O documento discute as potencialidades do genoma humano, explicando que apesar de ter apenas 30 mil genes, a complexidade das interações entre eles e com o ambiente é o que diferencia os seres humanos. Também destaca que as descobertas sobre o genoma desmistificam conceitos como racismo biológico, mostrando que as diferenças genéticas entre humanos são mínimas.
1. Psicologia B
Antes de Mim – Genética
No domínio da grande evolução genética, surgiram novos conceitos, um dos quais o Genoma Humano, que se localiza
no núcleo de cada uma das células e representa o conjunto de genes onde está contida toda a informação para a
construção e funcionamento do ser humano.
Hoje, o facto de se poder decifrar o código genético abre caminho para a
compreensão de muitas características genéticas, permitindo detetar
precocemente certas doenças.
O que é o genoma humano?
O genoma é o conjunto de instruções que permite a construção de uma pessoa.
Cada célula de um ser humano tem no seu núcleo um conjunto de moléculas
de ADN que, de cada vez que a célula se divide, são copiadas e passadas para
as células filhas. Isto significa que todas as células do nosso corpo têm um ADN
idêntico, organizado fisicamente em 46 cromossomas, 23 herdados da mãe e
23 herdados do pai (processo designado por mitose).
Dentro dos cromossomas, cadeias de açúcares e fosfatos são ligadas por pares
de bases químicas, vulgarmente designadas pela sua inicial: A (adenina), C
(citosina), G (guanina) e T (tiamina). Estas bases ligam-se formando como que
os degraus de uma escada de corda, enrolada em forma de dupla hélice. É este
alfabeto de quatro letras, agrupadas em mais de três mil milhões de pares, em
combinações diversas (os genes), que funciona como o código usado pela
natureza para sintetizar proteínas e, assim, criar a vida.
Um gene é um conjunto destas letras, numa ordem específica, que codifica a
produção de uma determinada proteína. Ao conjunto total do ADN de um indivíduo, incluindo o nuclear e o das
mitocôndrias (pequenos organitos do citoplasma que contêm um pequeno fragmento de material genético), chama-se
genoma, que no caso do homem é formado por um total de mais de três mil milhões de pares de letras, organizados em
30 mil genes.
Os genomas são todos iguais?
Não. O genoma de cada indivíduo é único, com exceção dos gémeos univitelinos que têm um genoma nuclear igual
(embora se registem diferenças no ADN presente nas mitocôndrias, as baterias energéticas das células). No entanto, as
diferenças registadas são mínimas, incluindo entre pessoas de raças diferentes. Estima-se que apenas 0,1 por cento do
genoma seja responsável pela individualidade de cada ser humano.
ANO LECTIVO 2011-2012
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Que benefícios traz o genoma para a medicina?
Todas as doenças têm uma componente genética, seja por hereditariedade ou em resultado da resposta do organismo
a agressões ambientais, como os vírus ou as toxinas. O conhecimento do genoma humano tem vindo a possibilitar aos
cientistas a identificação de genes que causam uma doença ou contribuem para o seu surgimento. O grande objetivo é
utilizar esta informação para desenvolver novos métodos de diagnóstico, tratamento ou prevenção. Eventualmente, os
cientistas acreditam que será mesmo possível fazer medicamentos por medida para cada pessoa. Também nos casos
em que a doença é provocada por uma única malformação, identificada no seu genoma, poderão ser aplicados
tratamentos de terapia genética para corrigir o problema.
Porque se estudam os genomas de outros organismos?
A semelhança entre os genomas de vários seres vivos é maior do que se possa pensar. Por exemplo, o homem e os
restantes mamíferos, sejam ratos, cães, gatos ou macacos, têm genomas de tamanho idêntico e partilham grande parte
dos genes. A percentagem média de semelhança entre os genes do homem e do rato é de 85 por cento, e entre o
homem e o chimpanzé este valor pode subir aos 97 por cento.
A maioria dos organismos-modelo são fáceis de manter em laboratório, reproduzem-se rapidamente e permitem analisar
facilmente os padrões de hereditariedade ao longo de várias gerações. Tal permite aos cientistas estudar certos
problemas nestes organismos e tentar depois aplicar os conhecimentos nos seres humanos. Além disso, muitas das
técnicas foram primeiro otimizadas em organismos mais simples, como as bactérias, que têm grande importância
ambiental e industrial.
