O crescimento como objetivo é destruidor, doentio e deve ser substituído pela satisfação das necessidades; as vantagens, na realidade são para alguns, à custa da pobreza consolidada dos outros; e uma realidade dolorosa de desigualdades exige que “os de baixo” se dediquem a anular a existência “dos de cima”.
No caso português, trata-se de mais um caso de estado falhado que não conseguindo gerar verdadeiros capitalistas, definha como território desestruturado, pasto de elites predadoras de um povo que tarda em sair da passividade.
Sumário
1 – A fixação no crescimento
a) A produção de pizzas como caso prático
b) Lógica de Monsieur de la Palisse
2 - Vantagens versus desvantagens competitivas
3 - A constante recriação das desigualdades
a) A expressão recente das desigualdades no caso português
Crescimento, vantagens competitivas e desigualdades
1. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 17/06/201 1
Crescimento, vantagens competitivas e desigualdades1
O crescimento como objetivo é destruidor, doentio e
deve ser substituído pela satisfação das necessidades;
as vantagens, na realidade são para alguns, à custa da
pobreza consolidada dos outros; e uma realidade
dolorosa de desigualdades exige que “os de baixo” se
dediquem a anular a existência “dos de cima”.
No caso português, trata-se de mais um caso de
estado falhado que não conseguindo gerar
verdadeiros capitalistas, definha como território
desestruturado, pasto de elites predadoras de um
povo que tarda em sair da passividade.
Sumário
1 – A fixação no crescimento
a) A produção de pizzas como caso prático
b) Lógica de Monsieur de la Palisse
2 - Vantagens versus desvantagens competitivas
3 - A constante recriação das desigualdades
a) A expressão recente das desigualdades no caso português
1 – A fixação2
no crescimento
O economicismo impôs-se como a ideologia adequada ao capitalismo.
Este precisa de um crescimento incessante do capital, através da expansão
dos mercados ou da redução constante dos custos com os fornecedores
de força de trabalho. Conta ainda com a especulação, com a criação de
1
Este texto constitui a continuação de “O economicismo ou o discurso do empobrecimento
compulsivo” http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/05/o-economicismo-ou-o-discurso-do.html
2
Uma fixação não é nada saudável. Fixação designa “um apego permanente da líbido a um estágio
inicial e mais primitivo de desenvolvimento”; ou “um forte apego a pessoas ou coisas, especialmente
mórbido, formado na infância e que leva a um comportamento neurótico ou imaturo”; ou ainda “um
conflito não resolvido ou desligamento emocional causado por excessos ou frustração.). cordemos isto
quando observarmos papagaios economicistas e da classe política a falar sobre crescimento.
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capital-dinheiro, desligada da produção de bens, serviços ou de coisa
alguma de útil para a Humanidade.
Dessa volúpia resulta a exuberância das considerações sobre a economia,
a ansiedade colocada sobre os últimos resultados da conjuntura, das
cotações da bolsa, da enorme seriedade com que se divulgam índices de
confiança dos consumidores. O frenesi do crescimento insaciável da
economia comanda a vida; esse pesadelo comanda a vida, não é o sonho.
Nessa linha, o semovente Passos afirma preferir a prosperidade à
felicidade. A prosperidade para os porcos é a abundância de bolota; esta
abundância é também a concepção suína de felicidade. Pode mesmo
dizer-se que Passos e a sua governação pretendem interpretar o Triunfo
dos Porcos.
O economicismo traduz essa necessidade essencial do capital, apontando
para uma constante criação de acréscimos no PIB, para um “crescimento
económico sustentado”, permanente. Para obter consenso social para a
prossecução desta volúpia, cria-se uma sucessão de ações que
materializam um círculo vicioso:
• induzem-se, ou melhor, “vendem-se” junto da multidão, pulsões
consumistas e o elevado endividamento que alimente a
compulsiva satisfação daquelas pulsões;
• na sequência, para se ter acesso a esse consumo inveterado –
diretamente ou através do crédito - é preciso rendimento, na
grande maioria dos casos proveniente de um emprego;
• entende-se que o acesso a um emprego, exige o mergulho no
ditoso “mercado de trabalho”, nas suas incertezas, precariedades
e humilhações;
• e que esse mergulho significa a passagem à categoria de
colaborador3
e a submissão a um empresário (atualmente
rebatizado de empregador) que magnanimamente se dignará
3
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/02/o-homem-ser-social-e-fragmentado.html
3. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 17/06/201 3
pagar uns €500 mensais, que serão diminuídos por dentadas de
IRS e contribuições para a Segurança Social, enquanto a
magnanimidade durar.
