1) Ler é um direito de todos e um instrumento para combater a alienação e ignorância, especialmente na sociedade brasileira marcada por desigualdades de classe.
2) Uma leitura crítica que envolva constatação, reflexão e transformação é essencial para a educação libertadora e a verdadeira ação cultural.
3) As motivações para ler incluem informação, conhecimento e prazer, e o tipo de leitura pode variar dependendo do material e da disposição do leitor.
1. Machado de Assis
O que é ler
Levando em consideração as contradições presentes na sociedade brasileira, eu diria que
ler é , numa primeira instância , possuir elementos de combate à alienação e ignorância.Para ser
compreendida , esta definição deve levar em conta a própria estrutura subjacente à sociedade
brasileira , ou seja ,a dicotomia das classes sociais,mantida pela ideologia(ou visão de mundo)
da classe que está no poder. Dominar o mecanismo da leitura e ter acesso àqueles livros que
falam criticamente e a respeito da estrutura hierárquica ,ditatorial e discriminatória , da estrutura
; enfim , injusta da nossa sociedade é ser capaz de detectar aqueles aspectos que , através das
manobras ideológicas servem para alienar , massificar e forçar o povo a permanecer na
ignorância.Dessa forma , a pessoa que sabe ler e executa essa prática social em diferentes
momentos de sua vida tem a possibilidade de desmascarar os ocultamentos feitos e impostos
pela classe dominante ,posicionarse frente a eles e lutar contra eles.
Mais especificamente, o ato de ler se constitui num instrumento de luta contra a
dominação. Sabemos que o acesso à escrita(ao livro) em nossa sociedade aparece como um
privilégio de classe , comprovado historicamente. A manipulação do povo ocorre através de uma
real contradição: ao mesmo tempo em que se prega o valor do livro e da leitura , tentase
esconder o fato de que as condições de produção não são tão concretas assim. E eu sempre tenho
dito que a existência de um volumoso número de analfabetos , a inexistência de bibliotecas
populares , a ausência de uma política para a promoção da leitura ...são , em verdade ,
fenômenos muitos bem “calculados” pelo poder dominante ,isto porque uma pessoa letrada ,que
possui a capacidade de penetrar nos horizontes colocados em livros e similares, é capaz de
colher subsídios para posicionarse frente aos problemas sociais. A presença de leitores críticos
sem dúvida incomodaria bastante a política da ignorância e da alienação , estabelecida pelos
regimes ditatoriais e disseminada através dos aparelhos ideológicos do Estado.
Temos de considerar ainda que estamos vivendo numa sociedade letrada. Isto quer dizer
que os veículos escritos são necessários à própria sobrevivência e atualização dos homens nesse
tipo de sociedade. E se as etapas evolutivas da civilização garantem à sociedade a condição ou
categoria de “letrada” , isto quer dizer a formação de leitores se coloca como uma
2. responsabilidade do Estado. Assim , “ler” é um direito de todos os cidadãos; direito este que
decorre das próprias formas pelas quais os homens se comunicam nas sociedades letradas. A
presença de analfabetos(iletrados) no Brasil não nasce por acaso ou porque os indivíduos
optaram por nãoler; o problema é que as autoridades não estão interessadas em desenvolver o
gosto pela leitura junto a todos os segmentos da população.
Verifiquem que estou tentando conceber a leitura a partir de considerações sociais e em
função das contradições presentes na realidade brasileira. Uma concepção que fugisse àquilo que
o povo concretamente sente e vive seria utópica e , ao mesmo tempo banalizante. Recuperando ,
pois , a nossa concepção temos que ler é um direito de todos e ,ao mesmo tempo,um instrumento
de combate à alienação e ignorância.Caracterizo estes aspectos de definição como decorrentes
de uma vertente política , segundo os fatos que podemos perceber na realidade brasileira.
Seguindo uma vertente educacional , tentando levantar os aspectos relacionados com o
ensino –aprendizagem da leitura(seja na escola ou biblioteca) ,num outro trabalho...eu tentei
caracterizar a leitura como crítica. A leitura crítica é condição para a educação libertadora ,é
condição para a verdadeira ação cultural que deve ser implementada nas escolas(e
bibliotecas)>A explicitação deste tipo de leitura , que está longe de ser mecânica(isto é ,não
geradora de novos significados), será aqui feita através da caracterização do conjunto de
exigências com o qual o leitor crítico se defronta ao confrontar um texto escrito , ou
seja ,constatar,cotejar e transformar.
