1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO
ISSN 1517-5421 lathé biosa 185
PRIMEIRA VERSÃO
ANO IV, Nº185 MAIO - PORTO VELHO, 2005.
Volume XIII Maio/Agosto
ISSN 1517-5421
EDITOR
NILSON SANTOS
CONSELHO EDITORIAL
ALBERTO LINS CALDAS - História
ARNEIDE CEMIN - Antropologia
FABÍOLA LINS CALDAS - História
JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
MIGUEL NENEVÉ - Letras
VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte
Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for
Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:
nilson@unir.br
A PROFECIA DE MCLUHAN FALHOU
CAIXA POSTAL 775
CEP: 78.900-970 ENTREVISTA/ ROGER CHARTIER
PORTO VELHO-RO
TIRAGEM 150 EXEMPLARES
EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
2. A PROFECIA DE MCLUHAN FALHOU
ENTREVISTA/ ROGER CHARTIER
JB ONLINE - Sábado, 24 de outubro de 1998
Professor e consultor nas universidades americanas de Yale, Princeton e Berkeley, o francês Roger Chartier tem idéias precisas a respeito de temas como o
futuro do livro e a revolução provocada pelo texto eletrônico. Um dos grandes nomes da história cultural, ele veio ao Brasil nesta semana para lançar o livro História
da literatura ocidental, antologia organizada em colaboração com italiano Guglielmo Cavallo (publicado pela editora Ática). Aqui, Chartier fez conferências no Rio - na
UFF e na UERJ -, em Salvador, Belo Horizonte e Campinas, onde participou do congresso da Associação de História da Leitura, na Unicamp. Para Chartier, "o século 21
verá a convivência entre as três formas de textos: o manuscrito, o impresso e o eletrônico". As previsões sombrias a respeito do desaparecimento da cultura escrita
para ele não têm fundamento: "A idéia de uma substituição do mundo textual dos livros pelo mundo eletrônico das imagens não corresponde à situação atual. A
profecia de McLuhan falhou".
- O livro História da leitura no mundo ocidental faz referências a hábitos e formas de leitura que teriam desaparecido. O senhor poderia dar algum exemplo?
- Essa é necessariamente uma história dos vestígios, das maneiras físicas de ler, dos espaços de leitura e das circunstâncias de leitura. Um tema que atravessa
o livro é a oposição entre a leitura em voz alta e a leitura silenciosa. Nas sociedades européias da Idade Média há a reconquista da prática da leitura silenciosa que
havia se perdido desde a queda do Império Romano. Ler silenciosamente, como fazemos geralmente hoje, permite essa relação íntima e individualizada entre o livro e
o leitor. Mas há duas maneiras de considerar a leitura em voz alta. Há os que precisam oralizar para compreender. Nas sociedades contemporâneas esta é uma das
maneiras de identificar os analfabetos: estes não são só os que não sabem ler e escrever, mas também os que precisam oralizar o texto para compreendê-lo.
- A leitura silenciosa teria sua origem na Grécia antiga?
- Não devemos pensar em termos de uma continuidade entre a Antiguidade e a Idade Média porque há uma ruptura fundamental com a queda do Império
Romano. A trajetória do mundo grego e romano não se repete depois. Estudos recentes mostram que na Antiguidade a capacidade para a leitura silenciosa existia.
Mas a leitura em voz alta não vinha da necessidade de compreender, mas de uma outra concepção do texto. A leitura era um ato coletivo, compartilhado. Havia na
literatura latina uma forma de leitura que respeitava a oralidade. Já a leitura em voz alta da Idade Média vinha da dificuldade de compreender um texto, em particular
porque os textos latinos vinham em escrita contínua, sem nenhuma separação entre as palavras ou pontuação. Ler em voz alta corresponde a uma série de
3. necessidades diferentes. No mundo contemporâneo, a leitura em voz alta sobrevive nas universidades, nas igrejas, nos tribunais e, na relação entre adultos e crianças.
O que desapareceu foi a leitura em voz alta como forma de sociabilidade, como intercâmbio cultural.
- A passagem do livro à tela do computador seria uma revolução comparável à substituição dos rolos da antiguidade pelo códex ou códice, o livro de páginas
costuradas que conhecemos hoje?
- Gutemberg também inventou uma nova técnica para produzir textos e reproduzir livros. Mas não mudou a forma, o suporte. O livro manuscrito e o impresso
eram idênticos: objetos constituídos de folhas dobradas e encadernadas. Há uma estrutura fundamental do livro que não muda nessa passagem. Mas hoje o que
muda é a estrutura mesma do texto que passa ser lido num novo objeto.
- Qual seria o futuro do objeto livro?
- A dificuldade de entender o presente tem gerado algumas inquietações, temores e obsessões. Uma delas diz respeito ao medo do desaparecimento do livro e
em relação ao processo da leitura. Uma análise mais cuidadosa mostra que a revolução eletrônica não fará desaparecer os textos. A profecia de McLuhan a respeito de
uma substituição do mundo textual dos livros pelo mundo eletrônico das imagens não corresponde à situação atual. O que se vê nas telas dos computadores são
fundamentalmente textos. Não há porque acreditar no desaparecimento da cultura escrita. Houve apenas uma mudança na sua produção e transmissão. O século 21
verá a convivência entre as três formas de textos: o manuscrito, o impresso e o eletrônico. Há uma relação entre certos gêneros de textos e a forma como esperamos
lê-los. Seria difícil nos habituarmos a ler poesia, por exemplo, no texto eletrônico. A relação com a poesia supõe uma proximidade física entre o texto impresso e o
leitor. Para os textos técnicos, o banco de dados se impõe como a forma mais apropriada. São dois exemplos extremos: o poema e o documento. Nos próximos anos,
a cultura escrita vai se organizar, distribuindo seus gêneros pelos vários suportes de acordo com nossas concepções destes gêneros.
- Sua visão, então, não é pessimista?
- Não há porque fazer um diagnóstico sombrio. Ao contrário, o mundo dos textos eletrônicos pode ajudar a alfabetização e a difusão da leitura. É preciso evitar
tanto uma visão absolutamente otimista quanto uma postura melancólica em relação a estes novos meios.
- A imagem de uma biblioteca universal já ocupou a imaginação de alguns escritores. A informatização pode tornar este mito realidade?
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4. - A Biblioteca de Babel imaginada por Borges não apenas conteria todos os livros já escritos, mas também os que poderiam ser escritos a partir de todas as
combinações entre as letras do alfabeto. Ela é uma figura tradicional na cultura ocidental. A Biblioteca de Alexandria na antigüidade helenística se propunha a ter
todos os livros já escritos. Quando um barco entrava no porto de Alexandria tinha seus livros confiscados e copiados. As cópias eram entregues aos proprietários e os
originais confiscados para a biblioteca. Tanto na Biblioteca de Babel quanto na de Alexandria há essa intenção de abarcar a universalidade do saber. Com as novas
tecnologias esse sonho é pensável, não quero dizer que seja possível, porque há limitações de todo tipo. Mas teoricamente é admissível. Essa possibilidade, no
entanto, gera um temor, o do excesso causado por uma proliferação textual que se tornaria incontrolável. No passado, paralelamente ao desejo da universalidade, já
havia este temor do excesso de livros.
- O que simbolizam as novas super-bibliotecas, como a recentemente inauguradas em Paris?
- Há um vínculo tradicional, particularmente na França, entre uma forma de demonstração do poder e a biblioteca, desde a monarquia até a república, a
Biblioteca Nacional era um dos edifícios simbólicos da identidade do poder que se apóia no patrimônio escrito. A nova Biblioteca François Mitterrand é uma
demonstração forte do vínculo entre o livro e o poder. Há algo de paradoxal no projeto dessas bibliotecas enormes - monumentos de considerável força simbólica -
justamente no momento da comunicação eletrônica, que prescinde de qualquer biblioteca. A biblioteca deve ter duas funções no mundo contemporâneo: participar da
invenção e da relação com o texto eletrônico. A biblioteca começou a converter parte das suas coleções em textos que podem ser acessados à distância. Mas uma
biblioteca deve ser também o lugar onde podem ser encontrados os textos nas suas formas originais. Não é a mesma coisa ler o texto de D. Quixote num CD-Rom e
na sua primeira edição de 1605. Manusear o livro é reconstruir a experiência dos leitores do passado. A forma do texto sempre participa da produção do seu sentido.
Seria uma perda enorme pensar que, só porque os textos do passado são acessíveis através de uma tela, poderíamos nos afastar e até destruirmos esses suportes
mais efêmeros. Não falo apenas da primeira edição de D. Quixote, mas também de revistas e panfletos. A segunda grande missão da biblioteca contemporânea é,
portanto, preservar estes textos na sua forma original. Ela deve desempenhar esse duplo papel: de inovação e de conservação. Não deve ser uma necrópole dos
livros, nem uma biblioteca sem livros, que era, a princípio, o projeto original de Jacques Atalli para a Biblioteca François Mitterrand.
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PRIMEIRA VERSÃO
ANO IV, Nº186 MAIO - PORTO VELHO, 2005.
Volume XIII Maio/Agosto
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RITOS E PRAZERES GREGOS
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6. RITOS E PRAZERES GREGOS
MAURICE SARTRE
Origem do texto: Especial para a "L'Histoire"
Folha de São Paulo Online – Caderno MAIS! - 31/10/1999 - Página: 6 e 7
Tradução: Paulo Neves
Mais que qualquer outra civilização, a Grécia concedeu um lugar oficial aos amores masculinos. Essas relações se inscreviam primeiramente no quadro
pedagógico e iniciático que vinculava um adolescente a um homem mais velho. Mas, para além desses aspectos rituais, a cidade grega se banhava inteiramente
numa atmosfera de erotismo em que o corpo nu do homem era glorificado.
"Ó Zeus, por que infligiste aos humanos este flagelo enganador, as mulheres, pondo-o à luz do sol? Se querias propagar a raça mortal, não é às
mulheres que convinha requerer o meio para isso; em troca de ouro, ferro ou uma peça de bronze depositada nos templos, os mortais deveriam
adquirir sementes de crianças, cada uma segundo o valor da doação oferecida, e habitar casas libertas da corja feminina... Morte às mulheres! Jamais
saciarei meu ódio contra elas!" (1).
