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Ensinamentos do prof. cavaco e de dom policarpo sobre divórcio e casamento
1. Texto ESQUERDA_DESALINHADA
Ensinamentos do Prof. Cavaco e de Dom Policarpo sobre divórcio e
casamento
As crises económicas geram dois efeitos. Por um lado, aguçam a
criatividade dos pobres e dos que trabalham para vencer as
dificuldades; em contrapartida, espevitam os neurónios e soltam o
verbo dos reaccionários mais convencidos e fossilizados. Neste último
contexto, ouvimos recentemente o bem casado Cavaco opinar sobre
divórcio e o celibatário Dom Policarpo a falar de casamento.
Cavaco e o divórcio
Cavaco, no seu linguajar rouco e titubeante que mais parece o de um
tatebitate, voltou a verberar contra a lei do divórcio que, no entanto
promulgou. E disse-o, calculista, perante uma audiência escolhida por
nela, eventualmente preponderarem elementos próximos do pacóvio
catolicismo luso.
Disse a veneranda figura do presidente da (cleptocrática) república
que a recente lei do divórcio, com o seu presumido facilitismo, está a
contribuir para o aumento da miséria, uma vez que fragiliza a situação
económica dos divorciados. À falta de outros dados, referimos que no
inventário dos superendividados da Deco só 15% corresponde a
divorciados.
Não nos comove a preocupação do mago das finanças pelos pobres,
porque nos lembramos da sua actuação como primeiro-ministro,
quando desbaratou os fundos comunitários, favoreceu os ricos com as
nacionalizações e como incentivou a escola dos novos-ricos que,
agora, vão saltitando, diariamente nas páginas dos jornais clamando
por uma honorabilidade em que só os tansos acreditam.
O brilhante economista dos mercados sabe que existe uma crise
económica e que esta gera desemprego, precariedade (ele até
conhece as estatísticas!) mas, talvez não saiba quantificar a
instabilidade emocional, o desgaste psicológico dos milhões de
portugueses que andam por aí, mesmo que empregados.
Como lhe ensinaram que o casamento é um sacramento, custa-lhe
perceber que, como todos os contratos, possa ser tão duradouro
quanto o queiram as partes; e talvez não compreenda que amar e
deixar de amar são inerências da natureza humana. Nos manuais de
economia não aprendeu que pode haver mais leviandade na
2. concretização de um casamento ou união de facto, (que hoje se
equiparam) do que no divórcio ou separação de um casal. Estas
separações, por serem normalmente marcadas por pesados custos
emocionais e materiais são objecto de uma ponderação muito maior
que a união de duas pessoas sob um mesmo tecto.
Por detrás do seu sorriso de benevolente superioridade, acreditará
Cavaco que uma família desconhece os impactos económicos
decorrentes de um divórcio, no seu tipo de vida e bem-estar? Qualquer
casal conhece esses impactos, independentemente da conjuntura
económica; e conhece-os muito melhor que o professor Aníbal que é
casado com a Dona Maria há décadas!
As pessoas quando decidem divorciar-se fazem aquilo que Cavaco
bem conhece, uma análise custo-benefício, ainda que sem o recurso a
modelos matemáticos ou programas informáticos. Entre esses custos
está, sem dúvida, uma perda de bem-estar e nível de vida, a alteração
de uma matriz de relações familiares e afectivas; e nos benefícios
englobam-se (e não é pouco) a finalização de uma vida de desgaste
psicológico ou violência, o poupar dos filhos a essa situação ou, o início
de uma nova vida com outro(a) parceiro(a).
Dificultar legalmente o divórcio, como defende o ilustre catedrático na
reforma, tem vários significados e consequências, que o magno lente,
do alto da sua suprema magistratura não quer atender, condicionado
pelo seu atávico conservadorismo:
• É uma ingerência do Estado na vida particular das pessoas, como se
estas fossem incompetentes para gerir a sua própria vida,
necessitando de minuciosas leis ou, de uma obrigatória tutela judicial
ou burocrática;
• Representa uma dificuldade na reconstituição da vida afectiva de
cada um;
• Pode representar o arrastar de situações de extremo mau-estar para
as famílias onde tenderão a verificar-se frequentes discussões,
agressões e crimes, muitas vezes com impactos irreparáveis nos filhos;
• Constituiria uma dificuldade acrescida às triviais situações de baixos
salários, precariedade de emprego ou ausência do mesmo, quer do
ponto de vista emocional, quer do ponto de vista material pois a
burocracia e os advogados não são gratuitos.
E se as pessoas se separarem, de facto, sem a formalização de um
divórcio a situação não ficará obrigatoriamente mais facilitada. Mesmo
uma acção subsequente do divórcio, como a partilha de bens, pode
arrastar-se indefinidamente nas mãos de um tribunal sonolento ou de
juizes insensíveis, para além de que em nada a lei garante uma
igualdade de direitos aos divorciados, permitindo, objectivamente, uma
3. posição dominante a um deles, mormente a quem detiver maior poder
económico ou tiver ficado a viver na habitação do casal. Aí, sim,
Cavaco poderia pressionar os legisladores.
