As últimas eleições autárquicas. observações e comparações
Governos civis - onde pode tirar o passaporte
1. Governos Civis – onde pode tirar o passaporte
A existência dos Governos Civis tem sido criticada nos últimos três anos pelo
PSD, CDS/PP e pelo Bloco de Esquerda. Procurámos saber quais são as
actuais competências deste organismo distrital e se este é actualmente
viável em termos económicos e financeiros.
“Agora ponha-se em frente à câmara que a máquina vai tirar-lhe uma
fotografia”. Estamos na Loja do Cidadão das Laranjeiras, mas poderíamos estar em
qualquer outra Loja do Cidadão. Ou em qualquer um dos dezoito governos civis
portugueses.
Chegamos à Rua Capelo, com o Teatro São
Carlos bem ao lado. Há uma pequena esplanada, junto
a umas escadas. Esta rua é mais conhecida como a
1
“Rua do polícia”, tendo em conta que é aí que se
localiza o Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia
de Segurança Pública (PSP). Entro no edifício do
Governo Civil de Lisboa. Tenho uma entrevista
marcada com o Governador Civil, António Galamba.
Começo por perguntar quais é que são os Entrada do Governo Civil de Lisboa
actuais desafios do distrito de Lisboa. António Galamba destaca quatro áreas
fundamentais: protecção civil, segurança policial, segurança rodoviária e defesa da
floresta. Também refere a emissão do Passaporte Electrónico Português (PEP), a
representação do Governo no distrito, e a autorização para a realização de
manifestações, de desfiles e de concursos publicitários. Acaba também por salientar
a transversalidade proporcionada com a função de Governador Civil.
Regionalização
Mas há três partidos com assento parlamentar que não concordam com a
manutenção dos Governos Civis. PSD, CDS/PP e Bloco de Esquerda (BE) já
2. comunicaram por várias vezes a intenção de acabar com os governos civis assim
que haja uma revisão constitucional. De acordo com a última revisão da
Constituição de 1976, que data de 2005, esta alteração terá de ser aprovada por dois
terços dos actuais 230 deputados. Só com 153 deputados é que será possível alterar
rever a situação dos governos civis. Na anterior legislatura, o PS tinha 97 deputados,
mais 16 do que os social-democratas. Com 21 deputados o CDS-PP era a terceira
força política, à frente do BE e do PCP-PEV, com 16 e 15 deputados,
respectivamente. Assim, só juntando os votos dos socialistas com os votos dos
social-democratas é que seria possível aprovar uma eventual extinção dos governos
civis.
No entanto, o PS, tal como o PCP-PEV defendem a manutenção dos
governos civis. De acordo com o
Gabinete Eleitoral dos comunistas, (…) A regionalização não serve
Defendem que exista um como alternativa à extinção dos
governos civis: “é quase como se
2
representante do Governo junta das
perguntasse se, no bitoque, as
novas regiões administrativas – que
batatas fritas são alternativa ao
passam a surgir com o processo de
bife…” – Gabinete Eleitoral do PCP-
regionalização. Devem “manter as PEV
funções ligadas à segurança e ordem
públicas e as de coordenação da actividade dos departamentos desconcentrados da
Administração Central”, avança a mesma fonte.
O PCP refere os benefícios administrativos com a extinção dos Governos
Civis e o consequente processo de regionalização: “o Estado tem duas
estruturas de órgãos de coordenação dos serviços desconcentrados da
Administração Central que actuam em territórios sobrepostos, mas não
coincidentes”, referindo-se às Comissões de Coordenação e de Desenvolvimento
Regional. Terminam, questionando o que resulta caso permaneça a “sobreposição”
dos serviços: “Será necessário demonstrar que ela tem custos
pesadíssimos para o país? E para os cidadãos?”. Os comunistas defendem deste
modo o processo de regionalização: “o reforço das estruturas democráticas do
3. Estado e da participação dos cidadãos nas decisões que lhes respeitam são, em si
mesmo, um bem inestimável”.
O PS também defende o processo de regionalização, segundo o programa de
governo apresentado para as eleições do passado dia 5 de Junho. Ao contrário dos
comunistas, os socialistas defendem um reforço das Comissões de Coordenação e
de Desenvolvimento Regional. O programa também refere a necessidade de fazer
avançar o processo de desconcentração em cinco regiões plano, base territorial
para as futuras cinco regiões administrativas, caso o “sim” consiga a maioria dos
votos num futuro referendo sobre a regionalização, que o PS defende.
Fim dos Governos Civis
Os social-democratas defenderam no último programa de governo a
extinção dos governos civis.
Apenas encontra-se escrito que Os Governos Civis (…)
correspondem a estruturas
correspondem a estruturas
“completamente anquilosadas,
“completamente anquilosadas, sem 3
sentido e sem justificação”, in
sem sentido e sem justificação”. O
Programa Eleitoral do PSD, 2011
fim deste organismo foi uma das
promessas referidas por Pedro Passos Coelho, Presidente do PSD, durante a última
campanha eleitoral.
Sobre a regionalização, o partido considera que o processo “não tem
condições para avançar nesta fase crítica da vida nacional”, mas abre a hipótese
para uma “experiência-piloto”, que “avalie modelos de competências, de
competências, de financiamento e de transferências de recursos”. Ainda no mesmo
documento referência para a viabilização de uma alteração constitucional que
permita o “levantamento do travão constitucional que obriga à simultaneidade da
criação das regiões administrativas”. O PSD pretende assim alterar o ponto um do
artigo 291 da Constituição da República Portuguesa: “enquanto as regiões
administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão
distrital no espaço por elas não abrangido”. A extinção dos governos civis não passa
4. a equivaler automaticamente à constituição das regiões administrativas, pretendem
os social-democratas.