Essa prece de Hipólito, herói legendário, não é a expressão do sofrimento do homem exposto aos tormentos do amor, mas o grito do coração de quem
lamenta a presença maléfica dessa corja, disposta a assediá-lo, que vem perturbar a quietude de uma sociedade masculina. A descoberta da paixão quase
incestuosa que lhe manifesta Fedra, a mulher de seu pai, leva-o a odiar o conjunto das mulheres.
Sem ser exemplar, Hipólito testemunha as difíceis relações mantidas entre homens e mulheres na Grécia antiga, sendo pouco dizer que elas têm aspectos
muito diferentes daqueles que nossos contemporâneos conhecem. Tanto que os eruditos substituíram seu estudo _ainda em grande parte por ser feito_ pelo das
relações entre homens. Como se a Grécia só tivesse dado uma importância secundária aos amores heterossexuais, reduzindo-os de certo modo à sua função
biológica, para privilegiar amores masculinos, dos quais ofereceria um modelo acabado.
Claro que não é bem assim; os historiadores distinguiram o que lhes parecia diferente, estranho, mas isso não impede que exista uma poesia amorosa e
erótica enaltecendo a sedução das mulheres, que todos os sentimentos que estas suscitam sejam ali evocados, da mais grosseira pornografia às elegias mais
ternas. Contudo é preciso reconhecer claramente isto: se Don Juan e Casanova tiveram antepassados gregos, estes não deixaram muitas lembranças.
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7. A bem da verdade, a vida amorosa dos gregos, e mais precisamente seus comportamentos sexuais, sempre foi objeto de embaraço, de difamação ou de
elogio para os historiadores. Nenhuma civilização antiga concedeu um lugar tão visível, tão tranquilamente oficial, às relações que chamamos homossexuais, mas
para as quais os próprios gregos não tinham um termo particular.
O que impressiona _e que incomoda ou encanta, isso depende_ não é a existência da homossexualidade nas sociedades gregas (ela existe provavelmente
em qualquer outra, mais ou menos difundida e identificável), mas seu estatuto privilegiado, em grande parte mais valorizado que a frequentação das mulheres, pelo
menos em certas épocas e em certos meios. Compreende-se que as sociedades ocidentais alimentadas de moral judaico-cristã, nas quais a homossexualidade foi
por muito tempo considerada como a abominação absoluta, não tenham cessado de se interrogar sobre esse aspecto particular do helenismo, nosso outro grande
antepassado.
Por muito tempo prevaleceu sobre o tema uma abordagem prudente e embaraçosa. Ao mesmo tempo que os documentos que ilustram os costumes gregos
abasteciam uma literatura mais ou menos científica rapidamente destinada ao inferno das bibliotecas, alguns estudiosos, cuja notoriedade e reputação irrepreensível
autorizavam abordar o tema, atinham-se a explicações superficiais que consistiam basicamente em minimizar o fenômeno.
Assim, Henri-Irenée Marrou, em sua bela "Histoire de l'Education", negava qualquer caráter sexual às relações entre amantes e, a despeito dos textos e das
imagens, queria reduzir a relação "erastés-eromenos" (2) a uma camaradagem masculina, militar ou pedagógica, que somente condições excepcionais e a fraqueza
da carne podiam transformar num corpo-a-corpo ilícito.
Essas concepções, que não são radicalmente falsas, mas muito parciais, recolheram uma larga aprovação, por não haver quem ousasse enfrentar a
documentação. Todo aquele que se arriscasse ir mais longe na análise, ou mesmo se interessar atentamente pelo "corpus" documental, podia ser suspeito de
simpatias duvidosas, como se buscasse no comportamento dos gregos uma justificação para o fim das interdições que ainda pesavam sobre os homossexuais na
Europa no século 20.
A situação permaneceu assim e foi preciso esperar a liberalização dos costumes nos anos 1960-1970 para que se iniciasse uma revisão radical das opiniões
aceitas. Isso resultou especialmente na análise sem falsos pudores efetuada por Félix Buffière, de uma abundante poesia erótica masculina pouco equívoca em suas
descrições e muito precisa quanto à evocação do prazer dos amantes.
Por outro lado, Kenneth Dover (em "A Homossexualidade na Grécia Antiga", Ed. Nova Alexandria) fornecia um estudo detalhado de todos os aspectos da
questão vocabular, representação do corpo, prostituição, legislação etc. Em particular, ele evidenciava a realidade das relações sexuais entre homens por meio de
um estudo muito completo tanto dos textos como dos documentos ilustrados. Assim caía um tabu implícito, pois Kenneth Dover sublinhava ao mesmo tempo a
frequência do fenômeno pederástico e a dimensão sexual das relações amorosas, que iam além da amizade viril de companheiros de caserna ou do vínculo
privilegiado de ordem pedagógica, mais espiritual que carnal.
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8. Mas Kenneth Dover e, numa certa medida, Félix Buffière contentavam-se mais em descrever do que em explicar e faltava uma chave que permitisse
compreender de que modo tal situação tinha podido se desenvolver entre homens que, não obstante, não evitavam as mulheres. Bernard Sergent trouxe então uma
contribuição capital.
Analisando os mitos gregos em que apareciam amores homossexuais, assim como textos históricos quase etnográficos relativos tanto a Creta quanto a
Esparta ou Atenas, mas também os celtas, germanos ou iranianos, ele mostrou de forma luminosa que as práticas evocadas por esses textos se inscreviam, por um
lado, numa série de ritos bem conhecidos: os ritos de passagem que marcam a integração dos jovens à sociedade dos adultos.
Na sequência bem estabelecida das situações impostas aos jovens - práticas de exclusão e de marginalização, seguidas de inversão dos papéis usuais e,
enfim, de reintegração no grupo -, a homossexualidade encontra seu lugar entre outros comportamentos de inversão. Bernard Sergent não reduzia a
homossexualidade grega a essa única função, mas suas conclusões podiam levar a pensar que essa prática muito comum no mundo helênico (como em outros
povos antigos) se justificava por esse costume pedagógico e iniciático primitivo, que de certo modo fundava sua legitimidade.
Essa demonstração obteve uma ampla aprovação. Tanto maior, talvez, por dar uma explicação que evitava qualquer tomada de posição moral frente a um
comportamento que continuava a surpreender e até a chocar muitos estudiosos. Ufa!, devem ter suspirado alguns, é apenas um rito! Sem reintegrar os gregos na
norma sexual dominante, dispunha-se ao menos de uma interpretação que excluía o desejo individual e lavava os antigos da acusação de perversidade, com o risco
de lançá-los na categoria dos povos primitivos: como o constatava já no século 18 o jesuíta Laffitau, ao examinar os ritos iniciáticos cretenses, os gregos também
haviam sido selvagens!
Sem dúvida, isso era reduzir abusivamente o fenômeno e considerar só uma de suas facetas. Mas era o suficiente para as associações e os militantes gays,
que se regozijaram de ver um estudo histórico sério e argumentado considerar enfim a homossexualidade não como um desvio, mas como uma prática natural,
ainda que na Antiguidade.
As sólidas conclusões de Bernard Sergent não receberam, porém, apenas louvores. Alguns recusaram análises que julgavam demasiado redutoras:
parecendo limitar a homossexualidade grega a um rito estritamente codificado, havia de fato o risco de retirar com isso da Grécia antiga o papel de modelo de
tolerância que alguns desejavam vê-la desempenhar.
John Boswell foi, por essa razão, um dos adversários mais renhidos das teses de Sergent, que ele deformava para melhor recusá-las. Ele não tinha muita
competência em matéria de mitos gregos, mas sua autoridade se baseava num admirável estudo publicado em 1980, abrangendo mais de um milênio, no qual
procurava demonstrar que a homossexualidade havia se generalizado no meio dos clérigos e dos bispos dos primeiros séculos da Idade Média e que a condenação
cristã não encontrava justificação nas escrituras sagradas.
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9. O acúmulo de provas serviu-lhe para fundar a legitimidade de uma sexualidade que só teria sido sistematicamente atacada a partir do triunfo das idéias de
Tomás de Aquino nos séculos 13-14. Voltando à carga uma dezena de anos mais tarde, ele tentou ir ainda mais longe, ao afirmar que os antigos, pagãos ou
cristãos, não haviam hesitado em reconhecer as uniões do mesmo sexo. Seguramente, John Boswell preocupava-se mais em buscar na Antiguidade argumentos
para alimentar os debates atuais do que em compreender por eles mesmos os comportamentos dos gregos e, de maneira mais geral, dos antigos.
Se nada permite, em realidade, questionar as belas demonstrações de Bernard Sergent, seria imprudente reduzir a homossexualidade grega a um rito
iniciático. Sobretudo porque esse aspecto, perfeitamente estabelecido pela análise dos mitos, só aparece na época histórica em algumas cidades gregas e apenas
sob uma forma muito degradada ele se deixa revelar em algumas outras.
Além disso, não se pode colocar no mesmo plano comportamentos codificados pelas leis, como o rapto do adolescente por um jovem adulto em Creta, com
vida comum durante algumas semanas e presentes obrigatórios no fim do "estágio", e o fato de que os jovens espartanos, atenienses e outros se ofereciam a
amantes durante um período mais ou menos longo de sua adolescência e de sua jovem maturidade, sem que isso fizesse parte de um rito preciso.
Esses jovens não são solicitados por um único homem, mas por vários, se sua beleza chama a atenção: no século 5º a.C., o célebre amante de Sócrates,
Alcibíades, muito forte e muito belo, pertencente a uma família de prestígio, conta com numerosos "erastès". A cidade grega, pelo menos suas classes dirigentes,
vive efetivamente numa atmosfera de erotismo masculino que por certo ajuda a compreender os aspectos sexuais dos ritos iniciáticos, mas os ultrapassa. É preciso
tentar dimensionar esse fato e buscar sua explicação.
Em primeiro lugar, um ato sexual não se pode reduzir a um rito. Podem-se oferecer sacrifícios aos deuses sem acreditar neles, recitar preces pensando
noutra coisa, banquetear-se sem ter fome, beber sem ter sede, mas não fazer amor sem desejo, ao menos de um dos amantes. O que confirmam sem ambiguidade
os textos e as imagens que ilustram a atração dos "erastés" por seus "eromènos". Mesmo se essas cenas se situassem todas no quadro dos ritos iniciáticos ou, se
preferirem, da pedagogia pederástica honrada na cidade grega, seria preciso constatar que o rito não exclui nem desejo nem prazer.