Há, neste percurso, uma verdadeira aldrabice que envolve o candidato a
consumidor; em regra, o rendimento líquido obtido não vai permitir a
satisfação do tão sonhado grande consumo e apenas produtos
alimentares baratos, casa modesta com encargos elevados de prestação
bancária, IMI, eletricidade, taxa de saneamento… e, diariamente, muito
IVA.
Se o resultado imediato do binómio emprego-consumo é pouco
satisfatório para o colaborador já o mesmo não sucede com o
empregador, mais que preparado para substituir o colaborador
insatisfeito por outro elemento, mais passivo e mais barato.
Para além de gerir os seus “colaboradores”, o assoberbado capitalista tem
ainda de estar atento às inovações, aos sinais do mercado quanto a
preferências de consumo, pagar os encargos bancários, isentar-se do
pagamento de impostos e Segurança Social e vender, vender, aqui, ali, aos
vizinhos, do outro lado do mar e um dia, talvez também na Lua, mantendo
ainda uma constante drenagem de recursos financeiros para o património
familiar e/ou para paraísos fiscais. Nesta narrativa, ressalta que são os
empresários que acionam o crescimento; está subjacente que sem
aqueles e sem o tal crescimento, o que seria da Humanidade?
No cerne da lógica capitalista estão as necessidades de cada capitalista em
combater a concorrência e portanto, crescer, engordar.
• Para tal, cada capitalista disputa com os congéneres as atenções dos
compradores dos seus bens e serviços, as fontes de abastecimento
de matérias-primas e energia, os favores da classe política na
concessão de serviços, adjudicações, encomendas, benefícios
fiscais. Essa disputa gera conflitos entre as multinacionais, no seio
do sistema financeiro e dos negócios de tráficos vários, que
arrastam os estados-nação para guerras e inerentes barbaridades,
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para além de infetarem os povos com taras nacionalistas,
partidárias, clubísticas e milenaristas.
• Como peça dessa lógica é essencial a pressão para a contenção de
salários e da massa salarial, para a predação demente dos recursos
do planeta, para a deterioração da qualidade do ambiente, do
habitat das várias espécies animais e vegetais, para a eliminação de
custos com pensionistas ou desempregados, com a doença ou a
invalidez dos trabalhadores, numa prática que assume todos os
contornos de um genocídio4
O problema surge e torna-se crónico quando os baixos rendimentos
atribuídos aos tais colaboradores não são suficientes para que aqueles os
convertam em compras de bens e serviços, ao conjunto dos capitalistas.
Fica assim prejudicada a recuperação do capital utilizado na produção e a
dos fundos para pagamento dos empréstimos bancários e, sendo esse
processo epidémico, em breve está lançada a crise e comprometido o
sacrossanto crescimento. Para piorar as coisas, os assalariados são
compelidos a cavalgar um consumismo inveterado, a viciarem-se num
doentio hedonismo, para antecipar o usufruto de bens e serviços,
comprometendo junto dos bancos os seus bens e os (cada vez mais
incertos) rendimentos futuros.
Neste encadeado, o emprego de cada um - fonte única dos (parcos)
rendimentos que propiciam o consumo – exigirá, aos mansos
colaboradores, complacência, sacrifício e apoio aos capitalistas, como
grupo social, atitudes assumidas como as únicas susceptíveis de garantir
uma vida… sem futuro. Os pobres que paguem a crise!
