SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 4
AVISO DA LUA QUE MENSTRUA
Elisa Lucinda
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos..
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
A FÚRIA DA BELEZA
Elisa Lucinda
Estupidamente bela
a beleza dessa maria-sem-vergonha rosa
soca meu peito esta manhã!
Estupendamente funda,
a beleza, quando é linda demais,
dá uma imagem feita só de sensações,
de modo que, apesar de não se ter consciência desse todo,
naquele instante não nos falta nada.
É um pá. Um tapa. Um gole.
Um bote nos paralisa, organiza,
dispersa, conecta e completa!
Estonteantemente linda
a beleza doeu profundo no peito essa manhã.
Doeu tanto que eu dei de chorar,
por causa e uma flor comum e misteriosa do caminho.
Uma delicada flor ordinária,
brotada da trivialidade do mato,
nascida do varejo da natureza,
me deu espanto!
Me tirou a roupa, o rumo, o prumo
e me pôs a mesa...
é a porrada da beleza!
Eu dei de chorar de uma alegria funda,
quase tristeza.
Acontece às vezes e não avisa.
A coisa estarrece e abre-se um portal.
É uma dobradura do real, uma dimensão dele,
uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum.
Porque é real.
Doeu a flor em mim tanto e com tanta força
que eu dei de soluçar!
O esplendor do que eu vi era pancada,
era baque e era bonito demais!
Penso, às vezes, que vivo para esse momento
indefinível, sagrado, material, cósmico,
quase molecular.
Posto que é mistério,
descrevê-lo exato perambula ermo
dentro da palavra impronunciável.
Sei que é desta flechada de luz
que nasce o acontecimento poético.
Poesia é quando a iluminação zureta,
bela e furiosa desse espanto
se transforma em palavra!
A florzinha distraída
existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã,
doeu profundo como se passasse do ponto.
Como aquele ponto do gozo,
como aquele ápice do prazer
que a gente pensa que vai até morrer!
Como aquele máximo indivisível,
que, de tão bom, é bom de doer,
aquele momento em que a gente pede pára
querendo que e não podendo mais querer,
porque mais do que aquilo
não se agüenta mais,
sabe como é?
Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é!
DEI UM GELO NELA (O POEMA DA GELADEIRA)
Elisa Lucinda
Estava há uma semana vazia...
Fazia dias que ela não gelava senão água.
Até que choveu na minha conta outro dia:
Saí, comprei aves, peixes, lagostas, camarões...
Olhei pra ela, estava cheia.
Chuchus sorriam pra mim: há quanto tempo... diziam.
Uvas e beterrabas batiam palminhas do reencontro
Até a galinha morta era feliz por mim. Dormi pensando em receitas boas.
Acredita que de manhã um carrasco havia sido pago pra levá-la?
Ela que nunca foi totalmente minha.
Liguei pra dona, me humilhei sozinha dentro do discurso justo de que sou artista
e por isso inconstante na economia. E a dona nada. Não cedia.
O carrasco ia levar minha deusa, minha neve possível, minha geada de estimação.
À hora marcada, chorei agarrada àquela cônsul mimada demais por mim;
Tão adotiva, tão afetiva... eu atracada a ela, pedia, gemia...
E ela, nada; ela fria, desligada, já não me dava nem gelos.
Fiquei sem patrimônio. Sem preservação de alimentos.
Fiquei sem centro, a zombar de mim.
Até que me lembrei dos meus bens: a coragem, a beleza, a força, a poesia, a esperteza.
coisas que não se encontram em pontos-frios,
coisas que não são substituíveis por um isopor.
Então já amanheci pondo coentros nas jarras como flores!
Curei minhas dores sem congelamento.
Me virei por dentro onde tudo é mantido quente vivo.
Tirei tudo de letra e de ouvido
como quem tira uma música!
(Da série “Eletrodométricos”)
MANHÃ AZUL
(Elisa Lucinda)
Pão fresquinho
quentinho
manteigaamante dacasquinha
sobre a mesade café
leiopoemasque dãotapinhas
no meucoração.
se algumdia sofri,esqueci.
Mario Quintanaé o
Passarinhomaisinteligente
Que já conheci.
INCOMPREENSÃO DOS MISTÉRIOS
Elisa Lucinda
Saudades de minhamãe.
Sua morte faz um anoe um fato
Essa coisa fez
eu brigarpelaprimeiravez
com a naturezadascoisas:
que desperdício,que descuido
que burrice de Deus!
Não de elaperdera vida
mas a vidade perdê-la.
Olhopra elae seuretrato.
Nesse dia,Deusdeuumasaidinha
e o vice erafraco.

