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Laços de Família

Clarice Lispector
Introdução
     Clarice Lispector é uma autora polêmica e complexa.
Escreve questões inquietantes sobre a natureza humana e a
dimensão que estas possuem na sociedade. Fala realidades
sufocadas, camufladas e mesmo proibidas das personagens e com
isto mostra um lado oculto pelas convencionalidades da vida
cotidiana.
     A obra de Clarice Lispector questiona verdades tidas como
absolutas, contextualizadas na época que foram produzidas. Suas
personagens procuram por respostas. Questionando suas
verdades abaladas ou mesmo destruídas. E em laços de Família é
presente tais características. Obra que foi publicada pela
primeira vez em 1960, e que será explorada adiante.
Manuel Bandeira, que publicara Poesias Completas e
Poemas Traduzidos e enviara os exemplares para
Clarice na Europa, pede, em 1945, alguns de seus
poemas para serem publicados.
"Quer me mandar algumas coisas? Você é poeta,
Clarice querida. Até hoje tenho remorso do que disse
a respeito dos versos que você me mostrou. Você
interpretou mal minhas palavras. Você tem peixinhos
nos olhos, você é bissexta. Faça versos, Clarice, e se
lembre de mim. Você nunca é falante, barulhenta. O
que você escreve nunca dói nem fere os ouvidos. Você
sabe escrever baixo. E sua assinatura, Clarice, é você
inteirinha: Clara...Clarinha...Clarice."

                                     Manuel Bandeira.
Biografia de Clarice Lispector
•   Nascimento: Tchetchelnik, Ucrânia -
    10 de dezembro de 1925.
•   Morte: Rio de Janeiro -1977
•   Desde muito cedo mostrou vocação
    literária, Clarice sentia atração pelos
    livros, os lia, mas não sabia que
    existiam autores, quando ela
    descobriu se assustou. Aos sete anos
    já escrevia seus primeiros textos,
    sendo influenciada por Monteiro
    Lobato, pois leu muitas obras desse
    autor, exercendo sobre ela grande
    fascínio, enchendo seus olhos de
    menina. Aos nove anos perdeu a mãe.
    Logo depois entrou para o Ginásio
    Pernambucano.
No ano de 1937 mudou-se para o Rio de Janeiro, residindo na Tijuca, estudando no Colégio
Silvio Leite. Em 1941, iniciou seus estudos de Direito na Faculdade Nacional e nesse mesmo ano
começou sua carreira na Agência Nacional, passando depois para o Jornal da Noite.
        Formou-se na faculdade em 1944, e nesse mesmo ano escreveu e publicou seu primeiro
romance: "Perto do Coração Selvagem". Com esta obra Clarice ganhou o Prêmio Graça Aranha. Porém,
é interessante recordar que o livro havia sido reusado por algumas editoras, que não acreditavam nas
novas tendências anunciadas pela estreante de apenas 19 anos.
        Clarice foi casada com um diplomata e acompanhou-o em diversas viagens para o exterior,
vivendo 15 anos longe do Brasil. Quando retornou da Suíça (uma das últimas viagens que fez), publicou
"O Lustre" (1946).
        Em 1959, separou-se de Maury Gurgel, retornando para o Brasil. Passou a morar no Lema, Rio
de Janeiro, onde se dedicou à redação de seus livros, às atividades jornalísticas e às traduções que
fez. Nessa época já era uma escritora de sucesso também no exterior, onde foram traduzidas para o
inglês, o francês, o alemão, o tchecco e o espanhol.
        Em 1967, por ter dormido com cigarro aceso (fumava compulsivamente), sofreu queimadura na
mão direita e nas pernas, recuperando-se após diversas cirurgias, continuando sua carreira literária.
Nessa época vivia com a renda de direitos autorais e traduções, escrevendo também crônicas para o
Jornal do Brasil e para uma seção da revista Fatos e Fotos.
        Nos últimos anos de sua vida, Clarice dedicou-se à produção de seus livros mais elaborados. A
Hora da Estrela e Um Sopro de Vida. Em 1976, participou do Congresso Mundial de Bruxaria, em
Bogotá, Colômbia, aumentando sua fama de mulher misteriosa.
        No ano de 1977, no mês de novembro, fez exames e constatou que estava com câncer
generalizado. No dia 16 de novembro de 1977, foi internada para um tratamento impossível. No dia 9
de dezembro do mesmo ano, faleceu, um dia antes de seu aniversário.
        Quando Clarice Lispector publicou seu primeiro livro, o leitor brasileiro estava se acostumado
aos romances regionalistas nordestinos da década anterior , como "Incidente em Antares", de Érico
Veríssimo, nessa época o público brasileiro também começava a consumir as crônicas do Jorge Amado.
Obras
•   Romances:
    - Perto do Coração Selvagem (1944);
    - O Lustre (1946);
    - A Maça no Escuro (1956);
    - A Paixão Segundo G.H. (1964);
    - Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres (1969);
    - Água Viva (1973);
    - A Hora da Estrela (1977);
    - Um Sopro de Vida (1978).
•   Contos:
    - Alguns Contos (1952);
    - Laços de Família (1960);
    - A Legião Estrangeira (1964);
    - Felicidade Clandestina (1971);
    - A intimação da Rosa (1973);
    - A Via-Crúcis do Corpo (1974);
    - Onde Estivestes de Noite (1974);
    - A Bela e a Fera (1979).
•   Crônicas:
    - A descoberta do Mundo (1984).
Resumos
    Laços de Família é dividido em contos, sintetizando cada conto:

•   Amor:

       Seguindo as características dos outros contos este aborda o tema
    da rotina incessante e cansativa que faz com que as pessoas vivam
    automaticamente, sem prestar atenção na a sua volta. A personagem
    Ana é uma bem comportada mãe de família com filhos, marido e
    apartamento a cuidar. O seu mundo, porém, está preste a desmoronar:
    o sossego de sua vida-agradável é quebrado com uma freada brusca do
    bonde e com um cego que mascava chicles. A partir daqui a
    insegurança domina-a, e Ana acorda do seu mundo de rotinas. Então
    tenta desesperadamente se reencontrar e fechar-se em seu interior.
•   Uma galinha
        galinha:

        “Uma galinha” é um conto que mais parece uma crônica. Narra à saga
    de uma galinha que, contrariando as dificuldades de sua raça, escapa de
    virar almoço. Tendo, mais uma vez, o mundo restrito da pequena
    burguesia tradicional como pano de fundo, o conto volta a insistir numa
    temática básica de Clarice: a vida cotidiana incessante, que não se
    altera, muda apenas em alguns aspectos, raramente duradouros, como no
    conto, em que no final, tudo volta a sua normalidade e os hábitos
    convencionais não são transformados.
•   O jantar:

        É o primeiro conto em que a personagem principal é masculina. Num
    restaurante, entra um velho esfomeado para jantar e dentro de seu
    entusiasmo pela comida nem percebe que é observado. O espectador
    analisa seus gestos, as mãos peludas, e mesmo os dentes postiços.
    Novamente Clarice tenta mostras as pessoas que fogem dos meus
    sentimentos, e que se escondem sob uma casca dura através de si
    mesmas. Pessoas que, para fugirem da própria fraqueza, chegam à
    impessoalidade, à quase inumanidade. É o caso do velho, que, por trás da
    aparente tranqüilidade, certamente traz no seu íntimo vários problemas.
•   O búfalo:

        No último conto Clarice focaliza uma mulher infeliz no amor,
    rejeitada pelo homem a quem só sabe amar e “cujo crime único era o de
    não amá-la”.A mulher vai ao jardim zoológico na tentativa de aprender
    com os animais este sentimento que procura, mas, como é primavera,
    encontra apenas os mais sinceros e sublimes sentimentos que os animais
    podem passar.
