1. Universidade de Brasília
Instituto de Artes
Departamento de Artes Visuais
“CASO A CASA CAOS”:
REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO, A MEMÓRIA, O
VISÍVEL E O INVISÍVEL NA PRODUÇÃO DE UMA
OBRA DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Fernanda Paixão Araujo Pinto
Orientadora: Ana Beatriz Barroso
Brasília, 2º semestre de 2011
2. FERNANDA PAIXAO ARAUJO PINTO
“CASO A CASA CAOS”:
REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO, A MEMÓRIA, O
VISÍVEL E O INVISÍVEL NA PRODUÇÃO DE UMA
OBRA DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Trabalho de conclusão de bacharelado no Curso de
Artes Plásticas, do Departamento de Artes Visuais
do Instituto de Artes da Universidade de Brasília.
Orientadora: Profª Drª Ana Beatriz Barroso
BRASÍLIA
2011
2
3. Dedico esta monografia à minha avó Talita Paixão,
primeira artista talentosa que conheci.
3
4. AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Berenice e Francisco, incansáveis apoiadores do meu despertar para a
Arte;
Ao meu companheiro André, pelo suporte incondicional ao desenvolvimento do
trabalho e por me conduzir ao meu porto de aconchego e devaneio;
Aos meus filhos Paula, Vítor e Lucas, eternas fontes de inspiração;
Aos meus irmãos Cristiano, pelos sensatos comentários traçados, e Rafael, pelas
indispensáveis dicas sonoras;
À minha orientadora Professora Ana Beatriz Barroso, pelos comentários precisos e pelo
incentivo ofertado desde o princípio;
À professora Marília Panitz, pelo interesse e apoio na gênese da obra e pela
generosidade em apresentar importantes teorias que conformaram o trabalho;
Ao professor Gê Orthof, pelas referências teóricas e artísticas apresentadas na disciplina
História da Arte Contemporânea, fontes inspiradoras ao desvelamento da obra.
4
5. SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 6
I. Narrativa da personagem “C.” .................................................................................. 8
II. A casa é a morada do ser ........................................................................................... 10
III. O hábito como sucessão de instantes ........................................................................ 13
IV. O armário é o espaço interior ................................................................................... 15
V. O enigma do espelho e do relógio ............................................................................. 16
VI. O limiar tênue entre presente e passado, visível e invisível ..................................... 19
VI.a. Presente, passado e memória ............................................................................. 19
VI.b. O visível, o invisível e o buraco da intermediação ........................................... 24
VII. A inspiração na obra de artistas visuais contemporâneos ....................................... 26
Conclusão ....................................................................................................................... 32
Referências bibliográficas .............................................................................................. 34
Anexo 1 – As imagens do Projeto Caso a casa Caos...................................................... 35
5
6. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do projeto “Caso a casa Caos” partiu de premissas teóricas
no campo da filosofia, tendo, como pano de fundo, a construção de uma personagem
como fio condutor de uma estória ficcional.
A intenção foi retratar o ambiente íntimo da casa, conjugando noções de espaço,
rotina-tempo, imagem-memória e, ainda, relações fenomenológicas sujeito-objeto como
temas centrais da investigação. Foram utilizadas técnicas conjugadas como suporte para
a expressão artística: 1) texto narrativo em primeira pessoa com a descrição de um
momento da rotina de uma personagem chamada “C”; 2) desenvolvimento de dois
vídeos (Caso a Casa Caos I e II) baseados na narrativa e nas teorias subjacentes ao tema
e 3) montagem de vídeo-instalação para a fruição da obra pelo espectador.
As imagens capturadas pretenderam apreender fragmentos do cotidiano da
personagem com o intuito de retratar o interior da casa, de modo a trazer reflexões sobre
a rotina de uma personagem feminina.
A narrativa e posteriormente os vídeos tiveram o intuito de ilustrar a angústia de
uma mulher contemporânea que, numa espécie de catarse, começa a perceber o
significado da casa e dos objetos que nela são depositados; sua correlação com o
espaço, tempo e a memória e, por fim, sua interação com o material e o imaterial sob
um enfoque existencial.
O sentimento subliminar da personagem “C.” perpassa a condição humana na
contemporaneidade. Procurou-se demonstrar, ao longo do texto narrativo, a angústia
frente ao tempo corrido do cotidiano e como esse sentimento redunda no peso de uma
jornada extra (dupla, tripla, ad infinitum) que é depositada nos ombros do ser
6
7. contemporâneo. Dependendo da estrutura psicológica do sujeito, tais responsabilidades
podem transformar-se em algo extremamente problemático, enfadonho e desesperador.
De outro lado, tais sentimentos podem vir a instigar um conjunto de novas sensações.
Esses elementos alimentaram a produção dos vídeos, levando-se ainda em consideração
um conjunto de teorias sobre o olhar e as relações sujeito-imagem e sujeito-objeto.
O capítulo I apresenta o texto da personagem “C.” que inspirou o
desenvolvimento da obra. Em seguida, o capítulo II introduz conceitos que permeiam o
significado da casa (noções de espaço) e reflexões sobre como a rotina pode estar
impregnada ou mesmo influenciada pela memória.
Os capítulos III a VI abordam teorias diversas sobre o significado dos objetos da
casa, além de conceitos sobre imagem, memória, visível e invisível. O objetivo é traçar
conexões com o processo interno da personagem ao lidar com tais objetos de seu
cotidiano que, em dado momento, transformaram-na inteiramente.
O capítulo final faz uma abordagem sobre artistas visuais que de alguma forma
abordaram o tema e que serviram de fonte inspiradora para a produção da vídeo-
instalação “Caso a casa Caos”.
7
8. I. NARRATIVA DA PERSONAGEM “C.”
“Não como nada que tenha um rosto. Há algo de muito bagunçado em
minh´alma. Abro o armário e as roupas não estão lá. Somente um amontoado de tecidos
desengonçados e coloridos me olham assustados. Visto algo que não me cabe. Ao
terminar, olho de canto de olho pelo espelho e penso que nada me cai bem. Azar,
preciso mesmo sair, e rápido, pois estou atrasada. Cruzo com alguém que mal conheço,
mas se conhece minhas roupas íntimas deve saber algo sobre mim que nem sei.
Finjo que estou feliz e vou para a cozinha. Vejo as frutas cortadas e penso se
tiveram as cabeças guilhotinadas pela minha faca. Como não posso viver de ar engulo,
engulo, engulo. O tempo, ahn, o tempo passa. Preciso sair. O que não faço eu? (começo
a rir da minha própria pergunta, afinal seria bom às vezes simplesmente (não) fazer
nada). Pego as chaves e de repente me dá um frio na barriga, estou esquecendo algo
importante. Olho para as coisas e as coisas me olham. No meio desse rito
fenomenológico sou tentada a crer que as coisas possuem memória. Mas uma memória
diferente da que estamos habituados, como se algo estivesse entranhado na matéria e
por essa razão não se revelasse a nós. Quem sabe se retirássemos esse invólucro
invisível começaríamos a interagir com as coisas? Junto à fusão homem-máquina antes
teríamos a fusão homem-coisa. Um inorgânico fluindo com o orgânico naturalmente,
algo como máquinas humanas e não máquinas apenas.
