A universidade produz o discurso conveniente ao Estado e funciona como guardiã do conhecimento legitimado, ignorando pensamentos não convencionais. O neoliberalismo influenciou a universidade, priorizando métricas e lucro em vez de conteúdo. A inovação e criatividade tendem a surgir fora da universidade devido à sua natureza hierárquica e subserviente ao poder.
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A Universidade como instrumento do poder
Durante quase toda a sua história a Universidade produziu o discurso conveniente ao Estado
onde se insere – o discurso hegemónico - e continua a fazê-lo agora, com as adequações
próprias introduzidas pelo capitalismo de hoje.
A Universidade funciona como guardião do templo, a arca do conhecimento legitimado (o que
for herético é silenciado) mesmo que tenham sido substituídos os representantes de Deus,
pelos arautos do sistema financeiro e das multinacionais. A Universidade é um instrumento do
poder e, como tal, pratica uma rígida hierarquia, impõe o autoritarismo e o afunilamento
ideológico, tal como acontece nas restantes escolas, no trabalho, nos quartéis e nas prisões.
Muito recentemente, assistimos a dois catedráticos defenderem a aprovação do TTIP e
convénios conexos, com um argumentário frouxo e ideológico onde ressaltou o seu papel
como objetivos arautos do poder das multinacionais; só assim se compreende porque tomam
como irrelevante que as pessoas sejam compelidas a ingerir carne com hormonas, frangos
tratados com cloro ou vegetais de origem transgénica. Nada disto é estranho pois os quadros
universitários são a principal fonte de recrutamento de governantes, nacionais ou
comunitários, estando ainda bem representados nas instituições par(a)lamentares.
O discurso do poder é fabricado na Universidade e tende a ignorar, depreciar ou perseguir o
pensamento não oriundo da Universidade; isto é, não consagrado na catedral do
conhecimento.
Spinoza nunca passou pela universidade e o desconhecimento da sua fecunda obra, pouco
conveniente para o poder, gerou o espanto em figuras como Nietzsche quando soube da sua
existência dois séculos depois da morte do filósofo. Darwin desprezou a Universidade e o que
observou e estudou feriu de morte o criacionismo reinante. Einstein teorizou a relatividade e
só depois teve direito a um lugar na universidade, onde fora impedido de entrar pelo
establishment. Robert Kurz era jornalista e foi o indivíduo mais entendido em marxismo da
nossa época. Foucault teve de esperar pelo Maio francês para lhe reconhecerem os méritos e
lhe permitirem lecionar numa universidade, abandonando o ignorado liceu de Tunes. Graeber
teve de se mudar para Londres depois de excluído de uma universidade americana. E há,
certamente, muitos mais casos, onde a inovação e a criatividade foram e são geradas fora dos
claustros universitários.
Em contrapartida, um ilustre reitor de Coimbra quando soube que Newton “descobrira” a
gravidade, negou-se a reconhecê-la uma vez que a Bíblia não referia tal coisa. Tchekov não
terá certamente, sabido desse facto mas, disse que a Universidade desenvolve todas as
qualidades incluindo a da estupidez.
A Universidade continua a ser uma forja de obediência, de uniformização, até mesmo
exacerbada sob formas bestiais como as praxes, ou ridículas como as fardas, encaradas com
tolerância e bonomia pelas “autoridades” universitárias. Aliás, nem seria de esperar outra
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atitude, pois nas sessões solenes da Universidade, os seus mais altos hierarcas envergam uma
farda negra para mostrarem bem a sua dissemelhança face aos mortais comuns.
Recentemente observámos que numa dessas solenidades, um hierarca de topo tinha enfiado
na cabeça um chapéu azul que mais parecia um abat-jour, enquanto proferia um discurso;
como é evidente, naquele tão selecionado ambiente, ninguém viu o ridículo.
Como exemplo, dessa fábrica de subserviência, divulgamos a experiência de um antigo aluno
de um tal Cavaco Silva, sobre este último. Cavaco, no final dos anos 60 era um assistente do
actual ISEG que ensinava algo tão científico como encontrar rubricas específicas de receita ou
despesa pública em pesados e enormes volumes que continham o orçamento do Estado. O seu
chefe era um catedrático vaidoso e arrogante de nome Alves Martins, cujo brilho não consta
nos anais dos economistas portugueses mas, que obtinha de Cavaco um respeito tão
subserviente que o colocava a rir perante piadas insípidas do lente ou a corroborar alguma
vacuidade do mesmo. Cavaco veio a copiar mimeticamente a postura do Alves Martins, nas
suas relações com os “ajudantes” (ministros) e a afirmar que “nunca se engana e raramente
tem dúvidas”. Assim se configurou a figura mais nefasta do último século português, depois de
Salazar.