        Presa de si mesma, enjaulada no seu amor, ela tudo enxerga
    transbordando AMOR. Até que viu o búfalo negro ao entardecer. Seja
    pelo cansaço, por ser pôr-do-sol, por ele ser grande e negro, seja pelo
    que for, o fato é que o búfalo a faz sentir o que buscava: “a vontade
    vagarosa de matar”, o ódio, enfim. E copiando a tranqüilidade nervosa do
    bicho, ela pode dizer: “Eu te amo”, com ódio. O conhecimento do ódio de
    certo modo a faz morrer um pouco e ela cai, perto da cerca do búfalo
    guardando a imagem de contornos suaves e duros, olhos pequenos e
    calmos.
Críticas
• Ligia Chiappini
• Thaís Nicoleti de Camargo
Thaís Nicoleti de Camargo

        Há quem diga que não se pode gostar "mais ou menos" de Clarice Lispector. Os leitores
dividem-se entre aqueles que se identificam de imediato com o tom intimista das narrativas em que
aparentemente nada acontece e aqueles que não têm afinidade com o viés pelo qual a autora conta
os fatos.
        Se a expectativa do leitor for à mera fruição de uma seqüência de ações encadeadas com
vista a ascender a um clímax para chegar a um desfecho surpreendente, é bem provável que se sinta
frustrado e com a impressão de "não ter entendido nada". Essa sensação, no entanto, desfaz-se
quando nos deixamos envolver pela situação às vezes mais descrita que propriamente narrada.
Interessa ao narrador mostrar a experiência que transforma o(s) personagem(ns). Uma revelação é,
em geral, desencadeada por um acontecimento fortuito, por um fato mínimo, capaz, todavia, de
despertar um estado de consciência não raro doloroso --como talvez seja todo e qualquer despertar
da consciência.
        No conto "Feliz Aniversário", do livro "Laços de Família", a circunstância posta é a
comemoração dos 89 anos de vida da matriarca de uma família. A situação parte do prosaico
encontro entre familiares e revela a animosidade velada que paira entre eles. Mas a história não fica
nisso. O narrador assume o olhar da aniversariante, que percebe a morna complacência daqueles que,
uma vez por ano, lhe dedicam a sua paciência.
        A uma velhinha cabe, na ótica cínica das famílias frouxas, a delicadeza desanimada de quem,
por muito favor, ainda está vivo. Mas dona Anita, em seu silêncio acumulado, apenas observa a
coreografia de uma legião de fracos, incapazes de amar, perdidos que estão na vida cotidiana.
        Ao dar a primeira talhada no bolo, "com punho de assassina", com a força que vem do
desprezo que sente pela própria prole, ela incomoda com sua paradoxal vitalidade. Essa ação cresce
e transforma-se na cusparada fatídica, expressão maior do desdém.
        Uma das noras, Cordélia, parece ainda ter salvação. É a única que espera da velha uma lição
de sabedoria, é a única que desesperadamente ainda quer uma chance de viver (de amar) e se vê
diante de um dilema --mais adivinhado pelo leitor que explicitado pelo narrador. As histórias de
Clarice giram em torno do amor, no que esse sentimento tem de mais dilacerante e de desafiador.

      Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e autora dos livros
"Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole).
Ligia Chiappini
         Há um conto de Clarice que, na sua simplicidade, concentra significações que reverberam pela
obra toda. Trata-se de Uma galinha. Espécie de alegoria da condição feminina passou muito tempo
desapercebido como tal para a crítica preocupada em desvendar a dimensão filosófica da obra. Uma
galinha é uma espécie de fábula irônica. Um domingo, a galinha escolhida para ser comida no almoço
escapa do quintal e foge pelos telhados, perseguida pelo dono da casa improvisado em atleta de fim-de-
semana. Este, finalmente, a alcança, levando-a de volta e depositando-a com certa violência no chão da
cozinha, instante em que ela, de susto, põe um ovo e se salva, já que a menina da casa, seguida do
próprio pai, reconhecem neste um filho, único motivo para a sobrevivência da galinha. Como não
reconhecer aí o mesmo movimento de outros contos de Clarice protagonizados por mulheres? Além do
movimento de ida e volta, que temos em contos como Amor, Os laços de família e A Bela e a Fera, há
expressões que se aplicam à galinha, mas que valem para o estereótipo feminino. Como não ver a mulher
passiva e doméstica de tantos outros momentos da obra que subitamente tenta um gesto, mesmo que
fugaz, de independência, nessa galinha "estúpida, tímida e livre" que "tinha que decidir por si mesma os
caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça?” Mais ainda se observarmos que o ovo salvador é
como um filho "prematuro" e que a galinha "nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe
habituada?” E, sobretudo quando a ela se aplicam as expressões: "jovem parturiente", "esquentando seu
filho", "correr naquele estado", "rainha da casa" e "deu à luz?”.
         Por outro lado, é fácil associar essa galinha, tão inusitadamente segura de si "como um galo crê
na sua crista", aos homens que "cantam de galo" em tantos contos onde se narra uma espécie de guerra
surda entre os sexos, nos casamentos feitos sem amor ou nos quais o amor se acabou com a rotina da
vida burguesa. Como não ver nessa escolha para representar a mulher uma extrema ironia por parte de
Clarice que não ignora a utilização da palavra galinha para significar mulher da rua, mulher fácil, mulher
de muitos homens? Resgatando a dignidade da galinha e encarnando nela a mulher objeto, Clarice
discute ironicamente essa grosseira comparação, por exemplo, através da menina que, em Uma história
de tanto amor, "quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra
acepção", pois, dizia ela: "é o galo, que é um nervoso, quem quer! Elas não fazem nada demais! E é tão
rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!" Ou seja, o que a menina
acaba nos dizendo com isso é que galinha é... O galo. Se juntarmos, portanto ao movimento de saída à
rua e volta à casa com o que ele significa como tentativa de desalienação da mulher, a essa disputa com
o homem, chegamos a iluminar outro aspecto que me parece da máxima importância em Clarice e que
considero um ponto cego da crítica tanto quanto o foi, por muito tempo, a desconsideração do feminino
nessa mesma obra. Trata-se da descoberta da pobreza por essa mulher confinada e protegida por um
bom negócio matrimonial, mas reduzida a mecânicos atos quotidianos de auto-anulação, infeliz e culpada.
A descoberta da pobreza dá-se junto com a autodescoberta como consumidora e parasita social, o que,
de modo fulminante, desvenda o sem sentido da sua vida e da vida dos homens numa cidade grande que
expõe talvez mais duramente os contrastes de uma sociedade injusta.
O conto em que isso está mais visível é um conto inacabado, mas que, independente da forma final
que iriam ter seus fragmentos, já como Clarice o deixou, revela talvez por isso mesmo, porque ainda não
arranjado em obra, essa vertente temática que, a partir daí , podemos reconhecer, meio disfarçada, em
outros momentos dos contos e, mesmo, dos romances. Trata-se do conto póstumo A Bela e a Fera. A bela,
Carla de Souza e Santos, "quatrocentos anos de carioca", sai do espaço defendido do cabeleireiro chic do
Copacabana Palace Hotel aonde fora protegida em seu carro oleado, que corria "sem barulho de metal
ferrugento", conduzido por chofer particular. Com ele deveria voltar diretamente à casa para, depois,
dirigir-se a outro espaço defendido - o de uma festa grã-fina. O conto, narrado por fragmentos
aparentemente desconexos, nos deixa entrever que, na vida da jovem senhora que o casamento fizera
mudar de classe, a cidade do Rio de Janeiro é outra. É uma espécie de cidade-fortaleza onde habitam os
viçosos, os que podem tudo, até mesmo viver uma vida inteira sem dar-se conta da existência da cidade
real, em que trabalhadores convivem lado a lado com marginais e mendigos. Assim seria a vida de Carla, se
não tivesse havido um imprevisto: o desencontro com o chofer, por ela ter saído do salão de beleza antes
da hora combinada, agravado pelo fato de não contar com dinheiro trocado para o táxi. Essas são, aliás, as
razões pretensamente objetivas que Carla se dá para subitamente sair porta afora da sua cidade
defendida e descobrir a outra, a que começa na avenida Copacabana, onde há "pessoas de toda espécie".