Continuo procurando o que levar e esqueci. Vasculho minha bolsa enorme e vou
remexendo os objetos que caíram num buraco negro sem fim. Claro que nada encontro e
um sentimento de angústia vai se apoderando de mim por estar em busca de algo que sei
que existe, mas lembro esquecer. Tsssss. Barulho de água fervendo, caramba, esqueci a
8
9. chaleira no fogo. O que seriam de minhas manhãs sem um café preto fumegante. Todos
os pensamentos se afastam de súbito. Desligo o fogo. Voltam os pensamentos. A
natureza tem dessas coisas, o fogo esquenta e a água evapora e... volto para o real e para
a concretude dos objetos. Onde estão os pires da casa? Descubro que o último
remanescente quebrou ontem. Não tenho mais pires. Quanta metáfora há num pires.
Algo que intermedeia a mesa e a xícara.
Termino o café e volto para minha busca insensata e inútil. Vivo duas realidades
paralelas que não conversam entre si, deve ser por isso que me sinto incomodada sem
saber o que lembrar.
Desisto de sair de imediato. Ligo a TV, coisa que raramente faço. Essa estranha
irrealidade me invade e consome. Começa um anúncio de carro e penso em toda a
manipulação do mass media, mas logo a sensação passa. Os circuitos televisivos me
deixam em estado alfa. Tenho uma tendência irreversível à abstração e me perco
facilmente no espaço-tempo. Minha parcela inorgânica eclodiu, pareço mais um
ciborgue mutante. Reparo nas sobrancelhas dos jovens atores da TV. Curioso, parecem
menores e mais finas. Que horas são? Desligo o aparelho para sair desse frenesi de
imagens. Levanto e olho para o relógio de parede e descubro que ele parou.
Parei junto.”
9
10. II. A CASA É A MORADA DO SER
E da antiga casa
Sinto a ruiva tepidez
Que vem dos sentidos ao espírito.
Jean Wahl
Gaston Bachelard evoca o poder do espaço íntimo da casa como espaço onírico,
como o local que tem a potência de comportar milhares de lembranças ao longo do
tempo: “(...) porque a casa é o nosso canto do mundo. Ela é, com se diz amiúde, o nosso
primeiro universo” 1. Nesse sentido, a casa aparece como uma das maiores forças de
integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do ser humano: a casa seria
algo quase vivo, pois as lembranças resgatadas pela memória seriam como o espelho do
próprio mundo. Para Bachelard, o princípio dessa integração encontra-se pelo devaneio:
“o passado, o presente e o futuro dão a casa dinamismos diferentes,
dinamismos que não raro interferem, às vezes se opondo, às vezes excitando-se
mutuamente. (...) Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o
homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e é
alma. Antes de ser “jogado no mundo”, como o professam as metafísicas
apressadas, o homem é colocado no berço da casa. E sempre, nos nossos
devaneios, ela é um grande berço” 2.
Como se depreende, o conceito da casa emerge como concha protetora do ser, do
ser da casa. Nesse ambiente acolhedor - como seria a couraça de pele que encobre
nossos órgãos - haveria ainda o espaço da memória. Não a memória preconizada por
Henri Bergson na obra “Matéria e Memória”, que estaria grudada no tempo como
chiclete, mas o espaço da casa como fonte das lembranças. Do ponto de vista
fenomenológico o ser não seria expulso e colocado para fora de casa, o ser reinaria
“numa espécie de paraíso terrestre de matéria, fundido na doçura de uma matéria
adequada. Parece que nesse paraíso material o ser mergulha no alimento, é cumulado de
todos os bens essenciais” 3.
1
Gaston Bachelard, Poética do Espaço, 2008, p. 24.
2
Op. Cit, p. 26.
3
Op. Cit, p.27.
10
11. Para Bachelard, diferentemente do enfoque bergsoniano, o espaço é tudo, pois o
tempo não teria o poder de animar a memória, pois em síntese: o espaço “convida à
ação” 4.
Paul Auster concedeu enfoque similar ao escrever seu livro de memórias, no
momento em que um processo intenso de lembranças de sua infância e da convivência
com seu pai emergiram à tona. O que chama a atenção é o fato de que a recordação mais
remota que ele teve de seu progenitor foi justamente a de sua ausência: “durante os
primeiros dias de minha vida, meu pai saía de casa todo dia de manhã, antes de eu
acordar, e voltava para casa muito depois de eu ter sido posto na cama” 5. A presença,
nesse contexto familiar, estaria fortemente relacionada com o fato de se estar em casa.
Mais adiante, nesse magnífico escrito sobre a solidão, a metáfora do espaço, combinada
com o processo de lembrança, é assim compreendida por Auster: “A memória como um
quarto, como um corpo, como um crânio que encerra o quarto onde um menino está
sentado. E na imagem: um homem sentado sozinho em seu quarto” 6. Desse modo, o
escritor estaria pressupondo a memória como um lugar, como um prédio ou corpo no
interior da mente, como se fosse possível movimentar-se ali dentro e circular de um
lugar a outro. Ele coloca a memória não como ressurreição do passado, mas como uma
incógnita sobre a imersão no passado: “algumas coisas se perdem para sempre, outras
talvez de novo serão lembradas, e outras ainda foram perdidas, encontradas e perdidas
outra vez. Não há como ter certeza de nada disso” 7.
Interessante notar como metaforicamente Edgar Allan Poe eleva o conceito da
casa material como algo que possui uma “aura”, como se ela por si só pudesse emanar
sentimento, expressão. Quando lemos um trecho de “A queda da casa de Usher”
4
Gaston Bachelard, Poética do Espaço, 2008, p. 31.
5
Paul Auster, A Invenção da Solidão, 1999, p. 28.
6
Op. Cit, p. 101.
7
Op. Cit, p. 156.
11
12. observamos o modo como o mobiliário pode espelhar o espaço do morador, suas
características e sua essência:
“(...) A peça em que me encontrava era muito espaçosa e alta. As
janelas eram compridas, estreitas e pontudas, e colocadas a uma distância tão
grande do sombrio soalho de carvalho que se tornavam inteiramente
inacessíveis pela parte de dentro. Débeis raios de luz avermelhada ecoavam-se
através das vidraças e das rótulas, servindo para tornar suficientemente distintos
os objetos mais proeminentes em torno; a vista, contudo, esforçava-se em vão
por alcançar os cantos mais remotos do aposento, ou os recessos do teto,
abobadados e cheios de ornatos. Tapeçarias escuras pendiam das paredes. A
mobília era profusa, sem conforto, antiquada, e encontrava-se em estado
precário. Muitos livros e instrumentos de música estavam espalhados em torno,
mas não conseguiam dar nenhuma vitalidade ao ambiente. Senti que estava
respirando uma atmosfera de angústia. Um sopro de profunda, penetrante e
irremediável tristeza andava no ar e tudo invadia. (...)” 8.
Nesse apanhado de idéias poder-se-ia conjecturar que a casa seria a morada do
ser, mas também a ampliação do corpo, em forma inorgânica. Cada casa existiria como
algo singular que depende das reminiscências e dos fragmentos lançados por seu etéreo
habitante: a casa do ser é o ser da casa.
A narrativa pressupõe que a habitante C. foi acometida pelo sentimento de que
as coisas da casa podem interagir com ela e que de certo modo possuem um modo de
“ser”, de ter lembranças:
“Pego as chaves e de repente me dá um frio na barriga, estou
esquecendo algo importante. Olho para as coisas e as coisas me olham. No meio
desse rito fenomenológico sou tentada a crer que as coisas possuem memória.
Mas uma memória diferente da que estamos habituados, como se algo estivesse
entranhado na matéria e por essa razão não se revelasse a nós. Quem sabe se
retirássemos esse invólucro invisível começaríamos a interagir com as coisas?”
