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ESPECIALDE
ANIVERSÁRIO
Para este aniversário de 460 anos de São Paulo, o Estado
ouviu, nas últimas semanas, 16 especialistas das mais diver-
sas áreas e com eles buscou entender as principais transfor-
mações pelas quais a cidade deve passar nas próximas déca-
das – afinal, faltam apenas 40 anos para a metrópole come-
morar cinco séculos.
Ocenárioesboçadoéotimista.UmaSãoPaulomaisverde,
com melhores serviços, com mais qualidade de vida, enfim,
commaisfelicidade.Nãopodiaserdiferente:quandoimagi-
namosa cidade do futuro, acabamosdesenhandojustamen-
te aquela que queremos.
Também pedimos para os leitores contarem o que amam
hoje em São Paulo, o que deve ser preservado e não pode
acabar.Asrespostasforamasmaisvariadas,todassentimen-
tais. São Paulo trouxe o amor, o trabalho, amigos, vida nova
e, principalmente, esperança.
O Parque do Ibirapuera, a Avenida Paulista e o centro ve-
lhoapareceramemváriashistórias,atuaisoulembrançasde
infância.Mashouvetambémquemtenhafaladodeumaárvo-
re específica ou de um prédio favorito. Esse mosaico virou
um “mapa afetivo” das 460 coisas que amamos em São Pau-
lo,umguiaimperdívelparaconhecermelhoranossacidade.
Este é o nosso “parabéns” para São Paulo. Festivo, é claro.
Mas também reflexivo. Estamos certos de que, para termos
umlugarmelhorparaseviver,éprecisoqueautoridades,cida-
dãos,políticosesociedadecivilponhammãosàobra.Sótere-
mos a cidade com que sonhamos se começarmos a mudá-la
desde já. Rumo aos 500 anos.
PARA QUE LADO VAI A CIDADE NOS
PRÓXIMOS 40 ANOS? ESPECIALISTAS
DESENHAM CENÁRIO OTIMISTA
%HermesFileInfo:H-1:20140125:
H1 SÁBADO, 25 DE JANEIRO DE 2014 O ESTADO DE S. PAULO
2054
Apromessaérepetidaporgovernosdesdeosanos1980:nofuturopróximo,
os Rios Tietê e Pinheiros estarão limpos. O discurso é corroborado por be-
las ilustrações, pessoas nadando no rio, outras se divertindo nas margens,
natureza verdejante, felicidade. O fato é que, ainda em 2014, os rios chei-
ram mal, sem muito sinal de vida na Região Metropolitana de São Paulo.
Quase todos os especialistas ouvidos pelo Estado apostam na limpe-
za deles. Mais cedo ou mais tarde. “Acreditamos que, em 20 anos, Tietê e
Pinheiros já serão navegáveis, embora ainda não completamente limpos”,
afirma Rodrigo Ferraz, arquiteto do escritório FGMF. A solução, de acordo
com ele, está na tecnologia, que vai possibilitar uma limpeza mais eficiente
e adequada.
Maséem2054queteríamosocenárioideal.“Comarenaturalizaçãodos
córregos, poderemos ter uma malha de rios em toda São Paulo. Um impac-
to paisagístico fundamental”, vislumbra o arquiteto Lourenço Gimenes,
do FGMF. Ou seja: todos aqueles córregos que foram canalizados ao longo
dos anos voltariam à tona, limpos e prontos para o uso. Água límpida cor-
rendoemlocaisondequaseninguémsabequeanteshaviaumcursod’água.
Riozinhosladeadospormataciliar,parqueslineares,ciclovias,equipamen-
tos de lazer. Todos navegáveis. E, quem sabe, “nadáveis”.
A cidade cujas praias, segundo a piada, são os shopping centers vai ter
umasemipraiade50quilômetrosentreaPenha,nazonaleste,eInterlagos,
na zona sul, um arco azul e verde nos dois principais rios da Grande São
Paulo. Os galpões que hoje ocupam as margens internas dos cursos d’água
dariam espaço para parques e oficinas culturais.