Não deixa de ser curioso e contraditório que os adolescentes repudiem os uniformes a que são
obrigados nos colégios, como um sinal de despersonalização mas, que poucos anos depois,
enverguem a farda universitária como uma pertença que eleva e distingue. O ridículo é um
elemento especificamente humano que mais nenhuma outra espécie reconhece; será que,
inversamente, a não distinção do ridículo é um sintoma de menoridade cultural?
Da área da economia transborda o primado do neoliberalismo que inclui tretas perigosas como
o crescimento infinito do PIB, a competitividade, o empreendorismo e que até atribuiu às
contabilidades o título de “ciências contábeis”, como inventou umas “ciências empresariais” e
ainda, a moda das Business Schools em qualquer sede de paróquia.
Estas “invenções” atingem toda a sociedade e a Universidade em particular enquanto fábrica
de certificações para quem as puder pagar, mesmo em escolas que se dizem públicas. Exigem-
se aos professores métricas sobre o número de “papers”, espírito concorrencial, a ligação às
empresas para garantir objetivos comerciais e economicistas, relegando para um segundo
plano, por escassa “empregabilidade” as artes, as áreas sociais ou a literatura. No âmbito do
economicismo1
, se se não gera valor, de forma tão material como a produção de sabão ou,
atravessada pela corrupção, como uma concessão de autoestrada, está-se no seio do
desperdício; e ainda nesse contexto, não é de estranhar uma elevada precariedade laboral
para quem leciona, como acontece com um trabalhador de call-center. Para que este sistema
instável funcione, para mais num contexto de penúria de dotações orçamentais, é necessário
recorrer à captação de alunos estrangeiros para a recolha de propinas, tornando os reitores
mais atentos à tesouraria do que aos conteúdos lectivos.
1
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/05/o-economicismo-ou-o-discurso-do.html
http://www.slideshare.net/durgarrai/economicismo-doena-mental-do-neoliberalismo
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A empresarialização (outro conceito caro ao neoliberalismo) do ensino superior através de
universidades privadas cuja valia ficou marcada pelos escândalos financeiros que provocaram
o encerramento de várias das mesmas, a par com os negócios de créditos e o facilitismo
instaurado, desde que se paguem as propinas. Essa empresarialização favoreceu a contratação
de elementos dos estratos médios e inferiores da classe política (com graus variáveis de valia
académica) pois é uma forma de ligação ao aparelho de estado; e, inversamente, para esses
elementos, o estatuto de professor universitário – mesmo em part-time - é um fator de
distinção para os media e de afirmação junto de um povo cuja cultura nem sempre vai além do
que é apresentado no telejornal.
O economicismo não tem apenas face neoliberal; apresenta também, ainda que minoritários,
alguns perfis keynesianos, tão desfasados e ridículos hoje, como destrutivo é o paradigma
neoliberal2
. É conhecido um ativo naipe de românticos professores universitários que advogam
uma ressurreição da soberania nacional, com regresso a moeda própria e saída da UE; talvez,
com os seus ares de uma esquerda próxima do PC, não tenham percebido que reproduzem o
programa da Le Pen.
Há uns dez anos a IBM consultou 765 gestores de topo a nível global para que indicassem as
“fontes mais importantes de ideias inovadoras”3
e os resultados não foram muito lisonjeiros
para a Universidade neoliberal:
Empregados – 45%
Parceiros de negócio – 40%
Clientes – 38%
Consultores – 21%
Concorrentes – 20%
Associações, feiras e conferências – 19%
I&D interno – 19%
Academia – 15%
Para terminar, numa sociedade opressiva marcada pelo controlo biopolítico, a liberdade de
pensamento e de criação tenderá a subsistir essencialmente fora da Universidade ou de outras
instituições do capital, perante o cerco de silêncio dos media corporativos, em grupos
autónomos e nas áreas mais relevantes para a geração de um espírito anticapitalista.
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
2
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/03/neoliberalismo-e-keynesianismo-dois.html
3
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2011/12/os-empresarios-e-inovacaoevidencias-de.html