Mas C. ainda está impregnada por uma rotina, como se observará no capítulo
seguinte.
8
Edgar Allan Poe. A queda da casa de Usher. Acesso em 23.10.2010.
http://www.poebrasil.com.br/index.php?option=com_content&view= article&id=105&Itemid=60
12
13. III. O HÁBITO COMO SUCESSÃO DE INSTANTES
Vivo minha vida em círculos cada vez maiores
Que se estendem sobre as coisas.
Talvez não possa acabar o último,
Mas quero tentar.
Rainer Maria Rilke
“Nossas artérias têm a idade de nossos hábitos” 9. Assim Gaston Bachelard
reflete sobre o construto hábito dentro da abordagem roupneliana10, onde o tempo seria
uma sucessão incontínua de instantes. O hábito, sob essa ótica e diferentemente do que
parece ser - uma vez que a continuidade poderia ser entendida como estatuto do hábito -
concede ao tempo nova dimensão, pois a cada instante o gesto se renova e aprimora.
Segundo essa tese não-linear do tempo, o ser humano seria impulsionado por ritmos de
maior ou menor intensidade que, num pulsar, expressariam a cópia do hábito passado
por pura semelhança. Nesse sentido, Bachelard assim discorre:
“A vida, então, conduz nossa imagem de espelhos em espelhos; somos
assim, reflexos de reflexos, e nossa coragem é feita de lembrança de nossa
decisão. Mas, por mais firmes que sejamos, jamais nos conservamos inteiros,
porque nunca fomos conscientes de nosso próprio ser”11.
Nessa perspectiva, o hábito seria uma determinada seqüência de instantes
escolhida e apoiada no conjunto de instantes do tempo. A partir desse olhar, poderia se
afirmar dos atos que se propõem a atingir determinados objetivos que se movem em
direção ao futuro. Segundo Bachelard, essa prática de atos que seguem um ritmo
ordenado seria, na verdade, uma obrigação de natureza quase racional e estética ou
mesmo seriam razões que nos obrigariam a “perseverar no ser”. Importante esclarecer
que essa repetição dar-se-ia como uma duração progressiva, como um método de
enriquecimento e amadurecimento do sujeito.
9
Gaston Bachelard, A Intuição do Instante, 2007, p. 73.
10
Bachelard desenvolve todo o discurso em seu livro “A intuição do instante” baseado nas idéias da obra
Siloë do historiador francês Gaston Roupnel, para quem “o tempo só tem uma realidade, a do instante”.
11
Op. Cit,, p. 73.
13
14. Paul Auster, ao narrar os hábitos do pai, demonstra como pode ser possível estar
impregnado pela rotina:
“Por mais negligentes que seus cuidados parecessem vistos de fora, meu
pai acreditava no seu método. Como um inventor maluco que protege o segredo
de sua máquina moto-contínuo, ele não toleraria que ninguém viesse se
intrometer” 12.
Mas o que Auster pretende dizer é que muitas vezes o ser humano pode
esconder-se nesse escudo da repetição do cotidiano, ao desenvolver um invólucro
sagrado e repleto de rotina para ocultar algo inconsciente, como algo que permita seguir
em frente:
“(...) Como a casa estava sempre arrumada e no entanto se desfazia aos
poucos por dentro, o homem em si era calmo, quase sobrenatural em sua
impassibilidade, e contudo prisioneiro da força avassaladora e inexorável de
uma fúria interior. (...) Confiança em rotinas fixas o libertaram da necessidade
de olhar para dentro de si mesmo quando era preciso tomar decisões (...) Mas
também ao mesmo tempo era isso que o salvava, aquilo que lhe permitia viver.
Na medida em que era capaz de viver.” 13.
Na rotina doméstica da personagem C. o tempo também influenciaria essa
angústia:
“Finjo que estou feliz e vou para a cozinha. Vejo as frutas cortadas e
penso se tiveram as cabeças guilhotinadas pela minha faca. Como não posso
viver de ar engulo, engulo, engulo. O tempo, ahn, o tempo passa. Preciso sair. O
que não faço eu? (começo a rir da minha própria pergunta, afinal seria bom às
vezes simplesmente (não) fazer nada)”.
Como a rotina não tem fim, a pressa se sobrepôs à ordem natural das coisas e
trouxe um descompasso entre o fazer certo e o “mal conseguir fazer”. O simples fato de
se vestir ou tomar um café tornou-se algo complexo, trazendo à tona uma porção de
reflexões sobre sua própria existência: “(...) vivo duas realidades paralelas que não
conversam entre si, deve ser por isso que me sinto incomodada sem saber o que
lembrar”. Ao parar tudo que está fazendo para assistir TV, de certo modo C. faz uma
espécie de boicote a essa rotina escravizante de horários, como se verá na abordagem
12
Paul Auster, A Invenção da Solidão, 1999, p. 39.
13
Op. Cit., p. 40.
14
15. sobre o relógio e o espelho. Mas primeiramente é importante desenvolver reflexões
sobre a angústia da personagem ao abrir o armário de vestir.
IV. O ARMÁRIO É O ESPAÇO INTERIOR
O armário está cheio de roupa
Há até raio de luz que posso desdobrar
André Breton
O armário é um espaço onde se armazenam objetos e segredos. Por ser um
espaço tão íntimo não se abre a qualquer um. Seria possível conhecer uma pessoa
somente abrindo seus armários. Mas por que a insistência em mantê-los fechados? Para
Bachelard, “o espaço interior do velho armário é profundo” 14, nele estaria imbuída uma
ordem que protegeria a casa de uma desordem sem limites. Para ilustrar a memória
como um armário de lembranças, Bachelard relembra: “só eu, em minhas lembranças de
outro século, posso abrir o armário profundo que guarda ainda, só para mim, o cheiro
único, o cheiro das uvas que secam na grade. O cheiro da uva! Cheiro-limite, é preciso
muita imaginação para senti-lo” 15.
É oportuno traçar um paralelo a partir da alusão ao armário como um baú de
memórias na descrição dada para as coisas guardadas da avó de Paul Auster:
“Depois que meu pai morreu, descobri no sótão da sua casa um baú que
havia pertencido a minha avó. Estava trancado e resolvi arrombar o fecho com
um martelo e uma chave de fenda, imaginando que pudesse guardar algum
segredo, algum tesouro perdido muito tempo antes. Quando o trinco rompeu e
levantei a tampa, lá estava, tudo de novo – aquele cheiro, em uma lufada, veio
de encontro a mim, instantâneo, palpável, como se fosse minha avó em pessoa.
Tive a sensação de ter aberto o seu caixão” 16.
Talvez pelos mesmos fundamentos o armário de C. pareça igualmente
antropomórfico: “(...) Abro o armário e as roupas não estão lá. Somente um amontoado
14
Gaston Bachelard, A Poética do Espaço, 2008, p. 91.
15
Gaston Bachelard, A Poética do Espaço, 2008, p. 32-33.
16
Paul Auster, A Invenção da Solidão, 1999, p. 62.
15
16. de tecidos desengonçados e coloridos me olham assustados. Visto algo que não me
cabe”. Aqui, em sua tensão ao escolher uma roupa para vestir, possivelmente está
refletido o seu inconsciente, a começar pela desordem de suas vestes. Muito de seu
modo de ser está asfixiado por duas portas, todos os dias, exceto quando ela o abre
rapidamente pela manhã. É como se o móvel precisasse lhe mostrar que tem um tipo de
vida, amorfa é bem verdade, para chamar-lhe a atenção. Na verdade é seu inconsciente
que grita para ela. Mas o armário logo perderá suas forças para o espelho e para o
relógio, como se verá a seguir.