Tudo prova que as sociedades gregas não manifestam pela homossexualidade masculina nenhuma repugnância confessada e que cultivam de forma
privilegiada, ao contrário, uma atmosfera de masculinidade fortemente erotizada. Não se trata de fazer da Grécia antiga um paraíso gay, como o imaginam um
tanto apressadamente os que buscam na história modelos para o tempo presente. Os atenienses não hesitam em ridicularizar os efeminados, os homens que,
passada a idade, continuam a se oferecer aos amantes, e condenam sem reservas os que se prostituem, aos quais é vetada a palavra na assembléia do povo.
Entretanto as práticas homossexuais fazem parte dos seus comportamentos sociais habituais e não se limitam aos ritos iniciáticos do fim da adolescência. A
rica poesia erótica em glória dos belos rapazes, transmitida fielmente pelos eruditos desde a época helenística até a época bizantina, não é de modo algum uma
literatura clandestina. As imagens que ornamentam os vasos áticos estão repletas de cenas que exaltam os amores masculinos sem complacência, mas sem
ambiguidade.
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10. Isso nada tem em comum com os grafites pornográficos que, dos bordéis de Pompéia aos banheiros públicos de nossas grandes cidades, pertencem a todas
as épocas, inclusive à Grécia antiga. Aqui, ao contrário, são objetos de luxo produzidos nos ateliês dos melhores pintores e utilizados por ocasião dos banquetes que
reúnem os homens das melhores famílias, em cada cidade. São representações lícitas oferecidas à vista de todos, sem constrangimento e sem tabu, e destinadas a
agradar os sentidos dos participantes.
Seria cansativo fazer um inventário dos textos que não apenas comprovam o quanto são comuns essas relações homossexuais, mas também, mais
simplesmente, testemunham o prazer que os gregos sentiam em contemplar belos rapazes.
Assim, no século 5º a.C., o poeta cômico Aristófanes - que não poupa palavras duras para zombar de um efeminado que, a exemplo das mulheres, se
depila nas partes mais íntimas - enaltece, em sua peça "As Nuvens", os bons velhos tempos em que os adolescentes evitavam "untar-se de óleo mais abaixo do
umbigo: assim, que suave e tenra penugem sobre seus órgãos, como sobre os marmelos!". O que não impede a satisfação que ele sente em contemplá-los
dançando, nus e em armas, para a festa das Panatenéias.
Há poucos cidadãos proeminentes que não sejam reconhecidos como amantes, "eromènos" em sua adolescência, "erastés" um pouco mais tarde. Essas
anedotas não constituem uma crônica maliciosa ou escandalosa, mas um meio de valorizar o indivíduo, de sublinhar sua nobreza, sua virtude, seus méritos, desde
sua juventude. Como exaltar melhor o valor do homem de Estado ateniense Pisístrato (século 6º a.C.) senão mostrando-o ser o amante de Sólon, o célebre
legislador mais velho que ele?
Pouco importa a realidade do episódio: o que conta é que se acreditou honrar a ambos apresentando-os como amantes. E, se a ligação entre Sócrates e
Alcibíades espanta, é que a feiúra do primeiro contrasta com a beleza do segundo _sem falar da diferença de meio social. Casal escandaloso porque desigual, mas
não casal ilícito. Se há debate entre os acompanhantes de Sócrates sobre as ligações homossexuais, não é para questioná-las, mas para avaliar sua função, medir o
lugar que nelas devem ocupar respectivamente a carne e o espírito. Esse é o tema único do "Fedro" de Platão.
Entretanto, se o amor entre homens reina absoluto nos meios aristocráticos e intelectuais, estes não têm a exclusividade. Nada mostra melhor o quanto é
comum a atração pelos rapazes na Grécia antiga que os registros feitos de passagem, num contexto sem ligação alguma com as relações amorosas. Assim, por
ocasião de uma expedição militar, os chefes decidiram que todos os prisioneiros seriam libertados para não retardar a marcha das tropas.
E o historiador Xenofonte comenta em sua "Anábase", redigida no século 4º a.C.: "Os soldados obedeceram, com exceção de algum belo rapaz ou uma bela
mulher mantidos à socapa, pelos quais haviam se apaixonado".
Platão, ao evocar nas "Leis" um atleta que nada negligenciou de seu treinamento, destaca que ele "jamais tocou numa mulher ou num jovem rapaz
enquanto esteve empenhado em seu treinamento". E o poeta trágico Eurípedes, louvando em "As Suplicantes" o herói Partenopeu, escreve: "Ao entrar em nosso
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11. exército, como um puro argivo, ele combateu por esta cidade, participando de nossos êxitos e se afligindo com nossos revezes. Muitos homens, muitas mulheres
buscaram seu amor: ele cuidava para nunca falhar".
As citações poderiam se multiplicar: tanto a mulher quanto o efebo exercem a mesma sedução. Seria portanto um erro reduzir a homossexualidade na
Grécia antiga a seus aspectos rituais, negligenciando a dimensão do prazer. Sim, os mesmos homens que, casados, dormem com suas mulheres e lhes fazem filhos,
que frequentam as prostitutas e não temem ter concubinas, sentem prazer à visão dos corpos dos jovens e mantêm naturalmente com eles relações que nada têm
de platônicas.
Mas amor às mulheres e amor aos rapazes constituem apenas uma equivalência de fachada. Longe de colocarem no centro das relações sexuadas o par
masculino-feminino, os gregos estabelecem ao lado dele um outro par igualmente importante, masculino-masculino. Se as relações heterossexuais representam
seguramente na Grécia antiga a esmagadora maioria das relações sexuais, não existe porém norma heterossexual dominante.
Ao contrário das sociedades ocidentais contemporâneas, as sociedades gregas ignoram simplesmente a categoria dos "homossexuais", e não há
necessidade de travar combate no interior delas para fazer reconhecer uma diferença qualquer e exortar à tolerância.
Tolerância implica a existência de uma norma e apresenta-se como uma concessão benevolente aos que dela se afastam. Ora, a homossexualidade grega é
um comportamento reconhecido (exceto no caso dos efeminados ou prostitutos), praticado por muitos (mas não por todos; Xenofonte, por exemplo, lhe é
decididamente hostil) e mais valorizado, nos meios abastados, que as conquistas femininas.
Tal situação traduz, sem dúvida, o estatuto desfavorável concedido às mulheres nas cidades gregas: nenhum lugar lhes é reservado nas manifestações da
vida social, das quais estão ausentes mesmo quando pertencem a um meio favorecido. O ideal da mulher grega de boa família, aos olhos dos homens, é o de uma
reclusa, confinada às tarefas domésticas e mostrando-se o menos possível em público. A mulher honesta é a que não se vê e até mesmo cujo nome se ignora.
Os homens ocupam toda a esfera da vida pública, com exceção de algumas manifestações religiosas. Nos banquetes, se aparece alguma mulher, é uma
dançarina, uma flautista, uma prostituta, reservada ao prazer dos homens. Mas mesmo essa presença é rara e, tanto na iconografia dos vasos áticos quanto nos
textos, o que aparece em cena é uma sociedade de homens. Não há mulheres no ginásio, nas termas ou no estádio.
Sem dúvida, é precisamente nesse caráter exclusivamente masculino da vida social grega que devemos buscar uma explicação. O sociólogo dinamarquês
Hennig Bech, sem se interessar particularmente pelas sociedades antigas, fez interessantes análises dos comportamentos dos homens entre si, que ajudam a
compreender retrospectivamente os gregos (3).
Mostrando o fascínio que a virilidade exerce sobre os homens, as fantasias que ela alimenta, ele deduz que a homossexualidade é parte integrante do
universo masculino e que os homens a recalcam, a desviam para outros objetos ou a assumem, devido às pressões de seu meio. Quando eles se encontram entre
si, a ausência de mulheres-testemunhas abole os tabus e levanta as interdições. Livres da presença feminina, homens que se afirmam como estritamente
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12. heterossexuais contemplam sem constrangimento o corpo do outro ou se exibem sem pudor. Eles cedem sem dificuldade à sedução do corpo idêntico e satisfazem
livremente uma curiosidade-fascínio cujas motivações apenas a psicanálise revela.
Ora, os gregos, especialmente os dos meios abastados, cujos lazeres permitem a presença assídua nos locais frequentados por homens, acham-se
permanentemente nessa situação. Claro que, de volta às suas casas, reencontram as mulheres _e o leito da esposa, de uma concubina ou de uma escrava_, mas as
práticas sociais os colocam em situação permanente de exclusividade masculina, na assembléia do povo, na ágora, nos banquetes, assim como no ginásio ou nas
termas. Protegidos do olhar das mulheres, os homens gregos se habituaram a celebrar sem limite a beleza do corpo masculino.
A exaltação do corpo masculino nu, testemunhada por toda a escultura grega antiga, é muito maior, e sobretudo muito anterior, que a do corpo feminino:
os "kouroi" (homens jovens) arcaicos já expõem sem véu sua intimidade, enquanto no mesmo momento as "korai" (sua versão feminina), envoltas num rígido
vestido que oculta suas formas, só oferecem ao espectador seu sorriso.
Será preciso esperar o fim do século 5º a.C. para que a estátua feminina se suavize, que a técnica do drapejamento molhado sublinhe suas curvas _sem no
entanto jamais mostrar o sexo. Ao passo que o do homem se mostra de forma impudica nos "hermes" (4) a cada encruzilhada, e os deuses, os heróis do passado e
os grandes homens do tempo presente exibem-se igualmente nus nos locais mais visíveis da cidade.
Mas não nos enganemos quanto a isso: na nudez triunfante não é o aspecto sexual que se destaca. Ao contrário, o sexo deve ser modesto, como diz com
graça Aristófanes ao instruir, em "As Nuvens", um jovem de seu tempo: se seguir os preceitos da boa velha educação, este terá "o peito robusto, a tez cor de
cobre, os ombros largos, o discurso breve, as nádegas arredondadas, o pênis pequeno", enquanto o adepto do ensinamento desviado dos sofistas terá exatamente
o oposto. E a iconografia confirma essa atitude favorável a uma representação humilde, às vezes surpreendente de tão minúscula. É somente nas cenas burlescas,
abertamente pornográficas, entre os bárbaros e os escravos, que se pintam pênis enormes, comparando seu proprietário mais a um animal que a um ser civilizado.