Mas o texto sugere também que essa saída é uma espécie de busca, de reencontro consigo mesma pelo
encontro do outro de classe. Podendo "voltar ao salão de beleza e pedir dinheiro", desiste, porque a
tentação da rua foi mais forte: "era uma tarde de maio e o ar fresco era uma flor aberta com o seu
perfume. Assim achou que era maravilhoso e inusitado ficar de pé na rua - ao vento que mexia com os seus
cabelos. Não se lembrava quando fora à última vez que estivera sozinha consigo mesma. Talvez nunca.
Sempre era ela - com outros - refletia e os outros refletiam-se nela. Nada era... era puro, pensou sem se
entender".
          Como uma galinha, essa mulher é e não é e, depois de muito pensar é como se não pensasse nada.
Como se diz em Felicidade clandestina: "Para falar a verdade, a galinha só tem mesmo é vida interior. A
vida interior da galinha consiste em agir como se entendesse".Quando Carla sai à rua, o olhar míope da
mulher confinada de que nos falava Gilda de Mello e Souza quando da publicação de A maçã no escuro,
descortina visões e pensamentos inusitados, fazendo-nos enxergar e ouvir o mundo que berra pela boca
desdentada de um mendigo, como berrava pela boca do cego mascando chiclete, em Amor. A visão do
mendigo que vive de uma ferida na perna confronta Carla consigo mesma e com a sua própria ferida na
alma: a alienação da mulher que se vendeu:
          Agora entendia que se casara da primeira vez e estava em leilão: quem dá mais? Quem dá mais?
(...). Então está vendida. Sim, casara-se pela primeira vez com o homem que "dava mais". (...) Vendera-se. E
o segundo marido? Seu casamento (está) findando, ele com duas amantes fora a mulher e a mulher
suportava tudo porque um rompimento seria um escândalo: seu nome era por demais citado nas colunas
sociais. (...) Aliás, ela aceitara este segundo porque lhe dava grande prestígio. Vendera-se às colunas
sociais? Sim. Descobrira isso agora.
Descobrir isso é descobrir também que não se é uma self-made woman pelo simples fato de estar
casada com um self-made man. Ressoa aqui aquela Macabéa que pensava que mulher de deputado é
deputada. Finalmente, descobrir isso é tomar consciência do "tanto (que) lhe foi dado e por ela ávida,
tomado”.Tomado ou dado, o fato é que ela se sabe agora do lado das "manadas de mulheres e homens que
simplesmente podiam", os que andam em máquinas sem ferrugem, e que fazem o leitor lembrar também,
por contraste, da ferruginosa Macabéa, do livro contemporâneo desse conto, A hora da estrela. Estar na
rua, para a mulher que nunca sai de casa, é como recuperar a identidade perdida com o casamento; é voltar
a ser. A Bela já fora taquigrafa, mas esquecera, como "esquecera a máquina", "o aperto nos ombros, as
chuvas nas calçadas, os horários certos". O casamento por dinheiro apagara tudo isso, mas apagara
também uma parte dela mesma que o encontro com o mendigo na Avenida Copacabana ameaça trazer de
volta com força e perigosamente alienação da mulher rica se expressa na festa permanente, sem nem ter o
que festejar. E, na festa, os homens falam de negócios e as mulheres exibem a beleza fabricada a peso de
ouro nos salões da Avenida Atlântica. Essa alienação é simétrica à do mendigo, expressa na cachaça que o
ajuda a suportar a quotidiana exibição da sua mercadoria: a ferida na perna de que sobrevive. Festa e
cachaça, obsessões respectivas em que um e outro costumam afogar uma falta comum - a falta de amor - e
a pré-ciência de um destino, apesar de tudo também comum: o da morte certa. Tudo isso é explicitado por
este conto ainda de discurso transparente, talvez porque inacabado anterior ao trabalho de polimento e de
despojamento, das máscaras e dos mistérios de Clarice em suas versões finais. Entre Uma galinha (Laços
de família) e A bela e a Fera, passaram-se anos de escrita e vários outros contos e romances. A leitura de
ambos hoje nos permite reler a obra de 60 a 77, encontrando sinais de uma permanente tematização,
embora mais disfarçada, da situação da mulher na cidade que se moderniza e aprofunda selvagemente as
desigualdades sociais, processo em que ela tem um papel importante dentro da classe média brasileira na
construção do nosso chamado milagre econômico: é ela a principal consumidora; é para ela que os homens
dizem trabalhar, é ela que eles querem comprar e é ela que decide se vender. Amor, Felicidade clandestina,
Devaneio e embriaguez duma rapariga, Os laços de família e A imitação da rosa, são, entre outros, contos
que podem ser confrontados sob essa perspectiva.
        Parte da crítica de que a questão social se põe apenas nas obras finais (A hora da estrela e A Bela
e a Fera). É o que pensa, entre outros, Darlene J. Sadlier, que mais uma vez desvincula duas mediações - da
condição feminina e da luta de classes, as quais, pelo contrário, vejo disseminadas e relacionadas por toda
a obra de Clarice. Diz ela, em O texto e o palimpsesto: A Bela e a Fera ou A ferida grande demais.
        Como grande parte de sua ficção, o conto descreve o tumulto privado e interior duma mulher; neste
caso, porém, o tumulto é provocado por um encontro entre uma mulher rica de destaque social e um
mendigo miserável. O conto intriga leitores e críticos porque envolve um contraste vívido entre ricos e
pobres, assunto de caráter público nunca antes tratado por Clarice.
Já tive oportunidade de mostrar no ensaio citado, "Pelas ruas da cidade uma mulher precisa andar",
como a pobreza na cidade maravilhosa se tematiza mesmo num livro hermético e aparentemente preocupado
apenas com questões existenciais e estéticas, como A paixão segundo G.H., revelando aí muitos pontos de
contato com outros momentos da obra em que a questão social se põe de forma mais explícita, mas ainda
aliada às indagações filosóficas, como é o caso de A hora da estrela. O mesmo vale para os contos aqui
mencionados, onde volta e meia se insinua o pobre e a fome em meio a epifanias que aparentemente nos levam
muito longe dessa feia e dura realidade sobre a qual se debruçam de modo quase fotográfico os chamados
brutalistas no mesmo período. Não podemos esquecer que a obra de Clarice atravessou um tempo de guerra;
para boa parte dos intelectuais e para os trabalhadores brasileiros, um tempo de guerra perdida. Seu
primeiro romance foi escrito no Estado Novo e o romance de que ela própria mais gostava (A paixão segundo
G.H.) foi publicado em pleno ano do golpe militar. Seus contos e romances atravessam a ditadura, chegando
até o início do que se convencionou chamar de abertura democrática. Esse tempo foi caracterizado com
brevidade, mas certeiramente por Walnice Nogueira Galvão do seguinte modo: considerando, nesse mesmo
texto, o empobrecimento da prosa de ficção pós-68, Galvão reconhece a dificuldade de discernir "até onde vai
a determinação das condições históricas específicas da conjuntura do país e onde começa a transplantação do
thriller e do roman noir norte-americanos" numa literatura como a de Rubem Fonseca que apanha a violência
da alienação na metrópole moderna ou como a de Dalton Trevisan, a violência das relações sociais na
cidadezinha provinciana. Clarice trilha o mesmo caminho, mas na contra-mão. No ensaio citado atrás, indico
como ela dialoga com essa tendência da ficção que Alfredo Bosi chamou de brutalista, sem a ela aderir,
apanhando por outro lado a mesma violência e o mesmo mal-estar do nosso capitalismo selvagem, mas
resistindo até o fim à tentação do best-seller.