V. O ENIGMA DO ESPELHO E DO RELÓGIO
Por vezes à noite há um rosto
Que nos olha do fundo de um espelho
E a arte deve ser como esse espelho
Que nos mostra o nosso próprio rosto
Jorge Luís Borges
Ao terminar de se vestir, C. olha-se de canto de olho pelo espelho e pensa que
nada lhe cai bem. Azar, precisa mesmo sair e rápido, pois está atrasada. Nessa passagem
é sugestivo lembrar um trecho escrito por Merleau-Ponty em o Olho e o Espírito:
“O fantasma do espelho puxa para fora minha carne, e ao mesmo tempo
todo o invisível de meu corpo pode investir os outros corpos que vejo.
Doravante meu corpo pode comportar segmentos tomados do corpo dos outros
assim como minha substância passa para eles, o homem é espelho para homem.
Quanto ao espelho, ele é o instrumento de uma universal magia que transforma
as coisas em espetáculos, os espetáculos em coisas, eu em outrem e outrem em
mim” 17.
O ser e seu reflexo, quanta profundidade há nessa relação. Nesse sentido, Clarice
Lispector aborda a questão do espelho, como algo complexo e misterioso:
“O que é um espelho? Como a bola de cristal dos videntes, ele me
arrasta para o vazio que no vidente é o seu campo de meditação, e em mim o
campo de silêncios e silêncios. - Esse vazio cristalizado que tem dentro de si
17
Maurice Merleau-Ponty. O Olho e o Espírito, 2004, p. 23.
16
17. espaço para se ir para sempre sem parar: pois espelho é o espaço mais profundo
que existe”.18
Paralelamente às sensíveis abordagens filosófico-literárias, é interessante
observar ainda o significado social do espelho e do relógio na obra “O sistema dos
objetos”, de Jean Baudrillard. Ao fazer a crítica da supervalorização da publicidade em
torno da decoração de interiores, que provoca o afastamento do valor do espaço íntimo
para um local de controle e artificialidade presentes no discurso do habitante burguês,
Baudrillard nota o desaparecimento do relógio de pêndulo no interior do lar moderno.
Enquanto que no lar camponês esse objeto estaria alojado no ambiente central da lareira,
como símbolo de permanência tranqüila, no ambiente burguês esse espaço – agora de
mármore – cedeu lugar ao espelho: “o relógio é o equivalente no tempo do espelho no
espaço”19. Essa troca se revela no momento em que a angústia da cronometria estaria
cada vez mais presente no sentir contemporâneo - ao contrário do habitante do campo,
que faz com que esse objeto de medir o tempo torne-se “infusão, assimilação da
20
substância temporal, presença de duração” ou simplesmente e apenas um objeto
tranqüilizador que capta o tempo sem surpresa na intimidade da casa. Complementando
essa metáfora, Baudrillard faz menção ao relógio como análogo ao interior do corpo
humano, no sentir de um tique-taque que consagra a intimidade de um lugar: “o relógio
é um coração mecânico que nos tranqüiliza a respeito do nosso próprio coração” 21.
A pausa, ou melhor, a diminuição do ritmo, seria, portanto, algo extremamente
necessário ao ser humano, como algo a ser mesmo impresso no cotidiano para que ele
próprio tenha espaço para consciência de seus atos. Voltando à narrativa de C.: “Que
horas são? Desligo o aparelho para sair desse frenesi de imagens. Levanto e olho para o
18
Clarice Lispector, Para não esquecer, http://claricelispector.blogspot.com/2008/02/os-espelhos.html
19
Jean Baudrillard. O Sistema dos Objetos, 2008, p.30.
20
Op. Cit. p. 30.
21
Op. Cit. p. 30.
17
18. relógio de parede e descubro que ele parou. Parei junto”. Quando C. desliga o aparelho
de TV e descobre que o relógio não funciona o que teria ela sentido por dentro?
É possível encontrar reflexão sobre tal questionamento em Maurice Merleau
Ponty:
“(...) As próprias questões da curiosidade ou da ciência são animadas
interiormente pela interrogação fundamental que aparece a nu na filosofia. “De
um momento para o outro, um homem ergue a cabeça, respira fortemente,
espreita, considera e reconhece sua posição: pensa, suspira e, tirando seu relógio
do bolso que se aloja de encontro à costela, olha as horas: Onde estou e Que
horas são?”(Claudel, Art Poéthique, p. 9, grifei). Essa questão inesgotável que
propomos ao mundo... O relógio e o mapa dão apenas um simulacro de
resposta: indica-nos como o que estamos vivendo se situa em relação ao curso
dos astros ou ao curso de uma jornada humana, ou ainda a lugares que possuem
um nome. Mas esses acontecimentos-referências e lugares-ditos, onde estão eles
próprios? Remetem-nos a outros e a resposta nos satisfaz apenas porque não lhe
prestamos atenção, porque nos cremos „em casa‟.” 22
O autor prossegue afirmando que esse tipo de questionamento sobre as horas
torna-se inesgotável, não apenas porque a hora e o lugar mudam sem parar, mas também
porque surge a pergunta sobre qual seria o vínculo indestrutível que liga o ser às horas e
aos lugares:
“é preciso que eu esteja num tempo e num lugar, quaisquer que sejam
estes (...) se, porém, exprimo essa experiência dizendo que as coisas estão em
seus lugares e que nós nos fundimos com elas, logo a torno impossível, pois, à
medida que nos aproximamos das coisas, paro de ser, à medida que sou, não há
a coisa, mas somente seu dúplice no meu “quarto escuro”.23
Desse modo, pode-se dizer que C., em seu desvelamento ao observar o relógio,
pode ter, na verdade, provocado seu próprio renascimento: um olhar não simultâneo
sobre si, sobre seu espaço na casa, enfim, sobre seu próprio tempo e sua condição
mesma.
22
Maurice Merleau Ponty, O Visível e o Invisível, 2007, p. 104.
23
Op. Cit. p. 120.
18
19. VI. O LIMIAR TÊNUE ENTRE PRESENTE E PASSADO,
VISÍVEL E INVISÍVEL
É como se aquela invisível luz, que é o escuro do
presente, projetasse a sua sombra sobre o passado,
e este, tocado por este facho de sombra, adquirisse a
capacidade de responder às trevas do agora.
Giorgio Agamben
A narrativa da personagem C. apresenta elementos que reportam
fundamentalmente à questão da memória:
“Olho para as coisas e as coisas me olham. No meio desse rito
fenomenológico sou tentada a crer que as coisas possuem memória. Mas uma
memória diferente da que estamos habituados, como se algo estivesse
entranhado na matéria e por essa razão não se revelasse a nós. Quem sabe se
retirássemos esse invólucro invisível começaríamos a interagir com as coisas?
Junto à fusão homem-máquina antes teríamos a fusão homem-coisa. Um
inorgânico fluindo com o orgânico naturalmente, algo como máquinas humanas
e não máquinas apenas.”
Partindo das bases teóricas que conformam o projeto “Caso a casa Caos”, torna-
se oportuno neste ponto fazer referência a alguns pensadores do campo da filosofia e da
psicologia que se esforçaram em formular hipóteses sobre o conceito da imagem como
lembrança e à questão dos processos de conservação da memória.