Na verdade, a onipresença da nudez na Grécia antiga nos parece tão banal que esquecemos de tirar suas lições. Claro que os gregos não são os únicos a
privilegiar o nu na arte; mas em outras culturas, quando não se trata de uma herança cultural como em nosso caso, isso testemunha uma vontade de evidenciar a
potência sexual, o papel fecundante e regenerador do macho. Não é em absoluto o que acontece entre os gregos; no essencial, trata-se apenas da ocasião de
mostrar uma imagem da beleza, revelação sem ambiguidade do gosto do homem grego pelo corpo do homem.
Além do mais, como foi dito, a nudez não reina apenas nos vasos e nos frontões dos templos. Constitui também uma prática coletiva. Os gregos
conservaram a lembrança do primeiro atleta a correr nu num estádio, Orsippos de Mégara, em 721 a.C., segundo a cronologia tradicional dos Jogos Olímpicos.
Quaisquer que tenham sido as razões exatas de seu gesto (seu cinto-calção teria se soltado), rapidamente ele fez adeptos.
No século 5º a.C., o historiador Tucídides conta que os espartanos foram os primeiros a adotar esse costume:
"Eles passaram a se despir para aparecer em público e, com o corpo untado de óleo, praticar exercícios atléticos. Outrora, mesmo nas competições
olímpicas, os atletas vestiam uma tanga que lhes ocultava o sexo. Ainda hoje, entre alguns bárbaros e particularmente entre os asiáticos, há
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13. concursos de pugilato e de luta em que os combatentes vestem uma tanga. Poder-se-iam invocar muitos outros fatos para mostrar que, no mundo
grego de outrora, o modo de vida era análogo ao que é hoje entre os bárbaros" (5).
Os gregos se adaptaram tão bem a isso que a nudez se torna para Tucídides um símbolo de civilização. Bem mais tarde, no século 2º de nossa era, o
escritor satírico Luciano de Samósata sustenta idéias similares, quando a Anacársis, sábio bárbaro que se espanta de ver jovens aparentemente bem educados
ficarem nus para travar combates sem objetivo (uma coroa de folhas!) e pergunta o sentido de tudo isso, ele faz responder por Sólon: "Se não compreendes, é que
realmente és um bárbaro!" (6).
Ora, o orador ateniense Esquino, no século 4º a.C., aplica o mesmo discurso à homossexualidade: no longo arrazoado em que acusa Timarco de se
prostituir, ele recusa de antemão os argumentos de seus adversários que, diz ele, "afirmam que não busquei mover um processo, mas inaugurar uma era de odiosa
incultura", fazendo "do amor pelos efebos um tema de opróbrio e uma causa de processo" (7).
Ele emprega, no caso, a palavra "apaideusia", "ausência de paidéia", que designa ao mesmo tempo a educação e a cultura: renunciar ao amor aos rapazes
seria o cúmulo da grosseria, da barbárie inculta. Contra isso Esquino se defende com toda a energia, lembrando com orgulho que ele próprio amou numerosos
jovens.
Nudez, esporte, homossexualidade: três símbolos da vida civilizada à grega. Será por acaso que Sólon proíbe o ginásio aos escravos e que os espartanos
proibiram tanto o ginásio quanto as relações homossexuais aos hilotas, os escravos ligados a suas terras? São esses três elementos que, com o banquete, invadem
a cerâmica e a poesia erótica desde o final do século 7º a.C. _o que não pressupõe sua inexistência anterior. Nesse momento, quando a vida social os convida a
contemplar sem constrangimento o corpo nu do homem, idealizado pela imagem ou valorizado pelos exercícios do ginásio, é manifesto que os homens gregos se
apaixonam por esse duplo ideal de si mesmos.
Tendo uma esposa que entrou em sua casa pela vontade de seu pai ou pelo cálculo do que é vantajoso para sua fortuna, o homem grego encontra em seus
jovens companheiros satisfações superiores, que podiam se apoiar em exemplos de amizades célebres, como as de Apolo e Jacinto, Aquiles e Pátroclo, Harmódio e
Aristogiton, tão célebres por sua beleza e seus amores quanto por sua sabedoria e sua coragem. Não havia o próprio Zeus dado o exemplo, ele, o amante de tantas
mulheres, cedendo ao encanto do belo Ganimedes?
Notas
1. Eurípedes, "Hipólito", versos 616-624 e 664-665 (cf. tradução francesa de L. Méridier, "Les Belles Lettres", 1927).
2. O "erastès" designa o parceiro que toma a iniciativa da conquista amorosa, mas também o que desempenha o papel ativo na relação sexual. O "er•menos" é o
mais jovem, que se submete.
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14. 3. H. Bech, "When Men Meet - Masculinity and Modernity", The University of Chicago Press, 1996.
4. Pilastra que representa o deus Hermes com uma cabeça barbuda e um falo erguido, que protegia especialmente as vias públicas.
5. Tucídides, "História da Guerra do Peloponeso", I, 6. Cf. também Platão, "República", V, 452 c-d.
6. Luciano de Samósata, "Anacársis".
7. Esquino, "Contra Timarco", 132 e 135, Paris, "Les Belles Lettres", 1927.
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15. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO
ISSN 1517-5421 lathé biosa 187
PRIMEIRA VERSÃO
ANO IV, Nº187 JUNHO - PORTO VELHO, 2005.
Volume XIII Maio/Agosto
ISSN 1517-5421
EDITOR
NILSON SANTOS
CONSELHO EDITORIAL
ALBERTO LINS CALDAS - História
ARNEIDE CEMIN - Antropologia
FABÍOLA LINS CALDAS - História
JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
MIGUEL NENEVÉ - Letras
VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte
Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for O Problema da Narração em Walter Benjamin:
Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:
nilson@unir.br Uma tentativa de aproximar arte e filosofia
Dalva Ap. Garcia
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EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
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16. O Problema da Narração em Walter Benjamin: Uma tentativa de aproximar arte e filosofia
Dalva Ap. Garcia
“Texto quer dizer tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu acabado, por trás do qual se
mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha
através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura - o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolve ela
mesma nas secreções construtivas de sua teia” (Roland Barthes).
O trecho acima poderia constituir uma metáfora de um trabalho de pesquisa. Muitas vezes, o pesquisador em busca da solução de seu problema se
entrelaça na própria teia de seu texto, continuamente aberto, porque se faz a cada novo fio que se entrecruza na trama árdua dos conceitos.
Na busca de um encontro entre um texto que se constitui obra aberta, porque comunica aquilo que aparentemente aparece como incomunicável; o que
Paul Ricouer chamaria de milagre da comunicação, pois transforma a experiência vivida única em significação pública, estabelecendo o diálogo entre leitor e a obra,
entre o sujeito e predicado é que se constróem as teias deste texto.
Texto que nasce da problemática de como comunicar a filosofia e o próprio filosofar enquanto exercício de reflexão a jovens de ensino médio; de como
transformar a produção filosófica em obra que merece ser analisada, mas que pode se fazer obra que fala à razão e à emoção. Trata-se, em suma, de favorecer o
reencontro com o espanto em um mundo onde nada mais espanta. Desta forma, o desafio é encontrar na própria produção filosófica, caminhos (não um caminho
seguro, como pretendiam Descartes, Locke e alguns filósofos da modernidade) para o resgate do encanto do filosofar. A hipótese fundamental é que a linha tênue
que marca a filosofia e a literatura pode e deve ser estudada para comunicar a humanidade ao humano em sua contingência; para fazer da filosofia na escola,
reflexão viva (porque toca a emoção e impulsiona o uso da razão) enquanto exercício de problematização e análise.
Uma aproximação entre a literatura e a filosofia através do estudo de alguns filósofos que, de alguma forma, utilizaram a narrativa enquanto instrumento do
filosofar ganha sentido quando, hoje, os envolvidos no ensino de filosofia se perguntam: Para que filosofia? Como ensinar filosofia? Qual filosofia ensinar e como?
Se existe algo em que a filosofia poderia colaborar na formação de jovens é provocando um estranhamento que poderia deslocar, provocar a suspensão dos
juízos e dos valores para que seja possível a dialética da construção e da desconstrução. A atitude do professor deve ser, então, acima de tudo, provocativa.
Afirmou Alain de Botton, em artigo publicado na Folha de São Paulo em 23/08/98, cujo título é Para que serve a arte?
“Os filósofos freqüentemente encaram a arte com um misto de curiosidade e inveja. Ora, não são os capítulos finais dos livros de filosofia que fazem as
pessoas chorar (exceto os estudantes que choram de alívio); escultores, músicos e novelistas conseguem agradar o nosso eu mais profundo de uma maneira
singular; impossível a qualquer filósofo. As pessoas podem considerar Hegel e Hume inteligentes, mas era com Byron que elas queriam dormir. Eis o que nos leva a
questionar: o que é a arte e por que ela nos domina de modo tão avassalador?”.
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17. Embora a pergunta do pensador francês seja pertinente, ouso discordar. Em primeiro lugar, porque se não podemos dormir e ter bons sonhos com Hegel e
Hume, o que dizer do tom delicioso e provocativo de Voltaire e Diderot? Dos ensaios de Walter Benjamin?
A filosofia enquanto exercício conceitual crítico e provocativo produziu grandes delícias que podem ser um bom instrumento para os fins que almejamos na
educação, porque capazes de comunicar razão e imaginação e conciliar arte e filosofia. A tarefa não é impossível aos filósofos e merece a atenção dos educadores
interessados no ensino de filosofia.