        O mal-estar, porém, está aí e tem muito a ver com a troca que a classe média realizou: muitos sonhos
por alguns eletrodomésticos e automóveis (como se disse cruel, mas realisticamente também no mesmo
encontro de Maryland) . O papel da classe média já foi suficientemente estudado por aqueles que procuraram
desmistificar o "milagre brasileiro". Mas o papel da mulher consumidora, que talvez a sociologia esteja ainda
por estudar, foi colocado volta e meia em pauta por Clarice Lispector. De fato, em Clarice, o tema da mulher
objeto, freqüentemente vendida num casamento sem amor aparece desde, pelo menos, A cidade sitiada, não
por acaso, um romance que trata da passagem de um subúrbio à cidade grande. O mesmo tema reaparece em
contos pelas décadas de 1970 afora, reiterando-se, de forma mais clara e até esquemática, no conto
inacabado A Bela e a Fera. Aparentemente conformadas com a rotina da vida burguesa, essas mulheres
sempre correm o risco de subitamente confrontar-se com o sem sentido de suas vidas, ao lado de seus
maridos bem postos nos negócios e dentro de suas casas confortáveis. São momentos em que, como "uma
galinha", a mulher sai à rua, foge e quase vira um galo prestes a anunciar um novo mundo possível e uma nova
possibilidade de ser mulher dentro dele.É o momento em que uma jovem mãe escapa ao "belo" sábado do
marido, ganhando a rua com o filho pela mão em busca de reconquistar a relação perdida do amor verdadeiro,
atravessado pelas convenções do papel quotidiano de mãe e esposa:
Quem sabe se sua mulher estava fugindo com o filho da sala de luz bem regulada, dos
móveis bem escolhidos, das cortinas e dos quadros? Fora isso o que ele lhe dera. Apartamento
de um engenheiro. E sabia que se a mulher aceitava da situação de um marido moço e cheio de
futuro - desprezava-a também, com aqueles olhos sonsos, fugindo com seu filho nervoso e
magro. O homem inquietou-se. Porque não poderia continuar a lhe dar senão: mais sucesso. E
porque sabia que ela o ajudaria a consegui-lo e odiaria o que conseguissem. Assim era aquela
calma mulher de trinta e dois anos que nunca falava propriamente como se tivesse vivido
sempre. É o momento em que a mulher senta com o mendigo, ama o cego, come a barata,
enxerga Janair, vê Macabéa na feira nordestina e escreve sobre ela para exorcizá-la e ao
mesmo tempo denunciar que ela existe e consegue ser possível num mundo todo feito contra
ela.São todas mulheres-galinhas que abotoam e desabotoam os olhos, passivas, remoendo o mal-
estar e, de repente, explodindo num pequeno ato heróico que não vale nada a não ser, talvez
para os leitores, sobretudo para nós, leitoras, como uma ponta de interrogação
desestabilizadora e provocadora de um mal-estar semelhante. Será que ainda somos leitoras
para Clarice Lispector? Mulheres da rua que somos hoje? Não mais confinadas ao lar, mas
empreendendo como o homem-engenheiro o conforto quotidiano de todas nós? Será que nos
desconfiamos? Então por que ainda nos tocam as pequenas rebeldias das mulheres de Clarice e
a sua teimosia em subir no telhado e apontar o mendigo?
Considerações Finais
      “Laços de família” traz análises de consciência de pessoas que por
alguns instantes fogem do aprisionamento cotidiano. As formas de vida
convencionais e estereotipadas vão se repetindo de geração para
geração, fazendo com que elas sigam com tradições e normas já pré-
estabelecidas. A dissecação da classe média carioca resulta numa visão,
desencantada e descrente dos liames familiares, dos "laços" de
convenção e interesse que minam a precária união familiar.
      Dessa forma fechamos nosso trabalho percebendo que Clarice
Lispector mostra as relações familiares e os laços de amor que ligam as
pessoas em todos os seus contos, mostrando às vezes uma face não tão
idealizadora do amor familiar, mas sim a verdade rotineira que juntas as
pessoas para passarem suas vidas inteiras juntas. Fazendo assim uma
relação com o título, ou seja, o tema principal da obra.
Questões de Vestibular
1- (PUC-MG) Leia o fragmento, do conto “Devaneio e embriaguez duma rapariga”,
de Laços de Família:

“E, já que os filhos estavam na quinta das titias em Jacarepaguá, ela aproveitou
para amanhecer esquisita: túrbida e leve na cama, um desses caprichos, sabe-se
lá. O marido apareceu-lhe já trajado e ela nem sabia o que o homem fizera para o
seu pequeno almoço, e nem olhou-lhe o fato, se estava ou não por escovar, pouco
se lhe importava se hoje era dia dele tratar os negócios na cidade. Mas quando
ele se inclinou para beijá-la, sua leveza crepitou como uma folha seca:
Larga-te daí!
E o que tens? pergunta-lhe o homem atônito, a ensaiar imediatamente carinho
mais eficaz.
Obstinada, ela não saberia responder, estava tão rasa e princesa que não tinha
sequer onde se lhe buscar uma resposta.”

No fragmento, SÓ NÃO se verifica:
     a) a expressão do estado de espírito da personagem.
     b) o emprego de vocabulário e dicção (sintaxe) lusitanos.
     c) a atuação da personagem como narrador.
     d) o uso de discurso direto.
2- (PUC-MG) O discurso indireto-livre, recurso que consiste na
     fusão das vozes do narrador e do personagem, é
     freqüentemente utilizado nos contos de Clarice Lispector para
     dar dimensão psicológica às narrativas. Em todas as passagens,
     extraídas dos contos de Laços de Família, a voz do narrador
     funde-se à voz do personagem, EXCETO:

a) “A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como
     quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num
     bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as
     compras no colo.”
b) “Sim, porque, já tendo feito a coisa, mais vali aproveitar, não
     seria boba de ficar com a fama sem o proveito. Era isso mesmo
     o que faria.”
c) “Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com
     sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua
     família.”
d) “Não! Não queria explicar-se com Carlinhos e ninguém lhe diria
     como usar o dinheiro que teria, e Carlinhos podia pensar que
     era com bicicletas, mas se fosse o que é que tem? E se nunca,
     mas nunca, quisesse gastar o seu dinheiro?”
3- (PUC-MG) São temáticas abordadas pelos contos de Laços de
      Família, EXCETO:
a) a submissão da mulher de classe média à rotina familiar, em
      “Amor”.
b) o sentimento da maternidade, em “Uma galinha”.
c) a hipocrisia nas relações familiares, em “Feliz aniversário”.
d) o sistema educacional, em “O crime do professor de matemática”.
4 - (UFSM – 2007 modificada) Em o conto A menor mulher do
   mundo de Clarice Lispector, há uma raça que está sendo
   exterminada por selvagens que caçam as presas em redes e as
   comem, “como fazem com os macacos”. Uma personagem se salva
   e tem “a inefável sensação de ainda não ter sido comida”. De que
   forma esta personagem se comporta nem contexto de uma
   sociedade burguesa?