VI.a. PRESENTE, PASSADO E MEMÓRIA
Jean Paul Sartre, ao abordar o tema da memória, explica que foi Henri Bergson o
autor que proporcionou uma revolução filosófica no final do século XIX ao contrapor-se
ao associacionismo24, propondo que a imagem-lembrança é algo mais que uma simples
revivescência cerebral. Segundo esse autor, o cérebro não poderia ter por função
simplesmente armazenar as imagens, visto que a vida interior apresenta-se como uma
multiplicidade de interpenetração. Bergson entende que toda realidade tem um
parentesco, uma analogia, uma certa relação com a consciência e é por isso que as
24
Concepção clássica que entendia que a memória, assim como todas as sensações, sentimentos ou idéias,
seria produto de atividades orgânicas, passíveis de redução a conceitos da biologia ou da física.
19
20. coisas que nos cercam são chamadas imagens. Ele entende que todo objeto é passível de
uma representação, pois “uma imagem pode ser sem ser percebida; pode estar presente
sem estar representada.” 25
Segundo expõe Sartre sobre a teoria bergsoniana, toda teoria da memória está
fundada sobre a existência do sujeito e sobre a possibilidade que ele tem de apropriar-se
de certas imagens e conservá-las. O corpo age como um instrumento de seleção, pois
graças a ele a imagem torna-se percepção. A formação da lembrança ocorreria
simultânea a da percepção, pois “ao tornar-se representação, no momento mesmo em
que é percebida,... a imagem-coisa se torna lembrança: a formação da lembrança nunca
é posterior a da percepção, é contemporânea” 26.
Então como o passado se tornaria presente? Se as lembranças são inconscientes,
então como é que elas voltam à consciência? Bergson esforçou-se para mostrar que a
memória, como outras atividades do pensamento, não se limita às modificações
fisiológicas perceptíveis no cérebro. Ele afirma que, para a imagem se tornar novamente
presente, ela precisa se inserir numa atitude corporal chamada “fundo de memória”;
uma vez que toda imagem é sempre acompanhada de esquemas motores: a percepção
excita, no cérebro, impulsos de movimento, que são reprimidos ou executados. Bergson
diferencia o que chama de “memória voluntária” (consciente) da “memória espontânea”
(inconsciente). A primeira é uma memória motora e ativa e de caráter utilitário. É
utilizada, por exemplo, para dirigir um carro ou ainda para rememorar voluntariamente
o que aconteceu ontem ou em um passado longínquo. Trata-se de uma memória
impessoal, já que “a lembrança aprendida sairá do tempo à medida que a lição for
melhor sabida; tornar-se-á cada vez mais impessoal, cada vez mais estranha à nossa vida
27
passada” . Já a “memória espontânea” seria aquela que faz um registro fiel de todos
25
Henri Bergson, Matéria e Memória, 1990, p. 22.
26
Jean Paul Sartre, A imaginação, 2008, p. 46.
27
Henri Bergson, Matéria e Memória, 1990, p.64.
20
21. os acontecimentos e os evoca através de imagens. É involuntária e tem um caráter não
pragmático, pois “para recuperar o passado em forma de imagem, é preciso poder
abstrair-se da ação presente, é preciso saber dar valor ao inútil, é preciso querer
sonhar.” 28
Bergson complementa: “Não há percepção que não esteja impregnada de
lembranças (...) aos dados imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos
milhares de detalhes de nossa experiência passada. Na maioria das vezes, estas
lembranças deslocam nossas percepções reais, das quais não retemos então mais que
algumas indicações, simples „signos‟ destinados a nos trazerem à memória as antigas
29
imagens” . Desse modo, dependendo do acaso que surja das profundezas do
inconsciente, os seres humanos são invadidos pela “memória espontânea” quando um
acontecimento ao acaso, um cheiro ou melodia com sabor de pretérito invadem o
presente e instigam a trazer de volta o passado tal como se viveu um dia.
Um exemplo clássico nesse campo são os efeitos que as fotografias produzem ao
trazer à consciência imagens de experiências passadas. Ao seu poder de fazer lembrar
imagens passadas, ela acrescenta novas imagens, trazidas do passado e tornadas
presentes, enriquecendo a experiência da memória, que, como ensina Bergson, é
simultânea à percepção.
Ao retratar o assunto, Susan Sontag afirma que as fotos podem aprisionar a
realidade, fazê-la parar, mas admite também que podem ampliar a realidade. A autora
alega que não se pode possuir a realidade, mas sim imagens (e ser possuído por elas):
28
As imagens, para Bergson, provocam impulsos motores. Mas esses impulsos, parte do que ele chama
de “estado cerebral”, fisiológico, não podem ser confundidos com algo mais complexo, que é o “estado
psicológico”, mental, que o ultrapassa. “Aquele que pudesse penetrar no interior de um cérebro, e
perceber o que aí ocorre, seria provavelmente informado sobre esses movimentos esboçados ou
preparados; nada prova que seria informado sobre outra coisa, seria tão esclarecido sobre o que se passa
na consciência correspondente quanto o seríamos sobre uma peça de teatro acompanhando apenas os
movimentos dos atores em cena. A relação entre o mental e o cerebral não é uma relação constante, assim
como não é simples. Conforme a natureza da peça que se representa, os movimentos dos atores dizem
mais ou menos sobre ela: quase tudo, no caso de uma pantomima, quase nada no caso de uma comédia
sutil”. (Op. Cit.p. 63-64).
29
Op. Cit.,p.30.
21
22. “assim como, segundo Proust, o mais ambicioso dos prisioneiros voluntários, não se
pode possuir o presente, mas pode-se possuir o passado” 30. Sontag recrimina Proust por
desdenhar das fotografias ao considerá-las um instrumento da memória incapaz de
competir com a riqueza da “memória involuntária” envolvente e despertada por uma
combinação de sentidos. Para Sontag, ao ver nas fotos um mero “instrumento”, Proust
não foi capaz de perceber que elas chegam a funcionar como substituto e como
invenção da memória. A autora, num paralelo à descrição que Bergson faz do
mecanismo de “memória espontânea”, comenta que as fotos produzem simultaneamente
à experiência da realidade, imagens dessa realidade que passam a determinar sua
memória31. Ora, isso significa que a imagem pode ressuscitar outras sensações próprias
da recordação imaginativa, concedendo sim textura e essência às coisas.
Brassaï concede outro enfoque32 ao argumentar que a inspiração de Proust em
seu projeto de culto à memória pode ter sido a imagem latente na fotografia tradicional:
“inúmeras metáforas de Proust assimilam certos processos da memória à técnica
fotográfica. Assim, as “impressões verdadeiras” de nossa vida, que estão inteiramente
ocultas, “precisam ser traduzidas e freqüentemente lidas pelo avesso e penosamente
33
decifradas” . A memória em Proust seria “uma espécie de noite cujas trevas engolem
lembranças, de onde às vezes as imagens do passado ressurgem quando um brusco
rasgo de luz as faz aflorar da escuridão.” 34
Nesse sentido, conclui que a memória seria por vezes uma biblioteca, composta
por arquivos extensos cuja parte nunca iria se consultar, e ao mesmo tempo um tesouro
30
Susan Sontag, Sobre Fotografia, 2004, p.180
31
“Não é a realidade que as fotos tornam imediatamente acessível, mas as imagens”, nota Sontag.