Em segundo lugar, podemos duvidar da concepção de arte expressa no artigo, talvez porque, hoje, dormir com Byron seja mais possuir o objeto dotado de
fetiche, do que entendê-lo enquanto representação do mundo através da subjetividade. Ora, se a modernidade apostou suas fichas na razão como modelo de
representação, é necessário “reescrever a modernidade” como afirma Lyotard, entendendo que a “modernidade escreve-se, inscreve-se sobre si mesma, numa
reescrita perpétua” , ou seja, é necessário rever a linearidade temporal que nos permitiria usar as expressões pré-modernidade ou pós-modernidade, como se fosse
possível dominar o passado e prever o futuro. O fato é que a razão que se pretendia autônoma perde-se em sua própria finalidade, em sua própria teia. O feitiço
virou-se contra o feiticeiro: o que se pretendia representar, inverte a ordem do sujeito e do objeto, ou melhor, faz desaparecer as fronteiras entre o sujeito que
representa e o objeto a ser representado.
A busca da autonomia da razão, a razão aliada à técnica e aos mecanismos do mercado, provoca o desencantamento do mundo, a dessacralização da arte,
a perda da aura, como afirma Walter Benjamin.
A modernidade coloca em questão todos os cânones que sustentariam o ideal de beleza, de universalidade, de unidade. A era do novo e da novidade se
impõe como experiência do deslocamento, da estranheza. Não há como recuperar a eternidade da obra, a “reprodutibilidade técnica” nos afasta do autêntico, do
original, da beleza sagrada dos grandes gênios criadores. Não há mais lugar para a contemplação e para o sentimento de unidade, seja na arte ou na filosofia.
Tanto a arte como filosofia se deslocaram do domínio da transcendência para a imanência. Instaura-se o domínio do fugaz, da fragmentação, da virtualidade, da
imagem que constrói e não da imagem que é construída.
Se a reescrita da modernidade nos permite, neste contexto, perguntar o que é a arte; se a própria produção artística assume os riscos desta empreitada,
buscando rastros e restos de uma unidade que não pode se fazer presente, até sob a pena de ver sua morte decretada, é porque a arte perdeu seu lugar sagrado
e, assim, pode subverter a ordem e infiltrar-se em campos e espaços em que não se ousaria sonhar.
O que quero dizer é que a nostalgia do passado perdido poderá aprisionar as forças criativas de um mundo que se abre em múltiplas possibilidades. A pós-
modernidade nos propõe um acerto de contas com a modernidade, como diria Gilberto Gil “estou fechado pra balanço e o saldo pode ser bom”. Não sabemos se o
saldo será bom, mas de qualquer forma, recupera-se o vir a ser e não o dever ser.
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18. A arte pode estar nas ruas, nas massas, na moda... Seus resíduos podem estar nos museus e nas galerias . Não há como separar o joio do trigo, mas há
como buscar indícios e referências nas suas relações com a produção humana.
Já a produção filosófica parece continuar enclausurada nos Centros Acadêmicos em busca da unidade perdida... Aqui que ouso uma analogia: Assim como
para Benjamin “a arte de narrar está em vias de extinção porque a sabedoria - o lado épico da verdade - está em extinção”, a filosofia terá seus dias marcados se
não se desvencilhar de sua pretensão à sabedoria, se não buscar outras formas de enfrentar suas dúvidas e angústias.
Por paradoxal que possa parecer, acredito que o próprio estudo da arte de narrar, em todas as suas transmutações e contradições podem oferecer
elementos importantes para que a filosofia vá às ruas e às escolas.
Vejamos algumas transmutações e contradições apontadas no texto “O Narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov” de Walter Benjamin.
Benjamin inicia o texto afirmando que por mais familiar que nos pareça, o narrador não estaria de fato entre nós. A descrição de Leskov como narrador não nos
aproxima dele, mas nos impõe uma certa distância oriunda de uma experiência cotidiana: a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. Para o
autor os seres humanos estão se privando hoje da “faculdade de intercambiar experiências” porque “as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que
continuarão caindo até que seu valor desapareça”. As rápidas mudanças que fazem com que nada permaneça como era, torna a experiência da guerra e dos
totalitarismos incomunicável.
Para o autor, as melhores narrativas escritas são aquelas que não se distinguem das narrativas orais contadas, que se tornaram possíveis graças a duas
experiências que se aliam no sistema coorporativo artesanal: a experiência de quem vai (do viajante, do comerciante) e a experiência de quem fica (do camponês
sedentário). Por isso, para Benjamin, a narrativa é comunicação artesanal e encerra em si uma dimensão prática, de um conselho, de um ensinamento moral ou de
uma forma de vida. Nos adverte “Se dar conselhos parece hoje antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis (...) Aconselhar é menos
responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada”.
Por outro lado, se há forças que provocam a falência da arte de narrar enquanto discurso vivo, também essas forças fazem aparecer “uma nova beleza ao
que está desaparecendo”. Benjamin refere-se, aqui, ao romance moderno, onde o narrador não pode mais falar de maneira exemplar, mas “na riqueza da vida
humana anuncia a profunda perplexidade de quem a vive”. Não há nenhuma centelha de sabedoria no narrador do romance, se é que podemos denominá-lo
narrador, na perspectiva de Walter Benjamin. O romance teve na burguesia ascendente as condições para o seu florescimento. Mas a consolidação da burguesia fez
nascer uma outra forma de comunicação diferente do romance e da narração, a informação.
A informação aspira a uma explicação, a uma verificação imediata, elimina o distante, o miraculoso, ela precisa “ser compreensível em si e para si”.
Retomando uma história de Heródoto, Benjamin diferencia a informação da arte de narrar: enquanto a informação só tem valor enquanto é nova, a verdadeira
narrativa não se entrega à imediatez do tempo para explicar os fatos, pelo contrário, depois de muito tempo é capaz de suscitar espanto e reflexão. Da mesma
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19. forma, se diferencia o cronista do historiador. “O cronista é o narrador da história (...) O historiador é obrigado a explicar de uma ou outra maneira, os episódios
com que lida, e não pode absolutamente contentar-se em representá-los como modelos da história do mundo”.
A narrativa tem seu fundamento na memória, na idéia de reminiscência que funda a cadeia da tradição. A rememoração, musa do romance, apela a uma
memória perpetuadora e se dirige a fatos difusos. Afirma Benjamin: “O sentido da vida é o centro em torno do qual se movimenta o romance. Mas essa questão
não é outra senão a expressão da perplexidade do leitor quando mergulha na descrição dessa vida. Num caso, o sentido da vida, e no outro, a moral da história,
essas duas palavras distinguem entre si o romance e a narrativa. Se na narrativa podemos perguntar o que aconteceu depois, no romance não resta nada mais a
fazer do que diante do seu fim refletir sobre o sentido da vida.
Essa pequena síntese, derivada de algumas considerações de Benjamin contidas em “O narrador” , merece uma análise de alguns conceitos contidos no
conjunto de sua obra: como os conceitos de reminiscência e rememoração, o que por sua vez, nos conduziria a sua própria concepção de história.. Por hora, resta-
me uma intrigante questão: Estaria mesmo a possibilidade de narrar acabada? Se o romance surge da liberação das forças criadoras para se inscrever na descrição
de uma vida difusa e se transformar em possibilidade de reflexão, estaríamos mesmo condenados à informação? Ainda pensando na problemática que me conduziu
a escolha do tema: Não estaríamos nos cursos de filosofia para jovens submetendo-os à historiografia das idéias e dos pensadores? Submetendo-os à informações
sem sentido que impediriam a reflexão sobre os múltiplos sentidos, porque estaríamos – professores e alunos- aprisionados a pretensos sistemas filosóficos que
julgamos capazes de explicar a racionalidade do mundo? Em suma, não estaríamos esquecendo os descaminhos da modernidade para nos transformarmos,
enquanto educadores, em uma certa espécime de conselheiro que esqueceu a arte de narrar e a trama enigmática do romance?
A análise de Benjamin, neste sentido, parece-me reveladora. Afirma que metade da arte de narrar está no fato de que na narrativa se evita explicações. O
leitor, neste caso, estaria livre para interpretar a história como quiser, expandindo a amplitude do que foi narrado. Benjamin, ao apontar para a riqueza do trabalho
quase artesanal de Leskov, recupera um relato das Histórias de Heródoto, o apontando como o primeiro narrador grego. Vejamos a própria descrição e análise de
Benjamin:
“No capítulo XIV do terceiro livro de suas Histórias encontramos um relato muito instrutivo. Seu tema é Psammenit. Quando o rei egípcio Psammenit foi
derrotado e reduzido ao cativeiro pelo rei persa Cambises, este resolveu humilhar seu cativo. Deu ordens para que Psammenit fosse posto na rua em que passaria o
cortejo triunfal dos persas. Organizou este cortejo de modo que o prisioneiro pudesse ver a filha degradada à condição de criada, indo ao poço com um jarro, para
buscar água. Enquanto todos os egípcios se lamentavam com esse espetáculo, Psammenit ficou silencioso e imóvel, com os olhos no chão; e, quando logo em
seguida viu seu filho, caminhando no cortejo para ser executado, continuou imóvel. Mas, quando viu um dos seus servidores, um velho miserável, na fila dos
cativos, golpeou a cabeça com os punhos e mostrou os sinais do mais profundo desespero.
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20. Essa história nos ensina o que é a verdadeira narrativa. A informação só tem valor no momento em que ela é nova. Ela só vive nesse momento, precisa
entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente é a narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois
de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver. Assim, Montaigne alude à história do rei egípcio e pergunta: por que ele só se lamenta quando reconhece seu
servidor? Sua resposta é que ele ‘já estava tão cheio de tristeza, que uma gota a mais bastaria para derrubar as comportas’. É a explicação de Montaigne. Mas
poderíamos também dizer: ‘O destino da família real não afeta o rei, porque é o seu próprio destino. Ou: ‘as grandes dores são contidas, e só irrompem quando
ocorre uma distensão. O espetáculo do servidor foi essa distensão’. Heródoto não explica nada. Seu relato é dos mais secos. Por isso, essa história do rei egípcio
ainda é capaz, depois de milênios, de suscitar espanto e reflexão. Ela se assemelha a essas sementes de trigo que durante milhares de anos ficaram fechadas
hermeticamente nas câmaras das pirâmides e que conservam até hoje suas forças germinativas”.