Os empresários, porém, mostram-se pouco agradecidos perante tanta
tolerância. Retribuem com baixos salários, remetendo fatias enormes da
população para o desemprego e, por seu turno, o Estado, enquanto ente
redistribuidor de capital a favor dos interesses dos incansáveis
4
http://www.slideshare.net/durgarrai/o-novo-fascismo-que-est-em-marcha
http://www.slideshare.net/durgarrai/a-pulso-genocida-da-burguesia-portuguesa-a-actuao-da-mfia-
socratide
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“empregadores”, encarrega-se de cortes e da definição dos reles sobejos
de direitos que vão configurando a democracia de mercado. Terão ao seu
serviço magotes de plumitivos e outros mercenários que replicarão ad
nauseam os relatórios sempre ameaçadores das lagardes e dos
dijsselblomes, clamando por austeridades e privatizações, com o
garantido coro dos margraves locais.
a) A produção de pizzas como caso prático
Suponhamos simbolicamente que o crescimento do PIB se materializa
num acréscimo na produção de pizzas. Assim, se todos comerem
habitualmente uma pizza diária, para que o PIB cresça – e se se cumprir a
narrativa do economicismo acima descrita - é preciso que o “mercado”
cresça e as pessoas aumentem o seu consumo para duas, três, quatro,
cinco pizzas diárias. Para além do alargamento da obesidade na
população, também o PIB crescerá, por efeito do rendimento gerado pelos
salários, juros e lucros pagos pelos produtores de pizzas e dos seus
componentes e ainda… pelo aumento dos rendimentos atribuídos ao
pessoal da área de saúde que tratará de doentes com obesidade,
hipertensão e colesterol elevado. A extrapolação matemática deste ciclo
autoalimentado de produção-consumo-produção designa-se por efeito
multiplicador. No caso vertente, permite se diga que, a longo prazo,
estaremos todos gordos e ricos; mais ou menos o que pretendem os
economicistas governamentais e da “oposição” em tempos de
propaganda!
O aumento do PIB nessa Pizzalândia deste exemplo incorporará, tanto
quanto possível, para além dos consumidores domésticos de pizzas
aqueles que, no estrangeiro, se queiram regalar com as pizzas produzidas
no país. Para esse desiderato, o empreendorismo nacional irá aumentar a
competitividade, para maximizar a exportação e minimizar a importação
de pizzas vindas do exterior; procurará inovar no produto, com novos
sabores, cores, cheiros e formatos; e baixar os custos (sobretudo os
salariais), investindo nas capacidades de produção, aumentando a
produtividade e angariando os habituais apoios estatais, através de
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benefícios fiscais. Esta lógica é a mesma que se aplica para a produção de
cebolas, telemóveis, bonés ou serviços de depilação; o capitalismo
obedece às mesmas regras, qualquer que seja o bem ou serviço a
transacionar no “mercado”.
Para satisfazerem as necessidades de geração de excedentes, de
acumulação de capital, os capitalistas, para além de escoarem
quantidades crescentes de pizzas, confrontam-se ainda com um problema
que ultrapassa as capacidades de cada produtor de pizzas,
individualmente.
A compressão salarial na cena doméstica e no exterior (as práticas de
gestão são aqui basicamente as mesmas) reduz o poder de compra dos
potenciais compradores de pizzas. Como se diz popularmente, não é
possível ter sol na eira e chuva no nabal; isto é não se pode esperar que os
consumidores acorram a comprar o que os capitalistas gostariam se estes,
procuram conter os rendimentos daqueles enquanto trabalhadores, na
sua maioria.
Essas limitações na absorção do volume de pizzas desejado pelos seus
produtores e necessário à recuperação do capital investido ou ao
pagamento da função financeira, tornam problemática a situação. As
necessidades da produção exigem a produção de um volume de pizzas
insusceptível de ser consumido, porque não há poder de compra para o
efeito e daí que haja empresas que fechem, que haja despedimentos e
repercussões negativas em empresas fornecedoras, também
dimensionadas para uma produção insusceptível de consumo, face ao
poder de compra efetivo. É a chamada crise de sobreprodução.
Naturalmente, não tem de ser assim.
a) Lógica de Monsieur de la Palisse
As necessidades humanas não são infinitas, como o crescimento que o
capitalismo exige para a sua continuidade; como não são infinitos os
recursos do planeta necessários à vida humana, nem infinita a capacidade
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do planeta de se regenerar dos danos causados pela demente lógica do
crescimento sem limites, da bestialidade economicista.