É importante dizer que as exigências não são aqui estabelecidas em termos de
habilidades segmentadas. Dentro dada perspectiva pedagógica de cunho positivista , é muito
comum o retalhamento dos atos da consciência para fins de operacionalização e
quantificação.Uma visão humanista da leitura , como esta que pretendo delinear , foge aos
padrões do pragmatismo e de outras ortodoxias pedagógicas.O ato crítico de ler aparece como
uma constelação de atos da consciência do leitor , que são acionados durante o Encontro
significativo desse leitor com uma mensagem escrita , ou seja, quando esse leitor se situa
concreta e criticamente no ato de ler.É este situarse (isto é , estar presente com e na mensagem)
que garante o caráter libertador, do ato de ler – o leitor se conscientiza de que o exercício de sua
consciência sobre o material escrito não visa o simples reter, memorizar ou reproduzir
literalmente o conteúdo da mensagem indiciada pelos caracteres escritos mas principalmente o
compreender e o criticar.
A constatação do significado de um documento escrito nada mais é do que uma
compreensão primeira dos conteúdos pretendidos. O leitor crítico, movido por sua
intencionalidade em direção a um horizonte de realidade, desvela o significado pretendido pelo
autor da mensagem, mas não permanece nesse primeiro nível, ele reage, questiona,
problematiza, aprecia com criticidade. Como empreendedor de um PROJETO, acionado pela
dinâmica de um processo, o leitorcrítico necessariamente se faz ouvir. A criticidade faz com
que o leitor não só compreenda as ideias veiculadas por um autor, mas levao também a
posicionarse diante delas, dando início ao COTEJO, à REFLEXÃO das ideias projetadas na
trajetória feita durante o ato de constatação.
Através dos atos de decodificar e refletir (implícitos na constatação e cotejo/reflexão),
novos horizontes se abrem para o leitor, pois ele inevitavelmente experiência outras alternativas
de ser e existir em sociedade. Mas, o pleno desenvolvimento de novas alternativas somente pode
ser conseguido na TRANSFORMAÇÃO, isto é, na ação sobre o conteúdo do conhecimento,
extraído do documento selecionado para ler.
Caracterizar a práxis da leitura em termos do complexo “CONSTATAÇÃO, REFLEXÃO
e TRANSFORMAÇÃO”, por parte do leitor, nada mais é do que excluir qualquer aspecto
3. opressor de uma mensagem escrita (ou do uso que comumente se faz dela em escolas,
bibliotecas, etc...); é, ao contrário, colocar a mensagem escrita em termos de uma possibilidade
para a reflexão, questionamento e recriação do real.
A leitura se efetuada dentro de moldes críticos, sempre leva à produção ou construção de
um outro texto: o texto do próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre é gerador
de expressão: o desvelamento do próprio SER do leitor, levandoo a participar do destino na
sociedade o qual ele pertence. Assim, esse tipo de leitura é muito mais do que um simples
processo de apropriação. E reprodução de significados; essa leitura deve ser caracterizada como
um PROJETO, pois concretizase numa proposta pensada e executada pelo sernomundo,
dirigida ao outro.
POR QUE LER?
Uma resposta à questão “Por que ler” levanos à região das razões ou motivos subjacentes
à leitura. Muitos autores de reconhecida competência, apresentam classificações ou taxionomias
dos motivos geradores de leitura. Prefiro, nesta minha exposição, discorrer um pouco sobre os
motivos para as minhas próprias leituras, dentro no meu cotidiano de vida. Dessa forma,
evitaremos o academicismo geralmente resultante da apropriação de outros referenciais e
tornaremos a nossa discussão um ouço mais íntima e mais propícia ao diálogo e ao debate.