Aliás, o fecundo pensamento cavaquiano não terá alcançado que
uma complicação na potencial obtenção de divórcio constituirá um
incentivo para as uniões de facto, cuja figura não colherá, decerto, o
agrado do PR e do estagnado pensamento emanado da multinacional
vaticana.
Ainda dentro da lógica cavaquiana, se o divórcio deve ser combatido
para obviar a situações de miséria, a actuação pro-activa consistirá em
fomentar os casamentos. No âmbito dessa vulgata economicista o
casamento seria uma forma de, através da união de rendimentos e
bens, serem aproveitadas as sinergias e ser aumentada a produtividade
de casas, fogões e camas, com o aumento dos seus utilizadores. Melhor
ainda até seria estimular casamentos colectivos, adoptar a poligamia
ou a poliandria para que a produtividade dos equipamentos
habitacionais explodisse e colocasse Portugal em lugares de vanguarda
nas estatísticas do Eurostat!
Como Cavaco se escusa a falar sobre o caso Freeport porque é um
“assunto de Estado” (que será essa coisa, para além de uma defesa
para os negócios dos poderosos?) melhor seria entreter-se com esses
assuntos e deixar a vida das pessoas reais em paz, sem emitir opiniões
que ninguém lhe encomendou.
Dom Policarpo e o casamento
A Dom Policarpo, alto quadro do “offshore” Vaticano, aconteceu-lhe
num jantar de tertulianos o mesmo que ao Mário Lino no almoço da
Ordem dos Economistas: um acesso de incontinência verbal.
O prelado virou-se “prolado” para que estava virado e lá disse o
politicamente incorrecto, mais ou menos nestes termos: “Meninas,
quando pensarem em casar com um muçulmano pensem bem no que
vão fazer pois podem arranjar sarilhos que nem Allah as salva”. A coisa
parece descabida pois o número de muçulmanos em Portugal não é
grande (30/35000, 0,3% da população) e depois, porque o cardeal teria
em mente situações reais mas, muito pontuais.
Todos sabemos que nas sociedades maioritariamente muçulmanas (e
não é preciso que vigore a “sharia”) a situação das mulheres não lhes é
nada favorável e é equivalente aquela que as mulheres europeias
viveram durante muitos séculos sob o patrocínio da Igreja Católica e da
sua concorrência de raiz cristã. E para que a situação mude, as
4. mulheres muçulmanas precisam de um desenvolvimento económico
que lhes abra as portas ao trabalho fora de casa e de um menor apoio
ocidental aos regimes autoritários que as regem.
Só que Dom Policarpo não tem autoridade moral para falar dos direitos
das mulheres. As liberdades individuais que as mulheres europeias, por
exemplo, hoje detêm, foram objecto de uma luta secular que se
acelerou depois da Segunda Guerra, com o emprego generalizado fora
de casa, a pílula e o acesso à educação. E nessa luta, a Igreja Católica,
em geral e a portuguesa em particular, só estiveram presentes do outro
lado da barricada, contra todas as manifestações de emancipação
das mulheres. E ainda hoje, a Igraja Católica não aceita o divórcio (que
existe legalmente nos países islâmicos), a contracepção, a IVG, as
relações pré-matrimoniais, a masturbação, o sacerdócio das mulheres…
Aliás, o Cristianismo na sua base mais profunda que é a Bíblia considera
a mulher como uma emanação de uma costela do homem, frisando
assim o seu papel subalterno e, (apetece parodiar) fruto da
benevolência divina perante um reivindicativo Adão, cansado de
perseguir as peludas macacas… Se Dom Policarpo tivesse vivido antes
do século XVIII defenderia afincadamente que a mulher não tinha alma
(o que quer que isso seja, para homens ou mulheres) e enviaria para a
fogueira quem o contrariasse.
Recordemo-nos que em Pequim, na Conferência Mundial sobre a
Mulher (1995) se assistiu a uma clara convergência do Vaticano com os
ayatollas, contra os direitos das mulheres. Até por isso, Dom Policarpo
mais valia ter ficado calado quanto a opiniões sobre os islâmicos,
sobretudo quando o Vaticano sempre ambicionou ser reconhecido
como o grande líder nas conferências ecuménicas.
Bem, voltando atrás, o papel das mulheres nas sociedades islâmicas
não é invejável. E na maioria dos outros países? Na África não islâmica
as mulheres são também objecto de um machismo exacerbado, como
na América Latina, na Índia, na Ásia oriental. O problema é que Dom
Policarpo se inscreve na histeria anti-islâmica alimentada pela
administração Bush e na senda estratégica definida por Huntington.
Que um casamento é acto que merece ponderação, qualquer que
seja a convicção religiosa dos pretendentes a esse acto, toda a gente
sabe. Até a ancestral sabedoria popular sintetizou esse concelho de
prudência com um “antes que cases, vê o que fazes”. Dispensam-se,
pois os conselhos de Dom Policarpo e da instituição em que se
enquadra.
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4/2/2009