5- (UEL - 2006 modificada) Ainda que Clarice Lispector tenha
  morrido um dia antes de completar cinqüenta e sete anos, a
  problemática das mulheres de terceira idade faz-se presente em
  muitos de seus contos. “Feliz Aniversário” registra tal tema. que
  problemática Clarice traz neste conto?
Referências bibliográficas
•   http://www.geocities.com/Paris/Concorde/9366/opinioes/bandeira.htm
•   http://cristina.fjaunet.com.br/analise_de_livros/a_hora_da_estrela/bi
    ografia.htm
•   http://br.geocities.com/claricegurgelvalente/artigos_21.htm
•   http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u16556.shtml
•   http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/setembro2005/ju30
    0pag4b.html

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  • 2. Introdução Clarice Lispector é uma autora polêmica e complexa. Escreve questões inquietantes sobre a natureza humana e a dimensão que estas possuem na sociedade. Fala realidades sufocadas, camufladas e mesmo proibidas das personagens e com isto mostra um lado oculto pelas convencionalidades da vida cotidiana. A obra de Clarice Lispector questiona verdades tidas como absolutas, contextualizadas na época que foram produzidas. Suas personagens procuram por respostas. Questionando suas verdades abaladas ou mesmo destruídas. E em laços de Família é presente tais características. Obra que foi publicada pela primeira vez em 1960, e que será explorada adiante.
  • 3. Manuel Bandeira, que publicara Poesias Completas e Poemas Traduzidos e enviara os exemplares para Clarice na Europa, pede, em 1945, alguns de seus poemas para serem publicados. "Quer me mandar algumas coisas? Você é poeta, Clarice querida. Até hoje tenho remorso do que disse a respeito dos versos que você me mostrou. Você interpretou mal minhas palavras. Você tem peixinhos nos olhos, você é bissexta. Faça versos, Clarice, e se lembre de mim. Você nunca é falante, barulhenta. O que você escreve nunca dói nem fere os ouvidos. Você sabe escrever baixo. E sua assinatura, Clarice, é você inteirinha: Clara...Clarinha...Clarice." Manuel Bandeira.
  • 4. Biografia de Clarice Lispector • Nascimento: Tchetchelnik, Ucrânia - 10 de dezembro de 1925. • Morte: Rio de Janeiro -1977 • Desde muito cedo mostrou vocação literária, Clarice sentia atração pelos livros, os lia, mas não sabia que existiam autores, quando ela descobriu se assustou. Aos sete anos já escrevia seus primeiros textos, sendo influenciada por Monteiro Lobato, pois leu muitas obras desse autor, exercendo sobre ela grande fascínio, enchendo seus olhos de menina. Aos nove anos perdeu a mãe. Logo depois entrou para o Ginásio Pernambucano.
  • 5. No ano de 1937 mudou-se para o Rio de Janeiro, residindo na Tijuca, estudando no Colégio Silvio Leite. Em 1941, iniciou seus estudos de Direito na Faculdade Nacional e nesse mesmo ano começou sua carreira na Agência Nacional, passando depois para o Jornal da Noite. Formou-se na faculdade em 1944, e nesse mesmo ano escreveu e publicou seu primeiro romance: "Perto do Coração Selvagem". Com esta obra Clarice ganhou o Prêmio Graça Aranha. Porém, é interessante recordar que o livro havia sido reusado por algumas editoras, que não acreditavam nas novas tendências anunciadas pela estreante de apenas 19 anos. Clarice foi casada com um diplomata e acompanhou-o em diversas viagens para o exterior, vivendo 15 anos longe do Brasil. Quando retornou da Suíça (uma das últimas viagens que fez), publicou "O Lustre" (1946). Em 1959, separou-se de Maury Gurgel, retornando para o Brasil. Passou a morar no Lema, Rio de Janeiro, onde se dedicou à redação de seus livros, às atividades jornalísticas e às traduções que fez. Nessa época já era uma escritora de sucesso também no exterior, onde foram traduzidas para o inglês, o francês, o alemão, o tchecco e o espanhol. Em 1967, por ter dormido com cigarro aceso (fumava compulsivamente), sofreu queimadura na mão direita e nas pernas, recuperando-se após diversas cirurgias, continuando sua carreira literária. Nessa época vivia com a renda de direitos autorais e traduções, escrevendo também crônicas para o Jornal do Brasil e para uma seção da revista Fatos e Fotos. Nos últimos anos de sua vida, Clarice dedicou-se à produção de seus livros mais elaborados. A Hora da Estrela e Um Sopro de Vida. Em 1976, participou do Congresso Mundial de Bruxaria, em Bogotá, Colômbia, aumentando sua fama de mulher misteriosa. No ano de 1977, no mês de novembro, fez exames e constatou que estava com câncer generalizado. No dia 16 de novembro de 1977, foi internada para um tratamento impossível. No dia 9 de dezembro do mesmo ano, faleceu, um dia antes de seu aniversário. Quando Clarice Lispector publicou seu primeiro livro, o leitor brasileiro estava se acostumado aos romances regionalistas nordestinos da década anterior , como "Incidente em Antares", de Érico Veríssimo, nessa época o público brasileiro também começava a consumir as crônicas do Jorge Amado.
  • 6. Obras • Romances: - Perto do Coração Selvagem (1944); - O Lustre (1946); - A Maça no Escuro (1956); - A Paixão Segundo G.H. (1964); - Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres (1969); - Água Viva (1973); - A Hora da Estrela (1977); - Um Sopro de Vida (1978). • Contos: - Alguns Contos (1952); - Laços de Família (1960); - A Legião Estrangeira (1964); - Felicidade Clandestina (1971); - A intimação da Rosa (1973); - A Via-Crúcis do Corpo (1974); - Onde Estivestes de Noite (1974); - A Bela e a Fera (1979). • Crônicas: - A descoberta do Mundo (1984).
  • 7. Resumos Laços de Família é dividido em contos, sintetizando cada conto: • Amor: Seguindo as características dos outros contos este aborda o tema da rotina incessante e cansativa que faz com que as pessoas vivam automaticamente, sem prestar atenção na a sua volta. A personagem Ana é uma bem comportada mãe de família com filhos, marido e apartamento a cuidar. O seu mundo, porém, está preste a desmoronar: o sossego de sua vida-agradável é quebrado com uma freada brusca do bonde e com um cego que mascava chicles. A partir daqui a insegurança domina-a, e Ana acorda do seu mundo de rotinas. Então tenta desesperadamente se reencontrar e fechar-se em seu interior.
  • 8. Uma galinha galinha: “Uma galinha” é um conto que mais parece uma crônica. Narra à saga de uma galinha que, contrariando as dificuldades de sua raça, escapa de virar almoço. Tendo, mais uma vez, o mundo restrito da pequena burguesia tradicional como pano de fundo, o conto volta a insistir numa temática básica de Clarice: a vida cotidiana incessante, que não se altera, muda apenas em alguns aspectos, raramente duradouros, como no conto, em que no final, tudo volta a sua normalidade e os hábitos convencionais não são transformados.
  • 9. O jantar: É o primeiro conto em que a personagem principal é masculina. Num restaurante, entra um velho esfomeado para jantar e dentro de seu entusiasmo pela comida nem percebe que é observado. O espectador analisa seus gestos, as mãos peludas, e mesmo os dentes postiços. Novamente Clarice tenta mostras as pessoas que fogem dos meus sentimentos, e que se escondem sob uma casca dura através de si mesmas. Pessoas que, para fugirem da própria fraqueza, chegam à impessoalidade, à quase inumanidade. É o caso do velho, que, por trás da aparente tranqüilidade, certamente traz no seu íntimo vários problemas.