Benjamim utiliza a analogia ao invés da lógica explicativa em sua análise. Se por um lado atesta a extinção da arte de narrar; por outro lado, não nega o
encanto e a perplexidade que ainda hoje nos provoca uma história bem contada. Nos bombardeia com metáforas: “ O tédio é o pássaro de sonho que choca os
ovos da experiência. O menor sussuro nas folhagens nos assusta. Seus ninhos – as atividades intimamente associadas ao tédio- já se extinguiram na cidade e estão
em vias de extinção no campo. Com isso desaparece o dom de ouvir, e desaparece a comunidade dos ouvintes... Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece
enquanto ouve uma história”.
O tecido da trama dos conceitos não se encerra, mas se abre diante da complexidade da teia. Assim como na história de Heródoto, poderíamos nos
perguntar: Por que Benjamin nos conduz “as forças germinativas” da narrativa para depois decretar sua morte? Saudosismo? Melancolia? Ou esforço filosófico capaz
de análise crítica e criação?
Por fim, poderíamos nos indagar por que enquanto professores de filosofia nos esquivamos desse tecido, da palavra falada, criada e recriada na história viva
dos conceitos? Afirma o compositor Eduardo Gudim “As palavras são sinais que a gente não lava”, talvez por isso lavamos as mãos de nosso compromisso com a
história e, por que não, com a própria filosofia?
Bibliografia
BAUDRILLARD, J. – A Arte da desaparição. Rio de Janeiro. UFRJ, 1997.
BENJAMIN, Walter - Obras escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo, Brasiliense, 1985.
_________________ - Charles Baudelaire: Um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1989.
GAGNEBIN, J. M. – História e Narração em Walter Benjamin, São Paulo, Perspectiva, 1999.
________________ - Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de Janeiro, Imago, 1997.
FOUCAULT, M – “O que são as Luzes?” In. Ditos &Escritos, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000.
LEBRUN, G. “A mutação da arte”. In - Carneiro Leão, e. Et al., Arte e Filosofia, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983.
BRITO, Ronaldo – “O moderno e o Contemporâneo – o novo e o outro novo”. In O moderno e o Contemporâneo, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1980.
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21. FEATHERSON, M. - Cultura de Consumo e Pós-modernidade. São Paulo, Studio Nobel, 1995.
LYOTARD, J. F. – O inumano. Lisboa, Estampa, 1989.
SILVA, Marcio Seligmann (org), Leituras de Walter Benjamin. – SP: FAPESP: Annablume, 1999.
RICOUER, P. Teoria da Interpretação: o discurso e o excesso de significado.Lisboa: Edições 70, 2000.
Cf. LYOTARD, J.F. “Reescrever a modernidade” IN: O inumano. Lisboa: Estampa, 1989, p.35.
Cf. BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” IN: Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. SP: Brasiliense, 1985, pp. 164 a
173.
Cf. BAUDRILLARD, J. A arte da desaparição. RJ: UFRJ, 1997, pp. 88 a 97.
Cf. FEATHERSTONE, M. “A estetização da vida cotidiana”. IN: Cultura de Consumo e Pós Modernidade.SP: Studio Nobel, 1995, pp. 97 a 117.
Cf. BENJAMIN. “O narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, op. cit, pp. 197 a 221.
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22. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO
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PRIMEIRA VERSÃO
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Volume XIII Maio/Agosto
ISSN 1517-5421
EDITOR
NILSON SANTOS
CONSELHO EDITORIAL
ALBERTO LINS CALDAS - História
ARNEIDE CEMIN - Antropologia
FABÍOLA LINS CALDAS - História
JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
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A UNIVERSIDADE OPERACIONAL
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23. A UNIVERSIDADE OPERACIONAL
MARILENA CHAUI
Folha de São Paulo Online – Caderno MAIS! - 09/05/1999 - Página: 6 e 7
A atual reforma do Estado incorpora a lógica do mercado e ameaça esvaziar a instituição universitária. A reforma do Estado brasileiro pretende modernizar e
racionalizar as atividades estatais, redefinidas e distribuídas em setores, um dos quais é designado Setor dos Serviços não-Exclusivos do Estado, isto é, aqueles que
podem ser realizados por instituições não-estatais, na qualidade de prestadoras de serviços.
O Estado pode prover tais serviços, mas não os executa diretamente nem executa uma política reguladora dessa prestação.
Nesses serviços estão incluídas a educação, a saúde, a cultura e as utilidades publicas, entendidas como "organizações sociais" prestadoras de serviços que
celebram "contratos de gestão" com o Estado.
A Reforma tem um pressuposto ideológico básico: o mercado é portador de racionalidade sociopolítica e agente principal do bem-estar da Republica.
Esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no setor de serviços definidos pelo mercado.
Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço publico democrático dos direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso seria previsível - nas atividades ligadas
à produção econômica -, mas também onde não é admissível no campo dos direitos sociais conquistados.
A posição da Universidade no setor de prestação de serviços confere um sentido bastante determinado à idéia de autonomia universitária e introduz termos
como "qualidade universitária", "avaliação universitária" e "flexibilização da Universidade".
De fato, a autonomia universitária se reduz ‘a gestão de receitas e despesas, de acordo com o contrato de gestão pelo qual o Estado estabelece metas e
indicadores de desempenho, que determinam a renovação ou não renovação do contrato.
A autonomia significa, portanto, gerenciamento empresarial da instituição e prevê que, para cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo
contrato de gestão, a Universidade tem "autonomia" para "captar recursos" de outras fontes, fazendo parcerias com as empresas privadas.
A "flexibilização" é o corolário da "autonomia".
Na linguagem do Ministério da Educação, "flexibilizar" significa:
1)eliminar o regime único de trabalho, o concurso publico e a dedicação exclusiva, substituindo-os por "contratos flexíveis", isto é, temporários e precarios;
2) simplificar os processos de compras (as licitações), a gestão financeira e a prestação de contas (sobretudo para proteção das chamadas "outras fontes de
financiamento", que não pretendem se ver publicamente expostas e controladas);
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24. 3) adaptar os currículos de graduação e pós-graduação ‘as necessidades profissionais das diferentes regiões do pais, isto é, ‘as demandas das empresas
locais (alias, é sistematica nos textos da Reforma referentes aos serviços a identificação entre "social" e "empresarial");
4) separar docencia e pesquisa, deixando a primeira na Universidade e deslocando a segunda para centros autonomos.
A "qualidade" é definida como competencia e excelencia, cujo criterio é o "atendimento às necessidades de modernização da economia e desenvolvimento social"; e
é medida pela produtividade, orientada por tres critérios: quanto uma Universidade produz, em quanto tempo produz e qual o custo do que produz.
Em outras palavras, os critérios da produtividade aso quantidade, tempo e custo, que definirão os contratos de gestão.
Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz, para que ou para quem se produz, mas opera uma inversão
tipicamente ideológica da qualidade em quantidade.
Observa-se também que a docência não entra na medida da produtividade e, portanto, não faz parte da qualidade universitária, o que, alias, justifica a
pratica dos "contratos flexíveis".
Ora, considerando-se que a proposta da Reforma separa a Universidade e o centro de pesquisa, e considerando-se que a "produtividade" orienta o contrato
de gestão, cabe indagar qual haverá de ser o critério dos contratos de gestão da Universidade, uma vez que não há definição de critérios para "medir" a qualidade
da docência.
O léxico da Reforma é inseparável da definição da Universidade como "organização social" e de sua inserção no setor de serviços não-exclusivos do Estado.
Ora, desde seu surgimento (no século 13 europeu), a Universidade sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma pratica social fundada no
reconhecimento publico de sua legitimidade e de suas atribuições, num principio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e
estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela.
A legitimidade da Universidade moderna fundou-se na conquista da idéia de autonomia do saber diante da religião e do Estado, portanto na idéia de um
conhecimento guiado por sua própria logica, por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto de vista de sua invenção ou descoberta como de sua transmissao.
Por isso mesmo, a Universidade europeia tornou-se inseparável das ideias de formação, reflexao, criação e critica.
Com as lutas sociais e politicas dos ultimos seculos, com a conquista da educação e da cultura como direitos, a Universidade tornou-se também uma instituição
social inseparável da idéia de democracia e de democratização do saber: seja para realizar essa idéia, seja para opor-se a ela, a instituição universitária não pode
furtar-se à referencia à democracia como idéia reguladora, nem pode furtar-se a responder, afirmativa ou negativamente, ao ideal socialista.
Que significa, então, passar da condição de instituição social à de organização social?
Uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma outra pratica social, qual seja, a de sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios
particulares para obtenção de um objetivo particular.
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25. Não está referida a ações articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como
estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define.
É regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito.
Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social
universitária é crucial, é, para a organização, um dado de fato.
Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe.
A instituição social aspira à universalidade.
A organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem de sua particularidade.
Isso significa que a instituição tem a sociedade como seu principio e sua referencia normativa e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como
referencia, num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares.
Em outras palavras, a instituição se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma universalidade (ou imaginaria ou desejável) que lhe
permita responder às contradições impostas pela divisão.
Ao contrario, a organização pretende gerir seu espaço e tempo particulares aceitando como dado bruto sua inserção num dos polos da divisão social, e seu alvo não
é responder ‘as contradições, e sim vencer a competição com seus supostos iguais.
Como foi possível passar da idéia da Universidade como instituição social à sua definição como organização prestadora de serviços?
A forma atual do capitalismo se caracteriza pela fragmentação de todas as esferas da vida social, partindo da fragmentação da produção, da dispersão espacial e
temporal do trabalho, da destruição dos referenciais que balizavam a identidade de classe e as formas da luta de classes.
A sociedade aparece como uma rede móvel, instável, efêmera de organizações particulares definidas por estratégias particulares e programas particulares,
competindo entre si.
Sociedade e Natureza aso reabsorvidas uma na outra e uma pela outra porque ambas deixaram de ser um principio interno de estruturação e diferenciação
das ações naturais e humanas para se tornarem, abstratamente, "meio ambiente"; e "meio ambiente" instável, fluido, permeado por um espaço e um tempo virtuais
que nos afastam de qualquer densidade material; "meio ambiente" perigoso, ameaçador e ameaçado, que deve ser gerido, programado, planejado e controlado por
estratégias de intervenção tecnológica e jogos de poder.
Por isso mesmo, a permanência de uma organização depende muito pouco de sua estrutura interna e muito mais de sua capacidade de adaptar-se
celeremente a mudanças rápidas da superfície do "meio ambiente".