A vida dos humanos, depois de milénios sobrecarregados com um penoso
labor para garantir a existência, pode beneficiar hoje, do conhecimento
acumulado, das tecnologias disponíveis, do bem-estar adequado, das
imensas possibilidades de usufruir o lazer, as atividades físicas, a arte e a
cultura, as relações afetivas de toda a espécie. Porém, as necessidades
capitalistas exigem longas e intensivas jornadas de trabalho para que a
concorrência seja vencida, para que o mercado absorva os bens ou
serviços produzidos por cada capitalista, apesar de ser possível, mercê das
tecnologias existentes, reduzir o tempo de trabalho e repartir a
intervenção humana, direta, por várias pessoas, com jornadas de trabalho
muito mais reduzidas.
Por isso, surge como algo estranho que, sendo o trabalho, por natureza e
etimologicamente associado a esforço, a um sacrifício que impede o
usufruto livre da vida, se pugne pelo direito ao… trabalho. Mais inteligente
e radical será exigir o direito ao lazer, dar sequência às duras lutas antigas
pela redução do horário de trabalho, lutar pela libertação do salariato;
coisa repudiada pelas burocracias sindicais, veteranas da concertação
social e da alegre convivência com os patrões. Para o efeito,
naturalmente, o capitalismo tem de ter apressado o seu fim; ontem, já era
tarde.
2 - Vantagens versus desvantagens competitivas
O discurso da competitividade foi transposto para a cena internacional na
fase ascensional do capitalismo e incorporado nas disputas das potências
europeias, cada qual na defesa dos seus capitalistas, período onde se veio
a verificar um enorme volume de guerras de apropriação colonial ou de
choque de rivalidades Inter-imperialistas.
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David Ricardo, inglês, descendente de judeus portugueses fugidos para
Amsterdão, concebeu a teoria das vantagens competitivas5
, para
apresentar uma teoria que racionalizasse e evidenciasse as eventuais
virtudes provenientes das relações comerciais entre países com diferentes
estados de desenvolvimento. Seria uma forma de estruturar o comércio
internacional, dominado pelas potências europeias, em favor destas
últimas. Os povos coloniais, caçados, maltratados e roubados, não foram
consultados por Ricardo, até porque eram pretos ou amarelos, não
brancos6
. A sua teoria constitui, ainda hoje, o fio condutor da OMC e das
instâncias nacionais e plurinacionais da globalização neoliberal; como
subjaz aos princípios fundadores do Mercado Comum, depois batizado
CEE e finalmente UE, balizados no comércio livre de bens e serviços
transitados “obviamente” dos locais onde há vantagens competitivas na
sua produção, para os outros onde essas vantagens não se verificam.
Para o efeito e como exemplo, Ricardo utilizou as relações da Inglaterra
com uma sua semicolónia chamada Portugal, com a primeira a exportar
lanifícios para o segundo e este a vender vinho para Inglaterra. Recorde-se
que essa especialização complementar havia sido alicerçada no tratado de
Methuen de 1703 que anulou as Leis Pragmáticas (1677), do conde da
Ericeira que visavam um protecionismo adequado ao desenvolvimento
industrial português, de acordo com a prática, na época, de apoio aos
capitalistas nacionais, na cópia da pioneira prática inglesa. De facto, o
inglês Ricardo, defensor de uma industrialização acelerada, só terá visto as
vantagens inglesas da especialização e não as desvantagens portuguesas
face ao tratado de Methuen, assinado cerca de um século antes de
Ricardo ter divulgado a sua teoria. Curiosamente, o mesmo defensor da
industrialização e do comércio global, tratava de gerar uma grande
fortuna através da… especulação, como aliás aconteceu, mais tarde, com
Keynes.
5
Anos atrás aflorámos este tema em “Miséria da economia” http://www.slideshare.net/durgarrai/misria-da-
economia
6
Quem inventou a designação de brancos, mormente aos oriundos da Europa era, certamente
daltónico
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Nessa lógica, Portugal prescindiria de ter uma indústria têxtil pois os
ingleses seriam mais competitivos nessa área e a Inglaterra não se
interessaria pela produção de vinho, aliás com pouca viabilidade no país,
preferindo vinhos portugueses em relação a outros de distintas
proveniências. Aparentemente muito equitativo, porém…
No caso exemplificado por Ricardo, referente a princípios do século XVIII,
essa contratualizada especialização tinha, de um lado, uma Inglaterra em
pleno avanço para a industrialização e consolidação de relações
económicas capitalistas, que tinha abolido o poder absoluto real. Do outro
lado, Portugal, apresentava uma economia rural atrasada e uma
monarquia absoluta irmanada a um clero poderoso que, por detrás do seu
poder inquisitorial, podia inventar heresias para se aboletar e dividir com
a coroa os bens de alguém com fortuna; o rei e as elites políticas davam
corpo a um aparelho de estado rapace (como hoje) contentes com um
mercantilismo boullionista baseado no ouro conseguido no Brasil que
colmatava o crónico deficit com a Inglaterra e que o tratado de Methuen
veio a consolidar. Acrescente-se ainda que o comércio do vinho era detido
por ingleses, tal como o de lanifícios, para que fique bem definido o lado
ganhador.