Eu colocaria às várias leituras que comumente faço em três categorias básicas:
informação, conhecimento e prazer. Não são categorias estanques à medida em que um
propósito préestabelecido para um determinado tipo de leitura pode modificarse no transcorrer
dessa mesma leitura, conforme o teor do próprio material escrito com o qual entro em confronto
ou, ainda conforme, as minhas disposições pessoais.
A leitura informacional me mantém atualizado acerca dos acontecimentos que ocorrem ao
meu redor. Com o objetivo de acompanhar os fatos do meu contexto e de outros contextos, dirijo
a minha consciência, habitualmente, para aqueles veículos escritos (diários, semanários ou
mensários) que funcionam como difusores rápidos de informações. É assim que todas ou quase
todas as manhãs, eu pego os jornais deixados na porta do meu apartamento ou as revistas
entregues semanalmente a fim de analisar a evolução dos fatos sociais. Esse tipo de leitura me
transforma numa pessoa preocupada com a dinâmica do diaadia das “coisas” e me permite a
coleta de ideias para um posicionamento crítico diante da evolução dos fatos.
A leitura de conhecimento está diretamente relacionada com os meus processos de
pesquisa e estudo. Enquanto uma pessoa que optou por uma profissão e que, por isso mesmo,
tem determinadas responsabilidade sociais a cumprir, o estudo permanente daqueles conteúdos
circunscritos à minha área de atuação na sociedade colocase como fundamental. Dessa forma,
dentro da minha cotidianidade, existe sempre um espaço de tempo em que a minha consciência
busca aqueles escritos que se referem aos problemas culturais da sociedade brasileira e, mais
especificamente, à problemática da leitura. E mesmo quando não me sobra tempo para esse tipo
de leitura, devido a outros compromissos ou impedimentos, a sede de conhecimento e de livros
se avoluma dentro de mim.
A leitura de prazer estético conduz à poesia e a outros gêneros literários. Os horizontes
propostos pela literatura são ilimitados e suas interpretações, dada a polissemia da palavra
literária, infinitas. A convivência com textos literários, a motivação da busca de bons autores,
em muito alimenta a minha consciência e me permite chegar a conhecimento os mais diversos. E
4. é exatamente este tipo de leitura o mais prejudicado no ambiente escolar devido às próprias
distorções existentes no nosso sistema de ensino. Ao invés do prazer, levantamse o
autoritarismo da obrigação, do tempo prédeterminado para a leitura, da ficha de leitura, da
interpretação préfixada a ser convergentemente reproduzida (como se isso fosse possível!) pelo
alunoleitor e outros mecanismos que levam ao desgosto pela leitura e à morte paulatina dos
leitores.
Gostaria que vocês percebessem que os três motivos ou propósitos básicos de leitura aqui
estabelecidos (informação, conhecimento e prazer estético) estão amarrados à natureza social do
ato de ler. É importante ressaltar, retomando Paulo Freire, que o texto a ser lido e criticamente
analisado por um leitor é sempre um trampolim para a compreensão mais profunda e objetiva do
contexto humano. Dessa forma e levando em consideração que qualquer tipo de linguagem
sempre possui um referência de mundo/realidade, ser leitor é ser capaz de aprender os
referências inscritos num texto, o que significa dizer compreender a dinâmica do real e
compreenderse como um ser que participa dessa dinâmica.
Agora, já encerrando as minhas colocações e aguardando o início do debate, relembro que
todos os seres humanos possuem um potencial inato (biológico e psíquico) para ler e
compreender qualquer tipo de linguagem. Ocorre que numa sociedade como a nossa onde a
injustiça é reproduzida de época para época, esse potencial não é plenamente desenvolvido.
Consequentemente, a frase de Monteiro Lobato – “a um país se forja com homens e livros” –
ainda permanece como um grito parado no ar, esperando pro uma transformação radical na
estrutura de nossa sociedade.
SILVA, Ezequiel Theodoro da
Leitura na Escola e na Biblioteca, 3ª Ed. , Campinas, S.P.
Papirus, 1991
Disciplina Letramento e a diversidade do gênero discursivo
Data 05 /05 /2007
Luiz Moretto
Ver a língua de um ponto de vista discursivo significa ir além dos horizontes dados pela
gramática. Nos discursos produzidos pelo homem está toda a sua história, aquilo que foi dito e foi
silenciado (que podemos recuperar pelas marcas e pistas deixadas) como: as relações de interação,
de intercâmbio, de oposição ou polêmicas e, antagonismos estabelecidos. Enfim, as relações de
poder, de dominação, de alianças, de silenciamentos.