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

Macaco danado historia dia das mães
Macaco danado historia dia das mãesMacaco danado historia dia das mães
Macaco danado historia dia das mães
Roberta Carneiro
 
A verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionados
A verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionadosA verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionados
A verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionados
Renata Maria
 
O Grilo E O Sapo
O Grilo E O SapoO Grilo E O Sapo
O Grilo E O Sapo
Rita Steter
 
O Anel Mágico...por Alice e Beatriz!
 O Anel Mágico...por  Alice e Beatriz! O Anel Mágico...por  Alice e Beatriz!
O Anel Mágico...por Alice e Beatriz!
isabel preto
 
ATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdf
ATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdfATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdf
ATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdf
jottaa017
 
Sequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animais
Sequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animaisSequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animais
Sequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animais
Profª Gr@ç@
 

La actualidad más candente (20)

A nuvenzinha triste
A nuvenzinha tristeA nuvenzinha triste
A nuvenzinha triste
 
Clarice lispector quase de verdade (pdf)(rev)
Clarice lispector   quase de verdade (pdf)(rev)Clarice lispector   quase de verdade (pdf)(rev)
Clarice lispector quase de verdade (pdf)(rev)
 
Macaco danado historia dia das mães
Macaco danado historia dia das mãesMacaco danado historia dia das mães
Macaco danado historia dia das mães
 
A verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionados
A verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionadosA verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionados
A verdade sobre os contos de fadas e outros arquivos relacionados
 
CINDERELA - LIVRO DIGITAL
CINDERELA - LIVRO DIGITALCINDERELA - LIVRO DIGITAL
CINDERELA - LIVRO DIGITAL
 
Chapeuzinho vermelho alunos
Chapeuzinho vermelho alunosChapeuzinho vermelho alunos
Chapeuzinho vermelho alunos
 
A sopa verde
A sopa verdeA sopa verde
A sopa verde
 
O número feliz: número 2
O número feliz: número 2O número feliz: número 2
O número feliz: número 2
 
2º DIA DE AULA - SANTA MARIA MENINA
2º DIA DE AULA - SANTA MARIA MENINA2º DIA DE AULA - SANTA MARIA MENINA
2º DIA DE AULA - SANTA MARIA MENINA
 
A lenda da mandioca
A lenda da mandiocaA lenda da mandioca
A lenda da mandioca
 
A galinha ruiva completa
A galinha ruiva completaA galinha ruiva completa
A galinha ruiva completa
 
Ficha tecnica
Ficha tecnicaFicha tecnica
Ficha tecnica
 
MIBE - Poemas 3.º ciclo- 2022.pdf
MIBE - Poemas 3.º ciclo- 2022.pdfMIBE - Poemas 3.º ciclo- 2022.pdf
MIBE - Poemas 3.º ciclo- 2022.pdf
 
O Grilo E O Sapo
O Grilo E O SapoO Grilo E O Sapo
O Grilo E O Sapo
 
Maria vai-com-as-outras
Maria vai-com-as-outrasMaria vai-com-as-outras
Maria vai-com-as-outras
 
O Anel Mágico...por Alice e Beatriz!
 O Anel Mágico...por  Alice e Beatriz! O Anel Mágico...por  Alice e Beatriz!
O Anel Mágico...por Alice e Beatriz!
 
Parlenda vaca amarela
Parlenda vaca amarelaParlenda vaca amarela
Parlenda vaca amarela
 
Capa de avaliações
Capa de avaliaçõesCapa de avaliações
Capa de avaliações
 
ATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdf
ATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdfATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdf
ATIVIDADE DE LEITURA ONDE ESTÁ.pdf
 
Sequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animais
Sequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animaisSequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animais
Sequência didática pesquisando e escrevendo sobre os animais
 

Similar a 1ª coletânea de poemas Elisa Lucinda

Cozinha De Afrodite
Cozinha De  AfroditeCozinha De  Afrodite
Cozinha De Afrodite
penacozinha
 
Contos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novoContos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novo
nonoano
 
Contos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novoContos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novo
nonoano
 