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26. Donde o interesse pela idéia de flexibilidade, que indica a capacidade adaptativa a mudanças continuas e inesperadas.
A organização pertence à ordem biológica da plasticidade do comportamento adaptativo.
A passagem da Universidade da condição de instituição à de organização insere-se nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma do capital, e
ocorreu em duas fases sucessivas, também acompanhando as sucessivas mudanças do capital.
Numa primeira fase, tornou-se Universidade funcional; na segunda, Universidade operacional.
A Universidade funcional estava voltada para a formação rápida de profissionais requisitados como mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de trabalho.
Adaptando-se ‘as exigências do mercado, a Universidade alterou seus currículos, programas e atividades para garantir a inserção profissional dos estudantes
no mercado de trabalho, separando cada vez mais docência e pesquisa.
Enquanto a Universidade clássica estava voltada para o conhecimento e a Universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho, a nova
Universidade ou Universidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos.
Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a Universidade operacional está estruturada por
estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos.
Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microrganizações que ocupam
seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual.
A heteronomia da Universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a
avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios etc.
Virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a Universidade operacional opera e por isso mesmo não age.
Não surpreende, então, que esse operar co-opere para sua continua desmoralização publica e degradação interna.
Que se entende por docência e pesquisa, na Universidade operacional, produtiva e flexível? A docência é entendida como transmissão rápida de conhecimentos,
consignados em manuais de fácil leitura para os estudantes, de preferencia, ricos em ilustrações e com duplicata em CDs.
O recrutamento de professores é feito sem levar em consideração se dominam ou não o campo de conhecimentos de sua disciplina e as relações entre ela e
outras afins, o professor é contratado ou por ser um pesquisador promissor que se dedica a algo muito especializado, ou porque, não tendo vocação para a
pesquisa, aceita ser escorchado e arrochado por contratos de trabalho temporários e precários, ou melhor, "flexíveis".
A docência é pensada como habilitação rápida para graduados, que precisam entrar rapidamente num mercado de trabalho do qual serão expulsos em
poucos anos, pois tornam-se, em pouco tempo, jovens obsoletos e descartáveis; ou como correia de transmissão entre pesquisadores e treino para novos
pesquisadores. Transmissão e adestramento. Desapareceu, portanto, a marca essencial da docência: a formação.
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27. A desvalorização da docência teria significado a valorização excessiva da pesquisa? Ora, o que é a pesquisa na Universidade operacional?
À fragmentação econômica, social e política, imposta pela nova forma do capitalismo, corresponde uma ideologia autonomeada pós-moderna.
Essa nomenclatura pretende marcar a ruptura com as idéias clássica e ilustradas, que fizeram a modernidade.
Para essa ideologia, a razão, a verdade e a historia aso mitos totalitários; o espaço e o tempo aso sucessão efêmera e volátil de imagens velozes e a compressão
dos lugares e instantes na irrealidade virtual, que apaga todo contato com o espaco-tempo enquanto estrutura do mundo; a subjetividade não é a reflexão, mas a
intimidade narcísica, e a objetividade não é o conhecimento do que é exterior e diverso do sujeito, e sim um conjunto de estratégias montadas sobre jogos de
linguagem, que representam jogos de pensamento.
A historia do saber aparece como troca periódica de jogos de linguagem e de pensamento, isto é, como invenção e abandono de "paradigmas", sem que o
conhecimento jamais toque a própria realidade.
O que pode ser a pesquisa numa Universidade operacional sob a ideologia pós-moderna?
O que há de ser a pesquisa quando razão, verdade, historia aso tidas por mitos, espaço e tempo se tornaram a superfície achatada de sucessão de
imagens, pensamento e linguagem se tornaram jogos, constructos contingentes cujo valor é apenas estratégico?
Numa organização, uma "pesquisa" é uma estratégia de intervenção e de controle de meios ou instrumentos para a consecução de um objetivo delimitado.
Em outras palavras, uma "pesquisa" é um "survey" de problemas, dificuldades e obstáculos para a realização do objetivo, e um calculo de meios para soluções
parciais e locais para problemas e obstáculos locais.
Pesquisa, ali, não é conhecimento de alguma coisa, mas posse de instrumentos para intervir e controlar alguma coisa.
Por isso mesmo, numa organização não há tempo para a reflexão, a critica, o exame de conhecimentos instituídos, sua mudança ou sua superação.
Numa organização, a atividade cognitiva não tem como nem por que realizar-se. Em contrapartida, no jogo estratégico da competição no mercado, a organização se
mantém e se firma se for capaz de propor áreas de problemas, dificuldades, obstáculos sempre novos, o que é feito pela fragmentação de antigos problemas em
novíssimos microproblemas, sobre os quais o controle parece ser cada vez maior.
A fragmentação, condição de sobrevida da organização, torna-se real e propõe a especialização como estratégia principal e entende por "pesquisa" a
delimitação estratégica de um campo de intervenção e controle.
É evidente que a avaliação desse trabalho só pode ser feita em termos compreensíveis para uma organização, isto é, em termos de custo-benefício, pautada
pela idéia de produtividade, que avalia em quanto tempo, com que custo e quanto foi produzido. Em suma, se por pesquisa entendermos a investigação de algo
que nos lança na interrogação, que nos pede reflexão, critica, enfrentamento com o instituído, descoberta, invenção e criação; se por pesquisa entendermos o
trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito; se por pesquisa entendermos uma visão compreensiva de
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28. totalidades e sínteses abertas que suscitam a interrogação e a busca; se por pesquisa entendermos uma ação civilizatória contra a barbárie social e política, então, é
evidente que não há pesquisa na Universidade operacional. Essa Universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de sentido, densidade e
mistério, destrói a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do novo, anula toda pretensão de transformação histórica como ação consciente dos seres
humanos em condições materialmente determinadas.
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29. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO
ISSN 1517-5421 lathé biosa 189
PRIMEIRA VERSÃO
ANO IV, Nº189 JULHO - PORTO VELHO, 2005.
Volume XIII Maio/Agosto
ISSN 1517-5421
Desenho da Capa: Flávio Dutka
EDITOR
NILSON SANTOS
CONSELHO EDITORIAL
ALBERTO LINS CALDAS - História
ARNEIDE CEMIN - Antropologia
FABÍOLA LINS CALDAS - História
JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
MIGUEL NENEVÉ - Letras
VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte
Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for
Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:
nilson@unir.br
Se a Educação rural fizesse os “deveres de
CAIXA POSTAL 775 casa...” os problemas da agricultura
CEP: 78.900-970 estariam solucionados
PORTO VELHO-RO
Polan Lacki
TIRAGEM 150 EXEMPLARES
EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
29
30. Se a Educação rural fizesse os “deveres de casa...” os problemas da agricultura estariam solucionados
Polan Lacki
Polan.Lacki@uol.com.br e Polan.Lacki@onda.com.br
No mundo globalizado existe um macrofator que, no final das contas, determina o êxito ou o fracasso econômico dos produtores rurais; todos os demais
fatores, reais ou imaginários, são menos importantes. Este macrofator chama-se eficiência, dentro e fora das porteiras das propriedades rurais. Aliás, os agricultores
que já são eficientes, têm rentabilidade, são competitivos e simplesmente não necessitam de ajudas paternalistas. Os mais problemáticos, dependentes e
vulneráveis são, coincidentemente, os mais ineficientes. Na América Latina, os governos não têm - e não terão em um futuro previsível - condições de compensar
as ineficiências desses agricultores através de subsídios e outras ajudas paternalistas. Insistir na generalização e perpetuação dessas
compensações significaria perder tempo, pois tal possibilidade é nula. Em vez de subsidiar os ineficientes, deveremos educá-los para que eles mesmos se
transformem de ineficientes e dependentes em eficientes e emancipados. Entretanto, só teremos êxito nesta empreitada emancipadora se abandonarmos os
eufemismos e enfrentarmos, com determinação e coragem, “a causa das causas" que está originando as ineficiências desses agricultores. Esta causa está dentro
do sistema de educação rural, isto é, nas escolas fundamentais rurais, nas escolas agrotécnicas, nas faculdades de ciências agrárias e nos serviços de extensão
rural.
Uma verdade que deve ser dita, sem "dourar" a pílula
A principal razão pela qual esses agricultores estão fracassando economicamente é que eles não sabem produzir, administrar nem comercializar com
eficiência; não por culpa deles, evidentemente. Não sabem fazê-lo porque, com honrosas exceções, o mencionado sistema de educação rural não proporcionou - e
continua não proporcionando - aos agricultores os conhecimentos adequados às necessidades do mundo contemporâneo, o qual, ao
ser altamente competitivo, exige que os agricultores sejam muito eficientes. Então, sejamos objetivos: se as principais causas dos problemas desses
agricultores estão nas ineficiências do sistema de educação rural, é lá que deverão ser adotadas as medidas corretivas para eliminá-las. Conseqüentemente, o
referido sistema deve assumir, como sua, a tarefa de corrigir as suas debilidades e imperfeições. Deverá fazê-lo "de baixo para cima e de dentro para fora", sem
esperar por macrodecisões políticas e recursos adicionais; mesmo porque algumas dessas sempre desejadas “ajudas externas" são inviáveis e outras
simplesmente prescindíveis.
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31. Proposta estratégica: Substituir as dispersas, efêmeras e excludentes ajudas paternalista-dependentes por uma estratégia educativo-emancipadora de
dependências. Ou seja, oferecer aos habitantes rurais uma educação, formal e não formal, cujos conteúdos os próprios educandos possam aplicar na correção das
suas ineficiências e na solução dos seus problemas, com menor ajuda governamental, pois esta é decrescente e, para a grande maioria dos agricultores,
simplesmente inexistente.