Rearranjo. Mas essa desapropriação em massa não seria de graça. O “es-
vaziamento dos cheios”, como define o arquiteto Decio Tozzi, dependeria
de um rearranjo completo dos bairros vizinhos ao eixo hidrográfico pau-
listano. Tozzi já fez sua parte na retomada dessa margem – é dele o projeto
doParqueVilla-Lobos,áreaverdede732milmetrosquadradosdeespécies
da Mata Atlântica que alivia a paisagem (e um pouco do odor) no Alto de
Pinheiros,zonaoeste.Agora,oarquitetodefendeumatransformaçãomais
intensa,umprojetodedécadasparabuscar“umnovoequilíbrioentreoes-
paço construído e o espaço natural”.
A ideia é fazer uma troca. O mercado imobiliário desocuparia a parte
mais próxima dos rios, o que permitiria a criação de parques em toda a sua
extensão.Emcontrapartida,construiriaeexplorariamegaempreendimen-
tosmaisparadentrodacidade,noschamadospésdemorro–regiõescomo
a Avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda, na zona oeste, por
exemplo.Masmesmoessesprojetosnãoseriamsimplesmente“espigões”.
Seriam bairros verticais autônomos, com residências, comércio, serviços
e entretenimento. “Eles teriam uma escala medieval. O sujeito, nos cinco
diasdasemana,iriaaotrabalhoapé,aocinemaapé.Todacirculaçãoneces-
sária ficaria em um raio de um quilômetro”, diz Tozzi.
Arquitetonicamente,osbairrosverticaispoderiamservariados.Masto-
dos teriam a mesma orientação básica: estruturas parecidas com prédios
empilhados,comáreasmultifuncionais,praçassuspensas,passarelasesis-
temas de trânsito aéreo, como elevadores e monotrilhos.
Tozzi admite que é uma ideia difícil, mas perfeitamente possível, com
planejamento a longo prazo. “Há muitas áreas nesses 50 km da Penha a
Interlagos que ainda estão com ocupação rala”, ressalta. “É possível fazer
macro-operações urbanas em um prazo de décadas.” Mas, para isso, o po-
der público e o empreendedorismo devem ter um objetivo conjunto claro.
“O negócio imobiliário vai ser dirigido para isso. O poder público, em vez
de se submeter aos interesses do capital, deveria orientar.”
O executivo Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e pre-
sidente da Associação Viva o Centro, defende que, para viabilizar esses
grandes empreendimentos, o governo federal passe a encarar São Paulo
como uma “metrópole nacional”, com direito a um aporte maior de verbas
considerando a importância que tem para todo o País. “Aí conseguiríamos
recuperar as áreas verdes, expandi-las e despoluir todo o sistema fluvial da
cidade, garantindo fontes de lazer e embelezamento”, explica. “É preciso
devolver o espaço público para a população”, diz Meirelles. Tozzi concor-
da: “O grande sonho é reverter a ocupação das beiras dos rios”.
ENFIM,
TEMOS
NOSSOSRIOS
DEVOLTALIMPEZADOS
CURSOSD’ÁGUA
VAIPERMITIR
TIRARCÓRREGOS
DOSUBSOLOE
TRANSFORMÁ-LOS
EMEIXOSDELAZER
TRANSFORMAR
OSDOISESGOTOS
ACÉUABERTOQUE
TEMOS,OTIETÊEO
PINHEIROS,EMRIOS
ÉIMPORTANTISSIMO
PARAMELHORAR
ACIDADE
ODEDGRAJEW,
COORDENADORDAREDE
NOSSASÃOPAULO
%HermesFileInfo:H-4:20140125:
H4 Especial SÁBADO, 25 DE JANEIRO DE 2014 O ESTADO DE S. PAULO
Édifícilpensaremumautopiacomrioslimposeáreasverdesparaacidade
de São Paulo com a poluição atual – dos 12 pontos de medição da Compa-
nhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) nos Rios Tietê e Pinhei-
ros, só dois (ambos em Mogi das Cruzes) apontaram situação boa de qua-
lidade da água em 2012. O resto ficou ruim ou péssima. “Gosto de imaginar
o Rio Tietê como a metáfora da própria dinâmica da cidade. Enquanto ele
continuarsujo,acidadevaicontinuardesigual”,dizoativistaculturalLivio
Tragtenberg. “Gosto dessa metáfora: limpando os rios é como se a cidade
fosse lavada, mas acho isso muito improvável”, diz. “Daqui a 50 anos, va-
mos conversar sobre a mesma questão. O rio vai estar sujo. Isso porque,
por aqui se ganha muito em não se fazer coisas, mais do que em fazer. A
inércia é muito mais lucrativa do que o movimento.”