Os centristas também defendem o fim deste organismo. No programa de
governo para as legislativas o CDS-PP propõe uma revisão “cuidadosa” das
competências dos governos civis. O líder do partido, Paulo Portas, voltou a
defender essa mesma medida durante a campanha eleitoral.
O Bloco de Esquerda é a única força parlamentar de esquerda que pretende
a extinção dos governos civis. No compromisso eleitoral apresentado para as
últimas legislativas lê-se que os bloquistas querem terminar com este organismo
“distribuindo as suas competências para as autarquias e para o Estado.
Contactado para esta reportagem o constitucionalista Tiago Duarte
preconiza a opção defendida pelo CDS-PP e pelo BE. Refere que, com a extinção dos
governos civis, as competências
As competências dos Governos Civis
deste organismo “podem passar a
ser desempenhadas pelos órgãos da
“podem passar a ser
desempenhadas pelos órgãos da
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Administração Central (direcções- Administração Central ou então
gerais dos ministérios) ou então transitarem para a administração
transitarem para a administração local” – Tiago Duarte,
local (câmaras municipais, por constitucionalista
exemplo) ”. No caso do passaporte, por exemplo, o constitucionalista defende que
a Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI) pode passar este documento.
António Galamba é que não concorda com a ideia apresentada por PSD, CDS-
PP e BE. O Governador Civil de Lisboa acusa estes partidos de “populismo” e
classifica como “ridícula” a proposta apresentada por estas forças parlamentares.
Viabilidade financeira
O representante do Governo no distrito de Lisboa defende a viabilidade
financeira dos governos civis. No Orçamento de Estado de 2011 o Governo Civil de
Lisboa recebe 375 mil Euros do Ministério da Administração Interna (MAI). 4,5
milhões de Euros provêm de receitas próprias (€3,7 milhões são obtidos através da
5. emissão de passaportes) e 2,376 milhões de Euros são recebidos através do Quadro
de Referência Nacional (QREN) – parte dos fundos comunitários que este
organismo vai receber até 2013. No total, o valor da receita é de 7,251 milhões de
Euros.
Do lado da despesa, o governo civil de Lisboa – tomado como exemplo para
esta reportagem – vai gastar cerca de 6,8 milhões de Euros. A maior parte deste
valor vai servir para pagar os
“Tomara que houvesse outras
salários dos 83 trabalhadores e dos
entidades do Estado que gerassem
cinco administradores ao serviço
receitas desta maneira” – António
do distrito de Lisboa (1,1 milhões Galamba, Governador Civil de Lisboa
de Euros). António Galamba elogia
estes resultados: “Tomara que houvesse outras entidades do Estado que gerassem
receitas desta maneira”. Com os 18 governos civis o Estado português gasta este
ano cerca de 27,5 milhões de Euros.
Refira-se que é um orçamento superior ao registado em 2010, muito por 5
culpa da recepção dos fundos comunitários. Descontando as receitas do QREN, o
orçamento de Governo Civil de Lisboa em 2011 é semelhante ao registado no ano
anterior em mais 50 mil Euros. António Galamba justifica esta verba com a aquisição
de viaturas e de equipamento para as forças de segurança e de protecção civil: “os
governos civis são um dos poucos órgãos que fazem isto”.
Isto acontece numa altura em Portugal assinou um memorando de
entendimento com a “troika/trunvirato” do Fundo Monetário Internacional, Banco
Central Europeu e Comissão Europeia. O programa não prevê medidas específicas
para os governos civis, mas contém medidas dirigidas para a Administração Pública:
redução anual de um por cento dos funcionários públicos da administração central e
a redução de quinze por cento dos quadros dirigentes do Estado. O memorando
prevê assim a agilização das medidas já previstas para a segunda fase do Programa
de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), que se iniciou em
2007.
6. O futuro
A primeira legislação sobre os Governos Civis foi publicada em 1842, sendo
que o primeiro governador civil de Lisboa tomou posse no dia 18 de Março deste
ano. O actual governador, António Galamba, foi nomeado em 27 de Novembro de
2009 por Rui Pereira, Ministro da Administração Interna nesse momento.
Com os resultados obtidos nas eleições de 5 de Junho o ponto um do Artigo
291 pode ser alterado através do conjunto dos votos do PSD mais PS (108 e 74
deputados, respectivamente *) ou com as forças parlamentares unidas contra o PS:
soma dos deputados do PSD com os deputados do CDS (24), PCP-PEV (16) e do
Bloco de Esquerda (8), somando 156 deputados, mais três do que os necessários
para revisões constitucionais. Resta saber se os comunistas vão mudar de opinião.
O fim dos governos civis permite que haja menos despesa, tendo em que
conta que não será necessário contratar mais funcionários para assegurar as novas
competências das direcções-gerais dos vários ministérios. No entanto, e como
refere o Governador Civil de Lisboa, a “visão local é um erro na gestão do
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território”.
Apenas resta saber, como diz o ditado se o “barato vai sair caro”.
*Cálculo do número de deputados do PSD e do PS com base na distribuição dos
mandatos do estrangeiro nas eleições legislativas de Setembro de 2009. Na altura, o
PSD ficou com três deputados do círculo estrangeiro. O PS ficou com o quarto
mandato.
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Reportagem para a disciplina de Laboratório de Géneros Jornalísticos
Professora: Ana Leal
Aluno: Diogo Ferreira Nunes, Nº 6114