Na Inglaterra do século XVIII havia capitalistas entre os quais Methuen,
empossado como embaixador para o célebre acordo com Portugal a que
deu o nome; e do outro lado, aristocratas possuidores de terras, pouco
interessados no desenvolvimento industrial que lhes retirasse o poder
sobre os seus súbditos. Bem mais tarde, nem o poderoso Pombal
conseguiu reverter a situação. No século XX esta preponderância dos
terra-tenentes fomentava uma ideologia assente no receio face à
indústria, comungado por Salazar, temoroso das grandes massas
operárias, preferindo camponeses esfomeados e analfabetos, tementes
do poder do campanário e cuja única hipótese de evitar a pobreza era
(como hoje) a emigração.
A polarização da abordagem nos estados-nação está, naturalmente,
ultrapassada porque hoje, na ausência de barreiras alfandegárias, quem
domina o comércio global são multinacionais que segmentam a produção
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de bens e serviços em vários locais e países, sendo pouco relevante onde é
expedido o produto final sendo bem mais relevante o local de faturação e
onde do domicílio onde cairá o rendimento dessa venda pode ser um off-
shore ou um país benévolo na tributação de lucros. É conhecida a
“exportação” de relógios Swatch na Madeira, para efeitos meramente
fiscais, uma vez que nem um ponteiro é fabricado na ilha; a vantagem
competitiva da Madeira, não é a competência na relojoaria mas a
benevolência fiscal criada pela classe política portuguesa.
Na UE, a consolidação de um Centro e duas periferias em que estas são
fornecedoras daquele em bens de baixo valor acrescentado e trabalho
barato e compradoras de bens de elevado valor, gera desequilíbrios
permanentes de ordem comercial e financeira que constroem uma
estrutura produtiva absolutamente desigual e na qual as vantagens
competitivas no terreno são o produto de uma cadeia de poder; e não o
que seria racional, como pretenderia Ricardo. A situação da Grécia, o
afundamento de Portugal ou a crise financeira situam a realidade muito
para além da teoria simplista de Ricardo.
O deficit nas relações comerciais entre Portugal e os principais países da
Europa continua hoje, a ser uma realidade, com a Espanha e a Alemanha a
ultrapassarem, de longe a Inglaterra, após a integração na UE. Portugal
mantém-se como país atrasado, o mais pobre da Europa Ocidental, com
um empresariato culturalmente indigente, em sintonia com uma classe
política de biltres corruptos, vivendo da predação do Estado, tal como a
nobreza e a casa real do século XVIII. E como não têm minas de ouro para
tributar, no seu parasitismo alugam parte da população ao exterior,
ansiosos pela entrada das poupanças dos emigrantes e sonhando com a
entrada de volumosos capitais estrangeiros com a venda de passaportes
dourados.
Hoje, passado o tempo áureo das pátrias soberanas, Portugal que nunca
gerou uma burguesia empreendedora capaz de alicerçar no país uma base
capitalista sólida, perdeu toda a autonomia, relegando-se, passivo, à
situação de um bezirke teutónico, com um margrave tosco e submisso
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como primeiro-ministro, que se poderá chamar Passos da Costa ou Costa
Passos.
Há um tempo não aproveitado que se finou e, como é vulgar na História,
os povos mesclam-se fisicamente e nas suas culturas, constituindo novas
identidades e vivências coletivas, deixando no lastro da História milhares
de entidades políticas, entretanto desaparecidas. Portugal pode não ter
futuro como soberania mas, os residentes em Portugal têm o direito e o
dever de expressar a sua cultura, de estabelecerem relações com outros
povos, no sentido da eliminação comum de capitalistas e de classes
políticas, como forma única de decidirem o seu futuro, de garantirem a
satisfação das suas necessidades e serem felizes.