  • 10. O búfalo: No último conto Clarice focaliza uma mulher infeliz no amor, rejeitada pelo homem a quem só sabe amar e “cujo crime único era o de não amá-la”.A mulher vai ao jardim zoológico na tentativa de aprender com os animais este sentimento que procura, mas, como é primavera, encontra apenas os mais sinceros e sublimes sentimentos que os animais podem passar. Presa de si mesma, enjaulada no seu amor, ela tudo enxerga transbordando AMOR. Até que viu o búfalo negro ao entardecer. Seja pelo cansaço, por ser pôr-do-sol, por ele ser grande e negro, seja pelo que for, o fato é que o búfalo a faz sentir o que buscava: “a vontade vagarosa de matar”, o ódio, enfim. E copiando a tranqüilidade nervosa do bicho, ela pode dizer: “Eu te amo”, com ódio. O conhecimento do ódio de certo modo a faz morrer um pouco e ela cai, perto da cerca do búfalo guardando a imagem de contornos suaves e duros, olhos pequenos e calmos.
  • 11. Críticas • Ligia Chiappini • Thaís Nicoleti de Camargo
  • 12. Thaís Nicoleti de Camargo Há quem diga que não se pode gostar "mais ou menos" de Clarice Lispector. Os leitores dividem-se entre aqueles que se identificam de imediato com o tom intimista das narrativas em que aparentemente nada acontece e aqueles que não têm afinidade com o viés pelo qual a autora conta os fatos. Se a expectativa do leitor for à mera fruição de uma seqüência de ações encadeadas com vista a ascender a um clímax para chegar a um desfecho surpreendente, é bem provável que se sinta frustrado e com a impressão de "não ter entendido nada". Essa sensação, no entanto, desfaz-se quando nos deixamos envolver pela situação às vezes mais descrita que propriamente narrada. Interessa ao narrador mostrar a experiência que transforma o(s) personagem(ns). Uma revelação é, em geral, desencadeada por um acontecimento fortuito, por um fato mínimo, capaz, todavia, de despertar um estado de consciência não raro doloroso --como talvez seja todo e qualquer despertar da consciência. No conto "Feliz Aniversário", do livro "Laços de Família", a circunstância posta é a comemoração dos 89 anos de vida da matriarca de uma família. A situação parte do prosaico encontro entre familiares e revela a animosidade velada que paira entre eles. Mas a história não fica nisso. O narrador assume o olhar da aniversariante, que percebe a morna complacência daqueles que, uma vez por ano, lhe dedicam a sua paciência. A uma velhinha cabe, na ótica cínica das famílias frouxas, a delicadeza desanimada de quem, por muito favor, ainda está vivo. Mas dona Anita, em seu silêncio acumulado, apenas observa a coreografia de uma legião de fracos, incapazes de amar, perdidos que estão na vida cotidiana. Ao dar a primeira talhada no bolo, "com punho de assassina", com a força que vem do desprezo que sente pela própria prole, ela incomoda com sua paradoxal vitalidade. Essa ação cresce e transforma-se na cusparada fatídica, expressão maior do desdém. Uma das noras, Cordélia, parece ainda ter salvação. É a única que espera da velha uma lição de sabedoria, é a única que desesperadamente ainda quer uma chance de viver (de amar) e se vê diante de um dilema --mais adivinhado pelo leitor que explicitado pelo narrador. As histórias de Clarice giram em torno do amor, no que esse sentimento tem de mais dilacerante e de desafiador. Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole).
  • 13. Ligia Chiappini Há um conto de Clarice que, na sua simplicidade, concentra significações que reverberam pela obra toda. Trata-se de Uma galinha. Espécie de alegoria da condição feminina passou muito tempo desapercebido como tal para a crítica preocupada em desvendar a dimensão filosófica da obra. Uma galinha é uma espécie de fábula irônica. Um domingo, a galinha escolhida para ser comida no almoço escapa do quintal e foge pelos telhados, perseguida pelo dono da casa improvisado em atleta de fim-de- semana. Este, finalmente, a alcança, levando-a de volta e depositando-a com certa violência no chão da cozinha, instante em que ela, de susto, põe um ovo e se salva, já que a menina da casa, seguida do próprio pai, reconhecem neste um filho, único motivo para a sobrevivência da galinha. Como não reconhecer aí o mesmo movimento de outros contos de Clarice protagonizados por mulheres? Além do movimento de ida e volta, que temos em contos como Amor, Os laços de família e A Bela e a Fera, há expressões que se aplicam à galinha, mas que valem para o estereótipo feminino. Como não ver a mulher passiva e doméstica de tantos outros momentos da obra que subitamente tenta um gesto, mesmo que fugaz, de independência, nessa galinha "estúpida, tímida e livre" que "tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça?” Mais ainda se observarmos que o ovo salvador é como um filho "prematuro" e que a galinha "nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada?” E, sobretudo quando a ela se aplicam as expressões: "jovem parturiente", "esquentando seu filho", "correr naquele estado", "rainha da casa" e "deu à luz?”. Por outro lado, é fácil associar essa galinha, tão inusitadamente segura de si "como um galo crê na sua crista", aos homens que "cantam de galo" em tantos contos onde se narra uma espécie de guerra surda entre os sexos, nos casamentos feitos sem amor ou nos quais o amor se acabou com a rotina da vida burguesa. Como não ver nessa escolha para representar a mulher uma extrema ironia por parte de Clarice que não ignora a utilização da palavra galinha para significar mulher da rua, mulher fácil, mulher de muitos homens? Resgatando a dignidade da galinha e encarnando nela a mulher objeto, Clarice discute ironicamente essa grosseira comparação, por exemplo, através da menina que, em Uma história de tanto amor, "quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção", pois, dizia ela: "é o galo, que é um nervoso, quem quer! Elas não fazem nada demais! E é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!" Ou seja, o que a menina acaba nos dizendo com isso é que galinha é... O galo. Se juntarmos, portanto ao movimento de saída à rua e volta à casa com o que ele significa como tentativa de desalienação da mulher, a essa disputa com o homem, chegamos a iluminar outro aspecto que me parece da máxima importância em Clarice e que considero um ponto cego da crítica tanto quanto o foi, por muito tempo, a desconsideração do feminino nessa mesma obra. Trata-se da descoberta da pobreza por essa mulher confinada e protegida por um bom negócio matrimonial, mas reduzida a mecânicos atos quotidianos de auto-anulação, infeliz e culpada. A descoberta da pobreza dá-se junto com a autodescoberta como consumidora e parasita social, o que, de modo fulminante, desvenda o sem sentido da sua vida e da vida dos homens numa cidade grande que expõe talvez mais duramente os contrastes de uma sociedade injusta.