Mas, mesmo quem é mais otimista ressalta que o trabalho de melhora
devecomeçarhoje,eaudaciosamente.“Atéagora,aslegislaçõesvêmsendo
feitas pressionadas pelo capital imobiliário”, alerta o arquiteto Decio To-
zzi. “É preciso ter um equilíbrio, uma troca.”
Tozzi destaca que a evolução urbana está ocorrendo em termos numé-
ricos (aumento de população, número de empreendimentos), mas não em
termos qualitativos. “É um quadro impraticável em uma sociedade que se
diz civilizada e detém um certo conhecimento.”
A principal preocupação é a situação ambiental da cidade de São Paulo.
O arquiteto Lucio Gomes Machado cita como um dos principais pontos o
assoreamento e a poluição da Represa do Guarapiranga, na zona sul, im-
portante fonte de abastecimento em uma cidade com água cada vez mais
rara – relatório de 2013 da Cetesb aponta que o Reservatório do Guarapi-
ranga tem sedimentos muito tóxicos e quantidade considerada péssima de
coliformes fecais. “Em 2054 talvez ela não exista mais. Mas temos de dar
um jeito de existir, porque é fundamental.” Para ele, o fornecimento de
águaéoprincipalproblemadaspróximasdécadasparaaGrandeSãoPaulo.
Já Tozzi destaca o aumento das ilhas de calor, causadas pela imperme-
abilização do concreto e pela redução das áreas verdes. “A flora some. Só
asfalto e concreto. E a fauna, essa é triste. Não há mais passarinhos. Só há
insetos, ácaros, aranhas e escorpiões”, afirma Tozzi. “O processo de pro-
vínciaametrópolefoitãorápidonessesúltimos50anos–eaumentadonos
últimos 30 – que o centro expandido já é uma grande ilha de calor.”
Tozzi diz que o conhecimento para reverter essa tendência existe há
tempos. “Houve distração dos órgãos públicos? Não. Houve aceitação da
pressão econômica”, aponta, afirmando que, se não houver mudança de
posicionamento, a ilha de calor vai aumentar. “Em 2030, estará muito pior.
A desertificação da cidade estará em grau mais elevado. E os municípios da
Região Metropolitana de São Paulo acompanham esse processo. Vai se so-
mar uma metrópole desértica.”
Mas ele diz que ainda não é tarde: “É hora de mudar isso”.
CAIXOTESDE
DINHEIRO
PAULA
FÁBRIO
I
greja, shopping, livraria. Agência bancária. No formato qua-
drado a cidade se empenha.
É o futuro-já, com janelas encravadas no cimento dos pré-
dios. Centenas, numa única braçada de olho. Milhares, na vi-
são periférica. Algumas mais ao alto, com vista para o elevado e o
engavetamento, ou para o cemitério, onde se retêm mais caixotes.
Estes, uns sobre outros, para não sermos iguais. Nunca. Privilégio
é ter caixinhas envidraçadas gourmet e avistar palmeiras no asfal-
to. Na garagem, um minitanque de guerra.
É verdade. O horizonte subiu ao céu num contorno quadriculado
metálico. Também pudera, muito tempo se passou desde 1984 e
dos últimos leitores de livros.