3 - A constante recriação das desigualdades
No comércio internacional, desde a expansão europeia do século XVI, a
regra é a desigualdade entre as partes e daí que a especialização
produtiva subjacente ao postulado de Ricardo esteja viciada, pelas
enormes diferenças entre os países ricos e os outros, pobres ou
dependentes. Abundam relações tendo, por um lado, um país rico ou uma
multinacional sequiosa de recursos, tais como terras para culturas
extensivas, trabalhadores dóceis e baratos ou de escoamento para os seus
produtos; e, por outro, no país pobre, uma elite corrupta, beneficiária e
guardiã da pobreza dos seus próprios concidadãos e das estruturas
políticas e económicas anquilosadas que as perpetuam – a pobreza e as
elites políticas e económicas.
As velhas Companhias das Índias primeiro e, posteriormente, a
desestruturação das sociedades coloniais através do esclavagismo, da
instituição do trabalho forçado, da extração mineira e das monoculturas,
cavaram um persistente fosso entre países ricos e pobres; a ação, nos dias
de hoje, de multinacionais poderosas (e das suas agências, OMC, FMI,
Banco Mundial) continuam esse processo de desestruturação nos países
outrora colonizados ou atualmente neocolonizados, com o apoio dos
Estados respetivos, se necessário, através de intervenção militar,
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mormente de consórcios de guerra como a NATO, o Conselho de
Coordenação do Golfo, e ainda de agências como o ISIS, a al-Qaeda, Israel
e outros.
O comércio internacional como expressão de relações capitalistas
evidencia as desigualdades que têm na base diferenças de poder, na sua
acepção mais geral e crua. As desigualdades existentes entre Portugal e
Inglaterra nos séculos XVII e XVIII não se atenuaram posteriormente. É
conhecido como a Inglaterra conseguiu de Portugal a possibilidade de
frequentar os portos brasileiros em troca da proteção da viagem para o
Brasil da rainha portuguesa e da sua corte (… levando consigo o mobiliário
real de Mafra…), fugidos das tropas de Junot.
A tese de Ricardo é uma ladainha moralista típica dos primeiros
economistas, para justificar como virtuosa a afirmação do capitalismo,
como sistema instituinte de regras “naturais”, económicas, ao contrário
da servidão, alicerçada em vínculos de ordem política. É uma forma de
enquadrar relações e conflitos sociais no quadro mecanicista de uma
ordem natural das coisas que pretende consolidar teoricamente uma
relação de poder. E essa ideologia da ordem natural das coisas ocupa a
cabeça dos pobres quando dizem “sempre foi assim” para explicar a sua
coisificação no âmbito das leis do capital.
O caso das relações desiguais no comércio entre a Inglaterra e Portugal
encobertas na teoria das vantagens competitivas formulada por Ricardo
está longe de ser o mais brutal da História do capitalismo, como se
observará adiante.
A ordem subjacente ao postulado de Ricardo era a que, no seu tempo,
discriminava as metrópoles europeias face às suas colónias, com a
escravatura e o trabalho forçado nas últimas a ser abolido décadas depois
da sua eliminação na Europa. Essa era a ordem que, através das Leis de
Navegação inglesas, destruiu a indústria têxtil indiana, impedindo a
funcionamento das tais vantagens competitivas apontadas com falsa
candura pelo ricaço inglês; Leis essas que foram abandonadas quando a
Inglaterra conseguiu o domínio dos mares em meados do século XIX. A
única vantagem competitiva da Índia após a destruição do têxtil, com a
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desagregação social inerente, foi a produção de… ópio para os ingleses
comercializarem na China.
Para os países pobres, ontem como hoje, a especialização na produção de
bens ou serviços competitivos assenta apenas nas monoculturas agrícolas
extensivas, na extração de combustíveis ou minerais, na exportação de
gente fugida de lugares, por exclusão, tornados não competitivos, onde já
não haja lugar à produção de alimentos, tudo orquestrado para benefício
das multinacionais e dos países ricos. Os preços de venda de matérias-
primas são determinados nas bolsas dos países compradores, nos EUA, na
Europa ou, em … Riad.