  • 14. O conto em que isso está mais visível é um conto inacabado, mas que, independente da forma final que iriam ter seus fragmentos, já como Clarice o deixou, revela talvez por isso mesmo, porque ainda não arranjado em obra, essa vertente temática que, a partir daí , podemos reconhecer, meio disfarçada, em outros momentos dos contos e, mesmo, dos romances. Trata-se do conto póstumo A Bela e a Fera. A bela, Carla de Souza e Santos, "quatrocentos anos de carioca", sai do espaço defendido do cabeleireiro chic do Copacabana Palace Hotel aonde fora protegida em seu carro oleado, que corria "sem barulho de metal ferrugento", conduzido por chofer particular. Com ele deveria voltar diretamente à casa para, depois, dirigir-se a outro espaço defendido - o de uma festa grã-fina. O conto, narrado por fragmentos aparentemente desconexos, nos deixa entrever que, na vida da jovem senhora que o casamento fizera mudar de classe, a cidade do Rio de Janeiro é outra. É uma espécie de cidade-fortaleza onde habitam os viçosos, os que podem tudo, até mesmo viver uma vida inteira sem dar-se conta da existência da cidade real, em que trabalhadores convivem lado a lado com marginais e mendigos. Assim seria a vida de Carla, se não tivesse havido um imprevisto: o desencontro com o chofer, por ela ter saído do salão de beleza antes da hora combinada, agravado pelo fato de não contar com dinheiro trocado para o táxi. Essas são, aliás, as razões pretensamente objetivas que Carla se dá para subitamente sair porta afora da sua cidade defendida e descobrir a outra, a que começa na avenida Copacabana, onde há "pessoas de toda espécie". Mas o texto sugere também que essa saída é uma espécie de busca, de reencontro consigo mesma pelo encontro do outro de classe. Podendo "voltar ao salão de beleza e pedir dinheiro", desiste, porque a tentação da rua foi mais forte: "era uma tarde de maio e o ar fresco era uma flor aberta com o seu perfume. Assim achou que era maravilhoso e inusitado ficar de pé na rua - ao vento que mexia com os seus cabelos. Não se lembrava quando fora à última vez que estivera sozinha consigo mesma. Talvez nunca. Sempre era ela - com outros - refletia e os outros refletiam-se nela. Nada era... era puro, pensou sem se entender". Como uma galinha, essa mulher é e não é e, depois de muito pensar é como se não pensasse nada. Como se diz em Felicidade clandestina: "Para falar a verdade, a galinha só tem mesmo é vida interior. A vida interior da galinha consiste em agir como se entendesse".Quando Carla sai à rua, o olhar míope da mulher confinada de que nos falava Gilda de Mello e Souza quando da publicação de A maçã no escuro, descortina visões e pensamentos inusitados, fazendo-nos enxergar e ouvir o mundo que berra pela boca desdentada de um mendigo, como berrava pela boca do cego mascando chiclete, em Amor. A visão do mendigo que vive de uma ferida na perna confronta Carla consigo mesma e com a sua própria ferida na alma: a alienação da mulher que se vendeu: Agora entendia que se casara da primeira vez e estava em leilão: quem dá mais? Quem dá mais? (...). Então está vendida. Sim, casara-se pela primeira vez com o homem que "dava mais". (...) Vendera-se. E o segundo marido? Seu casamento (está) findando, ele com duas amantes fora a mulher e a mulher suportava tudo porque um rompimento seria um escândalo: seu nome era por demais citado nas colunas sociais. (...) Aliás, ela aceitara este segundo porque lhe dava grande prestígio. Vendera-se às colunas sociais? Sim. Descobrira isso agora.
  • 15. Descobrir isso é descobrir também que não se é uma self-made woman pelo simples fato de estar casada com um self-made man. Ressoa aqui aquela Macabéa que pensava que mulher de deputado é deputada. Finalmente, descobrir isso é tomar consciência do "tanto (que) lhe foi dado e por ela ávida, tomado”.Tomado ou dado, o fato é que ela se sabe agora do lado das "manadas de mulheres e homens que simplesmente podiam", os que andam em máquinas sem ferrugem, e que fazem o leitor lembrar também, por contraste, da ferruginosa Macabéa, do livro contemporâneo desse conto, A hora da estrela. Estar na rua, para a mulher que nunca sai de casa, é como recuperar a identidade perdida com o casamento; é voltar a ser. A Bela já fora taquigrafa, mas esquecera, como "esquecera a máquina", "o aperto nos ombros, as chuvas nas calçadas, os horários certos". O casamento por dinheiro apagara tudo isso, mas apagara também uma parte dela mesma que o encontro com o mendigo na Avenida Copacabana ameaça trazer de volta com força e perigosamente alienação da mulher rica se expressa na festa permanente, sem nem ter o que festejar. E, na festa, os homens falam de negócios e as mulheres exibem a beleza fabricada a peso de ouro nos salões da Avenida Atlântica. Essa alienação é simétrica à do mendigo, expressa na cachaça que o ajuda a suportar a quotidiana exibição da sua mercadoria: a ferida na perna de que sobrevive. Festa e cachaça, obsessões respectivas em que um e outro costumam afogar uma falta comum - a falta de amor - e a pré-ciência de um destino, apesar de tudo também comum: o da morte certa. Tudo isso é explicitado por este conto ainda de discurso transparente, talvez porque inacabado anterior ao trabalho de polimento e de despojamento, das máscaras e dos mistérios de Clarice em suas versões finais. Entre Uma galinha (Laços de família) e A bela e a Fera, passaram-se anos de escrita e vários outros contos e romances. A leitura de ambos hoje nos permite reler a obra de 60 a 77, encontrando sinais de uma permanente tematização, embora mais disfarçada, da situação da mulher na cidade que se moderniza e aprofunda selvagemente as desigualdades sociais, processo em que ela tem um papel importante dentro da classe média brasileira na construção do nosso chamado milagre econômico: é ela a principal consumidora; é para ela que os homens dizem trabalhar, é ela que eles querem comprar e é ela que decide se vender. Amor, Felicidade clandestina, Devaneio e embriaguez duma rapariga, Os laços de família e A imitação da rosa, são, entre outros, contos que podem ser confrontados sob essa perspectiva. Parte da crítica de que a questão social se põe apenas nas obras finais (A hora da estrela e A Bela e a Fera). É o que pensa, entre outros, Darlene J. Sadlier, que mais uma vez desvincula duas mediações - da condição feminina e da luta de classes, as quais, pelo contrário, vejo disseminadas e relacionadas por toda a obra de Clarice. Diz ela, em O texto e o palimpsesto: A Bela e a Fera ou A ferida grande demais. Como grande parte de sua ficção, o conto descreve o tumulto privado e interior duma mulher; neste caso, porém, o tumulto é provocado por um encontro entre uma mulher rica de destaque social e um mendigo miserável. O conto intriga leitores e críticos porque envolve um contraste vívido entre ricos e pobres, assunto de caráter público nunca antes tratado por Clarice.