Adaptado de Público, Junho de 2001
TEXTO: As potencialidades do genoma humano
“Afinal, o genoma humano tem apenas uns 30 mil genes. O dobro da mosca da fruta. Metade de um grão de arroz. E
sensivelmente o mesmo de um ratinho de laboratório. Mais: apenas 300 desses 30 mil genes são diferentes. O que
quer dizer que, ao sequenciarmos os seis mil milhões de letras do nosso ADN, descobrimos, perplexos, que a explicação
para a imensa complexidade do ser humano não está apenas nesse código. Está na relação entre os genes e na relação
destes com as proteínas. Na forma como são dadas as instruções numa célula óssea ou num neurónio. E na forma
como as instruções matriciais do código genético de cada ser humano reagem aos estímulos exteriores.
O que faz a diferença humana não é número dos seus genes – é a complexidade das suas relações.
Houve um tempo em que se pensava que lendo a forma do crânio se conseguia ler o carácter de uma pessoa. Uma fita
métrica seria suficiente para saber se estávamos perante um assassino ou um génio musical. Hoje conhecemos a
amplitude de tais disparates, mas ainda acreditamos - ou acreditávamos - que íamos descobrir nos genes a inteligência,
a homossexualidade, a agressividade ou a inclinação para as artes, da mesma forma que encontramos a determinação
da cor dos olhos ou da pele. A descoberta de que temos apenas 30 mil genes torna essa pretensão tão disparatada
como a dos deterministas do século passado.
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É certo que existem nos tais seis mil milhões de letras muitas instruções que podem condicionar muitos aspetos da
nossa personalidade - o que parece não existir é uma relação direta "gene X"-"característica Y". O que parece existir é um
jogo complexo de influências que ativam e desativam genes, ou que permitem que o mesmo gene esteja na origem de
proteínas diferentes conforme a célula ou o ambiente circundante.
Ao longo dos próximos anos vamos aprender muito mais sobre estas relações e sobre a forma como o alfabeto da vida
determina ou condiciona cada passo da vida. Mas tal como na física quântica se descobriu que não se pode determinar
o lugar onde se situa em cada momento cada partícula atómica, na genética estamos a aprender que conhecer a
sequência exata do ADN de um recém-nascido não vai automaticamente permitir saber se ele terá aptidão para a
matemática. A primeira vítima da revelação do genoma humano é, pois, o determinismo biológico.
Ao descobrirmos as nossas semelhanças com o verme Caenorhabditis elegans, com quem partilhamos dez por cento
dos genes, quase letra por letra, e ao descobrirmos o pouco que separa as diferentes populações humanas, fazemos
ruir um mundo de preconceitos.
As chamadas diferenças raciais, por exemplo, são determinadas por uma parte minúscula dos nossos genes. Mais: é
por vezes possível encontrar maiores diferenças genéticas entre duas pessoas que vivem na mesma cidade e se
parecem superficialmente, do que entre um negro africano e um louro escandinavo. De resto existe maior variação
genética entre os negros africanos do que entre as populações de todo o resto do mundo. O racismo é, por isso, outra
das vítimas deste apaixonante avanço científico.
Estas admiráveis descobertas colocam a Humanidade no limiar de um mundo novo. Um "admirável mundo novo", tal
como imaginou Aldous Huxley? Depende de nós, depende de todos.
Da mesma forma que o nosso ADN não é responsável pelos nossos disparates, as portas que a ciência abre não
conduzem obrigatoriamente ao céu ou ao inferno. A sequenciação do genoma, a que partir de ontem qualquer cientista
pode aceder clicando na Internet, abre enormes possibilidades no combate às doenças, no melhoramento de vacinas ou
no diagnóstico precoce de enfermidades. Mas, se os Estados avançados onde decorreu a investigação não tomarem
medidas, podem também abrir-se portas aos piores pesadelos.
Importa pois tomar precauções. Importa regular o regime das patentes, conciliando a necessidade de motivar os
laboratórios privados com a obrigação de tornar os novos medicamente acessíveis mesmo aos mais pobres. Importa
regular os testes genéticos, obstando a que estes se tornem motivos de discriminação no emprego ou na obtenção de
um seguro de saúde. Importa regular a manipulação dos genes humanos, separando o que é boa ciência do que são
aprendizes de Frankenstein.
Os cientistas estão a fazer o seu papel. Importa que os responsáveis políticos cumpram também as suas obrigações,
prevenindo um futuro que tem obrigação de ser admirável.”
Adaptado de Público