Os preços dos bens manufaturados, de consumo ou de capital, são fixados
por multinacionais ou redes de comercialização, quase todas oriundas dos
países ricos. A entrada de um país pobre em concorrência no capítulo dos
bens de maior valor acrescentado é uma quimera, pois somente com
fortes apoios estatais poderiam juntar capitais, tecnologia, canais de
comercialização e outros factores, para contrabalançar todo o peso da
histórica desestruturação causada pelo colonialismo, o neocolonialismo,
as intervenções do FMI, a dívida e as agressões militares. Para tornar essa
hipótese ainda mais difícil, a OMC ou a UE, impedem os apoios estatais
(excepto às suas próprias grandes empresas e bancos) e, como se sabe, o
tenebroso TTIP avizinha-se para tornar os Estados (ainda mais)
submetidos às conveniências das multinacionais.
Toda a panóplia de barreiras alfandegárias, cargas fiscais discriminatórias,
guerras comerciais e de apropriação de territórios disponíveis no tempo
de Ricardo, criaram a base das desigualdades que hoje continuam
patentes no mundo. Porém, essas alavancas, esses instrumentos
protecionistas de uns e destruidores de outros, foram um produto
histórico inventado pelos atuais países ricos e impostos sem margens para
negociação, à época. Hoje, esses mesmos países dominantes e as suas
multinacionais continuam a garantir os seus privilégios, o seu domínio e
não permitem aos países pobres a negociação de acordos onde possa
vigorar qualquer aproximação do modelo teórico das vantagens
competitivas.
14. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 17/06/201 14
Não há capitalismo sem desigualdades, mesmo com a aplicação de um
imposto, à escala mundial, sobre os ricos, como defende o impagável
Piketty; tal como não é implantando dentes nas galinhas que elas darão
melhores ovos.
Neste contexto, nos dias de hoje, mesmo um desenvolvimento capitalista
nos países pobres e periféricos está bloqueado pelos poderes económicos,
financeiros e militares existentes, instalados e projetados pelos países
ricos.
Atualmente, continua a evidenciar-se uma profunda divergência entre
países pobres e ricos nas capacidades de imposição por vias militares, de
disponibilidade de tecnologias ou de capitais, no domínio sobre os preços
e das capacidades logísticas ou de aliciamento das elites dos países pobres
- como se vem observando relativamente aos governos portugueses - para
fazerem valer os seus interesses. Essas relações de desigualdade revelam
que na sua base há fatores de ordem histórica, política, social, tecnológica,
comercial e económica que colocam o conceito de mercado livre,
concorrencial, pouco mais do que como um artefacto ideológico,
mecanicista e moralista típico dos princípios do século XIX, quando o
capitalismo ainda procurava uma racionalidade teórica que cimentasse a
sua hegemonia.
Se olharmos à nossa volta - exceptuando em cafés e restaurantes ou
outros pequenos negócios muito pulverizados, baseados no esforço
familiar ou de trabalhadores convencidos pela propaganda pelo
empreendorismo ou empurrados pelas circunstâncias - há apenas
situações de monopólio, de oligopólio (cambão de grandes empresas
abastecedoras) ou de oligopsónio (caso dos supermercados que impõem
as suas condições, a montante, aos seus fornecedores). Mesmo o dito
“mercado de trabalho” resulta da imposição de patrões cavalgando regras
humilhantes, promulgadas pelo seu Estado, para embaratecer o preço do
trabalho, em nome da competitividade das empresas; as condições
teóricas definidas para a existência de mercado – livre capacidade
negocial das partes – não existem.
15. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 17/06/201 15
A situação portuguesa nos últimos anos oferece um exemplo claro em
como a geopolítica, gera e desenvolve relações de dependência e de
desigualdade, mesmo tendo na base de acordos e tratados formalmente
igualitários.