“Enquanto fotos velhas preenchem nossa imagem mental do passado, as fotos tiradas hoje transformam o
que é presente numa imagem mental, como o passado”. (Susan Sontag, Sobre Fotografia, 2004, p.181)
32
Brassaï, diferentemente de Sontag, traz outra perspectiva da influência da fotografia na composição de
”La recherche du temps perdu” , dizendo em síntese que as fotografias eram cultuadas e preservadas por
Proust. Também faz um paralelo entre a imagem latente da fotografia após a captura, com o processo
latente de criação de personagens proustianos.
33
Gilberte Brassaï, Proust e a Fotografia, 2005, p.150.
34
Op. Cit, p. 120-121.
22
23. escondido, porém quase inacessível. Para Proust, seria uma similitude atual que
ressuscita a lembrança, como uma substância química daria vida a uma imagem
analógica latente. Segundo Brassaï, o equivalente a essa substância que revela a foto
seria a perfeição da expressão: o estilo. A memória involuntária caracteriza-se por ser
efêmera, desse modo, a forma de retê-la seria a feitura de uma obra de arte - no caso a
literatura - pois o livro seria o meio para fixar as sensações do passado. Afinal já ecoava
John Ruskin: “o que exigimos da arte é fixar o que é flutuante”. Passou assim Proust a
elevar suas experiências e fixar suas impressões pelo verbo, para compor uma obra de
arte. Pois “era a obra de arte o único meio de encontrar o tempo perdido” 35.
Ainda no eixo teórico da imagem como lembrança, Gilles Deleuze, ao comentar
a obra de Francis Bacon, concorda com Proust no sentido de que ambos buscavam
representar um tipo de Figura arrancada da figuração, despojada de toda função
figurativa, “uma Figura em si36”. Deleuze aponta como procedia a memória involuntária
em Proust: “ele acoplava duas sensações que existiam no corpo em níveis diferentes e
que se entrelaçavam como dois lutadores, a sensação presente e a sensação passada,
para fazer surgir algo irredutível às duas, tanto ao passado quanto ao presente: a
37
Figura.” Citando Cézanne38, que deu à Figura o nome de sensação, Deleuze comenta
que essa sensação seria, indissoluvelmente, sujeito e objeto, um “ser-no-mundo, como
dizem os fenomenólogos (...) Ao mesmo tempo eu me torno na sensação e alguma
coisa acontece pela sensação, um pelo outro, um no outro”39.
Ao seu poder de fazer lembrar imagens passadas, a memória espontânea
acrescenta novas imagens, trazidas do passado e tornadas presentes, enriquecendo a
35
Op. Cit. p.157.
36
Figura para Deleuze é a forma sensível referida à sensação; ela age pelo sistema nervoso, é carne,
diferentemente da forma Abstrata, que se dirige ao cérebro, próximo do osso.
37
Gilles Deleuze, Francis Bacon e a lógica da sensação, 2007, p.72.
38
Deleuze refere-se a Cèzanne como o pintor que pintava a sensação: aquele que deu um ritmo vital à
sensação visual.
39
Op. Cit., p.62.
23
24. experiência da memória, como metaforicamente nos ensina Benjamin: “Proust vencia a
tristeza sem consolo de sua vida interior (...) e construiu, com as colméias da memória,
uma casa para o enxame de seus pensamentos” 40.
No âmbito do vídeo “Casa a casa Caos I” os conceitos que abordam o processo
da memória – como lembrança e esquecimento – serviram como fontes úteis para
retratar o estado de espírito da personagem C.: seja pela abordagem bergsoniana, no
desenvolver da memória voluntária, remetida através da procura do objeto esquecido na
bolsa; seja no olhar para o relógio, que pretendeu forjar a catarse da memória
involuntária ao lançar a incógnita sobre o que teria pensado a personagem naquele
momento; ou ainda pelo olhar bachelardiano, ao relacionar a memória, do ponto de vista
existencial, com o espaço da casa. De fato, a memória de C., ao deparar-se com o
relógio, pode realmente ter evocado em C. um conjunto de sensações novas, à maneira
de G.H., personagem de Clarice Lispector, no instante reflexivo ao comer a barata
esmagada: “Como uma transcendência. Transcendência, que é a lembrança do passado
ou do presente ou do futuro. A transcendência era em mim o único modo como eu podia
alcançar a coisa?” 41.
VI.b. O VISÍVEL, O INVISÍVEL E O BURACO DA INTERMEDIAÇÃO
Outro elemento fundamental entremeado no desenvolvimento do vídeo permeou
a questão sujeito-imagem sob o ponto de vista do não-visível ou subliminar da
experiência da personagem. As cenas gravadas em que aparece o “buraco negro” bem
tentaram abordar essa perspectiva.
Hal Foster utiliza o conceito do olhar lacaniano com o fim de abordar a relação
entre o sujeito e a realidade. De acordo com essa teoria, o sujeito observador está no
40
Walter Benjamin, Magia e Técnica, Arte e Política, 1985, p.39.
41
Lispector, Clarice, A paixão segundo G.H., 2009, p. 166.
24
25. mundo42. Segundo esse autor, Jacques Lacan trata a emanação da luz que chega à retina
do objeto observado como o olhar do mundo sobre o sujeito e de um ponto de luz que
parte do objeto, que Olha o sujeito. Na leitura de Foster, a tela seria formada entre o
olhar do sujeito sobre o objeto e o Olhar que por sua vez vê o sujeito. Nessa perspectiva
a tela funcionaria como mediador entre o sujeito e o objeto-Olhar. Por outro lado,
protegeria o sujeito desse objeto, ou do Real. Ainda conforme a teoria lacaniana
interpretada por Foster, o contato direto com o Real somente seria possível na vivência
traumática, não sendo mediado pelo simbólico43. Desse modo, o ato de ver sem essa tela
ocasionaria a cegueira pelo Olhar. Assim, poderia haver momentos em que o Real
tocaria o sujeito sem mediação, rompendo a tela, ocasionando o denominado tuché a
propósito desse rompimento, ou seja, algo que dispararia como uma flecha e perfuraria
o sujeito: o choque.
Foster estabelece um paralelo entre o conceito tuché e o punctum apresentado
por Roland Barthes na obra “A Câmara Clara”. Ao descrever os elementos que
despertam seu olhar numa fotografia, Barthes apresenta o studium, o qual seria
composto de um vasto campo possível de identificar sua própria cultura:
“(...) é o studium, que não quer dizer, pelo menos de imediato,
“estudo”, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de
investimento geral, ardoroso, é verdade, mas sem acuidade particular. É pelo
studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como
testemunhos políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos: pois é
culturalmente (essa condição está presente no studium) que participo das
figuras, das caras, dos gestos, dos cenários, das ações”44.
Prosseguindo sua abordagem, Barthes estabelece o punctum como o segundo
elemento que “quebraria” o studium como uma flecha: “é também uma picada, pequeno
42
Hal Foster, The return of the Real, 2006, p. 138.
43
Lacan desenvolveu conceitos acerca de estruturas diferentes que conformariam a psiquê e controlaria
os desejos humanos: o imaginário pode ser concebido de duas maneiras: a primeira, refere-se “à ilusão de
autonomia da consciência” e a segunda, diz respeito às representações, às imagens, “matérias-primas das
identificações”. Já o registro do simbólico tem, na linguagem, sua expressão mais concreta, regendo o
sujeito do inconsciente. (Retirado de CHAVES, http://sites.ffclrp.usp.br/paideia/artigos/34/04.htm, acesso
em 13 de dezembro de 2010).
44
Roland Barthes, A Câmara Clara, 1984, p. 45-46.