Sem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um AcenoSem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um Aceno
guesta47b474
 
Vou Me Embora...
Vou Me Embora...Vou Me Embora...
Vou Me Embora...
guest599721
 
Vou Me Embora...
Vou Me Embora...Vou Me Embora...
Vou Me Embora...
guest599721
 
Vou Me Embora...
Vou Me Embora...Vou Me Embora...
Vou Me Embora...
guest599721
 
EDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdf
EDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdfEDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdf
EDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdf
Rosianny Loppes
 

Similar a 1ª coletânea de poemas Elisa Lucinda (20)

Aviso da lua que menstrua
Aviso da lua que menstruaAviso da lua que menstrua
Aviso da lua que menstrua
 
Cartas de amor
Cartas de amorCartas de amor
Cartas de amor
 
Cozinha De Afrodite
Cozinha De  AfroditeCozinha De  Afrodite
Cozinha De Afrodite
 
117
117117
117
 
Homenagem a Francisco Neves de Macedo
Homenagem a Francisco Neves de MacedoHomenagem a Francisco Neves de Macedo
Homenagem a Francisco Neves de Macedo
 
Carijó e as Esmeraldas
Carijó e as EsmeraldasCarijó e as Esmeraldas
Carijó e as Esmeraldas
 
Contos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novoContos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novo
 
Contos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novoContos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novo
 
Contos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novoContos de fadas slaid novo
Contos de fadas slaid novo
 
Mademoiselle Zhivago-Comentários
Mademoiselle Zhivago-ComentáriosMademoiselle Zhivago-Comentários
Mademoiselle Zhivago-Comentários
 
Como voce pode
Como voce podeComo voce pode
Como voce pode
 
415 an 20_fevereiro_2013.ok
415 an 20_fevereiro_2013.ok415 an 20_fevereiro_2013.ok
415 an 20_fevereiro_2013.ok
 
Sem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um AcenoSem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um Aceno
 
023 a contra capa a 044 aka om lind mundo
023 a contra capa a 044  aka om lind mundo023 a contra capa a 044  aka om lind mundo
023 a contra capa a 044 aka om lind mundo
 
Vou Me Embora...
Vou Me Embora...Vou Me Embora...
Vou Me Embora...
 
Vou Me Embora...
Vou Me Embora...Vou Me Embora...
Vou Me Embora...
 
Vou Me Embora...
Vou Me Embora...Vou Me Embora...
Vou Me Embora...
 
Vou-me embora para Pasárgada
Vou-me embora para PasárgadaVou-me embora para Pasárgada
Vou-me embora para Pasárgada
 
Aromas
AromasAromas
Aromas
 
EDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdf
EDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdfEDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdf
EDGAR ALLAN POE Historias_Extraordinarias TRADUÇAO CLARICE LISPECTOR.pdf
 

Más de Fabiana Esteves

ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...
ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...
ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...
Fabiana Esteves
 
Literatura na infância caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015
Literatura na infância   caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015Literatura na infância   caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015
Literatura na infância caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015
Fabiana Esteves
 
Planejamento e rotina pnaic 2015
Planejamento e rotina pnaic 2015Planejamento e rotina pnaic 2015
Planejamento e rotina pnaic 2015
Fabiana Esteves
 

Más de Fabiana Esteves (20)

Plano semanal africanidades
Plano semanal africanidadesPlano semanal africanidades
Plano semanal africanidades
 
O que posso fazer para ajudar no processo de aprendizagem do
O que posso fazer para ajudar no processo de aprendizagem doO que posso fazer para ajudar no processo de aprendizagem do
O que posso fazer para ajudar no processo de aprendizagem do
 
Meu aluno do quarto ano não está alfabetizado..docx
Meu aluno do quarto ano não está alfabetizado..docxMeu aluno do quarto ano não está alfabetizado..docx
Meu aluno do quarto ano não está alfabetizado..docx
 
O curriculo no ciclo de alfabetização
O curriculo no ciclo de alfabetizaçãoO curriculo no ciclo de alfabetização
O curriculo no ciclo de alfabetização
 
Encontro Pnaic 17 de outubro 2015
Encontro Pnaic 17 de outubro 2015 Encontro Pnaic 17 de outubro 2015
Encontro Pnaic 17 de outubro 2015
 