No formato quadrado a cidade se empenha e ganha dinheiro. O
cartaz colorido e o sorriso plantado já não interessam. Apenas
a tela do jogo, o link do link do link. O novo eletrônico intuitivo.
Pulsoecartãodecrédito.Tudonumchipimplantado.Contraçãoe
expansão em linhas desordenadas, pontas desencaixadas e lascas
soltas. Não obstante, emergem caixotes maiores, câmpus, retân-
gulos, onde o conhecimento se mede pelo número de aplicativos.
Napraça,oquadriláteroéavessoàsvoltas.Agoranofuturo,oroléé
démodé.Jáninguémsaidetrásdasgrades.Denenhumlado.Confi-
nados, a nos suportar. Como carneiros com ferraduras quadradas.
Mas antes de agonizar, janelas se espremem e sobem ao alto como
árvores à procura do sol. Enfim, sós e emoldurados. O cadeado se-
guro. O portão automático. A tela 4D. Sonha-se em ângulo reto. O
caixote da morte. O da vida. O achatamento da terra, na luz branca
e roxa do sol que se pôs, e outro dia que passou, tão rápido, nas ho-
ras extras fingidas – a brincadeira mórbida a ver quem se aguenta
mais no escritório. E o escape fugidio, nos parques temáticos, no
jardim simulado. Janelas de computador.
A despeito de tudo, a mão redondinha da criança deixa sua marca
de tinta no papel. Um deslize. Pois no final, não há ponto. O cerco.
Fechado. Em linhas perpendiculares. E você não resiste.
VENCEDORA DO PRÊMIO SÃO PAULO DE LITERATURA COM O ROMANCE
DESNORTEIO (PATUÁ, 2012) NA CATEGORIA ESTREANTE +40 ANOS, NASCEU EM
SÃO PAULO E FORMOU-SE EM COMUNICAÇÃO. ATUALMENTE, FAZ MESTRADO EM
LETRAS NA USP E EM BREVE PUBLICARÁ SEU NOVO LIVRO, PONTO DE FUGA,
PREMIADO PELO PROAC, DA SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA DE SÃO PAULO
PARAMUDAR,
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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 25 DE JANEIRO DE 2014 Especial H5

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São Paulo 460

  • 1. ESPECIALDE ANIVERSÁRIO Para este aniversário de 460 anos de São Paulo, o Estado ouviu, nas últimas semanas, 16 especialistas das mais diver- sas áreas e com eles buscou entender as principais transfor- mações pelas quais a cidade deve passar nas próximas déca- das – afinal, faltam apenas 40 anos para a metrópole come- morar cinco séculos. Ocenárioesboçadoéotimista.UmaSãoPaulomaisverde, com melhores serviços, com mais qualidade de vida, enfim, commaisfelicidade.Nãopodiaserdiferente:quandoimagi- namosa cidade do futuro, acabamosdesenhandojustamen- te aquela que queremos. Também pedimos para os leitores contarem o que amam hoje em São Paulo, o que deve ser preservado e não pode acabar.Asrespostasforamasmaisvariadas,todassentimen- tais. São Paulo trouxe o amor, o trabalho, amigos, vida nova e, principalmente, esperança. O Parque do Ibirapuera, a Avenida Paulista e o centro ve- lhoapareceramemváriashistórias,atuaisoulembrançasde infância.Mashouvetambémquemtenhafaladodeumaárvo- re específica ou de um prédio favorito. Esse mosaico virou um “mapa afetivo” das 460 coisas que amamos em São Pau- lo,umguiaimperdívelparaconhecermelhoranossacidade. Este é o nosso “parabéns” para São Paulo. Festivo, é claro. Mas também reflexivo. Estamos certos de que, para termos umlugarmelhorparaseviver,éprecisoqueautoridades,cida- dãos,políticosesociedadecivilponhammãosàobra.Sótere- mos a cidade com que sonhamos se começarmos a mudá-la desde já. Rumo aos 500 anos. PARA QUE LADO VAI A CIDADE NOS PRÓXIMOS 40 ANOS? ESPECIALISTAS DESENHAM CENÁRIO OTIMISTA %HermesFileInfo:H-1:20140125: H1 SÁBADO, 25 DE JANEIRO DE 2014 O ESTADO DE S. PAULO