25
26. buraco, pequena mancha, pequeno corte – e também lance de dados” 45. Seria algo que
faria pungir, mas também ferir. Assim, Foster estabelece a relação entre o studium e a
ordem simbólica lacaniana, e ainda entre o punctum, a mesma flecha que atingiria o
sujeito à maneira do tuché, ao romper a tela do Real.
Com amparo nessas abordagens teóricas, as cenas do vídeo “Caso a casa caos II”
retrataram a personagem C. deparando-se com o Real, idealizadas a partir da abertura de
um pequeno orifício na tela, o qual teria provocado o surgimento do “buraco negro” em
sua rotina. Seja no momento em que fecha o armário, seja quando toma café e se
apercebe do furo e tenta tapá-lo com a xícara, C. teria sido tocada por aquela
avassaladora flecha, que se elevou num rompante e a atingiu de súbito.
VII. A INSPIRAÇÃO NA OBRA DE ARTISTAS VISUAIS
CONTEMPORÂNEOS
Eu creio que existem de fato duas fontes de luz para
poder enxergar: uma é o sol ou por extensão a luz artificial;
a outra é a luz da consciência, que é aquela que ilumina e
torna as coisas claras, que permite ver as coisas que você
não consegue ver com seus olhos.
Bill Viola
A produção do Projeto “Caso a casa Caos” teve inspiração em obras de artistas
contemporâneos que buscaram refletir sobre os temas rotina, casa, memória consciente
e inconsciente e que utilizaram o vídeo ou a instalação como suporte para seu expressar
artístico.
Ao abordar a questão do papel social da mulher, a vídeo-artista Martha Rosler
produziu, no ano de 1975, um vídeo intitulado “Semiotics of the Kitchen” (Figura 1).
Nesse filme a artista propõe questionamentos sobre os padrões de feminilidade e o lugar
de ocupação da mulher na sociedade. Rosler ironiza a relação entre mulher e cozinha,
45
Op. Cit., p. 46.
26
27. nos moldes dos programas de culinária da época, utilizando cenários típicos e
enquadramentos de câmera, com a diferença que o vídeo traz imagens que remetem ao
amadorismo, de forma intencional. A imagem está desbotada e “indefinida”. A artista se
utiliza das limitações técnicas do suporte para enfatizar os significados que quer
transmitir.
Nesse vídeo, uma mulher está numa cozinha, vestida com um avental,
mostrando vários utensílios, como colheres de pau, panelas e batedeiras. O vídeo vai
mostrando os objetos de uso e ingredientes de uma receita imaginária, mas ao invés de
usar as palavras que nominam os objetos, a artista mostra os utensílios para a câmera e
são ditas palavras de frustração que denunciam o estado de dominação da mulher pela
sociedade. O vídeo demonstra, de forma irônica por meio de sons e gestos, uma
transgressão do sistema familiar de significados.
Figura 1: Vídeo Semiotics of the Kitchen, Marta Roesler, 1975
O vídeo pode ser interpretado a partir da perspectiva da mulher que inicia uma
nova negociação de sua identidade dentro de um arcabouço de estereótipos pré-
definidos pela mídia. A questão não será mais se esses estereótipos naturalizam os
modos de ver da sociedade em relação à mulher, mas principalmente como essa mulher
quer se entender dentro da sociedade46.
46
Informações adicionais sobre Roesler e sobre o vídeo em referência foram obtidas através do endereço
eletrônico: http://www.fafich.ufmg.br/espcom/revista/numero2/marina.html , acesso em 22 de novembro
de 2009.
27
28. A personagem C. de certo modo está imbuída do sentimento de cumprir
obrigações rotineiras na casa e fora dela. Em sua catarse, ela é capaz de perceber os
processos inconscientes que estão presentes em seu íntimo, a cada ato, e acaba sendo
surpreendida com tal revelação. Inicialmente C. percebe que momentos de seu cotidiano
são permeados de angústia com o tempo - ou a falta dele - no contexto de uma rotina
cercada de horários. A relação com os objetos parece igualmente inspiradora, a partir
do instante em que os significados inerentes são colocados em perspectiva. Qual seria a
função de um pires? C. reflete sobre essa funcionalidade:
“... volto para o real e para a concretude dos objetos. Onde estão os
pires da casa? Descubro que o último remanescente quebrou ontem. Não tenho
mais pires. Quanta metáfora há num pires. Algo que intermedeia a mesa e a
xícara”.
Além do vídeo de Roesler, outro paradigma envolvendo o paralelo entre
consciente e inconsciente, mostrados na produção final do vídeo C., foi inspirado pelo
filme “The Passing”, de Bill Viola. O vídeo pretende mostrar as experiências mais
importantes da vida do artista em fragmentos de imagens, como que surgidas de sonhos.
As imagens do inconsciente, oníricas, são interrompidas por momentos em que Viola
desperta de seu sono, intercalando com o enquadramento que coloca seu olho em
primeiro plano.
28
29. Figura 2: Vídeo The Passing, Bill Viola, 1991
Nesse vídeo, Viola não utiliza referências de espaço e tempo claras, pois
acontecimentos e imagens de objetos e pessoas se sucedem sem lógica. “The Passing” é
considerado autobiográfico, uma vez que envolve cenas com a família e paisagens que
relembram memórias de sua infância - como um quase afogamento quando ele tinha 10
anos de idade, além da morte de sua mãe e o nascimento de seu primeiro filho,
intercaladas pelos momentos em que o vídeo-artista desperta de seu estado de
inconsciência.
Bill Viola apresenta nesse vídeo experiências profundas passadas em sua vida.
Através de imagens acuradamente preparadas, o artista é capaz de experimentar
momentos captados de sua própria vida e resignificá-los, utilizando seus traumas, suas
dores e sensações conforme suas impressões e memórias. Buscando mostrar além
daquilo que está exposto em sua vida, Viola parece ter a intenção de revelar como seria
seu interior. Segundo seu depoimento, a consciência desperta é a parte do ser humano
que pega o ônibus na hora certa, que vai ao banco tirar dinheiro, que marca encontros e
vai ao trabalho e que, portanto, constituiria uma pequena parte de quem somos na
totalidade de nossos seres. O vídeo-artista pretende nessa obra fazer uma reflexão entre
o despertar consciente e trazer à baila a base do iceberg do que seria o inconsciente:
"Um fato real é simplesmente um estreito foco de luz num grande quarto
escuro do qual não tomamos consciência, e este quarto escuro está presente
enquanto estamos acordados assim como no sonho. A única diferença é que
durante o sono o foco de luz é desligado, e durante o dia está ligado e tende a
pensar em grandes termos, tende a pensar que é o mais importante e que sabe
o que está acontecendo, e desconfia ou ignora os níveis mais profundos.
Então, eu acho que nós estamos sonhando constantemente, tendo visões
constantes, que nós estamos conectados a níveis mais profundos, e que nós
apenas não estamos conscientes disso, e que essa mente mais profunda,
aquele 'eu maior', é a parte de nós que pode voar através de paredes, sobre
29
30. montanhas, deixar nossos corpos, pode voltar no tempo ou ir em frente, no
futuro"47.
O vídeo de C. de certo modo buscou fazer uma ponte entre a realidade e os
devaneios: a relação com as coisas e os objetos da casa, seja no modo “consciência
desperta” , seja no despertar de seu inconsciente (Caso a Casa Caos I e II).
De fato, C. parece padecer das sensações de seu cotidiano quando,
inconscientemente, mescla sua relação com os objetos da casa com a rotina. Teria a
rotina familiar influência sobre o espaço da casa?
