinha começado a idade messiânica ou o ano do jubileu
(libertação). Tendo citado a promessa messiânica do Isaías 61:1, disse:
"Hoje se cumpriu esta Escritura diante de vós" (Luc. 4:21). Apontou seu
triunfo sobre os demônios como uma prova de que o governo de Deus
agora estava presente em Israel: "Mas se eu pelo Espírito de Deus
expulso os demônios, certamente chegou o reino de Deus" (Mat. 12:28).
Onde se rechaça a Satanás, o reino de Deus se faz manifesto. Com
Jesus entrou em operação o princípio salvífico soberano de Deus. Em
outras palavras, com a primeira vinda de Cristo se inaugurou o tempo
escatológico. "O tempo está cumprido", disse Jesus, "e o reino de Deus
está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho" (Mar. 1:15). Tinha
terminado o tempo de espera para o reino de Deus, e tinha começado o
tempo do reinado de Deus no ministério de Cristo. Jesus é o iniciador do
reino da graça de Deus. Como o Rei-Messias, representa o reino de
Deus; como o doador da misericórdia divina, é o Mediador sacerdotal do
reino de Deus. Em qualquer lugar que Cristo está presente, o reino de
Deus irradia seu poder.
Jesus assegurou: "Eis que o reino de Deus está entre vós" (Luc.
17:21). A graça de Deus está dentro do alcance do homem onde quer que
Jesus é proclamado como o Messias. Esta é a essência do evangelho. A
verdade de que o Cristo ressuscitado é Senhor e está sentado à mão
direita do trono de Deus, foi respaldado no dia de Pentecostes pelo
derramamento do Espírito. O apóstolo Pedro anunciou então que os
"últimos dias" tinham chegado, que tinham começado os dias do reinado
espiritual de Cristo (At. 2:17; cf. Heb. 1:2).
Cristo, o Representante do Novo Israel
Que Jesus afirmasse ser o Messias da profecia não deve obscurecer
o fato de que o Messias também foi designado para ser o perfeito
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representante de Israel. O pacto de Deus com Israel tem que realizar-se
em obediência perfeita ao Messias. Como a personificação de Israel, o
profeta descreve a Cristo como "o servo do Senhor" assim como Israel
tinha sido designado o servo do Senhor (Isa. 42-53). Assim como Israel,
Cristo também foi chamado "Filho" de Deus (Êxo. 4:22; Isa. 42:1; Mat.
3:17). Jesus foi enviado para suportar a mesma enxurrada de provas que
teve Israel, para vencer onde Israel tinha fracassado. Depois de seu
batismo, esteve durante 40 dias no deserto para ser tentado pelo diabo e
assim igualar simbolicamente os 40 anos que Deus provou os israelitas
no deserto (Deut. 8:2; Mat. 4:1).
A maioria dos eruditos do Novo Testamento reconhecem que Jesus
se viu a si mesmo, em um sentido tipológico, como o novo Israel. Este
tinha falhado, mas Jesus cumpriu o pacto de Deus em favor de Israel e da
humanidade. Desta forma, a história de Israel alcança um cumprimento
feliz em Cristo. Portanto, de decisiva importância para o correto
entendimento da profecia de Israel e do livro do Apocalipse é a verdade
do Novo Testamento de que Jesus Cristo incorpora Israel e dessa
maneira leva a missão de Israel a um fim em sua própria vida.
O rechaço pela nação judaica dos sofrimentos, morte e ressurreição
de Cristo não foram tragédias inesperadas que frustrassem o plano de
salvação de Deus para a humanidade. Deus não depende dos judeus para
o cumprimento de suas promessas. Depende do Messias. O profeta tinha
assegurado: "A vontade do Senhor será em sua mão prosperada" (Isa.
53:10). Pedro disse que o que aconteceu com Jesus na cruz e em sua
ressurreição, ocorreu "por conselho e antecipado conhecimento de Deus"
(At. 2:23). Dois exemplos do livro de Salmos ilustram como Jesus soube
o que tinha que esperar na providência de Deus.
Cristo percebeu nas experiências do rei Davi uma prefiguração de
suas próprias provas e rechaço por parte de Israel. Jesus recorreu
especificamente a Salmos 41:9 para revelar sua intuição de que a traição
de Davi por seu amigo em quem confiava era um tipo dos sofrimentos do
Messias, que era maior que Davi (ver João 13:18-27). No momento de
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sua agonia mais profunda na cruz, Cristo clamou a grande voz: "Meu
Deus, Meu deus, por que me desamparaste?" (Mat. 27:46; Mar. 15:34).
Estava citando Salmos 22:1, que Davi tinha clamado em seu próprio
desespero enquanto estava rodeado por seus inimigos sedentos de
sangue. Como o salmo é uma unidade que consiste de uma lamentação
prolongada sobre o sofrimento intenso (vs. 1-21), Cristo viu na
experiência do Davi um tipo de sua própria agonia. Muitos comentadores
não consideram a lamentação histórica de Davi no Salmo 22 como uma
profecia diretamente messiânica, não obstante, Cristo e os escritores do
Novo Testamento aplicam muitos aspectos do Salmo 22 à cruz e à glória
que seguiu.
Este modelo surpreendente de tipologia no livro de Salmos, que foi
trazido à luz por Jesus Cristo, justifica que salmos como este se
classifiquem como profecias messiânicas.
O propósito de tais entrevistas do Novo Testamento não é
simplesmente para mostrar de que maneira se cumpriram com toda
exatidão na vida de Jesus as predições messiânicas ocultas, mas sim para
proclamar a Jesus como a meta da história de Israel e como a realização
do pacto que Deus tinha feito com eles.
Os escritores dos Evangelhos declaram com freqüência que os
eventos do passado de Israel se "cumpriram" na vida de Cristo. Mateus
cita o profeta Oséias, "do Egito chamei a meu filho" (Ouse. 11:1), o que
recordava a Israel seu êxodo histórico do Egito. Mateus aplica estas
palavras à fuga do José e Maria para o Egito até a morte de Herodes:
"Para que se cumprisse o que disse o Senhor por meio do profeta,
quando disse: Do Egito chamei o meu Filho" (Mat. 2:15). O aspecto da
entrevista de Mateus é que a Escritura de Oséias se "cumpriu" no menino
Jesus. Entretanto, as palavras de Oséias não foram uma profecia, a não
ser um recordativo significativo da experiência histórica de Israel como
"filho" de Deus (cf. Êxo. 4:22). Então, como pôde declarar Mateus que
Oséias 11:1 se "cumpriu" em Jesus? Pela mesma razão fundamental com
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que justificou a interpretação messiânica das experiências do Davi (ver
Sal. 41:9 e 22:1).
Como o Filho de Deus, Cristo não só representa o Israel ante Deus,
mas também representa o destino de Israel em sua própria vida. Mateus
ensina que o significado da história de Israel se revela completamente na
vida de Jesus Cristo. Desta maneira, o Novo Testamento insinua com
força que os acontecimentos na vida de Jesus – como seu nascimento em
Belém, sua morte humilhante, sua ressurreição e exaltação à direita de
Deus – não foram eventos imprevistos ou acidentais. Todos formaram
parte do determinado conselho de Deus (ver At. 2:23; 4:28).