Portanto, qual seria a importância do indivíduo em compreender a língua como discurso? Em
que isso poderia contribuir para tornar os indivíduos em cidadãos críticos? Aliás, você acha que
uma nação precisa de cidadãos críticos? Que relação tudo isso tem com o ato de ler e escrever?
Esperase que os estudantes adquiram a capacidade de discutir e aplicar conhecimentos
teóricos obtidos ao longo do curso (ou das disciplinas), e expor suas ideias sobre determinado tema,
de forma clara e convincente. Para tal, o aluno deve utilizarse do discurso e dos gêneros aceitos
para uso dentro deste discurso (tanto oral como na modalidade escrita: o artigo de jornal, a resenha,
o relatório, carta, poesia, narração, descrição, dissertação, crônica, paródia, resumo, paráfrase,
humor, etc. )
5. Adota-se uma visão de discurso como prática social, defendida pela Análise crítica do
discurso. Uma premissa básica é que a linguagem é uma forma de ação social. Primeiro:
que a linguagem é parte da sociedade, e não algo externo a ela. Segundo: que a
linguagem é um processo social. E terceiro: que a linguagem é um processo socialmente
condicionado por outros elementos (não-linguísticos) da sociedade. A linguagem é parte
da sociedade; os fenômenos linguísticos são sociais de um tipo especial; e os fenômenos
sociais são (em parte) fenômenos lingusticos.
Os fenômenos linguísticos são sociais na medida em que, sempre que alguém fala
ou ouve ou escreve ou lê, essas ações são feitas de forma socialmente condicionadas e
provocam efeitos sociais. Por outro lado, os fenômenos sociais são linguísticos na medida
em que as atividades linguísticas que ocorrem em contextos sociais não é um mero reflexo
ou expressão de processos e práticas sociais, na verdade elas são partes desses processos
e práticas.
Os analistas críticos do discurso acreditam que práticas sociais e práticas discursivas
se apoiam mutuamente, i.e., a linguagem é tanto fonte quanto receptora de processos
discursivos, sociais e ideológicos mais amplos. Devido a esta inter-relação entre discurso e
sociedade, as instituições sociais dependem profundamente da linguagem. Assim sendo, o
indivíduo passa a dialogar consigo mesmo, com o ambiente e o mundo, tornando-se um
cidadão crítico ou passivo quando agir sem interação.
Portanto, o letramento por meio do discurso faz com que o indivíduo observe a
diversidade de gêneros; cujos textos, além de apresentarem uma estrutura linguística,
contém a extralinguística . Assim, qualquer pedagogia de letramento tem que se
preocupar não apenas com as formalidades do funcionamento dos textos, mas também
com a realidade social viva dos textos em uso. “O que um texto faz é resultado do fim
para o qual ele é utilizado”.
Dessa forma, as causas das diferenças entre os textos podem ser encontradas em
suas funções sociais específicas. Nessa perspectiva, os gêneros são vistos como processos
sociais. Os textos assumem padrões estruturais relativamente previsíveis de acordo com
padrões de interação social dentro de determinada cultura. Em outras palavras, a
padronização textual se combina com a padronização social na forma de gêneros. “Os
gêneros são intervenções textuais na sociedade; e a sociedade em si nada seria sem a
linguagem com seus padrões previsíveis”.
O processo de desenvolver a familiaridade dos alunos com o texto é, por um lado,
linguístico, passando da oralidade para formas de letramento que progressivamente se
distanciam da gramática da fala. Por outro lado, esse processo é também epistemológico
(estudo crítico dos métodos empregados nas ciências). Conforme os alunos são
introduzidos no discurso e nos [distintos] campos de conhecimento das disciplinas
escolares; também, eles se afastam do senso comum e se aproximam de um tipo de
senso não-comum – o senso não-comum que transmite conhecimentos técnicos e
especializados, e que possui formas próprias de criar significados no mundo.