Tornou-se senso comum afirmar, nos estudos sobre processos psicológicos, que
no decorrer da primeira infância são registradas marcas indeléveis que determinam o
comportamento do ser humano até o fim da vida. Talvez por essa razão, o resgate das
memórias de infância que ocasionam reflexões sobre relações de tempo e cotidiano
tenha se tornado um tema recorrente na produção de artistas ao longo dos anos.
Sob a perspectiva das artes visuais, a obra “Célula” de Louise Bourgeois remete
ao conceito biológico de unidade presente nos seres vivos ao fazer um paralelo à
unidade da casa, do lar e da própria família. No olhar da artista a casa estaria
relacionada à infância e, como primeira fase da vida, capaz de provocar profundas
marcas psicológicas.
Com isso em mente e em espírito, a artista produziu sua “célula” evocando de
um lado os sentidos e, de outro, a infância e a memória. Nas próprias palavras da artista:
(...) as células representam diferentes tipos de dor: física, emocional e psicológica,
mental e intelectual... cada célula interage com o medo. O medo é dor...”.
47
As informações de Bill Viola foram adaptadas dos textos pesquisados nos sites
http://www.experimentaltvcenter.org/history/people/ptext.php3?id=53&page=1 e
http://www.facom.ufba.br/pex/1996_2/bruno.pdf , acesso em 30 de novembro de 2009.
30
31. Figura 3: Instalação Célula, Louise Bourgeois, 1990-93
Conforme se depreende da imagem, há uma guilhotina pendente sobre a réplica
da casa em que Bourgeois cresceu. Trata-se de uma metáfora da lembrança de infância,
rememorando a casa paterna, como se o corte representasse o presente eliminando o
passado. As relações familiares e a angústia da criança são retratadas pela artista de
modo que, segundo ela própria, representam a menina que nunca cresceu. Prossegue
Bourgeois:
“(...) minha infância nunca perdeu sua mágica, nunca perdeu seu
mistério e nunca perdeu seu drama” (...) Eu preciso de minhas memórias.
Elas são meus documentos. Eu as vigio. São minha privacidade e tenho um
ciúme intenso delas. Cézanne disse: “Tenho ciúme de minhas pequenas
sensações”. Lembrar-se e devanear é negativo. Você vai na direção delas ou
elas vêm em sua direção? Se vai a elas, está perdendo tempo. A saudade não
é produtiva. Se elas vêm a você, são as sementes da escultura. ” 48
Bourgeois ao abordar a difícil lembrança paterna alega que o presente destrói o
passado todos os dias. Mas complementa que conversar significa trocar memórias: “(...)
tempo – o tempo vivido, o tempo esquecido, o tempo compartilhado. O que o tempo
48
Texto com informações do artigo de Paulo Herkenhoff publicado em http://entretenimento.uol.com.br/
27bienal/anteriores/1996/artistas/louisebourgeois.jhtm: acesso em 20 de novembro de 2009.
31
32. inflige – pó e desintegração? Minhas reminiscências me ajudam a viver no presente, e
quero que elas sobrevivam. Sou uma prisioneira de minhas emoções”49.
Fazendo um contraponto ao projeto “Caso a casa Caos”, pode-se dizer que o
enfoque da mensagem da obra “Célula” aproxima-se do ambiente de C. no sentido de
que as imagens retratadas no interior da casa transmitem certa angústia claustrofóbica.
Ademais, esse rico material trazido por Bourgeois – a sensação de rememorar
experiências associada à reflexão sobre a rotina íntima da casa – serviu de importante
referência à elaboração dos vídeos “Caso a casa Caos I e II”.
CONCLUSÃO
O “Projeto Caso a casa Caos” teve sua gênese a partir de um esboço
desenvolvido em Projeto Interdisciplinar, disciplina integrante do bacharelado em Artes
Plásticas. A idéia surgiu inicialmente de um diário poético fotográfico seqüenciado por
teorias sobre a imagem, memória e a rotina. O projeto foi sendo maturado nas
disciplinas posteriores, com a inclusão da narrativa e do vídeo, que por sua vez foram
contaminados pelos pressupostos teóricos sobre o significado da casa e a relação
sujeito-transcendente e os objetos que nela estão depositados.
As discussões teóricas que giram em torno das obras de arte são fruto da linha do
tempo da própria Arte. Após as diferentes manifestações primitivas, medievais,
renascentistas, perpassando as mais variadas escolas e vanguardas artísticas, o ambiente
da arte contemporânea corresponde – e reflete – o arcabouço complexo da sociedade da
informação. Tamanha multiplicidade de canais e meios comunicativos pode ser
observada no fazer artístico da contemporaneidade: é o fazer sentindo, pensando,
49
Informações retiradas do endereço eletrônico http://editora.cosacnaify.com.br/ObraDadosTecnicos
/10381/Louise-Bourgeois-destruiçao-do-pai,-reconstrucao-do-pai.aspx Louise Bourgeois, Destruição do
pai, Reconstrução do Pai, Cosac Naify, 2001, acesso em fevereiro de 2011.
32
33. instigando, refletindo, conjecturando, imaginando, criando e, diferencialmente,
mesclando todo o tipo de linguagens, conceitos e tecnologias. A ruptura de modelos e
regras historicamente sedimentados no campo das artes e o desenvolvimento das
diferentes mídias (processadores, editores de vídeo, filmadoras etc) alteraram
substancialmente o tecido artístico da modernidade, conforme é possível apreender da
produção dos diferentes artistas referenciados neste trabalho.
Em síntese, o processo construtivo do projeto “Caso a casa Caos” é consentâneo
ao vasto ambiente da contemporaneidade. Aqui se deve situar o desenvolvimento desta
obra, a qual pretendeu suscitar reflexões sobre temas diversos50, utilizando diferentes
meios para a representação que, por fim, culminaram no fazer artístico de um tempo
presente.
50
A casa do ser e o ser da casa. Uma pequena sentença que pode se desdobrar infinitamente.
33
34. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUSTER, Paul. A Invenção da Solidão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
A Intuição do Instante.São Paulo: Verus, 2007
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Perspectiva, 2008.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo : Brasiliense, 1985.
BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
BRASSAI, Gilberte. Proust e a Fotografia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
DELEUZE, Gilles. Francis Bacon e a Lógica da Sensação. São Paulo: Zahar, 2007.
FOSTER, Hal. The Return of the Real: the avant-garde at the end of the century.
Cambridge: MIT Press, 1996.
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H.. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
_________________. Para não esquecer. http://claricelispector.blogspot.com/
2008/02/os-espelhos.html (acesso em 07 de fevereiro de 2011)
MERLEAU-PONTY, MAURICE. O Olho e o Espírito. São Paulo: Cosac&Naif, 2004.
___________________________. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2007.
POE, Edgar Allan. A queda da casa de Usher. http://www.poebrasil.com.br
/index.php?option=com_content&view= article&id=105&Itemid=60 (acesso em 23 de
junho de 2010)
SARTRE, Jean Paul. A Imaginação. São Paulo: L&PM, 2008.
SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2004.
34
35. ANEXO 1 – AS IMAGENS DO PROJETO CASO A CASA CAOS
Caso a Casa Caos I - O armário de C.
Caso a Casa Caos II – Xícara e caderno de anotações de C.
35
36. Caso a casa Caos I – Cama de C.
Caso a casa Caos II – Cama de C.
36
37. Caso a casa Caos II – O rasgo do Real de C.
37