  • 2. 2054 Apromessaérepetidaporgovernosdesdeosanos1980:nofuturopróximo, os Rios Tietê e Pinheiros estarão limpos. O discurso é corroborado por be- las ilustrações, pessoas nadando no rio, outras se divertindo nas margens, natureza verdejante, felicidade. O fato é que, ainda em 2014, os rios chei- ram mal, sem muito sinal de vida na Região Metropolitana de São Paulo. Quase todos os especialistas ouvidos pelo Estado apostam na limpe- za deles. Mais cedo ou mais tarde. “Acreditamos que, em 20 anos, Tietê e Pinheiros já serão navegáveis, embora ainda não completamente limpos”, afirma Rodrigo Ferraz, arquiteto do escritório FGMF. A solução, de acordo com ele, está na tecnologia, que vai possibilitar uma limpeza mais eficiente e adequada. Maséem2054queteríamosocenárioideal.“Comarenaturalizaçãodos córregos, poderemos ter uma malha de rios em toda São Paulo. Um impac- to paisagístico fundamental”, vislumbra o arquiteto Lourenço Gimenes, do FGMF. Ou seja: todos aqueles córregos que foram canalizados ao longo dos anos voltariam à tona, limpos e prontos para o uso. Água límpida cor- rendoemlocaisondequaseninguémsabequeanteshaviaumcursod’água. Riozinhosladeadospormataciliar,parqueslineares,ciclovias,equipamen- tos de lazer. Todos navegáveis. E, quem sabe, “nadáveis”. A cidade cujas praias, segundo a piada, são os shopping centers vai ter umasemipraiade50quilômetrosentreaPenha,nazonaleste,eInterlagos, na zona sul, um arco azul e verde nos dois principais rios da Grande São Paulo. Os galpões que hoje ocupam as margens internas dos cursos d’água dariam espaço para parques e oficinas culturais. Rearranjo. Mas essa desapropriação em massa não seria de graça. O “es- vaziamento dos cheios”, como define o arquiteto Decio Tozzi, dependeria de um rearranjo completo dos bairros vizinhos ao eixo hidrográfico pau- listano. Tozzi já fez sua parte na retomada dessa margem – é dele o projeto doParqueVilla-Lobos,áreaverdede732milmetrosquadradosdeespécies da Mata Atlântica que alivia a paisagem (e um pouco do odor) no Alto de Pinheiros,zonaoeste.Agora,oarquitetodefendeumatransformaçãomais intensa,umprojetodedécadasparabuscar“umnovoequilíbrioentreoes- paço construído e o espaço natural”. A ideia é fazer uma troca. O mercado imobiliário desocuparia a parte mais próxima dos rios, o que permitiria a criação de parques em toda a sua extensão.Emcontrapartida,construiriaeexplorariamegaempreendimen- tosmaisparadentrodacidade,noschamadospésdemorro–regiõescomo a Avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda, na zona oeste, por exemplo.Masmesmoessesprojetosnãoseriamsimplesmente“espigões”. Seriam bairros verticais autônomos, com residências, comércio, serviços e entretenimento. “Eles teriam uma escala medieval. O sujeito, nos cinco diasdasemana,iriaaotrabalhoapé,aocinemaapé.Todacirculaçãoneces- sária ficaria em um raio de um quilômetro”, diz Tozzi. Arquitetonicamente,osbairrosverticaispoderiamservariados.Masto- dos teriam a mesma orientação básica: estruturas parecidas com prédios empilhados,comáreasmultifuncionais,praçassuspensas,passarelasesis- temas de trânsito aéreo, como elevadores e monotrilhos. Tozzi admite que é uma ideia difícil, mas perfeitamente possível, com planejamento a longo prazo. “Há muitas áreas nesses 50 km da Penha a Interlagos