  • 16. Já tive oportunidade de mostrar no ensaio citado, "Pelas ruas da cidade uma mulher precisa andar", como a pobreza na cidade maravilhosa se tematiza mesmo num livro hermético e aparentemente preocupado apenas com questões existenciais e estéticas, como A paixão segundo G.H., revelando aí muitos pontos de contato com outros momentos da obra em que a questão social se põe de forma mais explícita, mas ainda aliada às indagações filosóficas, como é o caso de A hora da estrela. O mesmo vale para os contos aqui mencionados, onde volta e meia se insinua o pobre e a fome em meio a epifanias que aparentemente nos levam muito longe dessa feia e dura realidade sobre a qual se debruçam de modo quase fotográfico os chamados brutalistas no mesmo período. Não podemos esquecer que a obra de Clarice atravessou um tempo de guerra; para boa parte dos intelectuais e para os trabalhadores brasileiros, um tempo de guerra perdida. Seu primeiro romance foi escrito no Estado Novo e o romance de que ela própria mais gostava (A paixão segundo G.H.) foi publicado em pleno ano do golpe militar. Seus contos e romances atravessam a ditadura, chegando até o início do que se convencionou chamar de abertura democrática. Esse tempo foi caracterizado com brevidade, mas certeiramente por Walnice Nogueira Galvão do seguinte modo: considerando, nesse mesmo texto, o empobrecimento da prosa de ficção pós-68, Galvão reconhece a dificuldade de discernir "até onde vai a determinação das condições históricas específicas da conjuntura do país e onde começa a transplantação do thriller e do roman noir norte-americanos" numa literatura como a de Rubem Fonseca que apanha a violência da alienação na metrópole moderna ou como a de Dalton Trevisan, a violência das relações sociais na cidadezinha provinciana. Clarice trilha o mesmo caminho, mas na contra-mão. No ensaio citado atrás, indico como ela dialoga com essa tendência da ficção que Alfredo Bosi chamou de brutalista, sem a ela aderir, apanhando por outro lado a mesma violência e o mesmo mal-estar do nosso capitalismo selvagem, mas resistindo até o fim à tentação do best-seller. O mal-estar, porém, está aí e tem muito a ver com a troca que a classe média realizou: muitos sonhos por alguns eletrodomésticos e automóveis (como se disse cruel, mas realisticamente também no mesmo encontro de Maryland) . O papel da classe média já foi suficientemente estudado por aqueles que procuraram desmistificar o "milagre brasileiro". Mas o papel da mulher consumidora, que talvez a sociologia esteja ainda por estudar, foi colocado volta e meia em pauta por Clarice Lispector. De fato, em Clarice, o tema da mulher objeto, freqüentemente vendida num casamento sem amor aparece desde, pelo menos, A cidade sitiada, não por acaso, um romance que trata da passagem de um subúrbio à cidade grande. O mesmo tema reaparece em contos pelas décadas de 1970 afora, reiterando-se, de forma mais clara e até esquemática, no conto inacabado A Bela e a Fera. Aparentemente conformadas com a rotina da vida burguesa, essas mulheres sempre correm o risco de subitamente confrontar-se com o sem sentido de suas vidas, ao lado de seus maridos bem postos nos negócios e dentro de suas casas confortáveis. São momentos em que, como "uma galinha", a mulher sai à rua, foge e quase vira um galo prestes a anunciar um novo mundo possível e uma nova possibilidade de ser mulher dentro dele.É o momento em que uma jovem mãe escapa ao "belo" sábado do marido, ganhando a rua com o filho pela mão em busca de reconquistar a relação perdida do amor verdadeiro, atravessado pelas convenções do papel quotidiano de mãe e esposa:
  • 17. Quem sabe se sua mulher estava fugindo com o filho da sala de luz bem regulada, dos móveis bem escolhidos, das cortinas e dos quadros? Fora isso o que ele lhe dera. Apartamento de um engenheiro. E sabia que se a mulher aceitava da situação de um marido moço e cheio de futuro - desprezava-a também, com aqueles olhos sonsos, fugindo com seu filho nervoso e magro. O homem inquietou-se. Porque não poderia continuar a lhe dar senão: mais sucesso. E porque sabia que ela o ajudaria a consegui-lo e odiaria o que conseguissem. Assim era aquela calma mulher de trinta e dois anos que nunca falava propriamente como se tivesse vivido sempre. É o momento em que a mulher senta com o mendigo, ama o cego, come a barata, enxerga Janair, vê Macabéa na feira nordestina e escreve sobre ela para exorcizá-la e ao mesmo tempo denunciar que ela existe e consegue ser possível num mundo todo feito contra ela.São todas mulheres-galinhas que abotoam e desabotoam os olhos, passivas, remoendo o mal- estar e, de repente, explodindo num pequeno ato heróico que não vale nada a não ser, talvez para os leitores, sobretudo para nós, leitoras, como uma ponta de interrogação desestabilizadora e provocadora de um mal-estar semelhante. Será que ainda somos leitoras para Clarice Lispector? Mulheres da rua que somos hoje? Não mais confinadas ao lar, mas empreendendo como o homem-engenheiro o conforto quotidiano de todas nós? Será que nos desconfiamos? Então por que ainda nos tocam as pequenas rebeldias das mulheres de Clarice e a sua teimosia em subir no telhado e apontar o mendigo?
  • 18. Considerações Finais “Laços de família” traz análises de consciência de pessoas que por alguns instantes fogem do aprisionamento cotidiano. As formas de vida convencionais e estereotipadas vão se repetindo de geração para geração, fazendo com que elas sigam com tradições e normas já pré- estabelecidas. A dissecação da classe média carioca resulta numa visão, desencantada e descrente dos liames familiares, dos "laços" de convenção e interesse que minam a precária união familiar. Dessa forma fechamos nosso trabalho percebendo que Clarice Lispector mostra as relações familiares e os laços de amor que ligam as pessoas em todos os seus contos, mostrando às vezes uma face não tão idealizadora do amor familiar, mas sim a verdade rotineira que juntas as pessoas para passarem suas vidas inteiras juntas. Fazendo assim uma relação com o título, ou seja, o tema principal da obra.
  • 19. Questões de Vestibular 1- (PUC-MG) Leia o fragmento, do conto “Devaneio e embriaguez duma rapariga”, de Laços de Família: “E, já que os filhos estavam na quinta das titias em Jacarepaguá, ela aproveitou para amanhecer esquisita: túrbida e leve na cama, um desses caprichos, sabe-se lá. O marido apareceu-lhe já trajado e ela nem sabia o que o homem fizera para o seu pequeno almoço, e nem olhou-lhe o fato, se estava ou não por escovar, pouco se lhe importava se hoje era dia dele tratar os negócios na cidade. Mas quando ele se inclinou para beijá-la, sua leveza crepitou como uma folha seca: Larga-te daí! E o que tens? pergunta-lhe o homem atônito, a ensaiar imediatamente carinho mais eficaz. Obstinada, ela não saberia responder, estava tão rasa e princesa que não tinha sequer onde se lhe buscar uma resposta.” No fragmento, SÓ NÃO se verifica: a) a expressão do estado de espírito da personagem. b) o emprego de vocabulário e dicção (sintaxe) lusitanos. c) a atuação da personagem como narrador. d) o uso de discurso direto.
  • 20. 2- (PUC-MG) O discurso indireto-livre, recurso que consiste na fusão das vozes do narrador e do personagem, é freqüentemente utilizado nos contos de Clarice Lispector para dar dimensão psicológica às narrativas. Em todas as passagens, extraídas dos contos de Laços de Família, a voz do narrador funde-se à voz do personagem, EXCETO: a) “A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo.” b) “Sim, porque, já tendo feito a coisa, mais vali aproveitar, não seria boba de ficar com a fama sem o proveito. Era isso mesmo o que faria.” c) “Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família.” d) “Não! Não queria explicar-se com Carlinhos e ninguém lhe diria como usar o dinheiro que teria, e Carlinhos podia pensar que era com bicicletas, mas se fosse o que é que tem? E se nunca, mas nunca, quisesse gastar o seu dinheiro?”
  • 21. 3- (PUC-MG) São temáticas abordadas pelos contos de Laços de Família, EXCETO: a) a submissão da mulher de classe média à rotina familiar, em “Amor”. b) o sentimento da maternidade, em “Uma galinha”. c) a hipocrisia nas relações familiares, em “Feliz aniversário”. d) o sistema educacional, em “O crime do professor de matemática”.
  • 22. 4 - (UFSM – 2007 modificada) Em o conto A menor mulher do mundo de Clarice Lispector, há uma raça que está sendo exterminada por selvagens que caçam as presas em redes e as comem, “como fazem com os macacos”. Uma personagem se salva e tem “a inefável sensação de ainda não ter sido comida”. De que forma esta personagem se comporta nem contexto de uma sociedade burguesa? 5- (UEL - 2006 modificada) Ainda que Clarice Lispector tenha morrido um dia antes de completar cinqüenta e sete anos, a problemática das mulheres de terceira idade faz-se presente em muitos de seus contos. “Feliz Aniversário” registra tal tema. que problemática Clarice traz neste conto?
  • 23. Referências bibliográficas • http://www.geocities.com/Paris/Concorde/9366/opinioes/bandeira.htm • http://cristina.fjaunet.com.br/analise_de_livros/a_hora_da_estrela/bi ografia.htm • http://br.geocities.com/claricegurgelvalente/artigos_21.htm • http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u16556.shtml • http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/setembro2005/ju30 0pag4b.html