Proposta executiva: Para concretizar esta estratégia educativo-emancipadora, será necessário adotar apenas as seguintes medidas:
1. Exigir que as escolas agrotécnicas e faculdades de ciências agrárias formem extensionistas que tenham real capacidade teórico-prática de corrigir as
ineficiências dos produtores rurais, pois são elas as principais causas dos seus fracassos econômicos. Essas escolas não podem continuar ignorando que, enquanto
se queixam de insuficiência de recursos orçamentários, estão desperdiçando em grande parte os que já possuem, porque estão formando egressos para o
desemprego.Tampouco podem ignorar que, em grande medida, o desemprego de extensionistas existe porque os seus egressos não respondem às necessidades
dos empregadores e dos agricultores. Isto significa que a principal causa desse desemprego não necessariamente é a demanda insuficiente do mercado de trabalho,
e sim a oferta inadequada das escolas agrotécnicas e das faculdades de ciências agrárias. Na verdade, a agricultura do mundo contemporâneo está "pedindo aos
gritos" uma enorme quantidade de extensionistas "corretores das ineficiências e solucionadores dos problemas" existentes no meio rural; entretanto, a oferta
educativa não está sendo capaz de satisfazer tal demanda. Isto ocorre, em primeiro lugar, porque as “receitas" que essas escolas estão ensinando não
são compatíveis com os "ingredientes" que a maioria dos agricultores possui; em segundo lugar, porque a formação que os educandos estão recebendo é
excessivamente teórica, com mínimas oportunidades para que os estudantes desenvolvam a criatividade e as habilidades práticas. Essas escolas, em vez de entediar
os alunos com excessivos e irrelevantes conteúdos teóricos nas salas de aula, devem ensinar-lhes a produzir, administrar e comercializar com eficiência, produzindo,
administrando e comercializando com eficiência. E devem executar este "ensinar e aprender fazendo” preferentemente lá onde os problemas ocorrem, isto é, nas
propriedades, nas comunidades, nas agroindústrias e nos mercados rurais. Essas habilidades práticas eles devem adquirir enquanto estão nas escolas e não, como
ocorre com demasiada freqüência, vários anos depois de formados, às custas dos erros que cometem com os agricultores.
2. Exigir que as escolas fundamentais rurais (do primeiro ao oitavo ou nono ano) “agriculturalizem" e "ruralizem" os seus conteúdos educativos; que
proporcionem aos seus alunos uma educação que desenvolva as suas potencialidades latentes e que eleve o seu ego/auto-estima/autoconfiança/desejo de
superação. Uma educação que os energize e "empodere", para que adquiram a vontade e a capacidade de corrigir, eles mesmos, os erros que os habitantes rurais
cometem nos seus lares, nas suas propriedades e comunidades rurais. (Ao egressar das referidas escolas fundamentais, os jovens rurais deverão: I) -
estar conscientes de que eles mesmos podem e devem assumir uma maior participação/parcela de responsabilidade/compromisso na correção das ineficiências e na
solução dos problemas que ocorrem no meio rural; II)- possuir a motivação e as competências ( conhecimentos, habilidades e atitudes ) que lhes permitam
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32. assumir, com eficiência, este novo e fascinante desafio de autodesenvolvimento; e III) - estar aptos a buscar, selecionar e adquirir novos conhecimentos para se
manter sempre atualizados.
3. Exigir serviços de assistência técnica e/ou de extensão rural- SATER -que: Em primeiro lugar, contem com os extensionistas cujo perfil foi descrito no
item 1; com aptidões e atitudes mais pragmáticas e construtivas que lhes permitam: I)-diagnosticar as causas elimináveis que estão originando os problemas dos
produtores; II)- identificar as potencialidades e oportunidades existentes nas propriedades rurais; III)-identificar e corrigir as ineficiências cometidas e corrigíveis
pelos produtores rurais e solucionar os problemas que são solucionáveis pelos próprios agricultores. Extensionistas que identificam causas não elimináveis pelos
produtores rurais, que solicitam recursos externos antes de utilizar racionalmente aqueles que os agricultores já possuem, que em vez de solucionarem, eles
mesmos, os problemas reivindicam que outros o façam, são extensionistas improdutivos e, por este motivo, sérios candidatos ao desemprego.
Em segundo lugar, que esses agentes de extensão disponham de meios (veículos, combustíveis, diárias, etc.) para permanecer nas comunidades rurais. Em
certos casos será necessário que os executivos dos SATER adotem a medida drástica de reduzir as suas estruturas burocrático-operativas; e com os recursos
poupados ofereçam aos extensionistas os referidos meios. Será muito mais produtivo manter 50 extensionistas bem remunerados e capacitados educando no
campo que manter 100 agentes mal remunerados, não capacitados e desmotivados, burocratizando nos escritórios, tal como, lamentavelmente, está ocorrendo há
mais de 25 anos na maioria dos SATER estatais da América Latina. Entretanto, para que essas adaptações possam ser executadas, será necessário "desestatizar" os
atuais SATER e delegar a sua administração à instituições privadas sem fins lucrativos, desburocratizadas e despolitizadas, como por exemplo as cooperativas e
outras entidades associativas que genuinamente representem os interesses econômicos dos agricultores; porque a rigidez burocrática dos serviços estatais e as
nefastas interferências político-partidárias simplesmente inviabilizam a adoção dessas medidas saneadoras e "eficientizadoras" nos serviços estatais de extensão
rural.
Felizmente, muitas dessas medidas corretivas podem ser adotadas pelos próprios professores e extensionistas, em muitos casos sem necessidade de
recursos adicionais nem de macrodecisões políticas, mesmo que ambos sejam desejáveis. Os documentos incluídos na Página
web http://www.polanlacki.com.br descrevem e demonstram "o que" e "como" os próprios educadores (professores, extensionistas e diretores das suas respectivas
instituições) podem fazer para tornar-se, eles mesmos, mais eficientes; e como, através da somatória das eficiências individuais, podem melhorar a eficiência das
suas respectivas instituições.Se o sistema de educação rural adotar apenas essas medidas "eficientizadoras" e emancipadoras, dos seus educadores e das suas
respectivas instituições, os principais problemas da maioria dos produtores rurais estarão resolvidos; e, o que é mais importante, serão solucionados pelas próprias
famílias rurais; sem paternalismo, sem dependências e sem humilhações. Entretanto, se essas medidas não forem adotadas - não tenhamos nenhuma dúvida - todo
o discurso do desenvolvimento rural com eqüidade, dos direitos humanos, da justiça social e da inclusão dos excluídos, continuará sendo uma ingênua manifestação
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33. de boas intenções ou, o que é muito pior, um vergonhoso e lamentável deboche do sofrimento dos pobres rurais, pois o paternalismo estatal demonstrou e continua
demonstrando que não tem condições de fazê-lo.
Páginas web: http://www.polanlacki.com.br
http://www.polanlacki.com.br/agrobr
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34. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO
ISSN 1517-5421 lathé biosa 190
PRIMEIRA VERSÃO
ANO IV, Nº190 JULHO - PORTO VELHO, 2005.
Volume XIII Maio/Agosto
ISSN 1517-5421
EDITOR
NILSON SANTOS
CONSELHO EDITORIAL
ALBERTO LINS CALDAS - História
ARNEIDE CEMIN - Antropologia
FABÍOLA LINS CALDAS - História
JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
MIGUEL NENEVÉ - Letras
VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte A FOICE E O MARTELO EM OS
Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for
Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: SUBTERRÂNEOS DA LIBERDADE AS
nilson@unir.br DIVERSAS CONCEPÇÕES DO MARXISMO NA
ESCRITA DE JORGE AMADO
CAIXA POSTAL 775
CEP: 78.900-970
PORTO VELHO-RO Daiana Nascimento dos Santos
TIRAGEM 150 EXEMPLARES
EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
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35. A FOICE E O MARTELO EM OS SUBTERRÂNEOS DA LIBERDADE AS DIVERSAS CONCEPÇÕES DO MARXISMO NA ESCRITA DE JORGE AMADO
Daiana Nascimento dos Santos
Santos.daiana@bol.com.br
INTRODUÇÃO
O cenário político e intelectual do Brasil dos anos 40 e 50 do século passado revela que muitos intelectuais acorreram em massa ao Partido Comunista
Brasileiro, porque o mesmo representava os anseios de liberdade e igualdades mais avançados da humanidade. O partido influenciava, assim, na maneira de escrever
dos seus escritores que formavam suas concepções marxistas e cujas obras se encontravam subjacentes ao Realismo Socialista.
Por isso, resolve-se trabalhar com a obra Os Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado a qual se dispõe em três títulos Os Ásperos Tempos, Agonia da Noite e A luz
no Túnel, que delimita muitobem a influencia do Realismo Socialista, ao apresentar como as personagens Mariana, Camarada Ruivo e Velho Orestes se comportavam
de acordo com suas concepções marxistas, concepções estas que os diferenciavam das outras personagens da obra, justamente por sua conduta baseada nas
orientações do partido. Daí porque esta pesquisa tem por base a investigação das diversas concepções sobre o marxismo subjacentes à simbologia da foice e do
martelo.
Partindo, então, do pressuposto da influência do Realismo Socialista na referida obra de Jorge Amado, salienta-se a importância de se estudar sua obra,
sobretudo no período em que militava no Partido Comunista Brasileiro e escrevia seguindo o modelo determinado pela doutrina estética que vigorou no partido.
Por tais observações, esta pesquisa direciona-se tanto ao público literário em geral, quanto àqueles que se dedicam ao estudo do socialismo nas suas vertentes
marxista-leninistas. Para tanto, busca-se investigar como os valores simbólicos da foice e do martelo influenciaram as concepções marxistas das personagens em
estudo.
Sendo assim, será abordado no próximo capítulo, intitulado Jorge Amado e o Realismo Socialista, o perfil do autor Jorge Amado inserido na militância do
Partido Comunista Brasileiro e as influências decorrentes do Realismo Socialista em sua obra. Em seguida serão apresentadas as concepções marxistas das
personagens estudadas e a relevância da simbologia do partido para elas. No capítulo O ser comunista que determina o militante, por fim, esclarece-se a simbologia
existente nos elementos representativos do partido comunista, ou seja, a foice e o martelo, no capítulo Valores simbólicos da foice e do martelo.
2- JORGE AMADO E O REALISMO SOCIALISTA
Nos anos 40 e 50 do século passado, o mundo vivia um período de insegurança política decorrente da disputa que havia entre o bloco capitalista, dominado
pelos Estados Unidos da América, e outro socialista, encabeçado pela antiga União Soviética; os quais travavam entre si uma disputa conhecida como Guerra Fria,
período de instabilidade política envolvendo os dois países. Por causa dessa instabilidade, a União Soviética decidiu tomar uma série de medidas contrárias ao