Estabelecendo metas e organizando o trabalho
Estabelecendo metas e organizando o trabalhoEstabelecendo metas e organizando o trabalho
Estabelecendo metas e organizando o trabalho
 
2ª Encontro PNAIC 17 de out 2015
2ª Encontro PNAIC 17 de out 20152ª Encontro PNAIC 17 de out 2015
2ª Encontro PNAIC 17 de out 2015
 
ENTRE NA RODA - MÓDULO 1
ENTRE NA RODA  - MÓDULO 1ENTRE NA RODA  - MÓDULO 1
ENTRE NA RODA - MÓDULO 1
 
ENTRE NA RODA - INTRODUÇÃO
ENTRE NA RODA - INTRODUÇÃOENTRE NA RODA - INTRODUÇÃO
ENTRE NA RODA - INTRODUÇÃO
 
7 plataformas de autopublicação para novos escritores
7 plataformas de autopublicação para novos escritores7 plataformas de autopublicação para novos escritores
7 plataformas de autopublicação para novos escritores
 
Slides bordando leituras
Slides bordando leiturasSlides bordando leituras
Slides bordando leituras
 
Cora Coralina
Cora CoralinaCora Coralina
Cora Coralina
 
Biografia Cora Coralina
Biografia Cora CoralinaBiografia Cora Coralina
Biografia Cora Coralina
 
Sala de leitura e alfabetização: apoio pedagógico?
Sala de leitura e alfabetização: apoio pedagógico?Sala de leitura e alfabetização: apoio pedagógico?
Sala de leitura e alfabetização: apoio pedagógico?
 
Concepções de leitura
Concepções de leituraConcepções de leitura
Concepções de leitura
 
Encontro PNAIC 12 de setembro 2015 Fabiana Esteves
Encontro PNAIC 12 de setembro 2015 Fabiana EstevesEncontro PNAIC 12 de setembro 2015 Fabiana Esteves
Encontro PNAIC 12 de setembro 2015 Fabiana Esteves
 
ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...
ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...
ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA DE SE...
 
Literatura na infância caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015
Literatura na infância   caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015Literatura na infância   caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015
Literatura na infância caminhos para conquistar novos leitores - julho 2015
 
Caminhão Leia Caxias
Caminhão Leia CaxiasCaminhão Leia Caxias
Caminhão Leia Caxias
 
Planejamento e rotina pnaic 2015
Planejamento e rotina pnaic 2015Planejamento e rotina pnaic 2015
Planejamento e rotina pnaic 2015
 