Essas relações de dependência e de desigualdade dificilmente são
revertidas porque nos países dependentes as elites funcionam como
agentes das grandes potências, das suas multinacionais e das instituições
plurinacionais; e o modelo do partido-estado bicéfalo, com romarias
eleitorais regulares, nada mais permite que a perpetuação da
subalternidade.
b) A expressão recente das desigualdades no caso português
A integração europeia constituía inicialmente uma tentativa de
sobrevivência dos capitalistas portugueses após a descolonização, findo o
sonho de plataforma logística associada ao encerramento do Suez
(reaberto em 1975) e passada a ressaca do PREC, com o regresso à boa e
velha ordem do roubo e da obediência, agora em “democracia”.
O acesso sem barreiras aos mercados da Europa rica e a promessa de
fundos comunitários calaram os patriotismos e todos pareciam contentes
durante o cavaquismo – iniciado, na prática com a adesão à então CEE -
até que aquele implodiu sob o efeito da crise de 1993/95. Nesse período,
assistia-se ao discurso da solidariedade europeia, da convergência untada
com fundos de coesão, não emergindo socialmente a ideia elementar de
que os capitalistas se preocupam muito pouco com a salvação das suas
almas para se dedicarem à prática de boas ações.
Não era facilmente aceite em terras lusitanas a ideia de que o país mais
pobre da CEE pudesse ser visto, do lado norte da Europa, como um
cantinho de sudeste asiático, com assalariados baratos e dóceis.
A entrada de fundos comunitários e os programas para a sua distribuição
conduziram à descoberta do imobiliário, da obra pública, da
transformação de espaços industriais em urbanizações e centros
comerciais; e ainda à proliferação de “empresários” e alguns sindicalistas
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dedicados a ações de formação onde a fraude era corrente. Como se
observa no gráfico seguinte, a FBCF, o investimento, estagna a partir do
novo século enquanto o crédito bancário proveniente, em grande parte,
do exterior, cresce de modo absurdo e descontrolado, arrastando
essencialmente, empresas e particulares7
, numa espiral de dívida a que se
viriam juntar o Estado e as autarquias.
Evolução (1979=100)
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
5500
6000
6500
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011Crédito concedido rend. trabalho rend. empresa PIB FBCF
Fonte primária: Banco de Portugal
A incapacidade dos bancos pagarem as suas dívidas terminado o filão do
desmesurado endividamento de empresas e famílias motivou a transição
do endividamento externo para o Estado, o único ente português com
garantias de solvência a longo prazo, do ponto de vista do sistema
financeiro global.
Ficava definido através do mecanismo da dívida a constituição de um povo
como pagador eterno8
de uma renda ao capital financeiro global.
7
http://www.slideshare.net/durgarrai/a-dvida-portuguesa-total-canibalizao-de-um-povo
http://www.slideshare.net/durgarrai/a-dvida-dvida-de-pessoas-e-empresasa-dvida-de-pessoas-e-empresas-a-
dependncia-eterna-a-dependncia-eternaa-de-pessoas-e-empresas-a-dependncia-eterna
8
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
17. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 17/06/201 17
Assinaram onde lhes foi ordenado, os do costume – PS, PSD e o acólito
CDS, num processo em que a ala esquerda do sistema político foi
particularmente conivente.
A intervenção da troika visou o “downsizing” económico e social com os
custos do descalabro do modelo económico português imputáveis a
trabalhadores, reformados e desempregados, desarmados na sua
capacidade de resistência, pela crónica e passiva aceitação da rotina
institucional de uma falsa democracia. As empresas estatais foram
privatizadas e compradas por interesses externos e os empresários locais
de maior gabarito venderam também os seus negócios para se dedicarem
à especulação no exterior, para onde transitaram os seus capitais. Hoje,
Portugal significa, economicamente, uma dívida pública constituída como
impagável, PME’s com um grau de endividamento único na Europa, com
as empresas relevantes em mãos estrangeiras e um sistema bancário
debilitado e também a cair nas mãos de redes financeiras chinesas,
espanholas e angolanas.
De modo muito cru, como unidade económica, como nação ao estilo dos
séculos XIX e XX, até ao advento do neoliberalismo, Portugal não existe,
falhado o sonho impossível de se atrelar ao comboio da Europa
desenvolvida. O que existe, é típico na maior parte do mundo; Portugal é
um território desestruturado, com uma população pobre e violentada por
enormes desigualdades de rendimentos e direitos, entre a grande maioria
e uma escassa minoria que só na televisão surge sem cordões de polícias
em seu redor.
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/05/a-obra-suja-do-passos.html