que ainda estão com ocupação rala”, ressalta. “É possível fazer macro-operações urbanas em um prazo de décadas.” Mas, para isso, o po- der público e o empreendedorismo devem ter um objetivo conjunto claro. “O negócio imobiliário vai ser dirigido para isso. O poder público, em vez de se submeter aos interesses do capital, deveria orientar.” O executivo Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e pre- sidente da Associação Viva o Centro, defende que, para viabilizar esses grandes empreendimentos, o governo federal passe a encarar São Paulo como uma “metrópole nacional”, com direito a um aporte maior de verbas considerando a importância que tem para todo o País. “Aí conseguiríamos recuperar as áreas verdes, expandi-las e despoluir todo o sistema fluvial da cidade, garantindo fontes de lazer e embelezamento”, explica. “É preciso devolver o espaço público para a população”, diz Meirelles. Tozzi concor- da: “O grande sonho é reverter a ocupação das beiras dos rios”. ENFIM, TEMOS NOSSOSRIOS DEVOLTALIMPEZADOS CURSOSD’ÁGUA VAIPERMITIR TIRARCÓRREGOS DOSUBSOLOE TRANSFORMÁ-LOS EMEIXOSDELAZER TRANSFORMAR OSDOISESGOTOS ACÉUABERTOQUE TEMOS,OTIETÊEO PINHEIROS,EMRIOS ÉIMPORTANTISSIMO PARAMELHORAR ACIDADE ODEDGRAJEW, COORDENADORDAREDE NOSSASÃOPAULO %HermesFileInfo:H-4:20140125: H4 Especial SÁBADO, 25 DE JANEIRO DE 2014 O ESTADO DE S. PAULO
  • 3. Édifícilpensaremumautopiacomrioslimposeáreasverdesparaacidade de São Paulo com a poluição atual – dos 12 pontos de medição da Compa- nhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) nos Rios Tietê e Pinhei- ros, só dois (ambos em Mogi das Cruzes) apontaram situação boa de qua- lidade da água em 2012. O resto ficou ruim ou péssima. “Gosto de imaginar o Rio Tietê como a metáfora da própria dinâmica da cidade. Enquanto ele continuarsujo,acidadevaicontinuardesigual”,dizoativistaculturalLivio Tragtenberg. “Gosto dessa metáfora: limpando os rios é como se a cidade fosse lavada, mas acho isso muito improvável”, diz. “Daqui a 50 anos, va- mos conversar sobre a mesma questão. O rio vai estar sujo. Isso porque, por aqui se ganha muito em não se fazer coisas, mais do que em fazer. A inércia é muito mais lucrativa do que o movimento.” Mas, mesmo quem é mais otimista ressalta que o trabalho de melhora devecomeçarhoje,eaudaciosamente.“Atéagora,aslegislaçõesvêmsendo feitas pressionadas pelo capital imobiliário”, alerta o arquiteto Decio To- zzi. “É preciso ter um equilíbrio, uma troca.” Tozzi destaca que a evolução urbana está ocorrendo em termos numé- ricos (aumento de população, número de empreendimentos), mas não em termos qualitativos. “É um quadro impraticável em uma sociedade que se diz civilizada e detém um certo conhecimento.” A principal preocupação é a situação ambiental da cidade de São Paulo. O arquiteto Lucio Gomes Machado cita como um dos principais pontos o assoreamento e a poluição da Represa do Guarapiranga, na zona sul, im- portante fonte de abastecimento em uma cidade com água cada vez mais rara – relatório de 2013 da Cetesb aponta que o Reservatório do Guarapi- ranga tem sedimentos muito tóxicos e quantidade considerada péssima de coliformes fecais. “Em 2054 talvez ela não exista mais. Mas temos de dar um jeito de existir, porque é fundamental.” Para ele, o fornecimento de águaéoprincipalproblemadaspróximasdécadasparaaGrandeSãoPaulo. Já Tozzi destaca o aumento das ilhas de calor, causadas