1ª coletânea de poemas Elisa Lucinda

  • 1. AVISO DA LUA QUE MENSTRUA Elisa Lucinda Moço, cuidado com ela! Há que se ter cautela com esta gente que menstrua... Imagine uma cachoeira às avessas: cada ato que faz, o corpo confessa. Cuidado, moço às vezes parece erva, parece hera cuidado com essa gente que gera essa gente que se metamorfoseia metade legível, metade sereia. Barriga cresce, explode humanidades e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar mas é outro lugar, aí é que está: cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.. Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente que vai cair no mesmo planeta panela. Cuidado com cada letra que manda pra ela! Tá acostumada a viver por dentro, transforma fato em elemento a tudo refoga, ferve, frita ainda sangra tudo no próximo mês. Cuidado moço, quando cê pensa que escapou é que chegou a sua vez! Porque sou muito sua amiga é que tô falando na "vera" conheço cada uma, além de ser uma delas. Você que saiu da fresta dela delicada força quando voltar a ela. Não vá sem ser convidado ou sem os devidos cortejos.. Às vezes pela ponte de um beijo já se alcança a "cidade secreta" a Atlântida perdida. Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela. Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas cai na condição de ser displicente diante da própria serpente Ela é uma cobra de avental Não despreze a meditação doméstica É da poeira do cotidiano que a mulher extrai filosofando cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso julgando a arte do almoço: Eca!... Você que não sabe onde está sua cueca? Ah, meu cão desejado tão preocupado em rosnar, ladrar e latir então esquece de morder devagar esquece de saber curtir, dividir. E aí quando quer agredir chama de vaca e galinha. São duas dignas vizinhas do mundo daqui! O que você tem pra falar de vaca? O que você tem eu vou dizer e não se queixe: VACA é sua mãe. De leite. Vaca e galinha... ora, não ofende. Enaltece, elogia: comparando rainha com rainha óvulo, ovo e leite pensando que está agredindo que tá falando palavrão imundo. Tá, não, homem. Tá citando o princípio do mundo!
  • 2. A FÚRIA DA BELEZA Elisa Lucinda Estupidamente bela a beleza dessa maria-sem-vergonha rosa soca meu peito esta manhã! Estupendamente funda, a beleza, quando é linda demais, dá uma imagem feita só de sensações, de modo que, apesar de não se ter consciência desse todo, naquele instante não nos falta nada. É um pá. Um tapa. Um gole. Um bote nos paralisa, organiza, dispersa, conecta e completa! Estonteantemente linda a beleza doeu profundo no peito essa manhã. Doeu tanto que eu dei de chorar, por causa e uma flor comum e misteriosa do caminho. Uma delicada flor ordinária, brotada da trivialidade do mato, nascida do varejo da natureza, me deu espanto! Me tirou a roupa, o rumo, o prumo e me pôs a mesa... é a porrada da beleza! Eu dei de chorar de uma alegria funda, quase tristeza. Acontece às vezes e não avisa. A coisa estarrece e abre-se um portal. É uma dobradura do real, uma dimensão dele, uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum. Porque é real. Doeu a flor em mim tanto e com tanta força que eu dei de soluçar! O esplendor do que eu vi era pancada, era baque e era bonito demais! Penso, às vezes, que vivo para esse momento indefinível, sagrado, material, cósmico, quase molecular. Posto que é mistério, descrevê-lo exato perambula ermo dentro da palavra impronunciável. Sei que é desta flechada de luz que nasce o acontecimento poético. Poesia é quando a iluminação zureta, bela e furiosa desse espanto se transforma em palavra! A florzinha distraída existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã, doeu profundo como se passasse do ponto. Como aquele ponto do gozo, como aquele ápice do prazer que a gente pensa que vai até morrer! Como aquele máximo indivisível, que, de tão bom, é bom de doer, aquele momento em que a gente pede pára querendo que e não podendo mais querer, porque mais do que aquilo não se agüenta mais, sabe como é? Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é!
  • 3. DEI UM GELO NELA (O POEMA DA GELADEIRA) Elisa Lucinda Estava há uma semana vazia... Fazia dias que ela não gelava senão água. Até que choveu na minha conta outro dia: Saí, comprei aves, peixes, lagostas, camarões... Olhei pra ela, estava cheia. Chuchus sorriam pra mim: há quanto tempo... diziam. Uvas e beterrabas batiam palminhas do reencontro Até a galinha morta era feliz por mim. Dormi pensando em receitas boas. Acredita que de manhã um carrasco havia sido pago pra levá-la? Ela que nunca foi totalmente minha. Liguei pra dona, me humilhei sozinha dentro do discurso justo de que sou artista e por isso inconstante na economia. E a dona nada. Não cedia. O carrasco ia levar minha deusa, minha neve possível, minha geada de estimação. À hora marcada, chorei agarrada àquela cônsul mimada demais por mim; Tão adotiva, tão afetiva... eu atracada a ela, pedia, gemia... E ela, nada; ela fria, desligada, já não me dava nem gelos. Fiquei sem patrimônio. Sem preservação de alimentos. Fiquei sem centro, a zombar de mim. Até que me lembrei dos meus bens: a coragem, a beleza, a força, a poesia, a esperteza. coisas que não se encontram em pontos-frios, coisas que não são substituíveis por um isopor. Então já amanheci pondo coentros nas jarras como flores! Curei minhas dores sem congelamento. Me virei por dentro onde tudo é mantido quente vivo. Tirei tudo de letra e de ouvido como quem tira uma música! (Da série “Eletrodométricos”)
  • 4. MANHÃ AZUL (Elisa Lucinda) Pão fresquinho quentinho manteigaamante dacasquinha sobre a mesade café leiopoemasque dãotapinhas no meucoração. se algumdia sofri,esqueci. Mario Quintanaé o Passarinhomaisinteligente Que já conheci. INCOMPREENSÃO DOS MISTÉRIOS Elisa Lucinda Saudades de minhamãe. Sua morte faz um anoe um fato Essa coisa fez eu brigarpelaprimeiravez com a naturezadascoisas: que desperdício,que descuido que burrice de Deus! Não de elaperdera vida mas a vidade perdê-la. Olhopra elae seuretrato. Nesse dia,Deusdeuumasaidinha e o vice erafraco.