pela imperme- abilização do concreto e pela redução das áreas verdes. “A flora some. Só asfalto e concreto. E a fauna, essa é triste. Não há mais passarinhos. Só há insetos, ácaros, aranhas e escorpiões”, afirma Tozzi. “O processo de pro- vínciaametrópolefoitãorápidonessesúltimos50anos–eaumentadonos últimos 30 – que o centro expandido já é uma grande ilha de calor.” Tozzi diz que o conhecimento para reverter essa tendência existe há tempos. “Houve distração dos órgãos públicos? Não. Houve aceitação da pressão econômica”, aponta, afirmando que, se não houver mudança de posicionamento, a ilha de calor vai aumentar. “Em 2030, estará muito pior. A desertificação da cidade estará em grau mais elevado. E os municípios da Região Metropolitana de São Paulo acompanham esse processo. Vai se so- mar uma metrópole desértica.” Mas ele diz que ainda não é tarde: “É hora de mudar isso”. CAIXOTESDE DINHEIRO PAULA FÁBRIO I greja, shopping, livraria. Agência bancária. No formato qua- drado a cidade se empenha. É o futuro-já, com janelas encravadas no cimento dos pré- dios. Centenas, numa única braçada de olho. Milhares, na vi- são periférica. Algumas mais ao alto, com vista para o elevado e o engavetamento, ou para o cemitério, onde se retêm mais caixotes. Estes, uns sobre outros, para não sermos iguais. Nunca. Privilégio é ter caixinhas envidraçadas gourmet e avistar palmeiras no asfal- to. Na garagem, um minitanque de guerra. É verdade. O horizonte subiu ao céu num contorno quadriculado metálico. Também pudera, muito tempo se passou desde 1984 e dos últimos leitores de livros. No formato quadrado a cidade se empenha e ganha dinheiro. O cartaz colorido e o sorriso plantado já não interessam. Apenas a tela do jogo, o link do link do link. O novo eletrônico intuitivo. Pulsoecartãodecrédito.Tudonumchipimplantado.Contraçãoe expansão em linhas desordenadas, pontas desencaixadas e lascas soltas. Não obstante, emergem caixotes maiores, câmpus, retân- gulos, onde o conhecimento se mede pelo número de aplicativos. Napraça,oquadriláteroéavessoàsvoltas.Agoranofuturo,oroléé démodé.Jáninguémsaidetrásdasgrades.Denenhumlado.Confi- nados, a nos suportar. Como carneiros com ferraduras quadradas. Mas antes de agonizar, janelas se espremem e sobem ao alto como árvores à procura do sol. Enfim, sós e emoldurados. O cadeado se- guro. O portão automático. A tela 4D. Sonha-se em ângulo reto. O caixote da morte. O da vida. O achatamento da terra, na luz branca e roxa do sol que se pôs, e outro dia que passou, tão rápido, nas ho- ras extras fingidas – a brincadeira mórbida a ver quem se aguenta mais no escritório. E o escape fugidio, nos parques temáticos, no jardim simulado. Janelas de computador. A despeito de tudo, a mão redondinha da criança deixa sua marca de tinta no papel. Um deslize. Pois no final, não há ponto. O cerco. Fechado. Em linhas perpendiculares. E você não resiste. VENCEDORA DO PRÊMIO SÃO PAULO DE LITERATURA COM O ROMANCE DESNORTEIO (PATUÁ, 2012) NA CATEGORIA ESTREANTE +40 ANOS, NASCEU EM SÃO PAULO E FORMOU-SE EM COMUNICAÇÃO. ATUALMENTE, FAZ MESTRADO EM LETRAS NA USP E EM BREVE PUBLICARÁ SEU NOVO LIVRO, PONTO DE FUGA, PREMIADO PELO PROAC, DA SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA DE SÃO PAULO PARAMUDAR, ÉPRECISO COMEÇARHOJE %HermesFileInfo:H-5:20140125: O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 25 DE JANEIRO DE 2014 Especial H5